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1 A LINGUAGEM E A ESCRITA NOS ANOS INICIAIS 22 S U M Á R IO 3 UNIDADE 1 - Introdução 7 UNIDADE 2 - Alfabetização nas séries iniciais 18 UNIDADE 3 - A fala, a leitura e a escrita 21 UNIDADE 4 - A leitura na escola: práticas e competências 29 UNIDADE 5 - Os gêneros literários 38 UNIDADE 6 - Introdução às dificuldades de leitura e escrita 47 REFERÊNCIAS 33 UNIDADE 1 - Introdução A Educação infantil e séries iniciais do en- sino fundamental aqui entendido como 0 a 6 anos (creche, pré-escola) e 1º ao 5º ano é fun- damentada no desenvolvimento cognitivo, físico, afetivo, ético e estético dos pequenos discentes que ali se encontram e, igualmente, a formação dos docentes que vão trabalhar com esses sujeitos precisa ser ampla. Por acreditarmos, assim como vários au- tores que serão utilizados ao longo desta apostila, que a integração entre a teoria e a prática é de elevada importância para o su- cesso no cotidiano do seu trabalho, formando no professor uma consciência crítico-social, vamos ao longo das apostilas do curso utilizar em abundância das metodologias de ensino, não esquecendo é claro, das teorias que em- basam cada uma delas. O planejamento conjunto e interdisciplinar das aulas, a definição dos objetivos, o modo como caminhar (apresentação dos conteú- dos) de maneira agradável, com alegria, com riqueza e motivar os alunos rumo ao conheci- mento, considerando o contexto onde estão inseridos são pontos que o professor deve le- var sempre em consideração. A Constituição Federal Brasileira de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na- cional (LDB nº 9394/96), o Plano Nacional de Educação (PNE – Lei nº 10.172/01), as Diretri- zes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Pedagogia, os Parâmetros Curriculares Na- cionais (PCN) e outros documentos afins se- rão os balizadores dos nossos estudos, como podemos constatar nas redações abaixo: De acordo com a Constituição Brasileira, o ensino fundamental é obrigatório e gratuito. O art. 208 preconiza a garantia de sua oferta, inclusive para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. É básico na formação do cidadão, pois de acordo com a Lei de Dire- trizes e Bases da Educação Nacional, em seu art. 32, o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo constituem meios para o desen- volvimento da capacidade de aprender e de se relacionar no meio social e político. É prio- ridade oferecê-lo a toda população brasileira. A educação infantil é um direito de toda criança e uma obrigação do Estado (art. 208, IV da Constituição Federal). A criança não está obrigada a frequentar uma instituição de educação infantil, mas sempre que sua famí- lia deseje ou necessite, o Poder Público tem o dever de atendê-la. Em vista daquele direito e dos efeitos positivos da educação infantil so- bre o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças, já constatado por muitas pesquisas, o atendimento de qualquer criança num esta- belecimento de educação infantil é uma das mais sábias estratégias de desenvolvimento humano, de formação da inteligência e da personalidade, com reflexos positivos sobre todo o processo de aprendizagem posterior. Por isso, no mundo inteiro, esse segmento da educação vem crescendo significativamente e vem sendo recomendado por organismos e conferências internacionais. A educação infantil é a primeira eta- pa da Educação Básica. Ela estabelece as bases da personalidade humana, da inteligência, da vida emocional, da socia- lização. As primeiras experiências da vida são as que marcam mais profundamen- te a pessoa. Quando positivas, tendem a reforçar, ao longo da vida, as atitudes de autoconfiança, de cooperação, soli- dariedade, responsabilidade. As ciências que se debruçaram sobre a criança nos últimos cinquenta anos, investigando como se processa o seu desenvolvimento, 4 coincidem em afirmar a importância dos primeiros anos de vida para o desenvol- vimento e aprendizagem posteriores. E têm oferecido grande suporte para a edu- cação formular seus propósitos e atuação a partir do nascimento. A pedagogia mes- ma vem acumulando considerável experi- ência e reflexão sobre sua prática nesse campo e definindo os procedimentos mais adequados para oferecer às crianças in- teressantes, desafiantes e enriquecedo- ras oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem. A educação infantil inau- gura a educação da pessoa (PNE/01). A formação dos profissionais da edu- cação infantil merecerá uma atenção es- pecial, dada a relevância de sua atuação como mediadores no processo de desen- volvimento e aprendizagem. A qualifica- ção específica para atuar na faixa de zero a seis anos inclui o conhecimento das ba- ses científicas do desenvolvimento da criança, da produção de aprendizagens e a habilidade de reflexão sobre a prática, de sorte que esta se torne, cada vez mais, fonte de novos conhecimentos e habili- dades na educação das crianças. Além da formação acadêmica prévia, requer-se a formação permanente, inserida no traba- lho pedagógico, nutrindo-se dele e reno- vando-o constantemente. Para orientar uma prática pedagógi- ca condizente com os dados das ciências e mais respeitosa possível do processo unitário de desenvolvimento da criança, constitui diretriz importante a superação das dicotomias creche/pré-escola, as- sistência ou assistencialismo/educação, atendimento a carentes/educação para classe média e outras, que orientações políticas e práticas sociais equivocadas foram produzindo ao longo da história. Educação e cuidados constituem um todo indivisível para crianças indivisíveis, num processo de desenvolvimento marcado por etapas ou estágios em que as ruptu- ras são bases e possibilidades para a se- quência (PNE/01). Segundo a Câmara de Educação Básica (BRASIL, 1998), as Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamen- tos e procedimentos na Educação Básica, expressas pela Câmara de Educação Bási- ca do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos siste- mas de ensino, na organização, na articu- lação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas. Para orientar as práticas educacionais em nosso país, respeitando as variedades curriculares já existentes em Estados e Municípios, ou em processo de elabora- ção, a Câmara de Educação Básica do Con- selho Nacional de Educação estabelece as seguintes Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental: I - As escolas deverão estabelecer, como norteadores de suas ações pedagó- gicas: a) os Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum; b) os Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do exercício da Cri- ticidade e do respeito à Ordem Democrá- tica; c) os Princípios Estéticos da Sensibili- dade, da Criatividade, e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. Estes princípios deverão fundamentar 5 as práticas pedagógicas das escolas, pois será através da Autonomia, da Responsa- bilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum, que a Ética fará parte da vida cidadã dos alunos. Da mesma forma os Direitos e Deve- res de Cidadania e o Respeito à Ordem Democrática, ao orientarem as práticas pedagógicas, introduzirão cada aluno na vida em sociedade, que busca a justiça, a igualdade, a equidade e a felicidade para o indivíduo e para todos. O exercício da Cri- ticidade estimulará a dúvida construtiva, a análise de padrões em que direitos e de- veres devam ser considerados, na formu- lação de julgamentos. Viver na sociedade brasileira é funda- mentar as práticas pedagógicas, a partir dos Princípios Estéticos da Sensibilida- de, que reconhece nuances e variaçõesno comportamento humano. Assim como da Criatividade, que estimula a curiosida- de, o espírito inventivo, a disciplina para a pesquisa e o registro de experiências e descobertas. E, também, da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais, reconhecendo a imensa riqueza da nação brasileira em seus modos próprios de ser, agir e expressar-se (PARECER CEB 4/98). Os PCNs (BRASIL, 1998) vem corrobo- rar com as intenções e metas expostas anteriormente! A importância dada aos conteúdos re- vela um compromisso da instituição es- colar em garantir o acesso aos saberes elaborados socialmente, pois estes se constituem como instrumentos para o de- senvolvimento, a socialização, o exercício da cidadania democrática e a atuação no sentido de refutar ou reformular as de- formações dos conhecimentos, as impo- sições de crenças dogmáticas e a petrifi- cação de valores. Os conteúdos escolares que são ensinados devem, portanto, estar em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histórico. Isso requer que a escola seja um espa- ço de formação e informação, em que a aprendizagem de conteúdos deve neces- sariamente favorecer a inserção do aluno no dia-a-dia das questões sociais mar- cantes e em um universo cultural maior. A formação escolar deve propiciar o desen- volvimento de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das manifestações culturais nacionais e uni- versais. A prática escolar distingue-se de outras práticas educativas, como as que aconte- cem na família, no trabalho, na mídia, no lazer e nas demais formas de convívio so- cial, por constituir-se uma ação intencio- nal, sistemática, planejada e continuada para crianças e jovens durante um perío- do contínuo e extenso de tempo. A escola, ao tomar para si o objetivo de formar cida- dãos capazes de atuar com competência e dignidade na