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M3 Organizações sociais - Passado, presente e futuro - Humberto Falcão Martins

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AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS 
APÓS O JULGAMENTO DA 
ADI N. 1.923/2015 NO STF
LUIZ FUX
PAULO MODESTO 
HUMBERTO FALCÃO 
MARTINS
FORUM-CEBRASPE, 2017
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ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
PASSADO, PRESENTE E FUTURO
HUMBERTO FALCÃO MARTINS
Introdução. 1. Um processo de inovação: a instituciona-
lização das organizações sociais no Brasil. 2. Uma nova 
arquitetura institucional: pilares e pressões. 2.1 Publi-
cização. 2.2 Orientação para resultados. 2.3 Governança 
mista. 2.4 Parceria e fomento. 2.5 Flexibilidade. 3. Um 
conjunto de possibilidades: o futuro do modelo das or-
ganizações sociais. 4. Uma mudança de paradigmas: da 
flexibilização à colaboração.
INTRODUÇÃO
Este artigo busca abordar o passado, o presente e o futuro do 
modelo das organizações sociais (doravante modelo OS) a partir de uma 
perspectiva gerencial, técnica, não jurídica, tomando-o como um mo-
delo de governança pública colaborativa.
Ensaia-se aqui um tratamento a partir de quatro perspectivas in-
ter-relacionadas, caracterizando as organizações sociais (OSs): i) como 
inovação gerencial que vem se institucionalizando; ii) como desafiadora 
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arquitetura institucional cujos pilares vêm sendo postos a prova; iii) como 
modelo passível de se desenvolver em múltiplas direções no futuro; e 
iv) como parte integrante de uma sucessiva mudança de paradigmas no
contexto da gestão pública contemporânea.
A primeira perspectiva – um processo de inovação: a institucio-
nalização das OSs no Brasil – é empírica e busca oferecer uma visão 
geral quantitativa, um balanço do fenômeno OS, de sua implantação no 
Brasil – incluindo-se, como característica marcante desse processo, os 
modelos derivados, tais como o das organizações da sociedade civil de 
interesse público (Oscip) e o híbrido (Oscip-OS), e as emulações por 
meio de serviços sociais autônomos (SSAs) e empresa pública. Trata-se, 
essencialmente, de caracterizar um processo de institucionalização de 
uma inovação que apresenta traços da transição de contextos e paradig-
mas e das peculiaridades da Administração Pública brasileira. Nesse 
processo, as OSs cresceram, multiplicaram-se e diversificaram-se, dei-
xando um inequívoco legado de contribuição às políticas públicas.
A segunda perspectiva – uma nova arquitetura institucional: pila-
res e pressões –, é analítica. Elabora uma análise acerca da funcionalida-
de das OSs no curso de sua implantação ao longo dos dezessete últimos 
anos, a partir de uma avaliação da integridade de seus elementos estru-
turais essenciais: publicização, orientação para resultados, governança 
mista, parceria e flexibilidade operacional. Trata-se aqui de analisar a 
gestão do modelo, tanto pelo Poder Público contratante quanto pelo 
parceiro privado contratado. Conclui-se que, não obstante limitações, 
dificuldades e ameaças provenientes dos parceiros e outras partes inte-
ressadas, mormente os órgãos de controle, as características estruturais 
do modelo vêm sendo preservadas. Entretanto, o enfrentamento das 
restrições que se impõem ao modelo consome uma valiosa parcela da 
energia que deveria se canalizar para o alcance das finalidades pactuadas.
A terceira perspectiva – um conjunto de possibilidades: o futuro 
do modelo OS – é prospectiva e propositiva, indo ao encontro do res-
gate da funcionalidade plena do modelo OS, em atendimento aos re-
quisitos de funcionalidade dos novos tempos de governança colabo-
rativa e em linha com os direcionamentos normativos do Supremo 
Tribunal Federal (STF).
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A quarta e última perspectiva – uma mudança de paradigmas: da 
flexibilização à colaboração – é macrocontextual e macroconceitual e 
busca caracterizar a mudança de contexto e de paradigmas de gestão 
pública e os processos de transformação institucional dos anos 1990 até 
a presente data. Parte da “era da reforma do Estado”, na qual as OSs 
foram plasmadas, e desembarca na “governança colaborativa”. O argu-
mento o qual se desenrola é que, com essa transição de contextos e 
paradigmas, os modelos de parcerias com entes de colaboração também 
transitam de um caráter predominante de instrumento de flexibilização 
da atuação estatal a uma progressiva e predominante expressão de mo-
delos de governança em rede.
Ao fim, este artigo busca argumentar que: i) o modelo OS cons-
tituía um elemento essencial da reforma do Estado, nos termos em que 
estava proposto no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 
em linha com o movimento da Nova Gestão Pública, mas também 
constitui um elemento essencial da nova governança pública colabora-
tiva, em rede, relacional; ii) a implantação do modelo OS, em sentido 
lato, institucionalizou-se em vários campos de políticas públicas, geran-
do, por um lado, bons proveitos e, por outro, riscos e a necessidade de 
cuidados e disciplinamentos; iii) a operação das parcerias, mesmo tendo 
sofrido restrições do manto regulamentador estatal, ainda mantém acima 
dos níveis críticos suas características estruturais intrínsecas; e iv) aperfei-
çoamentos estruturais, normativos e gerenciais se fazem necessários para 
ampliar a funcionalidade do modelo e assegurar sua efetiva contribuição 
para as políticas públicas em escala crescente.
1. UM PROCESSO DE INOVAÇÃO: A INSTITUCIONALIZAÇÃO 
DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL
As OSs são uma inovação gerencial relevante no Brasil e sua im-
plantação, que implica sua derivação em modelos congêneres, represen-
ta um processo de institucionalização dessa inovação. O termo “institu-
cionalização” não está sendo utilizado no sentido legalista, mas no 
sentido sociológico de que algo se institucionaliza quando se torna há-
bito, quando é dotado de sentido e, a partir daí, sedimenta-se.
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Inovações gerenciais são uma espécie de inovações institucionais, 
porque adicionam algo diferente à gestão – inovar é fazer diferente com 
consequência. A institucionalização de inovações gerenciais é um pro-
cesso, não decorre do nada e não se instala de súbito. Vai pegando 
menos por força das regras formais e mais pelo hábito, pelo sentido (a 
noção de proveito prático) e, em estágios, por aplicação “automática”, 
isomórfica, por efeito mimético.1 Analogamente, há desinstitucionali-
zação quando os custos das inovações superam seus benefícios e/ou 
quando são substituídos por outras inovações.
A implantação das OSs no Brasil revela um avançado processo de 
institucionalização entre os estágios 2 e 3 (objetivação e sedimentação), 
com as seguintes características: implantação federal mais setorializada, 
porém crescente; implantação crescente nos níveis subnacionais; proli-
feração de modelos derivados, complementares e/ou concorrentes 
(Oscip, híbridos, “transgênicos”, parceria público-privada – PPP –, 
Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC2); 
e aumento de demanda posterior à decisão favorável do STF e ao 
MROSC.
“Teorias conspiratórias” sobre baixa implantação ou fracasso do 
modelo definitivamente não se coadunam com essa trajetória – embora 
tenham sido sugestivas de questões importantes. A relativa baixa quan-
tidade de OSs federais implementadas, principalmente se comparada às 
quantidades almejadas no início da concepção do projeto, não é indica-
tivo de baixa implantação,porque se restringe à esfera federal. O argu-
mento de que o modelo não sobreviveria a um novo ciclo de engessa-
mento, comum ao longo da história da Administração Pública brasilei-
ra, também se provou falacioso, embora esteja relacionado a um dos 
maiores fatores críticos do modelo: resistir às pressões limitadoras da 
flexibilidade, que não são cíclicas, mas contínuas. Por fim, teorias 
1 TOLBERT P.; ZUCKER, L. “A institucionalização da teoria institucional”. Vol. 1. 
In: CLEGG, S.; HARDY, C.; NORD, W. R. (Coord.). Handbook de Estudos 
Organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999.
2 Lei n. 13.019, de 31 de julho de 2014, alterada pela recente Lei n. 13.204, de 14 de 
dezembro de 2015.
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conspiratórias frequentemente invocam o argumento de que qualquer 
flexibilização dará margem à predação patrimonialista, constituindo uma 
“porta aberta à corrupção”. Este último ponto toca a delicada questão 
da autonomia na Administração Pública brasileira e o tratamento inade-
quado que historicamente vem recebendo: ora se ampliam os níveis de 
autonomia sem o devido controle e direcionamento, ora, em razão de 
maus usos da autonomia não devidamente controlada ou direcionada, 
restringe-se a autonomia a ponto de gerar paralisia. A engenharia insti-
tucional do modelo OS engendra múltiplas formas de controle e dire-
cionamento da autonomia dos entes qualificados: contrato de gestão, 
fiscalização e prestação de contas, governança mista por meio de con-
selho de administração. É certo que é preciso ampliar e aprimorar esses 
e outros mecanismos de responsabilização e controle, tornando-os mais 
leves e inteligentes, conforme será abordado no próximo segmento.
Logo, a questão que está subjacente à trajetória de institucionali-
zação das OSs no Brasil diz respeito ao grau de sustentabilidade, con-
trole e irreversibilidade de implantação do modelo. Elementos para 
possíveis hipóteses serão elaborados neste segmento e também no se-
guinte. Mas neste, em particular, buscar-se-á apresentar um balanço 
quantitativo e qualitativo da implantação de modelos de parceria com 
entes de cooperação no Brasil.
Em 2011, o governo do estado da Bahia encomendou ao Insti-
tuto Publix uma atualização do Levantamento de Modelos de Parceria 
entre o Poder Público e Entes de Cooperação e Colaboração no Brasil, 
realizado pelo próprio Publix para o Ministério do Planejamento, Or-
çamento e Gestão em 20103. Embora tenham decorrido quatro anos 
desde sua última atualização, esse levantamento é abrangente e permite 
a visão do processo de institucionalização do modelo OS marcado pela 
diversificação (a derivação para modelos híbridos) e abrangência (em 
estados e municípios).
3 Veja-se GRAEFF, Aldino; SALGADO, Valeria. Relaç õ es de parceria entre poder pú blico 
e entes de cooperaç ã o e colaboraç ã o no Brasil. Brasília: Editora IABS, 2012, que utilizam os 
dados e expandem as analyses focalizando as parcerias nos trê s ní veis de Governo, 
baseadas nos modelos originalmente estabelecidos pela legislaç ã o Federal de OS e 
OSCIP, bem como os Serviç os Sociais Autonomos existentes.
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O mencionado levantamento buscou mapear os assim chamados 
“modelos de descentralização e parcerias de gestão”:4 OS, Oscip, SSA, 
fundações estatais (FE) e (PPP). Em síntese, foram identificadas:
• 216 OSs, das quais 6 eram federais, 118 estaduais e 92 municipais, 
com 61 contratos de gestão firmados (5 federais, 30 estaduais e 
26 municipais);
• 5.885 Oscips, das quais 5.691 eram federais (com 285 parcerias 
federais, 2 termos de parceria estaduais e 3 termos de parceria 
municipais), 167 estaduais (com 15 termos de parceria) e 27 
municipais, totalizando 300 parcerias;
• 237 SSAs, dos quais 12 eram federais, 218 projeções estaduais 
do Sistema S, 5 estaduais e 2 municipais;
• 8 FEs estaduais, das quais 2 eram da Bahia, 3 de Sergipe e 3 do 
Rio de Janeiro; e
• 14 PPPs com contrato assinado ou em execução, das quais 1 
era federal (contrato assinado) e 13 estaduais (9 assinados e 4 
em execução), além de 27 projetos em estruturação”.
O universo mapeado está detalhado na tabela 1.
4 O mapeamento seguiu um roteiro metodológico baseado em três passos. O primeiro 
passo foi delimitar o universo dos entes de cooperação e colaboração e das experiências 
contratuais de gestão dos referidos modelos em âmbito nacional. A demarcação desse 
universo está baseada na atualização expandida do levantamento nacional de parcerias 
entre entes de cooperação e colaboração e o Poder Público realizado em 2009 para o 
Ministério do Planejamento. A atualização e a expansão, de modo a incorporar os 
modelos de fundação estatal e parcerias público-privadas que não eram objeto do 
levantamento nacional, demandou pesquisa exploratória na internet, levantamento de 
trabalhos acadêmicos, estudos anteriores, documentos públicos de referência, consultas 
a órgãos públicos, câmaras e assembleias legislativas, diários oficiais e bancos de dados.
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Tabela 1 – Universo das entidades por modelo
OS Oscip SSA PPP FE Total
Federal 6 5.691 12 1 - 5.710
Estadual 118 167 5 13 8 311
Municipal 92 27 2 - - 121
Total 216 5.885 19 14 8 6.142
Por um lado, esses números parecem pífios num universo de 
cerca de 500 mil organizações não governamentais (ONGs) do Brasil. 
Mas, por outro, vê-se que esse levantamento aponta mais ocorrências 
que o realizado três anos antes por Sano e Abrucio (2008), no qual foram 
identificados 78 casos, detalhados setorial e geograficamente na tabela 2. 
Não obstante questões metodológicas, que podem alterar a contagem 
de casos, nota-se uma evolução de 78 casos em 2008 para 216 em 2011 – 
tratando-se apenas de OSs.
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Tabela 2 – Número de OSs qualificadas por UF
e área de atuação
* São 16 unidades de saúde (13 hospitais, 1 ambulatório, 1 laboratório e 1 centro de 
referência do idoso) gerenciadas por nove organizações sociais.
** O Instituto Candango de Solidariedade, criado em 1998, foi extinto em janeiro de 2007.
Ainda segundo o levantamento do Instituto Publix, nesse univer-
so de 6.142 entes de colaboração, foram identificadas 388 experiências 
contratuais (305 com Oscips, 61 com OSs, 8 com FEs e 14 em PPPs), 
conforme a tabela 3.
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Tabela 3 – Casos e experiências contratuais
Federal Estadual Municipal Total
Quantidade de OS 6 118 92 216
Contratos de Gestão de OS 5 30 26 61
Quantidade de OSCIP 5.691 167 27 5.885
Quantidade de parcerias com 
Oscip 285 15 - 300
Quantidade de SSA 12 5* 2 237
Quantidade de FE - 8 - 8
Quantidade de PPP 1 13 - 14
* Mais 218 projeções estaduais.
Dentro desse universo, o levantamento identificou dezessete ex-
periências de implantação de modelos de descentralização e parcerias de 
gestão. Cada uma dessas experiências apresentaram diversos casos de 
aplicação de modelos congêneres: i) OS federal; ii) OS do estado do 
Pará; iii) OS do estado de Santa Catarina; iv) OS do estado de Pernam-
buco; v) OS do estado de São Paulo da área de cultura; vi) OS do estado 
de São Paulo da área de saúde; vii) OSs municipaisde São Paulo; viii) 
OSs municipais do Paraná; ix) OSs municipais do Rio de Janeiro; x) OSs 
municipais do Rio Grande do Sul; xi) Oscip federal; xii) Oscip federal 
com parceria no estado do Espírito Santo; xiii) Oscip do estado de Mi-
nas Gerais; xiv) SSA federal; xv) FE do estado do Rio de Janeiro; xvi) 
PPP no estado de Minas Gerais; e xvii) PPP no estado de São Paulo. 
Acrescente-se uma décima oitava experiência: a OS na área da saúde de 
Goiás.
Essas experiências de parceria, em particular as OSs, vêm sendo 
progressivamente implementadas no setor de saúde, entre outros. A 
Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic), do Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Perfil dos Estados Brasileiros 
2013, incluiu levantamento de “contratação de serviços de saúde” por 
meio de organizações sociais, revelando, durante o ano de 2013, sua 
presença em dezesseis estados, além do Distrito Federal: Amazonas, 
Roraima, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, 
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Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa 
Catarina, Mato Grosso, Goiás.
Nessa mesma linha, a Pesquisa de Informações Básicas Munici-
pais (Munic), do IBGE, no Perfil dos Municípios Brasileiros 2014, 
revela que
10,6% dos municípios (522) possuíam estabelecimentos de saúde, 
sob sua responsabilidade, administrados por terceiros. No que se 
refere ao total de estabelecimentos sob responsabilidade munici-
pal, administrados por terceiros, de um total de 2.316 estabele-
cimentos, cerca de 43% eram administrados por organizações 
sociais (OS); 28,4%, por empresas privadas; 18,2%, por consórcios 
públicos; 5,7%, por organizações da sociedade civil de interesse 
público (Oscip); 3,2%, por cooperativas; e 1,3% por consórcios 
de sociedade.
Enquanto nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste os per-
centuais de municípios que possuem estabelecimentos sob gestão 
municipal e que são administrados por terceiros eram, respecti-
vamente, 2,4%, 5,1% e 5,9%, nas Regiões Sudeste e Sul essas 
proporções alcançavam, respectivamente, 18,6% e 12,9%.
Na Região Sudeste, as organizações sociais eram responsáveis por 
cerca de 67,0% dos estabelecimentos administrados por terceiros 
e as empresas privadas, por aproximadamente 13,0%. Em con-
trapartida, nas Regiões Norte, Nordeste, Sul e Centro- Oeste, 
as participações das organizações sociais eram mais baixas – res-
pectivamente, 5,1%, 8,7%, 19,0% e 12,5%.
Ao relacionar o porte populacional e a entidade responsável 
pela administração dos estabelecimentos sob gestão municipal, 
observa-se que o peso das organizações sociais no total de esta-
belecimentos administrados por terceiros é diretamente propor-
cional ao tamanho da população: em 41,0% dos municípios com 
mais de 500.000 habitantes administrados por terceiros, cerca 
de 88,0% dos estabelecimentos eram administrados por organi-
zações sociais. Quanto aos estabelecimentos administrados por 
empresas privadas, as maiores participações ocorreram nas clas-
ses de 50.001 a 100.000 e de 100.001 a 500 mil: respectivamen-
te, 47,4% e 43,3%.