sociedade, buscará eleger, como objeto de ensino, conteúdos que estejam em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histó- rico, cuja aprendizagem e assimilação são as consideradas essenciais para que os alunos possam exercer seus direitos e de- veres. Para tanto, ainda é necessário que a instituição escolar garanta um conjunto de práticas planejadas com o propósito de contribuir para que os alunos se apro- priem dos conteúdos de maneira crítica e construtiva. A escola, por ser uma institui- ção social com propósito explicitamente 66 educativo, tem o compromisso de intervir efetivamente para promover o desenvol- vimento e a socialização de seus alunos. Essa função socializadora remete a dois aspectos: o desenvolvimento indivi- dual e o contexto social e cultural. É nessa dupla determinação que os indivíduos se constroem como pessoas iguais, mas, ao mesmo tempo, diferentes de todas as ou- tras. Iguais por compartilhar com outras pessoas um conjunto de saberes e formas de conhecimento que, por sua vez, só é possível graças ao que individualmente se puder incorporar. Não há desenvolvimen- to individual possível à margem da socie- dade, da cultura. Os processos de diferen- ciação na construção de uma identidade pessoal e os processos de socialização que conduzem a padrões de identidade coletiva constituem, na verdade, as duas faces de um mesmo processo. Cabe ao educador, por meio da inter- venção pedagógica, promover a realiza- ção de aprendizagens com o maior grau de significado possível, uma vez que esta nunca é absoluta — sempre é possível es- tabelecer alguma relação entre o que se pretende conhecer e as possibilidades de observação, reflexão e informação que o sujeito já possui. Se a aprendizagem for uma experiência de sucesso, o aluno constrói uma repre- sentação de si mesmo como alguém ca- paz. Se, ao contrário, for uma experiência de fracasso, o ato de aprender tenderá a se transformar em ameaça, e a ousadia necessária se transformará em medo, para o qual a defesa possível é a manifes- tação de desinteresse (BRASIL, 1997). Eis nosso convite: adquirir novos co- nhecimentos, aprofundar aqueles já exis- tentes, entregar-se comprometidamente à sua missão de educador e lembrar que a educação infantil e as séries iniciais são a base para o sucesso de cada sujeito/cida- dão, portanto, dentro das suas condições, grande é a responsabilidade de cada um de vocês! Esperamos que apreciem o material e busquem nas referências anotadas ao fi- nal da apostila subsídios para sanar possí- veis lacunas que venham surgir ao longo dos estudos. Ressaltamos que, embora a escrita aca- dêmica tenha como premissa ser científi- ca, baseada em normas e padrões da aca- demia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científi- cos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original. 7 UNIDADE 2 - Alfabetização nas séries iniciais 7 Introduções teóricas ao processo de alfabetização A alfabetização é um processo inicial de aquisição das capacidades básicas de leitura e escrita, que busca o domínio da linguagem escrita e suas transformações, essa é a definição básica oferecida por So- ares (2004, p. 20). Conta com as seguintes fases: Fase da garatuja; Pré-silábica; Silábica; Silábica-alfabética; Alfabética-ortográfica. A alfabetização não incide na casuali- dade, pela simples agregação das formas aos sons e aos símbolos, mas começa pela letramento, ou seja, através dos conheci- mentos diários, que acontecem muitas ve- zes por meio de ensaios e erros. Tudo isso acontece através da comunicação, onde existe o emissor – receptor – emissor de informações ou de conhecimentos. Por- tanto, a construção do aprendizado pas- sa pela alfabetização, letramento, leitura do mundo, pela mídia, pela globalização e meios tecnológicos de ensino-aprendiza- gem. Numa visão simplista, alfabetizada é a pessoa que aprende a ler e a escrever. Já o analfabeto, claramente é definido como aquele que não sabe ler nem escrever. De acordo com as considerações de So- ares (2004), na fase 1, início dessa cons- trução, as tentativas das crianças dão-se no sentido da reprodução dos traços bá- sicos da escrita com que elas se deparam no cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um “lê” em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Dessa maneira, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros. Nesta fase, a criança elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou ser a que está se referindo. Na fase 2, a hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura com- binar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir. Nesta fase, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas (não podem ser repetidas). Na fase 3, são feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Surge a chamada hi- pótese silábica, isto é, cada grafia traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafia. Há, neste momento, um con- flito entre a hipótese silábica e a quanti- dade mínima de letras exigidas para que a escrita possa ser lida. A criança, neste nível, trabalhando com a hipótese silábi- ca, precisa usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas ideias iniciais de que sãonecessários, pelo menos três ca- racteres. Este conflito a faz caminhar para 8 outra fase. Na fase 4 ocorre, então, a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se estabeleceu – entre uma exigência interna da própria criança (o nú- mero mínimo de grafias) e a realidade das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela procure soluções. Ela, então, co- meça a perceber que escrever é represen- tar progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corre- tamente. Na fase 5, finalmente, é atingido o es- tágio da escrita alfabética, pela compre- ensão de que a cada um dos caracteres da escrita correspondem valores meno- res que a sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exigindo, portanto, dois movimentos para ser pronunciada, necessitará mais do que duas letras para ser escrita e a existência de uma regra produtiva que lhe permite, a partir desses elementos simples, formar a representa- ção de inúmeras sílabas, mesmo aquelas sobre as quais não se tenham exercitado (ZACHARIAS, 2006). A criança tem a sua frente uma estrada longa, até chegar à leitura e a escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som correspon- de uma determinada forma; que há gru- pos de letras separadas por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma das palavras escritas. Segundo as fases expostas acima, para que alguma coisa sirva para ler é preci- so que contenha certo número de letras, variável entre dois e quatro. Afinal, letra sozinha não representa nada escrito. De nada servem, também, conjuntos com le- tras repetidas, pois elas entendem que só podem ser lidas palavras que contenham letras diferentes. Uma explicação para tal seria que, em seu dia a dia, observam que o comum é encontrar palavras formadas por uma variedade de letras. Os métodos de alfabetização Segundo Meireles (2001), os métodos de alfabetização não são a melhor coisa do mundo. Mas não há nada melhor para alfabetizar um grupo de pessoas, do que usar-se um método de alfabetização. É raro encontrar uma sala de aula onde se possa ver um método “puro”. Via de re- gra, o professor segue um método e lança mão de recursos de outro. Quando esta mistura é intencional e sistematizada, chama-se método misto ou eclético. Este método era o mais encontrado há 10 anos atrás. Temos abaixo uma síntese dos métodos de alfabetização mais utilizados e suas di- ferenças: Fônico – Enfatiza as relações sím- bolo-som. Há duas “correntes”. Na sinté- tica, o aluno conhece os sons represen- tados pelas letras e combina esses sons para pronunciar palavras. Na analítica, o aluno aprende primeiro uma série de pala- vras e depois parte para a associação en- tre o som e as partes das palavras. Pode utilizar cartilhas. Linguagem total (“whole langua- ge”) – Defende que os sistemas linguísti- cos estão interligados, e que a segmenta- ção em imagens ou sons deve ser evitada. Os estudantes são apresentados a textos inteiros, já que se acredita que “se apren- de lendo”. Em sala de aula, o professor lê 9 textos para os alunos, que acompanham a leitura com o mesmo texto, assim se “familiarizando” com a linguagem escrita. A partir dessa familiarização, vão apren- dendo palavras e, depois, as sílabas e as letras. Não utiliza cartilhas. Orientação dos PCN’s – Diagnóstico prévio do aluno antes de optar por qual- quer método. Algumas crianças entram na primeira série sabendo ler. O professor lê textos em voz alta e é acompanhado pela classe, que tem em mãos os mesmos tex- tos. Os alunos são estimulados a copiar textos com base em uma situação social pré-existente: por exemplo, eles ouvem poesias e compõem, por cópia ou cola- gem, seus cadernos de poemas favoritos. A leitura em voz alta por parte dos estu- dantes é substituída por encenações de situações que foram lidas, desenhos que ilustram os trechos lidos etc. As crianças aprendem a escrever em letra de forma; a consciência fônica é uma consequência. Não utiliza cartilhas. Alfabético – Os alunos primeiro identificam as letras pelos seus nomes, depois soletram as sílabas e, em segui- da, as palavras antes de lerem sentenças curtas e, finalmente, histórias. Quando os alunos encontram palavras desconheci- das, as soletram até decodificá-las. Pode utilizar cartilhas. Analítico – Também conhecido como método “olhar-e-dizer”, começa com unidades completas de linguagem e mais tarde as divide em partes. Exemplo: as sentenças são divididas em palavras, e as palavras, em sons. O “Orbis Sensua- lium Pictus” é considerado o primeiro livro escolar importante. Abaixo das gravuras estavam os nomes impressos para que os estudantes memorizassem as palavras, sem associá-las a letras e sons. Pode uti- lizar cartilhas. Sintético – Começa a ensinar por partes ou elementos das palavras, tais como letras, sons ou sílabas, para depois combiná-los em palavras. A ênfase é a correspondência som-símbolo. Pode utili- zar cartilhas (MENEZES, 2006). Algumas considerações de Magda Soares Na ótica de Soares (2005) existem mui- tas pesquisas sobre o aprendizado da es- crita, principalmente se observarmos a extensão e diversidade do Brasil, e para ela, infelizmente, é impossível dizer que os melhores métodos e resultados che- gam a todos. Para Soares (2005), até os anos 1980, as pesquisas na área de alfabetização eram de certa forma, restritas, porque se voltavam apenas para a questão metodo- lógica. A discussão se limitava à eficácia ou não do método. Mas a partir dessa dé- cada, sobretudo pela influência de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, as pesquisas sobre o aprendizado da língua escrita pela criança, aumentaram. O foco passou mais para o processo da criança na construção de conceitos sobre a língua escrita. Ele muda do “como ensinar” para o “como a criança aprende”. Depois, mais no fim dos anos 80, surgem as pesquisar linguísticas: foi o momento em que os linguistas final- mente se deram conta de que alfabetiza- ção era problema deles também. Ainda segundo Soares (2005), falta para fins pedagógicos, uma integração dos resultados das diferentes pesquisas 10 que possibilite a tradução deles numa atu- ação didática, docente, capaz de orientar a criança no seu aprendizado, o que ela entende ser a origem das dificuldades que ainda se encontra na alfabetização. Analisando o construtivismo, ela o en- cara não como um método, porque se afirmou como uma teoria psicológica, e não como teoria pedagógica, mostrando como a criança aprende e não se voltando explicitamente para a questão de como o professor deve ensinar. Os cursos que proliferaram no país com o intuito de en- sinar aos professores o Construtivismo, ensinava a eles exatamente isso: como a criança aprendia e não como alfabetizar a criança. Nossa autora encara que os professo- res alfabetizadores, antes do constru- tivismo tinham um método e nenhuma teoria, ensinando pelo global, pelo silá- bico, pelo fônico, mas as teorias que fun- damentavam esses métodos não eram discutidas. Assim, o construtivismo veio negar esses métodos, mas não propôs outros que os substituíssem, somente trouxe uma teoria sobre a aprendizagem da língua escrita, e ela vai além, entende que para o construtivismo adotar qual- quer método para alfabetizar se tornou um pecado mortal, como se fosse possível ensinar qualquer coisa sem ter método. Em relação aos professores acharem que retomar algum método do passado seria a solução, Soares (2005) explica que tanto antigamente quanto hoje, o fra- casso escolar tem altos índices, mas com a grande diferença que os alunos eram retidos na primeira série enquanto não fossem alfabetizados e hoje encontra-se aluno que chegaao final até mesmo do ensino fundamental sem estar alfabeti- zado. Assim, o argumento de que o método fônico, usado, sobretudo nos anos 70, dava certo e, portanto, deva ser retomado, não se sustenta. Isso porque havia repro- vação e não aprendizagem com o método fônico, como havia também com outros métodos. Não tem sentido uma volta ao passado esquecendo ou abandonando as contribuições fundamentais do Constru- tivismo e das ciências linguísticas para a compreensão do processo de aprendiza- gem da língua escrita. Um exemplo: antes, o menino escrevia silabicamente e as pro- fessoras diziam: “ele está engolindo letra, é disléxico, é preciso encaminhar para um psicólogo;” hoje, a teoria construtivista e os princípios linguísticos evidenciam que escrever silabicamente é uma etapa nor- mal do processo de descoberta do siste- ma de escrita. Fica claro como o avanço do conhecimento sobre a aprendizagem da língua escrita torna sem sentido propos- tas de volta ao que se fazia antigamente. Sobre a criança aprender pelo método fônico, Soares (2005) entende como o mais adequado, pedagogicamente e até psicologicamente, é que a criança apren- da simultaneamente todas as competên- cias e habilidades envolvidas na aquisição da língua escrita: aprenda a decodificar e codificar, isto é, aprenda as relações entre os “sons” e as letras ou grafemas, ao mes- mo tempo em que aprenda a compreender textos, a construir sentido para os textos, e ainda aprenda as funções da escrita, os diferentes gêneros de textos. Se o professor ensina sequencialmen- te, sistematicamente, as relações fone- ma/grafema, como faz o método fônico, 11 a criança acaba, sim, aprendendo a escre- ver e a ler, como codificação e decodifica- ção, mas, a compreensão, a construção de sentido, o entendimento das funções da escrita, o envolvimento em práticas so- ciais de leitura e escrita, acabam ficando adiados “para depois”; a criança aprende só a tecnologia da escrita, desligada de seus usos sociais, o que tira todo o senti- do da tecnologia. Quando se reconhecem as várias face- tas da escrita, não se pode aceitar que a criança aprenda com aquele tipo de tex- to “O bebê baba”, “Eva viu a uva”, textos que não circulam na sociedade, não fazem o menor sentido, não são um conto, uma poesia, uma parlenda, são artificialmente construídos com o único objetivo de ensi- nar a codificar e decodificar. Soares (2005) ainda analisa que com estes textos a criança não construirá o uso de sua língua. A criança deve aprender a ler e a escrever interagindo com textos reais, com os diversos gêneros e portado- res de texto que circulam na sociedade. Assim ela vai aprender não só as relações fonema/grafema, mas, simultaneamen- te, o sentido e função que tem a escrita. Deste modo, considerando que cada uma das facetas da aprendizagem da lín- gua escrita supõe um processo cognitivo específico, não se aprendendo uma con- venção (a relação fonema/grafema) da mesma forma que se aprende a construir sentido de um texto, a interpretar, a com- preender, aprender os diferentes usos e funções da escrita e os diferentes gêne- ros de texto, também demanda processos cognitivos diferenciados. A consequência é que, no estado atual dos conhecimentos sobre a língua escri- ta e sua aprendizagem, não se pode fa- lar de um método de alfabetização, mas de métodos de alfabetização, no plural. Assim: ler histórias ou poemas ou textos informativos para as crianças, levá-las a interpretar esses diferentes textos su- põe determinados procedimentos didáti- cos, enquanto que tomar palavras-chave de um texto lido e trabalhá-las para, com base nelas, desenvolver a aprendizagem das relações fonema/grafema supõe ou- tros procedimentos. São diferentes métodos, diferentes procedimentos, porque são diferentes objetos de conhecimento e, portanto, di- ferentes processos de aprendizagem. Por isso, hoje é preciso ter métodos de alfa- betização, não um único método de alfa- betização. O papel do professor como media- dor da construção do processo de al- fabetização É evidente que determinadas informa- ções sobre a correspondência letra/som serão fornecidas pelos adultos aos que se iniciam no processo de alfabetização, mas o processo em si, de entender como se estrutura a língua escrita, sob aspectos já vistos, terá sido construído pela criança, a partir das informações e estímulos que o meio, o convívio com material escrito e com outras pessoas lhe tiver oferecido. Deve-se levar em conta, porém, que tal construção não é uma apropriação pura- mente individual, mas um compartilhar social, importando, e muito, as condições sociais em que a criança vive; o modo como a palavra é escrita, interpretada e valorizada em seu meio; as oportunidades que tem para lidar com ela; o significado que lhe é dado, o que se pensa a respeito 12 de como e para que se lê e escreve. É claro que também é importante o modo como o aluno aprendiz é visto pelo professor; as relações de respeito ou des- crédito que se estabelecem sobre suas potencialidades. Neste caso, seria preciso levar em con- ta as condições sócio-históricas em que a atividade de leitura se produz, analisando não apenas o indivíduo como construtor autônomo do conhecimento, mas também a função de mediação exercida pelo pro- fessor, colocando em evidência, portanto, a dinâmica das relações interpessoais que atuam na elaboração do conhecimento da leitura/escrita, visto que o modo como se estabelece a interação professor/aluno pode facilitar, dificultar e até mesmo blo- quear esta construção. Dependendo das intervenções media- cionais, sobretudo do professor, as ex- periências do alfabetizando com a língua escrita poderá ser o início de um rico pro- cesso de aquisições ou o término de uma vida escolar pautada no insucesso, cujas marcas indeléveis passarão a agir como um estigma ou um chamariz para outros sucessivos fracassos. Segundo Saviani (1991, p.16), o saber é o objeto específico do trabalho escolar. Em se tratando da alfabetização, esse saber adquire uma especificidade ainda maior, tanto no ensinar como no aprender, exigindo que o professor domine e arti- cule uma gama de saberes – os saberes docentes – para que possa mediar, com sucesso, tal aquisição. E, principalmente, para as crianças das classes populares, a escola é o local por excelência para essa apropriação. Ali é bastante significativa a interação/cooperação da criança com os seus pares, nas suas aquisições, visto que a alfabetização não é simplesmente adquirida, mas co-construída no processo de escolarização (COOK-GUMPERZ, 1991). A alfabetização é, pois, uma aquisição social/individual e, nesse processo, exer- cem papéis relevantes, tanto o contexto intra como o extraescolar, favorecendo ou não as mediações. Segundo Gauthier et al (1998), o bom ensino, entre outras condições, requer que a formação do professor contemple o domínio de saberes diversos, catalogados numa tipologia constituída pelos saberes disciplinares, curriculares, das ciências da educação, da tradição pedagógica, expe- rienciais, da ação pedagógica. Tardif, Lessar e Lahaye (1991) apon- tam a necessidade de uma sólida forma- ção do professor, enfatizada na prática e no discurso dos professores da Escola e dentre estes saberes que fazem parte de sua formação, é importante ao menos lembrarmos os saberes disciplinares e a sua inter-relação com os saberes das Ci- ências da Educação. Vale lembrar as concepções de Vygot- sky (1991), partindo do princípio que os sujeitos se encontram numa rede de re- lações com o mundo, que lhes possibilita adquirir uma forma peculiar de existência, constituindo assim seu campo simbólico de significações. Esta capacidade simbóli- ca dohomem, que se expressa através da linguagem e se materializa no texto oral ou escrito, relaciona-se diretamente com sua prática social global. A linguagem é vista como um processo de constituição dos sujeitos, onde cria- mos e organizamos nossas experiências. 13 Assumir a noção de constitutividade do sujeito pela linguagem (Franchi, 1992) significa assumir que não se trata pois de explicitar um externo ou um interno na relação do sujeito com a linguagem, mas admitir que ambos se constituem à medi- da que interagem. Uma constituição que se dá pela internalização (Vygotsky,1991) dos signos que circulam nessas intera- ções. Explicitar esta noção é fundamental, pois é na sua dependência que se esta- belece uma concepção de língua e de seu ensino. Desta forma, a língua não é algo pronto, acabado, onde os sujeitos dela primeiro se apropriam para depois usá-la. É durante os processos interativos que os sujeitos vão construindo e reconstruindo a própria língua (GERALDI, 1991). Portanto, quando pensamos no ensino da língua devemos considerar que o sujei- to vai construir e reconstruir seu conheci- mento e a si mesmo, nas especificidades das interlocuções que se darão na produ- ção de textos, tanto orais quanto escritos. A partir das concepções de linguagem e língua apresentadas, devemos considerar que quando entramos para a sala de aula estamos todos – professor e alunos e os alunos entre si – em diferentes níveis no que diz respeito ao nosso objeto de co- nhecimento, isto é, a escrita. Ainda focando o trabalho do professor, para que este vislumbre sucesso precisa conhecer primeiramente, as contribui- ções mais recentes da ciência da lingua- gem e sua transposição didática. Seguidamente, deve ele próprio, ser um usuário da linguagem, principalmente, em sua modalidade escrita, já que os conteú- dos selecionados inscrevem-se no eixo do uso e da reflexão, tanto da linguagem oral como da escrita. Se se aprende a ler, len- do e a escrever, escrevendo, um professor que leia regularmente e que tenha inti- midade com a escrita, seguramente terá mais chances de compreender os proces- sos vividos pelas crianças, interferindo de modo pertinente. Igualmente importan- te, é sua conscientização da importância da leitura propriamente dita e de sua in- fluência perante o aluno, no processo de construção da criança e no seu incentivo à leitura. Desse modo, é fundamental que as ati- vidades desenvolvidas em todas as disci- plinas que venham compor o currículo pri- vilegiem a leitura e a produção de textos do futuro professor. Pode-se assim cobrar do educador: familiarizar-se com a leitura de uma grande variedade de gêneros, inserindo- -se na comunidade dos leitores, aprenden- do a selecionar informações pertinentes em diferentes suportes, compreendendo a perspectiva enunciativa com que os tex- tos foram produzidos e posicionando-se criticamente; estudar os principais mecanismos de textualização – a coesão nominal respon- sável pela continuidade temática, a co- esão verbal e as conexões temporais ou lógicas responsáveis por marcar as articu- lações da progressão temática; conhecer algumas das contribuições da psicolinguística para a compreensão do processo de leitura na construção do sen- tido; envolver-se em uma intensa e variada prática de produção de textos, produzin- 14 do fichas, resumos ou resenhas de textos lidos para as diversas disciplinas, elabo- rando relatórios de experimentos ou de estudos do meio realizados, produzindo um diário de leitura para registrar impres- sões a respeito dos textos que for lendo, ao longo do curso, elaborando planos e re- gistros de sua prática docente, etc; explorar o estudo dos mecanismos de textualização como ferramenta para a análise da própria produção textual e da produção de textos infantis, estudando a interface entre a gramática e o texto, nos processos de refazer e de rever textos; conhecer uma série de gêneros que a prática social projeta como adequados à criança, explorando as possibilidades de tratamento didático desses gêneros na escola; conhecer a história da escrita, para compreender melhor a relação com a evo- lução conceitual da criança na construção da base alfabética; conhecer a relação do sistema fo- nológico com o sistema gráfico da língua para interpretar as soluções que as crian- ças apresentam para as convenções orto- gráficas; estudar o fenômeno da variação lin- guística, para desfazer o mito da unidade linguística, desenvolvendo instrumentos para descrever a variedade falada pelos alunos e sua influência na escrita, comba- tendo o preconceito linguístico; estudar, à luz das recentes contribui- ções da linguística, a gramática da língua, principalmente em relação a assuntos re- lacionados aos padrões impostos pela es- crita nos diversos gêneros em circulação social. O planejamento e a organização do trabalho em torno da alfabetização As dimensões e os conteúdos perti- nentes à alfabetização passaram por ampliações progressivas, cada vez mais complexas, como se vem enfatizando ao longo dessas reflexões. Trata-se, hoje, de um campo que recebe contribuições de diversas ciências e de linhas de pesquisa cada vez mais valorizadas do ponto de vis- ta político e pedagógico. Por isso mesmo, tal processo não pode ser conduzido de forma aleatória e assistemática, limitado a vivências espontâneas dos alunos ou a práticas solitárias dos professores. Ferreiro e Teberosky (1985) salientam neste sentido que emerge a importância do planejamento da organização das clas- ses de alfabetização e do trabalho didáti- co a ser desenvolvido. O planejamento é o instrumento, por excelência, capaz de assegurar o diag- nóstico das capacidades e conhecimentos prévios dos alunos, as metas e meios para a sistematização de aprendizagens e prá- ticas de ensino, os instrumentos de avalia- ção do processo e a elaboração de novas estratégias para a solução de problemas detectados. Exige não só esforço docente individual como também trabalho coletivo e compartilhado; assim, o planejamento estabelece princípios de reciprocidade de cada profissional com seus pares, possibi- litando a consolidação da autonomia dos professores e a progressiva reconstrução do projeto pedagógico da própria escola. Alguns requisitos são fundamentais em um planejamento efetivamente volta- do para a sistematização do trabalho em torno da alfabetização: 15 Criar condições e tempos escolares destinados ao planejamento, ao diagnós- tico, à avaliação e à reelaboração de pro- postas, buscando-se a progressiva insti- tucionalização de espaços coletivos, tais como seminários ou semanas de planeja- mento, de integração com a comunidade, de escolha de livros didáticos, entre ou- tras possibilidades; Estabelecer e compartilhar metas e objetivos, envolvendo professores, alu- nos e pais, nos processos de sua avaliação e de sua reorientação; Definir meios para alcançar objeti- vos, organizar o processo, registrar e so- cializar atividades realizadas. Além da definição de objetivos e metas, é necessário investir nos meios para sua imple¬mentação. A organização das ativi- dades em torno da alfabetização deverá levar em conta: A progressão de níveis do traba- lho pedagógico, em função dos níveis de aprendizagem dos alunos e da natureza das atividades, envolvendo conceitos e procedimentos pertinentes aos diversos componentes do aprendizado da língua escrita: a compreensão e a valorização da cultura escrita, a apropriação do sistema de escrita, a oralidade, a leitura e a pro- dução de textos escritos. Dependendo do nível atingido pela classe, por grupos ou duplas de alunos, todo o planejamen- to poderá ser reorientado, em busca deoutras alternativas de métodos, de mate- riais didáticos e de reagrupamento de alu- nos, sempre tendo como meta mais ampla sua progressiva autonomia em relação aos usos da língua escrita. A criação de um ambiente alfabeti- zador, ou de um contexto de cultura escri- ta oferecido pelas formas de organização da sala e de toda a escola, capaz de dispo- nibilizar aos alunos a familiarização com a escrita e a interação com diferentes tipos, gêneros, portadores e suportes, nas mais diversas formas de circulação social de textos. A exposição de livros, dicionários, revistas, rótulos, publicidade, notícias do ambiente escolar e de periódicos da comu- nidade ou do município, cartazes, relató- rios, registros de eleições e muitas outras possibilidades permitem a inserção dos alunos em práticas sociais de letramento, ultrapassando formas artificiais de eti- quetagem ou de treinamento da escrita em contextos estritamente escolares. O estabelecimento de rotinas diá- rias e semanais, capazes de oferecer ao professor um princípio organizador de seu trabalho, desde que atenda a dois critérios essenciais: a variedade e a sis- tematização. Uma rotina necessita, em primeiro lugar, propiciar diversificação de experiências e ampliação de contextos de aplicação. Em segundo lugar, precisa ofe- recer um contexto de previsibilidade de atividades, para que os próprios alunos se organizem, consolidem aprendizagens e avancem em seus espaços de autonomia (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985). 