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A participação dos consórcios públicos é mais significativa em 
municípios com até 5.000 habitantes (62,1%) e naqueles com 
população até 10.000 habitantes (49,3%).5
Com efeito, em avaliação realizada já em 2005, Costa e Ribeiro6 
mostraram que os hospitais sob administração de OSs, comparados com 
hospitais estatais, apresentam muitas evidências de eficiência e qualidade: 
menor taxa de mortalidade, menor tempo de permanência em leitos e 
em cirurgia, maior taxa de ocupação de leitos e maior taxa de rotação 
de leitos.
As OS também se provaram melhor em eficiência técnica (mais 
altas ano/leito) e menor gasto/leito e gasto/alta. Um ranqueamento pelo 
Índice de Eficiência Organizacional demonstrou que nove entre os dez 
hospitais mais eficientes são OS. O estudo também demonstrou que: i) 
a variação percentual de um ponto nos recursos alocados nas OS gerava 
incremento de 0,47% na quantidade de altas; e ii) a variação percentual 
de um ponto nos recursos alocados nos hospitais tradicionais gerava 
incremento de 0,22% na quantidade de altas. A comparação entre hos-
pitais sob administração de OSs e estatais revelou que as OS possuíam 
orçamento 8,1% maior, mas saídas 42,8% maiores, ocupação 22,6% maior 
e custo médio 24,3% menor.7
Mais recentemente, em avaliação de um caso emblemático de 
aplicação de OS no setor de saúde, no estado de São Paulo apurou-se8:
5 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Perfil 
dos Estados e dos Municípios Brasileiro – 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. Disponível 
em <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94541.pdf>.
6 COSTA, N. R.; RIBEIRO, J. M. Estudo dos Modelos das Organizações em Hospitais 
Públicos. Rio de Janeiro: Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico 
em Saúde, Banco Mundial, 2005.
7 COSTA, N. R.; RIBEIRO, J. M. Estudo dos Modelos das Organizações em Hospitais 
Públicos. Rio de Janeiro: Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico 
em Saúde, Banco Mundial, 2005.
8 A partir de dados da Secretaria Estadual de Saúde e do Ministério Público do Estado 
de São Paulo.
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• que a implantação do modelo não representou uma retração 
do gasto, no sentido de que estaria a serviço de um movimen-
to de retirada de responsabilidades, mas revelou, ao contrário, 
um novo modelo de atendimento com expressiva expansão 
orçamentária (da ordem de 15%), representando 22% dos gas-
tos da secretaria de Saúde para manter 24 organizações sociais 
operando 37 hospitais, 49 associações médicas especializadas 
(AMEs) e outras;
• que há nove unidades com presença em todo o espaço geográ-
fico do estado de São Paulo e prestação de serviços em diversas 
especialidades;
• que houve um alto grau de cumprimento das metas contratadas 
e avaliação satisfatória (muito bom e bom) por 93,4% dos in-
ternados em 2011; e
• que há uma relação custo-benefício melhor nas OSs do que 
nos hospitais estatais, revelando tendência de maior redução 
(eficiência) de gastos médios por saída nos hospitais OS, ao se 
compararem dois grupos de unidades hospitalares, OSs e estatais, 
com perfis semelhantes.
O caso das OSs no setor de saúde em São Paulo revela uma so-
lução sistêmica na qual as OSs complementam, não antagonizam, as 
estruturas estatais de provisão de serviços.
Uma atualização dos dados do gráfico 1 para 2015 certamente 
mostraria um quadro quantitativo significativamente diferente, maior, 
mas talvez qualitativamente semelhante. Em todo caso, essa possibilida-
de sustenta a hipótese de que o modelo OS e seus derivados vêm pro-
liferando, provavelmente com muitas experiências exitosas, reveladoras 
de resultados significativos de políticas públicas, mas, também, com 
certeza, em alguma extensão, com experiências desastrosas ou malsuce-
didas. Em todo caso, provas de que o modelo está operando se desen-
volvendo e se constitui em uma alternativa viável para proporcionar a 
expansão do estado por fora da administração pública. Esse movimento 
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é irreversível e irresistível, no sentido de que tende a ser adotado de 
uma forma ou de outra. E aí reside o desafio: buscar disciplinar a apli-
cação dos modelos de tal forma que não percam suas características 
seminais e sirvam à geração de boas experiências e resultados. Nesse 
sentido, a sustentabilidade e irreversibilidade do modelo OS estão na 
capacidade de as experiênciasde aplicação manterem suas caracterís-
ticas estruturais, não deformarem o modelo. Esta análise será elaborada 
na próxima seção.
2. UMA NOVA ARQUITETURA INSTITUCIONAL: PILARES 
E PRESSÕES
Este terceiro segmento elabora uma análise acerca da funcionali-
dade das OSs no curso de sua implantação ao longo dos dezessete últimos 
anos, a partir de uma avaliação da integridade de seus elementos estru-
turais essenciais: publicização, orientação para resultados, governança 
mista, parceria e flexibilidade operacional. Trata-se aqui de analisar a 
gestão do modelo a partir de seus cinco pilares, tanto pelo Poder Públi-
co contratante quanto pelo parceiro privado contratado.
Tal como na arquitetura, a função dos pilares é suportar pressão 
e garantir a integridade estrutural do modelo. Este segmento do trabalho 
busca elaborar análises em torno da seguinte questão: em alguma situa-
ção os pilares do modelo se deformaram a ponto de comprometer in-
tegridade deste? A resposta sucinta é que alguns sofreram mais pressão e 
deformação do que outros; há casos de deformações críticas; porém, o 
modelo ainda permanece de pé. Entretanto, o mais essencial é conside-
rar a presente análise no sentido de indicar iniciativas de reforço, esta-
bilização e prumo para mitigar as pressões deformadoras e facilitar a 
funcionalidade do modelo.
2.1 Publicização
“Publicização” não é um termo pacífico. Por um lado, evoca o 
sentido de ‘tornar público’, mais associado ao conhecimento público. 
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O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado9 o utiliza no sen-
tido de mover para o espaço público não estatal atividades não exclusi-
vas que estejam sendo executadas sob modelos de direito público. 
Confusões semânticas à parte, o que se pretendeu foi diferenciar de 
privatização, que implica a venda de ativos, com absoluta governança/
autonomia privada sobre estes e sua utilização para provimento de ser-
viços com o fito do lucro. O modelo OS é também uma forma de 
publicização porque permite a transferência de atividades não exclusivas 
que estão ao abrigo de organizações estatais para entes de colaboração, 
sem, contudo, implicar venda de ativos (que permanecem sendo públi-
cos) e sem haver o caráter lucrativo, sujeitando tais colaboradores a uma 
estrutura de governança mista, cuja autonomia é direcionada por con-
trato de gestão e regulada pelo Poder Público.
Nesse sentido, as OSs estão a serviço de uma estratégia de 
reordenamento da Administração Pública e permitem que os mode-
los de direito público se ocupem do que é de atuação exclusiva do 
Estado e que agentes privados possam servir de prepostos confiáveis 
da atuação estatal, de forma descentralizada, no terceiro setor. Assim 
sendo, as questões que se colocam são: em que extensão a aplicação 
do modelo é parte de uma estratégia de reforma institucional – ou 
parte de soluções fragmentadas que buscam acudir situações pontuais 
de inoperância? Em que extensão os modelos estão sendo geridos 
nessa direção – transformadora?
A experiência nacional revela que: i) num momento pré-decisional, 
as motivações iniciais são mais episódicas que sistemicamente encartadas 
numa perspectiva abrangente de reforma institucional; ii) a adoção do 
modelo possui um forte componente mimético; iii) o momento deci-
sional prescinde de modelagem que permita antever vantagens compa-
rativas de distintas opções; e iv) num momento pós-decisional, a gestão 
do modelo falha em prover a devida regulamentação e o direcionamento 
do bom uso do modelo.
9 BRASIL. Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da 
República, 1995. Disponível em http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/
planodiretor/planodiretor.pdf.
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O momento pré-decisional envolve a percepção de problemas e 
oportunidades que motivam a indicação do modelo OS como solução 
e sua adoção. A experiência nacional revela distintas motivações para 
adoção do modelo OS e de seus congêneres: flexibilização para melho-
rar o volume e qualidade dos serviços prestados; aumento de demanda 
por serviços e impossibilidade de prestá-los ao abrigo direto do Estado, 
tendo em conta, principalmente, os limites da Lei de Responsabilidade 
Fiscal (LRF); melhor controle de recursos já alocados em parcerias fir-
madas por meio de modelos anteriores (convênios e assemelhados), por 
conta do foco em resultados; maior possibilidade de alavancar a captação 
de recursos próprios e privados para expansão e melhoria dos serviços. 
Sejam quais foram as motivações, em apenas dois casos, Minas Gerais e 
Pernambuco, os modelos de parceria eram elementos centrais de um 
processo mais amplo de reforma institucional.10 
Embora a legislação matriz preconize um programa de publiciza-
ção, este jamais existiu. Isso é coisa que se estabelece, ou não, no âmbi-
to de um conjunto de políticas de gestão, que seguem uma dinâmica 
própria.
Em todo caso, as decisões sobre a criação de modelos de parceria 
semelhantes ao modelo OS se deram muito mais em razão de efeitos 
miméticos, nos quais os municípios tendem a imitar as legislações esta-
duais muito mais do que estas tendem a imitar a legislação federal, em-
bora a legislação federal sempre se firme, preponderantemente, como 
paradigma. Trata-se, portanto, de um processo de natureza incremental 
e sedimentar, sem diferenciações radicais.
Além de mimético-incremental, a maior parte dos processos de 
decisão de adesão ao modelo OS foi setorizada e oportunista no sentido 
estratégico do termo. A implantação setorizada revela, por seu turno, 
uma faceta fragmentária: muitos setores, destacadamente saúde e assistência, 
10 Veja-se, a este respeito, Do Choque de Gestão à Gestão para a Cidadania: 10 anos de 
desenvolvimento em Minas Gerais. Instituto Publix, Banco de Desenvolvimento de 
Minas Gerais e Governo do estado de Minas Gerais, 2014; e MARINI, C.; MARTINS, 
H. Todos por Pernambuco em tempos de Governança: conquistas e desafios. Instituto Publix, 
2014.
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lograram avanços na implantação do modelo à mercê de lideranças se-
toriais de governo, não a partir de uma decisão de cúpula, a partir de 
uma clara opção do executivo principal (seja um prefeito ou governador) 
ou com amplo suporte de outras autoridades governamentais. O padrão 
predominante está baseado na determinação setorial e no convencimen-
to governamental de baixo para cima, em situações nas quais não hou-
ve espaço ou tempo para se discutirem estratégias de reforma institucio-
nal nem políticas de descentralização e parcerias – em alguns casos, 
nota-se a existência de instâncias colegiadas de decisão sobre serviços a 
ser parceirizados, mas, na prática, apenas para referendar decisões centrais 
ou setoriais, sem políticas e ou estudos de modelagem que deem o de-
vido embasamento às propostas.
A legislação é omissa em relação à modelagem. Entende-se por 
modelagem a definição sobre o que será objeto de publicização e como 
isto será implantado, em razão da natureza da atividade em si e de alter-
nativas de sua execução, cada qual com seus prós e contras. Nesse sen-
tido, a modelagem prévia permite que se averigue a vantajosidade da 
opção pelo modelo OS, o que significa sua superioridade em termos de 
custos e benefícios (não restritos aos aspectos econômicos ou financeiros) 
ao longo do tempo relativamente a outras alternativas, tais como tercei-
rização, privatização ou execução sob um modelo de direito público.
O momento pós-decisional da publicização inclui a gestão do 
modelo – quenão se confunde com as gestões das parcerias sob seu 
abrigo, questão que será tratada logo a seguir. A gestão do modelo inclui 
sua regulamentação, sua promoção e avaliação, de modo a proporcionar 
seu bom uso e atualização, por meio de divulgação, assistência na im-
plantação e nos seus processos de operacionalização, capacitação, desen-
volvimento e aperfeiçoamento de instrumentos gerenciais e legais. 
Usualmente, a gestão do modelo deve ser uma responsabilidade central 
dos governos, afeita às áreas de melhoria da gestão ou às unidades de 
coordenação governamental próximas à cúpula, com equipe devida-
mente qualificada e dedicada e status hierárquico para respaldar decisões 
de aplicação do modelo dentro e fora do Poder Executivo – Pernam-
buco chegou a constituir uma Agência Gestora de Parcerias.
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A experiência nacional revela que poucos casos possuem gestão 
sistemática dos modelos de parceria, prevalecendo nenhuma ou insufi-
ciente regulamentação, instruções processuais, divulgação e apoio siste-
mático à implantação de modo que muitos aspectos operacionais rela-
tivos ao funcionamento das parcerias acabam relegados a tratamento 
casuísta e/ou se sujeitam a regulamentações restritivas dos órgãos de 
controle.
Outra consequência é a transferência da gestão do modelo para as 
unidades setoriais gestoras das parcerias, sobrecarregando-as e drenando-
lhes a energia, além de enredar os modelos em perspectivas setoriais que 
às vezes são muito específicas. Excepcionalmente, porém, o oposto 
ocorre: áreas centrais gestoras dos modelos assumem a gestão das parce-
rias em múltiplos setores, gerando dificuldades decorrentes da falta de 
conhecimento técnico e gerencial setorial para bem gerir distintas par-
cerias– exacerbando o problema da assimetria informacional em contra-
tos de resultados.
Esse quadro revela uma implantação pautada por urgências e 
emergências, sem uma visão clara de reforma institucional por detrás – 
embora as implementações tenham, por outro lado, gerado efeito trans-
formador nas instituições e, em muitos casos, gerado visões de reforma, 
ainda que por meios tortuosos. A implantação das OSs tem logrado a 
transferência de atividades não exclusivas, de relevância pública, de estru-
turas estatais para estruturas em rede, parceirizadas com entes de colabo-
ração. Não há registro de transferência de atividades exclusivas. O que se 
advoga é a necessidade de que tal processo seja mais abrangente, planeja-
do e sistemático. Acudir situações pontuais de inoperância gerencial esta-
tal não diminui a utilidade do modelo, apenas limita seu potencial.
Em todo caso, é essencial que as decisões sobre implantar mode-
los de parceria sejam parte de uma visão mais ampla sobre distintas 
possibilidades de tratar problemas públicos e modelar soluções viáveis, 
ao mesmo tempo em que, uma vez tomadas, as decisões sobre implan-
tação de modelos de parceria sejam executadas de forma a assegurar a 
integridade dos modelos por meio das devidas determinações e injunções 
intra e extragovernamentais.
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2.2 Orientação para resultados
Outra característica estrutural do modelo OS é que a experiência 
de parceirização deve ser pautada por resultados e para resultados. O 
contrato de gestão é o instrumento de direcionamento e controle para 
e por resultados – sem prejuízo do controle dos meios, que também 
deve existir. Parcerias envolvem contratos complexos e, por definição, 
imperfeitos – sujeitos a múltiplos problemas de agência11 e gaming.12 Um 
contrato de gestão possui múltiplos objetos de pactuação e controle 
(monitoramento, avaliação e fiscalização), além de múltiplos atores en-
volvidos (as partes contratante e contratada, além de intervenientes e 
outras partes envolvidas no seu monitoramento e avaliação (M&A), 
fiscalização, gestão do modelo etc.) – esse ponto será mais desenvolvido 
adiante. Em que extensão as parcerias estão de fato baseadas mais em 
resultados que em esforços? Os resultados (ou os esforços) pactuados são 
coerentes (focados e alinhados com os resultados de governo e com as 
políticas públicas), realistas, desafiadores e legítimos? As formas de men-
suração e pontuação são adequadas? A estrutura de incentivos para a 
geração de resultados é adequada? Como mitigar o gaming (defensivo e 
ofensivo) e pactuar metas crescentemente realistas e desafiadoras, fora da 
zona de conforto dos contratados? Em que extensão há um equilíbrio entre 
o controle de meios e fins? Essas questões serão abordadas na sequência.
A experiência nacional revela: i) a predominância da pactuação 
mista de esforços e resultados, com ênfase nos primeiros; ii) claros sinais 
11 Trata-se de uma denominação genérica para uma situação de “quebra de contrato” 
numa relação entre uma parte denominada principal, que figura como contratante, e 
outra parte denominada agente, que figura como contratada e deveria agir no interesse 
do principal, conforme estabelecido no instrumento contratual. Uma das principais 
razoes deste tipo de risco moral decorre da assimetria informacional entre as partes, com 
o contratado possuindo mais informações e conhecimento que o contratante. A 
referência seminal é Jensen & Meckling (1976).
12 Gaming é um termo de dificil tradução que significa a manipulação de resultados 
pactuados, seja ex ante, fixando-se metas pouco desafiadoras; seja ex cursum, esforçando-se 
apenas para alcançar as metas pactuadas; e ex post, adulterando-se ou distorcendo dados 
que comprovem o alcance das metas pactuadas. Veja-se Hood: Administrative argument. 
Aldershot, England: Dartsmouth, 1991.
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da modalidade mais comum de gaming, a subestimação de metas; iii) 
monitoramento e avaliação excessivamente centrados em esforços; e iv) 
controle predominante dos meios.