16 Nesse sentido, pode ser bastante pro- dutiva a previsão diária e semanal de ati- vidades voltadas para os eixos da leitura, da escrita, da oralidade, das atividades lú- dicas e especializadas, levando em conta o melhor momento de sua inserção (início, meio ou final do turno) e a melhor configu- ração grupal para sua realização (grupos que se familiarizam com determinados conteúdos ou grupos que já se encon- tram em patamares mais consolidados de aprendizagem). Essa flexibilidade pode conferir maior potencial à proposição de rotinas, como elementos que ajudam o professor a me- lhor conhecer seus alunos e a monitorar as modificações necessárias para que o planejamento inicial não se desencaminhe das metas mais relevantes inicialmente projetadas. Alfabetização para formar cidadãos crí- ticos A leitura e a escrita são práticas comple- mentares que se modificam mutuamente no processo do letramento. Ao se formar, o leitor – competente –, ou seja, o leitor capaz de selecionar, compre- ender o que se lê e usar adequadamente estratégias de leitura, é importante co- nhecer o significado da alfabetização e le- tramento, já que os dois processos devem ser desenvolvidos simultaneamente. Quando a alfabetização é sinônimo de aprendizagem do código da escrita, é evi- denciada apenas uma parte do processo e o aluno precisa de mais para poder agir em sociedade. O professor alfabetizador tem um importantíssimo papel na formação do aluno – alfabetizado – leitor. O letramento, nesta perspectiva, é um complemento que irá contribuir para o aluno atender às suas necessidades. Tanto quanto a alfabetiza- ção, o letramento é fundamental para a conquista da cidadania. O ato de ler deve ser considerado como uma prática social e, para que ela possa ser desenvolvida, é necessário a influência de elementos fundamentais como a família e a escola, onde a relação família – escola – leitura é um combustível insubstituível para a possível formação de uma socieda- de mais justa e igualitária. O processo de aquisição da cultura está intimamente ligado ao material escri- to, pois o patrimônio histórico, cultural e científico da humanidade se encontra em livros. A escola neste âmbito tem o impor- tante papel de desenvolver no educando o hábito da leitura. Para isso, a escola deve ter seus objetivos bem traçados e dizer não à mecanização da leitura. No período escolar, é preciso desenvol- ver estratégias que estimulem adequada- mente a habilidade de ler, atendendo aos objetivos e necessidades dos alunos. A população apresenta grande dificuldade em dominar a leitura, por isso, a necessi- dade de compreender o que é ler, qual a sua verdadeira importância na sociedade e como estimular este hábito e gosto nos alunos. A aprendizagem da leitura transforma- -se em prática social pelo fato de possibili- tar à criança a assimilação dos valores que fazem parte da sociedade em que está inserida. A criança que lê pode ser levada às ideologias dominantes por ser ingênua e estar no início do seu processo de for- mação como cidadã. Cabe a leitura levar a criança a refletir sobre os valores da socie- dade. Por isso, o professor deve ter cuida- do ao selecionar os textos que irá apresen- tar aos seus alunos. 17 Como nos mostra Ezequiel Theodoro da Silva (1986) em seu livro “Leitura e Realidade Brasileira”, a leitura não pode ser examinada isoladamente e sim no in- terior de um todo que compõe a socieda- de. Enfim, esperamos que até o momento tenham percebido a necessidade de usar a seletividade e a criticidade sobre a lei- tura, para que esta não seja vista como um ato individualista e passe a ser en- carada como parte fundamental na for- mação de cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres, enfim, da sociedade em si. 1818 UNIDADE 3 - A fala, a leitura e a escrita Cagliari (2008) em seu livro “Alfabeti- zação e Linguística” lança alguns questio- namentos que são pertinentes neste mo- mento. Ele pondera sobre a questão mais fundamental do ensino de português ser a seguinte: o que é ensinar português para pessoas que já sabem falar o português? Embora seja nossa língua nativa, enquan- to pequenos cidadãos que estão come- çando seu processo de formação escolar, as crianças das séries iniciais sabem algu- mas coisas dentro da língua portuguesa, mas não sabe outras. Mas há muita coisa a se fazer de novo e interessante no ensino da língua materna e isso não se restringe à alfabetização, apesar de este período ser, na verdade, muito especial. O objetivo mais geral do ensino de por- tuguês para todas as séries da escola é mostrar como funciona a linguagem hu- mana e, de modo particular, o português; quais os usos que tem, e como os alunos devem fazer para estenderem ao máximo, ou abrangendo metas específicas, esses usos nas suas modalidades escrita e oral, em diferentes situações de vida. Em outras palavras, o professor de por- tuguês deve ensinar aos alunos o que é uma língua, quais as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o comporta- mento da sociedade e dos indivíduos com relação aos usos linguísticos, nas mais va- riadas situações de suas vidas. Ao aluno não se ensina adequadamen- te como ele fala, qual o valor funcional dos segmentos fônicos de sua língua, como se compõe a morfologia desta, a sintaxe, a semântica, etc. O aluno fez centenas de redações e não sabe o que está realmente fazendo, como deve elaborar um texto es- crito ou dizer um texto oral em situações diferentes. A criança que se inicia na alfabetização já é um falante capaz de entender e falar a língua portuguesa com desembaraço e precisão nas circunstâncias de sua vida em que precisa usar a linguagem. Mas não sabe escrever nem ler. Esses são usos no- vos da linguagem para ela e é, sobretudo, isso o que ela espera da escola. Em mui- tos caos, há ainda o interesse em apren- der uma variedade do português de maior prestígio. Essa criança não só sabe falar o portu- guês, como sabe também refletir sobre a sua própria língua. De fato, as crianças se divertem manipulando a linguagem: com- põem palavras novas, a partir da análise dos processos de formação de palavras, às vezes criando formas surpreendentes; adoram traduzir a sua própria línguaem códigos como a língua do P, e falar inver- tendo sílabas, substituindo certos seg- mentos por outros, com uma destreza que o adulto dificilmente consegue acom- panhar. As respostas que as crianças dão às perguntas que lhes são feitas revelam a incrível capacidade que têm de manipular fatos semânticos de alta complexidade, como a pressuposição, a argumentação lógica, sem contar com a expressão de metáforas e o poder de abstração e ge- neralização claramente revelados numa análise de seu comportamento linguístico 1919 Além disso, elas contam ainda com uma capacidade enorme de análise da lingua- gem oral que irão perder logo que entra- rem na escola, sufocadas pelo modo como se ensina português, tomando-se a escri- ta ortográfica como base para tudo. Na análise de muitos erros encontrados em provas e nas avaliações feitas na alfabeti- zação, é fácil observar que, em muitos ca- sos, a criança revela um apego às formas fonéticas da língua em lugar das formas ortográficas, não raro deixando o profes- sor perplexo com sua “burrice” devido sua incapacidade de analisar a fala com a mes- ma competência que a criança apresenta. Quanto a leitura, a atividade funda- mental desenvolvida pela escola para a formação dos alunos é ela. É muito mais importante saber ler do que saber escre- ver. O melhor que a escola pode oferecer aos alunos deve estar voltado para a leitu- ra. Se um aluno não se sair muito bem nas outras atividades, mas for um bom leitor, podemos pensar que a escola cumpriu em grande parte sua tarefa. Se, porém, outro aluno tiver notas excelentes em tudo, mas não se tornar um bom leitor, sua formação será profundamente defeituosa e ele terá menos chances no futuro do que aquele que, apesar das reprovações, se tornou um bom leitor (CAGLIARI, 2008). A leitura é a extensão da escola na vida das pessoas. A maioria do que se deve aprender na vida terá de ser conseguido através da leitura fora da escola. A leitu- ra é uma herança maior do que qualquer diploma. A grande maioria dos problemas que os alunos encontram ao longo dos anos de estudo, chegando até a pós-graduação, é