O contrato de gestão é um contrato de resultados, esforços (para 
o alcance dos resultados) e meios (para consecução dos esforços). Com 
efeito, esses três elementos são encontrados amiúde nos contratos de 
gestão, embora a coerência entre eles nem sempre esteja clara e predo-
minem especificações sobre esforços e meios. Uma OS poder firmar 
mais de um contrato de gestão – além de contratos administrativos e ou 
outros instrumentos de ajuste, que a fazem ter de gerir resultados múl-
tiplos –, e cada qual deverá prever um conjunto de ações para o alcance 
nele resultados estabelecidos, conjunto esse que é dinâmico e deverá ser 
constantemente revisado. A definição de resultados não é uma questão 
trivial na literatura e nas práticas gerenciais: em muitas situações, é difí-
cil discernir o que são esforços (e aspectos tais como execução, excelên-
cia e economicidade), resultados (e aspectos tais como impactos, pro-
dutos, eficiência) e valor (confiança e satisfação de expectativas), ainda 
mais desenvolver um sistema de mensuração que leve em conta todos 
esses aspectos.13
13 Em meio a múltiplas abordagens que abundam na literatura gerencial sobre desempenho 
e possuem alguns entendimentos e muitas diferenças e divergências semânticas e 
conceituais, é útil propor o entendimento denominado 6Es do desempenho, constante 
do Guia Referencial Para Medição de Desempenho e Manual para Construção de Indicadores, do 
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BRASIL. Ministério do Planejamento, 
Orçamento e Gestão. Guia Referencial para Medição de Desempenhoe Manual para Construção 
de Indicadores. Brasília, 2009. Disponível em: <http://www.gespublica.gov.br/biblioteca/
pasta.2010-12-08.2954571235/Guia%20-%20Indicadores%20(versao%20preliminar%20
Dez%2009).pdf>). O modelo dos 6Es do desempenho propõe um conceito 
hexodimensional de desempenho, com três dimensões relativas aos esforços (execução, 
excelência e economicidade) e outras três relativas aos resultados (eficiência, eficácia e 
efetividade). A execução refere- se à realização física de atividades, sejam projetos, 
processos ou ações avulsas – é fazer as coisas; excelência está relacionada à conformidade 
com boas práticas gerenciais – é fazer as coisas de maneira qualificada; economicidade 
concerne à aquisição vantajosa dos insumos e à alocação racional dos recursos – é fazer 
de forma otimizada, sem desperdícios e perdas; eficiência é a relação entre insumos 
utilizados para a geração dos produtos, sejam bens, sejam serviços – é fazer mais com 
menos; eficácia está relacionada à entrega, à geração dos produtos segundo as quantidades 
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Os contratos de gestão não fogem à regra e revelam mais pactua-
ção de esforços que de resultados, ou seja, uma pactuação mais baseada 
em ações (coisas a fazer) que em produtos (sejam bens ou serviços, 
tangíveis ou não) e impactos – embora haja honrosas exceções setoriais, 
caso da saúde, por exemplo, cujos contratos de gestão são mais baseados 
principalmente em indicadores de produção. É muito raro ver contratos 
de gestão com indicadores de eficiência (a relação entre recursos e pro-
dutos) e efetividade (impacto gerado no contexto de atuação). Em todo 
caso, ainda que de forma incompleta, tais definições representam um 
grande avanço em relação à lógica dos convênios: de alocação de recur-
sos em ações e prestação de contas sobre a conformidade da execução 
dos recursos, predominantemente.
Uma parte desse problema pode ser creditada à não regulamen-
tação e à gestão deficiente do modelo, incapaz de explicar e capacitar 
para suprir um déficit de entendimento a respeito do que seja resultado 
e de como contemplá-lo nos contratos de gestão. A legislação matriz 
(Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998), em seu art. 7º, I, fala em “espe-
cificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a 
estipulação das metas a ser atingidas e os respectivos prazos de execução, 
bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de de-
sempenho a ser utilizados, mediante indicadores de qualidade e produ-
tividade”.14 Se, por um lado, pretendeu-se utilizar a denominação 
e qualidades definidas; e efetividade está relacionada aos impactos – é fazer com 
consequências). Recentemente, a dimensão valor público foi acrescentada aos 6Es para 
denotar aspectos tais como confiança e satisfação de públicos de interesse, destacadamente 
os beneficiários, relativamente à expectativas, interesses, valores e visões. O ideal de 
um sistema de mensuração deveria ser gerar indicadores referentes a cada um desses 
sete aspectos de forma seletiva e significativa – em que pesem argumentos defensivos 
de que certas atividades não seriam passíveis de mensuração ou cuja mensuração seria 
altamente complexa. Veja-se Martins e Marini (Todos por Pernambuco em tempos de 
Governança: conquistas e desafios. Instituto Publix, 2014). Não obstante o apelo de 
diversos dispositivos regulamentares no sentido de que os contratos de gestão disponham 
de indicadores de eficiência e economicidade, justamente estes, juntamente com os de 
efetividade, são os mais complexos de ser modelados, tendo em conta a qualidade de 
dados, parâmetros de comparação, temporalidade e graus de controle.
14 BRASIL. Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades 
como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção 
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“programa de trabalho” para firmar o caráter convenial do contrato, por 
outro, não foi possível, na peça legal, gerar uma compreensão organi-
zada dos termos apresentados no sentido de que o programa de trabalho, 
objeto do contrato, deveria incluir um conjunto de indicadores de re-
sultados e respectivas metas – cujo alcance requereria a execução de 
múltiplas ações a ser especificadas sob a forma de um plano anual de 
ações. Primeiramente, os resultados (onde se quer chegar); depois as 
ações (o que se deve fazer para chegar onde se pretende); terceiro, que 
meios ou recursos são necessários para executar as ações para se alcançar 
os resultados. Essa sequência raramente é vista dessa forma. Desenten-
dimentos levaram muitas experiências a eleger as ações como foco da 
pactuação – até porque ações são orçáveis e permitem visualizar a rela-
ção com os meios de forma mais clara, enquanto resultados não são 
diretamente orçáveis, a não ser pelas ações que os produzem. Em última 
análise, a Lei n. 9.637, de 1998, não é meridianamente clara neste par-
ticular, razão por que se afigura como indispensável o concurso do 
gestor do modelo no sentido de dar o devido direcionamento e apoio 
metodológico ao mais adequado foco da pactuação.
Não obstante, em muitos casos a ausência de indicadores de re-
sultados e a firmação de contratos de gestão integralmente baseados em 
ações também podem ser explicadas como efeito de gaming – situação 
na qual os indicadores de resultados são deliberadamente suprimidos para 
desonerar a contratada, restringindo seu escopo de responsabilidade à 
mera consecução de ações.
Mas essa não é única situação de gaming que se encontra subja-
cente a muitas experiências, mas a subestimação das metas segue sendo 
a principal. Metas devem ser realistas (factíveis) e desafiadoras (empur-
rando o contratado para além da zona de conforto e gerando uma situa-
ção de superação). É muito comum experiências contratuais resultarem 
em alcance integral das metas. Em parte, a subestimação das metas é uma 
jogada defensiva para atenuar efeitos de possíveis, prováveis, como se 
dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações 
sociais, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/L9637.htm>.
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verá, problemas no fluxo de recursos, além de efeitos disfuncionais do 
controle e da gestão da parceria que possam trazer dificuldades operacionais 
e comprometer os resultados, tais como ingerências e imposição de regras 
publicistas. E isso independe do porte da organização contratada e de sua 
reputação. Há casos de gaming tão intensos, associados a gestões tão débeis 
das parcerias, que as contratadas dominam a relação e ditam as regras.
Outra questão que está por detrás da subestimação das metas é 
certamente o perfil e modo de atuação do gestor da parceria, o parceiro 
público, e, como parte de seus arranjos, das comissões de acompanha-
mento e avaliação. Descontada uma parcela “natural” de assimetria de 
informação, boa parte do gaming, seja defensivo, seja ofensivo, é sim-
plesmente permitida ou tolerada pelo contratante, quer porque, em 
muitos casos, aceita uma fixação frouxa de resultados, com metas irrea-
listas e pouco desafiadoras, porque concentra seus controles nos meios 
e esforços com altas doses de ingerência, quer porque, complementar-
mente, dispõe de mecanismos punitivos contundentes caso julgue que 
a situação está fora de controle.
Entretanto, há casos em que mecanismos de inteligência antigaming 
são aplicados e rendem resultados animadores – entre os quais se desta-
cam comitês técnicos ou especialistas parao suporte à negociação, mo-
nitoramento e avaliação, por meio de análises factuais e evidências 
comparativas –, transparência negocial – no sentido de se dar ampla 
publicidade à fase pré-contratual na qual as metas são propostas e deba-
tidas – e competição administrada – situação nem sempre possível e em 
alguns casos indesejável, na qual a seleção do contratado é pautada por 
um “leilão de metas” e/ou há múltiplos contratados cujo desempenho 
é passível de ser estimulado em bases competitivas, por meio de ran-
queamento e incentivos.
Em síntese, o gaming é uma condição crítica que faz parte da re-
lação contratual, tendencialmente maior em duas situações opostas: 
quando a parte contratante é excessivamente lasciva e leniente ou quan-
do é extremamente dura, inflexível, insensível ao aprendizado e baseada 
na imposição de metas. Uma questão de trabalho de qualquer relação 
contratual é minimizar o gaming.
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Além das metas de desempenho e de seus meios de consecução 
(estes serão abordados mais adiante), outro elemento central da geração 
de resultados em qualquer relação contratual é a forma como o moni-
toramento e a avaliação são definidos e conduzidos. Resultados, esforços 
e meios são objetos não apenas de pactuação como também de contro-
le, no sentido gerencial e estratégico do termo, voltado à verificação do 
alcance de resultados e da execução de atividades, não ainda no sentido 
formal de fiscalização e prestação de contas relacionadas à conformidade 
e aplicação de recursos, o que será abordado mais adiante. Analogamen-
te ao que ocorre na pactuação, predominam os controles das ações e dos 
meios em detrimento do controle dos resultados, gerando-se um dis-
funcional desbalanço.