decorrente de problemas de leitura. O alu- no muitas vezes não resolve problemas de matemática, não porque não saiba mate- mática, mas porque não sabe ler o enun- ciado do problema. Ele sabe somar, dividir, etc., mas ao ler um problema não sabe o que fazer com os números e a relação des- tes com as realidades a que se referem. Não adianta dizer que o aluno não sabe nem sequer somar ou dividir números que não apresentam dificuldades, que ele não entende matemática (CAGLIARI, 2008). Porque de fato ele não entende mes- mo é o português que lê. Não foi treinado para ler números, relações quantitativas, problemas de matemática. O professor de português não ensina isso porque diz que é obrigação do professor de matemá- tica e o professor de matemática ou não desconfia do problema ou, quando muito, acha que ler e compreender um texto é um problema que o professor de portu- guês deve resolver na educação das crian- ças. Estão todos errados. A alfabetização é missão de todos os professores. Ler é uma atividade extremamente complexa e envolve problemas não só semânticos, culturais, ideológicos, filo- sóficos, mas até fonéticos. Podemos ler sequências de números de maneiras dife- rentes, dependendo daquilo a que eles se referem. Alguns alunos têm dificuldades na matemática porque não sabem ler os números corretamente. Os números não são feitos só de algarismos. A combinação de algarismos expressa por si, no todo, realidades matemáticas que têm pro- priedades específicas. Por exemplo, nos números fracionários (dois quintos), o de- nominador é lido com numerais ordinais, mas a ordem característica típica desses numerais na linguagem comum não tem nada a ver com a relação fracionária. Não 2020 basta ensinar só as relações matemáticas: é preciso ensinar também o português que a matemática usa. Tudo o que se en- sina na escola está diretamente ligado à leitura e depende dela para se manter e se desenvolver. A leitura é a realização do objetivo da escrita. Quem escreve, escreve para ser lido. O objetivo da escrita é a leitura. Como vimos, o mundo da escrita já é complicado e caótico no seu aspecto gráfico, quanto mais se juntarmos a isso o mundo dos sig- nificados carregados pela escrita. A leitura vai operar justamente nesse universo. Às vezes, ler é um processo de descoberta, como a busca do saber cien- tífico. Outras vezes requer um trabalho paciente, perseverante, desafiador, se- melhante à pesquisa laboratorial. A lei- tura pode também ser superficial, sem grandes pretensões, uma atividade lúdi- ca, como um jogo de bola em que os par- ticipantes jamais se preocupam com a lei da gravidade, a cinética e a balística, mas nem por isso deixam de jogar bola com gosto e perfeição (CAGLIARI, 2008). 21 UNIDADE 4 - A leitura na escola: práticas e competências 21 Escrever e ler são duas atividades da alfabetização conduzidas mais ou menos paralelamente. Muitas vezes ensina-se a ler e escrever letras, famílias silábicas, palavras, frases, textos. Na prática, dá-se mais ênfase à escrita. Talvez o privilégio da escrita sobre a leitura se deve à maior facilidade de avaliação escolar. É preciso repensar esses procedimen- tos em relação à escrita e à leitura na es- cola, dando um lugar de maior prestígio à leitura, desde o início do processo de alfa- betização, pois é como diz Vigotsky (1991, p. 282): “Uma vez que as crianças apren- dem a usar definitivamente a leitura, seu campo psicológico muda radicalmente”. Assim, já durante a alfabetização, vá- rias situações de leitura precisam ocor- rer na escola, dentro do contexto com o trabalho da escrita. Algumas habilidades cognitivas são fundamentais e devem ser desenvolvidas: Hipóteses sobre o conteúdo do texto pela análise do título, ilustração e formato; Reconhecimento da relação grafe- ma/fonema, percepção imediata de pa- lavras e expressões familiares, coerência do título com o conteúdo do texto; Depois da leitura, comentários apreciativos do texto e sua relação com outros textos lidos. Aos professores, não é recomendável subestimar a predisposição dos alunos à leitura e delegar essa competência a ou- tras séries subsequentes. O início da construção desse legado não deve ser adiado; prática de leitura é uma atividade devida desde o ingresso do alu- no à escola. A meta principal do trabalho com leitura na alfabetização e em todo ensino funda- mental, é que os alunos leiam e compre- endam textos variados com finalidades diversas, como ressalta Cagliari (2008, p.168): “Um aluno que não lê aprenderá o resto com dificuldades, e pode passar a ter uma relação delicada com a escrita, não entendendo bem o que esta é e nem como funciona”. A leitura na sala de aula A leitura deve ocupar um lugar de des- taque na sala de aula contribuindo para a formação de leitores competentes e, con- sequentemente, a formação de escritores capazes. A leitura é a maior herança que uma escola pode deixar aos seus alunos, uma vez que ela é fonte perene de educação estando sempre presente na vida das pessoas que no seu dia-a-dia leem muito mais do que escrevem. Portanto, vimos neste momento alertar sobre o quanto é necessário que se dê prioridade absoluta à leitura no ensino de português. Para que isso aconteça, nós professo- res temos que fazer da sala de aula um espaço onde os alunos possam vivenciar uma prática textual intensa e múltipla para que sejam cidadãos capazes de com- preender os diferentes textos com os quais se defrontam. É importante e ne- cessária uma prática de leitura que des- 22 perte e cultive o desejo de ler paraque se torne uma prática pedagógica eficiente. Para que se operem transformações na relação ensino-aprendizagem, é preciso que sejam feitas mudanças na forma de trabalhar a leitura na sala de aula, a qual não pode ser uma atividade secundária na escola ou na vida e sim uma atividade prioritária no ensino de português porque a leitura está sempre educando e sendo o prolongamento da escola na vida das pes- soas. É necessário fazer da sala de aula um espaço onde os alunos possam vivenciar e interpretar uma variedade de textos porque o processo de aquisição da leitura tem um objetivo maior que é o de orientar os alunos para o exercício de uma cidada- nia consciente. De acordo com Franco (1997), lê-se para: Sentir o texto, dialogar com seu au- tor ou, simplesmente, para usufruí-lo sem perguntas e sem questionamentos. É a leitura – prazer. Buscar informações, coletar dados. É a leitura – pesquisa. Ampliação dos conhecimentos apossando-se do que já foi construído pela humanidade. Esclarecer dúvidas, buscar respos- tas. Pergunta-se ao texto. Estudar o texto. Saber o quê e como o autor pensa e posiciona-se frente a determinado assunto. Ao se escolher um livro, por exemplo, uma crônica, uma reportagem ou qual- quer outro tipo de texto, o leitor tem uma determinada expectativa, um determina- do objetivo que procura satisfazer e/ou alcançar durante a leitura. A leitura é um aprendizado, essencial- mente significativo, ativo, com objetivos claros e relacionados ao conhecimento anterior e às expectativas do leitor. Não há leitura sem um “porquê se lê”. Assim sendo, ela é antecipatória – o leitor sabe o que busca. Portanto, não se surpreende com o que encontra nas páginas que lê; antecipa palavras, frases inteiras. É ba- seada na compreensão, e a previsão é a mola impulsora. Geraldi (1997) põe em evidência quatro objetivos para a leitura: Aquele em que o leitor faz pergun- tas ao texto – a leitura que busca informa- ções; Aquele em que o leitor “escuta” o “texto” – o estudo de texto; Aquele em que o leitor pretende usar o texto para algum fim – a leitura- -pretexto; Aquele em que o leitor deseja fruir o texto – leitura de fruição. Segundo Cagliari (2008), a leitura tem os objetivos de ensinar e treinar a pro- núncia dos alunos no dialeto padrão e em outros; de ajudar os alunos a aprender o que é escrever e qual a forma ortográfica das palavras. Para conseguir esses objeti- vos da leitura é preciso planejar as ativi- dades de tal modo que se possa realizar o que se pretende. Como a leitura é uma atividade coope- rativa, o leitor lê para tirar do texto o que o texto não diz, mas pressupõe, promete, implica ou implicita, a preencher espaços 23 vazios, a ligar o que existe num texto com o resto da intertextualidade, de onde ele nasce e onde irá se fundir (MAINGUENE- AU, 1996). De acordo com Evaristo (1997), o obje- tivo do ato de ler é formar um leitor crítico, capaz de se assumir plenamente enquan- to cidadão. A formação/constituição des- se sujeito-leitor é um trabalho reflexivo que precisa ser assumido pelo ensino da língua materna. No dizer de Freire (1988), o leitor lê para reescrever o que está lendo, para desco- brir a conexão entre o texto e o contexto do texto, e também para vincular o texto/ contexto com o seu contexto de leitor. Lê-se para fazer da leitura não uma mera decodificação de uma mensagem, mas sim para fazer dela uma atividade in- terativa entre leitor-autor-texto-contex- to (AZAMBUJA E SOUZA,1997). Kleiman (1989), ao citar Orlandi (1984) diz que ao ler, o leitor é levado através da leitura a questionar, a confrontar, a levan- tar-testar-hipóteses, a buscar significa- dos e descobrir, enfim, que o texto pode oferecer “múltiplos sentidos”. Como motivar o aluno para a leitura? Segundo Azambuja e Souza (1997), an- tes de qualquer estudo de texto, é preci- so preparar o aluno para a leitura porque grande parte do sucesso desse estudo está nessa fase de predisposição para a leitura, na