Primeiramente, é forçoso reconhecer que concepções iniciais 
do modelo OS depositavam praticamente toda a carga de controles 
nos resultados e negligenciavam aspectos importantes do controle de 
ações e meios. O foco no controle dos resultados não pode se dar às 
custas da desatenção ao aproveitamento ótimo dos recursos públicos 
nem ao cumprimento de exigências que se aplicam aos recursos pú-
blicos executados por terceiros mesmo sob regime privado. Por outro 
lado, não se admite que um foco em controles processuais e de apli-
cação de recursos imponha desempenho em níveis inferiores. O que 
ocorreu, contudo, foi uma subversão dos controles: não apenas ações 
e alocações tornaram-se objetos predominantes como também o con-
trole da conformidade estabeleceu escopo abrangente, temerário, 
frequentemente estendendo ao parceiro privado a regra pública, im-
plicando ingerência em sua atuação – pontos que serão mais explora-
dos na sequência.
Tudo isso é agravado pela pluralidade de agentes públicos envol-
vidos nas parcerias (grupos técnicos, comitês de acompanhamento e 
avaliação, órgãos regionais setoriais, órgãos supervisores, órgãos de 
controle, auditorias internas e auditorias independentes), agentes públi-
cos excessivamente zelosos e atentos a riscos de responsabilização. A 
consequência é a predominância dos controles dos meios sobre os fins 
de forma restritiva e confusa, com prejuízos para o desempenho da 
parceria e para o aprendizado.
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2.3 Governança mista
Um modelo de governança compreende o conjunto de regras, 
instâncias e processos de direcionamento (planejamento, metas etc.), 
controles (de resultados e procedimentais, auditoria) e incentivos (siste-
ma de induzimentos e retribuições) para que o interesse do “dono” 
prevaleça sobre outros interesses. Um bom modelo de governança 
busca assegurar que o “dono” “mande” na organização, no sentido de 
direcioná-la e controlá-la.15
Falar de governança no modelo OS não é tarefa fácil e suscita 
muitas questões relativas à natureza da OS, a seu grau de autonomia, 
15 Trata-se aqui do conceito de governança corporativa. Governança corporativa está 
relacionada à seguinte questão: no interesse de quem (de qual parte interessada) a empresa 
é gerida? Essa pergunta possui dois importantes pressupostos. Primeiro, o de que a empresa 
deve ser gerida prioritariamente no interesse do dono (os detentores de direitos de 
propriedade, que podem ser um único dono ou milhares de acionistas). É claro que há 
outros interesses em jogo, de outras partes interessadas, tais como clientes, colaboradores, 
fornecedores, comunidades, meio ambiente natural etc., que também merecem atenção. 
O principal interesse em jogo, contudo, é o do dono: obter retorno sobre seu capital 
investido, por meio do lucro (BERLE, A. A.; MEANS, G. C. The modern corporation and 
private property. New York: Harcourt, Brace & World, 1967). O segundo pressuposto é 
que a relação do dono (denominado “principal”) e seus funcionários executivos 
(denominados “agentes”) está sujeita a certos “problemas de agência”, situação na qual 
os agentes atuam em detrimento dos interesses do principal, buscando colocar em primeiro 
plano seus interesses próprios ou deixando-se capturar por interesses de terceiros 
(EISENHARDT, K. M. “Agency theory: An assessment and review”. Academy of 
Management Review, Vol. 14, n. 1, pp. 57-74. 1989; JENSEN, M. C. A theory of the firm: 
governance, residual claims and organizational forms. Cambridge: Harvard University 
Press, 2000). Logo, a governança corporativa preocupa-se em constituir instâncias 
(conselhos, por exemplo) e instrumentos (de planejamento, monitoramento e avaliação) 
no sentido de estabelecer o devido direcionamento e controle estratégico da empresa, 
certificando-se de que seu corpo executivo a gere prioritariamente em benefício dos 
interesses de seus proprietários (POUND, J. “The promise of the governed corporation”. 
Harvard Business Review, Vol. 73, n. 2, pp. 89-98, 1995.; stout, 2012; YOUNG, M. N. 
et al. “Corporate governance in emerging economies: A review of the principal–principal 
perspective”. Journal of Management Studies, Vol. 45, n. 1, pp. 196-220, 2008). O conceito 
de governança corporativa pode ser facilmente transposto para o contexto da gestão 
pública, considerando-se que o principal (o “dono”) é o cidadão e os atores econômicos 
detentores de direitos (não de propriedade, mas direitos civis, sociais, políticos) e 
beneficiários das políticas públicas e os agentes são os agentes públicos em geral (servidores 
e seus prepostos a serviço da Administração Pública).
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assim como à natureza de uma parceria na qual o parceiro público é, ao 
mesmo tempo, “dono”.
Organizações não governamentais formais de natureza econômi-
ca (uma pluralidade de formas empresariais) ou sociais (uma pluralidade 
de formas associativas) possuem, entre seus stakeholders primários, a ca-
tegoria de “dono”. Mas, em se tratando de uma empresa, a figura do 
dono é clara: é o investidor cotista ou acionista cujo interesse principal 
é garantir o retorno do seu investimento por meio de lucro – o resul-
tado que, em última análise, mais interessa ao dono. O dono é, sobre-
tudo, o detentor dos direitos de propriedade – que segundo a teoria dos 
direitos de propriedade só se efetiva com o controle da companhia. 
Mesmo que o capital seja pulverizado entre milhões de acionistas, o 
interesse é mais homogêneo. No caso de uma ONG, a questão é mais 
complexa. Não há “direitos de propriedade”, há instituidores que, mo-
vidos por interesses relacionados à causa à qual a organização se dedica, 
investem capital simbólico (reputação, prestígio, poder, tempo, entu-
siasmo) e detêm algum controle sobre a instituição. É fato que também 
buscam retorno do capital simbólico investido, na forma de mais poder,prestígio, reputação. Em uma ONG, inexiste a titularidade de proprie-
dade a priori; seu “dono” se faz dono ao exercer o poder de mando e 
satisfazer seus interesses.
Essa breve digressão foi necessária para se sentenciar o seguinte: 
integrar uma parte interessada na estrutura de comando de uma ONG 
equivale à torná-la “sócia”. Logo, numa OS, o parceiro público con-
verte-se em sócio, tornando tanto a relação de parceria quanto a de 
“sociedade” extremamente complexa e sujeita a problemas de equilíbrio 
associativo e de autonomia.
Problemas de equilíbrio associativo ocorrem quando um asso-
ciado torna-se mais preponderante, usualmente por possuir mais poder, 
mas também urgência e legitimidade.16 Ora, o capital de uma ONG é 
16 Segundo a proposta de Mitchell, Agle e Wood (“Toward a theory of stakeholder 
identification and salience: defining the principle of who and what really counts”. 
Academy of Management Review, n. 22, pp. 853-886, 1997), stakeholders são atores (internos 
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integralizado muito mais à base de legitimidade e urgência do que de 
poder – na maioria das vezes, a própria instituição de uma ONG é uma 
forma de se angariar poder a partir de legitimidade e urgência. A ques-
tão é até que ponto um associado com muito mais poder pode se so-
brepor à legitimidade e urgência dos demais de modo a tornar-se um 
associado dominante (equivalente a “dono exclusivo”) e, com isto, 
restringir a autonomia da organização por poder direcioná-la e controlá-la 
mais que os outros associados.
No caso das OS, há um maior risco de que isso aconteça. Primeiro, 
porque o parceiro público tem uma tendência ao comando – o que até 
certo ponto é natural e decorrente do caráter hierárquico e regulatório da 
atuação estatal. Segundo, porque as OS possuem, por requisito legal es-
tatutário, um sistema misto de governança no qual a instância máxima de 
deliberação é um conselho de administração composto por integrantes do 
Poder Público e da sociedade – e embora a participação do poder públi-
co esteja limitada a 40% dos membros em caráter plural e rotativo, sua 
atuação é preponderante porque possui capacidade de influenciar o res-
tante dos membros e formar coalizões dominantes. Terceiro, porque o 
parceiro público é aportador determinante de recursos, dos quais a OS 
frequentemente depende, e a condição de subvenção atinente à parceria 
implica controles e garantias exigidas pela legislação. Logo, esse risco 
converte-se em tendência à medida que a dependência em relação ao 
poder público for maior e conforme os demais associados não tiverem 
legitimidade e urgência em alta conta. Daí a necessidade de que os mem-
bros do conselho de administração sejam de fato também muito bem 
qualificados e exerçam a contento seus papéis de “donos”.
A razão da existência de um conselho de administração com as ca-
racterísticas impostas pela Lei n. 9.637, de 1998, é tripla. Primeiramente, 
ou externos) que afetam ou são afetados pelos objetivos ou resultados de uma dada 
organização em diferentes extensões, na medida em que reúnem entre um e três atributos 
básicos: poder, legitimidade e urgência. Atores que não reúnem ao menos um desses 
atributos (não afetam os resultados e/ou não são afetados pelos resultados) não são 
stakeholders. Veja-se Martins e Fontes Filho (“En quién se pone el foco? Identificando 
stakeholders para la formulación da la missión organizacional”. Reforma y Democracia, 
n. 15, 1999, pp. 111-140. 1999).
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para eliminar qualquer eventual poder de instituidores: não importa 
quem constitui a organização: quem o fez cedeu seu poder instituidor 
ao conselho de administração, que mandará absoluto – isso vale mesmo 
após a instituição do novo Código Civil, que prevê para as ONGs or-
dinárias a assembleia como órgão de deliberação máxima. Segundo, a 
presença do Poder Público nessa estrutura de comando traz uma garan-
tia de impessoalidade e uma salvaguarda de controle, ampliando o con-
trole público, por meios indiretos, da representação em conselho, tor-
nando este corresponsável pelo direcionamento e pelo controle interno 
da entidade em geral. Terceiro, para impedir que haja a preponderância 
do poder da direção, passível de gerar inúmeros problemas de agência 
– o potencial de direcionar a gestão para os interesses internos. Em úl-
tima análise, a presença do Poder Público na estrutura de comando e 
seu papel de “dono” representam o interesse público coletivo, difuso, a 
perspectiva das políticas públicas. Isso é mais importante numa organi-
zação nova, recém–constituída, e nos anos iniciais da parceria, podendo, 
conforme o caso, deixar de ser um requisito em organizações mais es-
truturadas e em parcerias mais estáveis.
Em todo caso, para que esse interesse público se cumpra, não só a 
representação do Poder Público no conselho de administração necessita 
cumprir certos requisitos, como também o próprio conselho precisa se 
constituir e operar a contento. Primeiramente, o ideal em termos de re-
presentação do Poder Público no conselho é que seus representantes não 
sejam os gestores da parceria, para evitar confusão de papéis. A função dos 
primeiros é resguardar o interesse público dentro da instituição. A função 
dos últimos é fomentar para produzir resultados definidos e delimitados. 
Teoricamente pode até haver conflito de interesses entre esses dois papéis 
– o Poder Público gestor da parceria pode, por exemplo, almejar uma 
parceria do tipo “fundação de apoio”, enquanto o Poder Público “dono” 
deve rechaçar essa possibilidade, resguardando o serviço ao público bene-
ficiário, não a organização estatal. Num modelo de parceria, a grande 
questão é a extensão na qual a parceria consiste numa combinação na qual 
cada parte preserva seu poder de mando dentro de seus próprios domínios 
– ou em que extensão um parceiro tenta mandar no outro, arriscando 
aviltar o caráter de “vamos combinar” da parceria?
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Segundo, e complementarmente, devem os demais representantes 
ensejarem arranjos de representatividade realmente legítimos, corres-
pondentes ao espectro de interesses que orbitam a organização e ou seu 
“negócio”. Ademais, apenas uma alta dose de legitimidade é capaz de 
contrabalancear a alta dose de poder que o associado público possui, em 
prol do equilíbrio associativo.
Terceiro, é necessário que o conselho de administração, como 
um todo orgânico, cumpra seu papel adequadamente, que é estabele-
cer uma relação contratual com a direção na qual delibera e estabele-
ce limites (principalmente sobre o que não fazer) e dá ampla margem 
de autonomia para que a direção opere dentro dos limites. O papel 
dos conselhos é direcionar e controlar no sentido gerencial e estraté-
gico, por meio de monitoramento e avaliação de resultados, e no sen-
tido da conformidade interna, do cumprimento das regras internas. 
Conselhos não devem lidar com questões do dia a dia nem interferir 
em assuntos operacionais. Conselhos têm de ser mais fortes que a di-
reção, até porque um elemento essencial da estrutura de incentivos 
adequada de qualquer arranjo de governança é a prerrogativa que os 
conselhos têm de substituir a direção em casos de desempenho insa-
tisfatório ou desalinhamentos.
Outra questão que está associada à atuação dos conselhos é a 
definição de seu âmbito de atuação. Por um lado, a definição do 
“negócio”, da finalidade, dos propósitos, da missão, do campo de 
atuação é estatutária, basilar. Mas tudo isso pode se realizar de múl-
tiplas formas, principalmente no que diz respeito ao alcance e papeldas parcerias da organização. Em última análise, caberá ao conselho 
de administração deliberar sobre a estratégia de atuação da entidade, 
se mais restrita ou não às parcerias que vier a firmar com o Poder 
Público, e como as parcerias se encaixam em uma atuação mais ampla. 
É certo que as parcerias devem se posicionar claramente no planeja-
mento estratégico da entidade, podendo, inclusive, constar em con-
trato de gestão a título de prova de alinhamento; poderá, contudo, 
haver casos em que a parceria ocupe e domine completamente a 
atuação da entidade, caso em que o planejamento estratégico da enti-
dade equivalerá em escopo ao objeto do contrato de gestão. Certamente 
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há muitas situações distintas, nas quais por vezes é preferível que a 
OS siga uma trilha de maior independência relativa, explorando ou-
tros potenciais e mercados, como desdobramento de sua atuação, de 
seu negócio, de forma complementar ou não à parceria, de modo a 
melhorá-la ou ao menos não prejudicá-la; também haverá casos em 
que essas alternativas não serão nem possíveis nem recomendáveis. 
Em todo caso, a decisão sobre âmbito e escopo de atuação é do con-
selho de administração. A OS pode desenvolver atividades que não 
estão elencadas no contrato de gestão, mas certamente essas atividades 
devem guardar alguma afinidade com as direcionadas ao contrato de 
gestão, no sentido de que devem estar a serviço de uma mesma mis-
são. Esta é precisamente uma preocupação essencial dos conselhos de 
administração: evitar o deslocamento de missão e estratégias fortuitas 
de mercantilização.
Tudo isso posto, a experiência brasileira até o presente momen-
to revela predominantemente problemas de representatividade, menos 
do ponto de vista da legitimidade dos representantes vis-à-vis a diver-
sidade de interesses que do ponto de vista do peso da representação 
do Poder Público. A preponderância do Poder Público gera desequi-
líbrios associativos, agravados pela indevida separação de papéis de 
gestores da parceria e de “donos”. Em suma, a atuação do Poder 
Público embota a atuação dos demais atores, até porque quem está à 
mesa é Poder Público dono do dinheiro, não da legitimidade do 
interesse público.
Não obstante, no que concerne ao papel do conselho de admi-
nistração, há dois tipos de disfunções mais comuns. Primeiro, casos de 
ingerências do conselho, no sentido de se imiscuir em questões e mi-
núcias do dia a dia da organização. Segundo, e mais grave, a relativa 
força das direções frente aos demais conselhos, o que acaba gerando 
quebra das estruturas de governança e dotando as direções de autonomia 
não propriamente regulada ou direcionada. Esse fenômeno decorre da 
confusão de papéis entre o Poder Público dono e gestor da parceria, que 
acaba preferindo exercer seu mando diretamente sobre uma direção mais 
fortalecida do que sobre um conselho que, indiretamente, o faria em 
relação à direção.
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2.4 Parceria e fomento
Parceiro é uma parte interessada que faz parte de uma intervenção, 
faz junto buscando satisfazer um conjunto de beneficiários. A escolha 
de parceiros deve pautar-se pelo princípio da vantagem da complemen-
taridade de capacidades: o efeito sinérgico da combinação das partes 
potencializa capacidades que, isoladamente, gerariam efeitos inferiores 
em termos de impacto, provimento de bens e serviços e ou eficiência. 
Fomento é apoio, estímulo, indução. É um processo, não é um ato; é o 
processo de apoiar, estimular, induzir parceiros a gerar bens ou serviços 
a certos beneficiários. O interesse de ambas as partes, parceiras, é satis-
fazer o beneficiário. Fomento não é prestação de serviços. Parceiro não 
é fornecedor numa prestação de serviços, que é uma relação comercial 
episódica, na qual uma parte tem interesse de lucro e outra, de contra-
prestação de um serviço ou fornecimento de um bem. Parcerias se 
concretizam por meio de múltiplos instrumentos de ajustes baseados na 
convergência de interesses, segundo ritos e requisitos específicos de 
aproximação e seleção – enquanto prestação de serviços, por sua vez, 
concretiza-se por meio de contratos administrativos, regidos pela lei de 
licitações. O Quadro 1 a seguir ilustra a diferenciação entre fomento e 
prestação de serviços e entre parceiro e fornecedor.
Quadro 1 – Diferenciação entre parceiro e fornecedor
PARCEIRO FORNECEDOR
Faz parte do processo de produção Fornece bens ou serviços
Relação co-produção e co-criação num 
ambiente de política pública
Relação de mercado
Relação contínua e duradoura: 
complementaridade de competências; 
suporte mútuo; maior confi ança e 
capacidade
Episódica e “oportunista”: 
vantajosidade/menor preço; melhor 
produto
Não se esgota nas entregas; busca 
aprimorar capacidades de entrega
Se esgota na entrega do produto, 
segundo especifi cações
O parceiro é um ente de colaboração e 
cooperação
O fornecedor é um prestador de 
serviços
Fomento Prestação de serviços
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Parceria e fomento formam um binômio elementar do modelo 
OS por três principais razões. Primeiramente, intentava-se revigorar 
formas de fomento e parceria que se desgastaram ao longo do tempo, 
tais como títulos de utilidade pública, filantropia e a modalidade con-
venial. Os primeiros se perderam em múltiplos maus usos e descaracte-
rizações, a última tornou-se um instrumento mecânico de aporte de 
recursos cuja utilização era restritiva, desvinculada de resultados claros 
e sujeito a controles e prestações de contas meramente formais e rela-
cionadas à aplicação conforme de recursos. Nesse sentido, a parceria 
com OS por meio de contrato de gestão buscava prover uma nova ti-
tularidade, a qualificação de OS, e um instrumento de parceria, o con-
trato de gestão, centrado em resultados. Segundo, reitera-se, em linha 
com o que já foi anteriormente mencionado, buscava firmar um con-
ceito de parceria para transferência de atividades que fosse distinto da 
idéia de terceirização, que é uma prestação de serviços, e de privatização, 
que envolve a venda de ativos e a perda de controle. OS é essencial-
mente um modelo de parceria. Terceiro, buscou-se impedir a reprodu-
ção do conceito de “fundação de apoio” no qual constituía-se uma 
instituição prestadora de serviços travestida de relação de fomento – afi-
nal uma atividade finalística executada sob modelo OS prescindiria 
deste tipo de apoio por ser dotada de flexibilidade operacional.