qual o professor motivará o aluno despertando nele o interesse pelo texto a ser estudado. Motivando esse alu- no ele terá a sua curiosidade aguçada e o seu conhecimento ativado. É importante que o texto não seja en- tregue, “secamente” ao aluno e que haja uma preparação prévia, partindo-se de experiências já vivenciadas pelo mesmo até se chegar ao texto propriamente dito. Para isso, o conhecimento prévio do aluno, quer seja linguístico – conheci- mento dos recursos que a língua oferece – quer seja extraliguístico – tudo que não se enquadra às exigências gramaticais – deve ser ativado pelo professor, para que possa haver um engajamento entre o lei- tor e o texto a ser estudado. Podemos, portanto, a partir das expe- riências reveladas pelo leitor desencadear uma série de atividade, quais sejam: ob- servação, discussão, relato, debate sobre filmes, pesquisa bibliográfica e de campo, etc, que propiciarão enriquecimento e suscitarão interesse para as etapas pos- teriores do estudo do texto. Segundo Orlandi (1984), o primeiro contato com o texto é muito importante que seja feito individualmente para que o aluno, de acordo com o seu ritmo próprio de leitura, busque o significado global do mesmo, relacionando suas “histórias de leituras” com o texto em questão. Esse relacionamento de histórias de leituras leva o aluno a criar uma atitude de expectativa prévia com relação ao conte- údo do texto lido e o leva também, a fa- zer previsão e a utilizar múltiplas fontes de conhecimento na busca de uma maior compreensão, pois a leitura é uma ativida- de essencialmente preditiva de formula- ção de hipóteses, para a qual o leitor pre- cisa utilizar seu conhecimento linguístico conceitual, e sua experiência (KLEIMAN, 1984). Ainda segundo Kleiman (1989), antes 24 de se fazer um estudo analítico do texto, é necessário que o aluno leia-o, pois a ma- terialização da mensagem, por intermédio de recursos linguísticos e/ou gráficos é eficazmente percebida quando se desen- volvem atividades de leitura. Tais ativida- des podem ser feitas individual ou coleti- vamente, oral ou silenciosamente. Que considerações importantes deve- mos ter com a leitura e a interpretação de textos na sala de aula? Segunda Cagliari (1997), uma das pio- res atitudes da escola atual em relação à leitura é a maneira como faz interpre- tação de textos com os alunos apenas à base de questionários. Quando uma criança ouve histórias, assiste à televisão, é perfeitamente ca- paz de entender o que ouve. É evidente que sua compreensão não é igual a de um adulto, mas, quando não entende algo que julga importante saber, a criança per- gunta. Esse procedimento de interpretação de textos através de perguntas “óbvias” não só induz o aluno a pensar que interpretar texto é saber o sujeito de uma oração ou o objeto direto, etc; como ainda tira todo o sabor da leitura, substituindo-o por um gosto chato de questionários. Uma atividade possível com a leitura de textos é a discussão do assunto com os alunos, não só do conteúdo mas até mes- mo da forma. Pode-se pedir aos alunos que contem a mesma história com as pró- prias palavras (sem roteiro). Isto é fazer uma interpretação criativa, não – repetiti- va, do texto. Às vezes, uma simples leitura basta. Nem tudo o que se lê precisa ser discutido, comentado ou interpretado. Esse é outro erro que se vê eventualmente em livros didáticos. A leitura às vezes é como uma música que se quer ouvir e não dançar. A interpretação de um texto nada mais é que compreendê-lo, não ter dúvidas ao final da leitura, é falar sobre ele, criticá-lo, analisá-lo, apreciá-lo. Por isso é de suma importância a previsão que é a utilização de todoconhecimento prévio possuído pelo sujeito, permitindo-lhe compreen- der, experimentar e apreciar o que lê. Es- ses conhecimentos trazem significados para os textos, reduzem a ambiguidade e eliminam alternativas irrelevantes. Sendo a leitura uma atividade que exi- ge grande interação, o estabelecimento de relações entre toda a experiência vivi- da, entre os conhecimentos já construídos e o que o escritor propõe, ela requer um pensar que se estabelece antes, durante e após o ato de ler (FRANCO, 1997). Kleiman (1989) trata da compreensão de textos escritos destacando a impor- tância do conhecimento prévio do leitor na compreensão de textos; a necessidade de estabelecimento de objetivos e formu- lação de hipóteses na compreensão des- tes textos, visando torná-los mais aces- síveis; o processo inconsciente utilizado pelo leitor para compreender o texto es- crito através de suas marcas formais. O contato com o texto para compre- endê-lo pode ocorrer por intermédio de uma leitura ascendente, levando o leitor a partir de unidades menores, de deta- lhes que o texto oferece, para se chegar ao significado global do mesmo. Por outro lado, a compreensão do texto pode tam- bém ocorrer em um processo descenden- te pelo qual parte-se de uma visão global, 25 isto é: o leitor direciona-se das partes maiores para as partes menores, sempre numa tentativa de buscar o significado levantando hipóteses por meio de pistas oferecidas pelo texto. Ainda de acordo com Franco (1997), viver em sociedade exige conhecer e utilizar-se de diferentes materiais im- pressos que circulam ou que atropelam, visualmente, as pessoas como outdoor, propagandas, cartazes, panfletos, jor- nais, revistas, receituário médico, placas, anúncios, bilhetes, catálogo telefônico, circulares, ofícios, requerimentos, che- ques e muitos outros. Permitir a exploração destes materiais significa partir da realidade dos educan- dos, isto é, do que é cotidiano; significa, ainda, propiciar-lhes oportunidade de am- pliar e aprimorar a sua competência lin- guística, de se adaptarem à sociedade. A leitura de textos funcionais, científi- cos e literários, a partir do conhecimento e do domínio das propriedades específi- cas de cada um são alguns pontos a serem construídos juntamente com os alunos. Deste modo, o texto técnico/informati- vo exige escritor e leitor interessados em determinado tema. Permite o crescimen- to do indivíduo enquanto ser social e de cultura. Os textos científicos/informativos pos- sibilitam novas formas de pensamento; trazem novos conhecimentos, permitem avanços científicos e a busca de soluções alternativas. São textos relacionados com o conhecimento sistematizado já produ- zido pelo homem nos diferentes campos da ciência. Permite acrescentar coisas ao que se sabe. Conforme afirmam Azambuja e Souza (1997), o aluno não pode fazer uma leitu- ra superficial de um texto porque leva a uma atitude passiva e consequentemen- te, a um desinteresse total pela leitura. Ao estudar um texto para compreen- dê-lo pode-se voltar a novas leituras tan- tas vezes quantas forem necessárias, de modo parcelado, facilitando assim a aná- lise do mesmo. Essa etapa pode ser feita oralmente, em grupos menores de alunos ou mesmo com todos eles. A posição do professor, como estimu- lante, deve ser aquela que direciona, sem imposição, por intermédio de atividades sugestivas – questionadoras, a fim de que os alunos atinjam os objetivos propostos para o estudo do texto, chegando a um aprofundamento do mesmo. É exatamen- te nesse momento que a compreensão deixa de ser superficial, à medida que o aluno levanta hipóteses, para testá-las, confirmá-las ou refutá-las. Estudar um texto é perceber não só o que está explí- cito, mas também descobrir o que se apre- senta de modo mais sutil. O estudo do texto não pode ser visto como uma técnica em que se pode ofe- recer roteiros rígidos: cada texto poderá ter um tipo de abordagem; cada turma de aluno poderá determinar a abordagem do texto, finalmente, cada professor, de acordo com o seu grau de sensibilidade e de criatividade criará condições diferen- tes para a abordagem do texto. Ao se estudar um texto, quando se faz uma leitura ascendente, a compreensão de vocabulário é imprescindível pois cola- bora para o aprofundamento e a amplia- ção do conhecimento. Por isso, o trabalho com o vocabulário do texto deve ser feito 26 no início do estudo de texto e que seja retomado no decorrer do mesmo. Um outro ponto importante quando se trabalha com o vocabulário de um texto é o fato de esse trabalho não se limitar, apenas, a uma pesquisa no dicionário, mas é imprescindível a volta ao texto para que haja uma compreensão adequada do em- prego da palavra no mesmo. Citando Marekusehi (1985), Azambuja e Souza (1997) relatam que um estudo de texto transcende a uma mera leitura linear, sendo, portanto preciso “trabalhar o aluno leitor numa perspectiva crítica, desenvolvendo nele capacidade de racio- cínio para além da contextualização cog- nitiva estrita”. Esse raciocínio se opera quando se des- monta o texto para um questionamento maior, buscando-se palavras e/ou expres- sões consideradas como pistas, que ser- vem para desencadear uma série de supo- sições que levarão o leitor a refletir sobre elas, a questioná-las para posteriormente aceitá-las ou não. Enfim a análise das par- tes é importante como instrumento para a compreensão do texto. A leitura silenciosa – individual – tem como objetivo a busca de significados e contribui para que o aluno-leitor venha a ter uma visão geral do texto a ser estuda- do, visão esta que poderá ser enriquecida ou refutada após o estudo feito. A leitura oral também é de grande im- portância, principalmente no ensino fun- damental quando se propõe a leitura oral expressiva, advinda de uma interação lei- tor-texto. O