Na experiência brasileira de implantação de OSs, os problemas rela-
cionados à parceria e fomento são: i) combinação da relação de parceria com 
elementos hierárquicos e de prestação de serviços; ii) a solidez dos parceiros 
privados; iii) a seleção de parceiros privados; e iv) a gestão da parceria.
Na prática, o que tem prevalecido são formas híbridas de parceria, 
nas quais a interdependência é permeada por questões hierárquicas e 
elementos de prestação de serviços. O problema não é a natureza híbri-
da dessa relação: é o limite da prevalência dos distintos entes que nela 
atuam e a possibilidade de desequilíbrio em razão do qual o parceiro 
público acaba comandando o ente de colaboração (relação hierárquica) 
ou reduzindo-o a prestador de serviço (relação comercial).
A parceria é, por natureza, baseada na confiança e na interde-
pendência. Em princípio, a parceria é aviltada quando um parceiro em 
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relação ao outro estabelece uma relação de mando e tenta impor sua 
vontade (a parceria, por definição, tem um caráter negocial, no qual 
prevalece entre as partes o princípio do “vamos combinar”). O caráter 
hierárquico de comando e controle é muito visível na maior parte das 
relações entre OS e seus parceiros privados. Parceiros públicos tendem 
a tratar OS como extensões de seus aparatos, impondo, mais que nego-
ciando, condições, requisitos, prazos. Frequentemente – o que é pior –, 
essa tendência se materializa por fora do contrato de gestão, gerando 
uma pauta, uma agenda paralela de atividades, que muitas vezes denota 
o caráter de fundação de apoio que acaba sendo imposto sobre a OS, ao 
sabor do comando do parceiro público. Certamente há freios e limites, 
não raramente impostos pelo conselho de administração, estabelecidos 
por mecanismos de controle do próprio Poder Público e, por vezes, pela 
postura dos dirigentes.
Além de traços de hierarquia, há também traços de prestação de 
serviços que muitas vezes dão à parceria um aspecto de “prestação in-
centivada de serviços”. Nesta situação, a relação é fomento, porque se 
destina, em última análise, a terceiros beneficiários – mas a seleção do 
parceiro tem caráter licitatório (frequentemente emulando uma moda-
lidade de técnica e preço). No que se refere à supervisão, entenda-se 
que ela tem caráter de atestação da prestação de serviços, especificados 
em contratos de gestão que enfatizam a entrega – mas, por vezes, o 
controle vai muito além da verificação das entregas e adentra atos de 
gestão do parceiro, sobre sua conformidade, regularidade e característi-
cas organizacionais. A “prestação incentivada de serviços” acaba virando 
uma prestação de serviços na qual o contratante tem a prerrogativa de 
realizar controle e ingerências em relação ao prestador de serviços, exi-
gindo obediência a parâmetros gerenciais do setor público. É um ca-
bresto que dissipa energia e diminui o proveito do modelo OS.
Esses fenômenos, que por vezes promovem a prevalência dos 
caráteres de hierarquia e prestação de serviços nas parcerias, têm múlti-
plas explicações. Por um lado, o Poder Público é, por natureza, hierár-
quico e tende mesmo a carregar para suas relações sua forma extroversa 
de exercer seu poder. Muitas vezes, adicionam-se zelos e excessos de-
correntes de condutas rigorosas dos controles interno e externo ou 
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também da utilização dos padrões e parâmetros procedimentais e legais 
da prestação de serviços, no afã de dotar as relações de parceria de maior 
consistência legal – sobretudo no início da relação, na fase de construção 
de confiança.
Por outro lado, a prevalência dos caracteres de hierarquia e pres-
tação de serviços nas parcerias decorre de assimetrias em termos de 
dependência entre os parceiros. Se prevalecer uma grande dependência 
de um em relação ao outro, haverá desequilíbrio na relação – com um 
parceiro dominando o outro. E isso remete à questão da solidez e da 
escolha do parceiro privado.
O parceiro privado ideal é aquele capaz de, no que concerne ao 
parceiro público, aumentar a complementaridade de capacidades e pro-
porcionar mais e melhores resultados. Isso requer afinidade, vocação, 
reputação, qualidade e maturidade gerencial. Estes atributos devem ser 
os critérios de seleção. Há dois principais tipos de risco na seleção de 
parceiros privados: incapacidade e oportunismo. 
Relativamente ao primeiro perigo, ressalte-se que uma boa sele-
ção requer uma boa modelagem, de modo a tornar claro o interesse do 
Poder Público e os “diferenciais competitivos” do modelo OS, ou o 
que se espera que os parceiros sejam ou façam em termos de capacidades 
requeridas. É essencial ter em mente que a seleção de uma parceria não 
é a escolha dos objetos da parceria em razão de qualidade ou preço, é 
uma escolha de parceiros. Diferentemente de um processo licitatório 
para um contrato administrativo, no qual se escolhe um fornecedor em 
razão do objeto, conforme especificado e predominantemente de acor-
do com o menor preço, em um processo de parceria se escolhe um 
parceiro em decorrência de suas qualidades e capacidades institucionais 
para cumprir determinadas funções especificadas numa modelagem – 
situação na qual nem sempre deverá/poderá haver uma especificação 
precisa e cabal do objeto, até porque esse tipo de definição, que se 
concretiza no contrato de gestão, deverá ser negociado entre as partes. 
Dessa forma, será possível, em algumas circunstâncias, agregar elementos 
do tipo “técnica e preço”, em linha com práticas de seleção de projetos 
comuns, principalmente no caso de relações episódicas que envolvam a 
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realização de projetos de pequeno porte e monta, mas é necessário ter 
em mente que o que deve guiar a seleção de parceiros é a qualidade e a 
capacidade institucional, mais que o objeto da parceria – que será sem-
pre, em alguma extensão, dinâmico.
Já no que concerne ao segundo risco, a experiência brasileira 
revela que as parcerias mais estáveis e exitosas são aquelas que estabele-
cidas com organizações com atuação já consolidada, com reconheci-
mento, boa reputação e condições operacionais maduras. São mais 
exitosos os casos nos quais as entidades privadas parceiras são maiores 
que as parcerias, de modo que não haja dependência em relação ao 
Poder Público e torne a relação de parceria mais equilibrada.
Um processo seletivo bem amparado em boa modelagem e pau-
tado na aferição da vocação do parceiro a partir de qualidades e capaci-
dades é ainda mais essencial tendo em conta que as parcerias representam 
um inequívoco crescente e próspero “mercado” – no sentido mais ge-
nérico, de ‘conjunto de ofertantes e demandantes de cooperação’. Por 
um lado, isso é bom, reflete a pluralidade e fortaleza institucional de uma 
sociedade livre e plural e promove a geração de mais opções de mode-
lagem e seleções mais apropriadas – a partir de uma boa “competição”. 
O empreendedorismo social é muito positivo e louvável, embora possa 
comportar distintos matizes e escalas que oscilam de posturas mais subs-
tantivas engajadas, setorizadas e localizadas até outras mais empresariais 
visivelmente expansionistas – embora sem ânimo de lucro. Por outro 
lado, isso pode sujeitar as parcerias a vários tipos de falhas de mercado, 
tais como seleção adversa17, custos afundados18 e monopólios naturais19 
– dentre – entre outros, relacionados a concentrações setoriais ou regio-
nais em relação às quais a modelagem deve estar atenta e fornecer as 
devidas alternativas de mitigação.
17 Situação na qual há assimetria de informação entre ofertantes e demandantes e a parte 
que possui mais e melhores informações tende a tirar proveito da outra. 
18 Custos irrecuperáveis, no sentido de que o valor dos investimentos necessários ao 
estabelecimento de certas atividades não são passíveis de serem retornados por meio de 
uma remuneração de mercado.
19 Situação na qual determinados segmentos, nichos ou empreendimentos requerem 
massivos investimentos iniciais a ponto de inviabilizar um ambiente competitivo.
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Entretanto, há também um risco moral subjacente: o deslocamen-
to da missão e a mercantilização. Estes ocorrem quando uma instituição 
do terceiro setor corrompe sua vocação para pleitear parcerias por ins-
tinto de sobrevivência ou ganância institucional – mesmo supondo-se 
que eventuais excedentes financeiros tenham de ser necessariamente 
aplicados nas atividades fomentadas. Esse é o lado de “empresarização” 
do terceiro setor que é indesejável,

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