momento propício para se de- senvolver tal atividade poderá ser antes de um estudo analítico do texto ou, até mesmo, após tal estudo. Este tipo de leitura oferece a oportu- nidade para se formar um bom ouvinte, isto é, aquele que capta a mensagem pela audição sendo capaz de compreendê-la, recriando-a para que se torne ativo na re- cepção da referida mensagem. O objetivo da leitura oral não é somen- te o de formar bons leitores, mas também o de formar bons ouvintes. Não se tra- ta portanto de leitura soletrada e sim de uma leitura que assegure o interesse do ouvinte num processo de interação leitor- -texto-ouvinte. No dizer de Cagliari (1997), há alguns vícios de leitura que se observam na es- cola e até mesmo na vida das pessoas porque alguns indivíduos só conseguem entender um texto se lerem em voz alta; outros, ao contrário, só se lerem em silên- cio; alguns leem silabando ou palavra por palavra; há os que quando leem precisam “mastigar os sons” e ficam mimicando à medida que leem. Há ainda as pessoas que só conseguem compreender um tex- to respondendo a perguntas sobre ele, porque foram treinadas pela escola a res- ponder um questionário de interpretação de texto após cada leitura e julgam que essa é a única maneira de compreende- rem o que leem. A leitura deve variar de acordo com o texto, pois não se lê uma poesia como se lê um problema de matemática ou uma narrativa. A reflexão que o primeiro tipo de leitura exige é diferente do que exigem o segundo e o terceiro. É preciso ensinar às crianças como proceder em cada caso, mostrando-lhes como ler provas, exames, questionários, formulários, instruções, jornais, revistas, etc. 27 Alguns tipos de leitura, como instru- ções e problemas de matemática exigem que o leitor primeiro tome conhecimento do texto inteiro, depois releia-o por par- tes e em seguida encadeie essas partessegundo resultados ou cálculos anterio- res, até chegar ao fim. Uma leitura de tex- tos desse tipo só se completa quando se conclui o que eles pedem que se faça ou calcule. Antes disso, a compreensão de texto é parcial ou se quiserem, apenas “linguístico-literal”, o que não faz muito sentido como procedimento matemático mecânico. É fundamental ensinar os alunos a ler não só histórias, mas também outros tipos de textos, incluindo problemas de mate- mática, provas e instruções de trabalhos, porque muitos alunos deixam de resolver problemas de matemática não por não conseguirem efetuar as contas, mas por terem dificuldade em ler seus enunciados. A leitura não pode ser apenas um ins- trumento para a confirmação do precon- ceito sociolinguístico da comunidade. Os alunos precisam e devem saber que um texto pode ser lido de muitas maneiras, com muitas pronúncias e que não se tor- na mais rico ou mais artístico ou mais belo só porque foi lido no dialeto padrão. Mas a escola deve também mostrar aos alunos que a sociedade tem certas expectativas com relação à fala de seus membros e, consequentemente, uma leitura no diale- to padrão, goza de prestígio na sociedade e uma leitura com pronúncia estigmatiza- da, poderá ser objeto de riso, chacota, etc. Portanto, ensinar claramente ao aluno o que é próprio da linguagem e o que é pró- prio do uso que a sociedade faz da lingua- gem, é fundamental. Na escola, a leitura serve não só para se aprender a ler, como para aprender outras coisas, lendo. Para Citelli (1997) é de grande impor- tância as linguagens não escolares (TV, jornal, rádio, quadrinhos, teatro e jogos interativos) que ao serem incorporadas à prática didática, esta se torna mais rica e também ajuda a ampliar o diálogo entre a escola e os meios de comunicação de mas- sa. Segundo Freire (1997), a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Enfim, o ato de ler implica sempre percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido. Os textos literários também devem ser incluídos nas aulas de leitura? De acordo com Franco (1997), envol- ver-se com a literatura é permitir-se co- nhecer outros padrões linguísticos, en- xergar o mundo através de outros olhos e de pensamentos os mais diversos. É apresentar estilos, o como utilizar-se da língua escrita, de forma viva, com muito movimento e harmonia. Permite viagens no tempo-espaço e futuro, envolvimento em ideias e acontecimentos de nossa pró- pria escolha. Buscam-se, em um texto, informações, reflexões, pretextos, prazer, mas no dizer de Gebara (2002), o tratamento dado ao texto poético na escola não desperta no aluno o gosto pela leitura porque a sua utilização na maioria das vezes é um pre- texto para a análise de aspectos metalin- guísticos. Conforme afirma Rodari (1982), é de grande importância que os educadores contem histórias às crianças ou sugerem às próprias crianças que elas mesmas in- 2828 ventem suas histórias. O contato com o livro literário não deve ser desprezado porque é através dele que o aluno pode desenvolver a linguagem, a lógica, a estética e, principalmente, liberar a criatividade, a imaginação e a fantasia. Para Franco (1997), a leitura de textos literários a partir do conhecimento e do domínio de suas propriedades específicas são alguns pontos a serem construídos juntamente com os alunos. Enfim, o texto literário inclui um outro aspecto do letramento que é o prazeroso, o belo, o estético da língua que é a litera- tura. 29 UNIDADE 5 - Os gêneros literários 29 Para chegarmos aos diversos portado- res de textos é preciso considerar primei- ramente o letramento como o processo de aprendizado da língua escrita, a partir da convivência dos indivíduos com materiais escritos disponíveis e com as práticas de leitura e de escrita da sociedade em que se inscrevem e, portanto, fruto do grau de familiaridade e convívio do indivíduo com os textos escritos em seu meio. A estes materiais que já apresentamos ao longo da unidade 4: livros, revistas, cartazes, rótulos de embalagens, bulas de remédios, receitas culinárias e outros, chamamos “portadores de textos”, ou va- riedade de gêneros de textos escritos que a criança ou adulto reconhece e faz uso. O nível de letramento de um indivíduo será determinado e superior, quando este fizer uso corrente destes portadores de textos. Pode-se organizar estes portadores de textos em três grupos: Textos que circulam socialmente Revistas; encartes; jornais; rótulos; parlendas; livros; folhetos de supermer- cado; bulas de remédio; embalagens; his- tória em quadrinho; propagandas; textos variados; livros de literatura; poesia; tra- va-língua; panfletos; charadas, adivinha- ções, receitas, manual de eletrodomésti- co, anúncios; notícia de jornal; conversas; “contação” de histórias; cantigas; repor- tagens; letreiros; correspondências; ca- tálogo; textos informativos; narrativos; livro paradidáticos. Materiais elaborados pelo profes- sor e produções de alunos Textos mimeografados; alfabeto ilus- trado; cartazes; gravuras; cruzadinha; car- tazes de acordo com sílabas trabalhadas; quebra-cabeça de sílabas; fichas; dominó de sílabas; caça-palavras; atividades mi- meografadas; nome dos alunos; revistas para recortar; várias cartilhas; bingo; car- tazes contendo textos que falam sobre a vida dos alunos; textos coletivos; ditado; autoditado; exercícios; painéis; exposição de trabalhos dos alunos; brincadeiras com frases, palavras; atividades relacionadas a projetos; ditado visual; fichas com difi- culdades [ortográficas];quadro de pregas; atividades pesquisadas em vários livros; produção de livros. Atividades com outras linguagens Jogos diversos; brincadeiras, música; artes; danças; jogos de memória; teatro; fantoches; vídeos; gravuras; sucatas; dra- matização de contos; slides; corporeidade dos alunos; desenho. De acordo com análise encontrada na Revista Nova Escola (2006), temos que as canções, poesias e parlendas são úteis para se chegar à incrível mágica de fazer a criança ler sem saber ler. Quando ela de- cora uma cantiga, pode acompanhar com o dedinho as letras que formam as estro- fes. Conhecendo o que está escrito, resta descobrir como isso foi feito. Se o aluno sabe que o título é Atirei o Pau no Gato, ele tenta ler e verificar o que está escrito com base no que sabe sobre as letras e as palavras - sempre acompanhado pelo pro- 30 fessor. O leitor eficiente só inicia a leitura de- pois de observar o texto, sua forma, seu portador (revista, jornal, livro etc.) e as figuras que o acompanham e imaginar o tema. Pense que você nunca viu um jornal em alemão. Mesmo sem saber decifrar as palavras, é possível “ler”. Se há uma foto de dois carros batidos, por exemplo, de- duz-se que a reportagem é sobre um aci- dente. Ao mostrar vários gêneros, você permite à criança conhecer os aspectos de cada um e as pistas que trazem sobre o conteúdo. Assim, ela é capaz de anteci- par o que virá no texto, contribuindo para a qualidade da leitura. Atividades que estimulem o hábito de ler O contato com diferentes tipos de tex- to, desde cedo, é fundamental não só para formar o gosto pela leitura, como para transformar os indivíduos em leitores competentes. Entretanto, para a maior parte de nossos alunos, esse contato só é possível na escola, e mesmo assim, ra- ramente é prazeroso; quase sempre, os momentos de leitura são seguidos de co- branças que impedem a livre fruição do texto (CENPEC, 2003). Por outro lado, a escola não pode deixar a critério do aluno a decisão de ler ou não: é sua função mostrar que a leitura pode ser uma fonte inesgotável de lazer e novos
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