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EDUCAÇÃO PARA RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS - bibliografia base - semana 10(1)

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2 
 
Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
 
 
DIMENSÕES SIMBÓLICAS DO JONGO E DA MEMÓRIA EM TERRITÓRIOS 
NEGROS: POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES 
RACIAIS 
Profª Drª Patrícia Rufino 
Ouvimos histórias em muitas comunidades negras tradicionais. Essa escuta sensível das 
memórias vividas de fontes ainda vivas, reconstroem suas histórias a partir de fatos 
ocorridos em tempos passados, dos caminhos percorridos, das casas dos avós, do poço em 
que retiravam água, do córrego que havia... enfim, essas e outras histórias trazem as 
memórias de fatos que reencantam por sua magia. Pesquisar nessas comunidades tem sido 
um exercício prazeroso que une a tarefa árdua de pesquisadora ao prazer do encontro! São 
essas narrativas que trazemos nesse texto, eu nos unem aos tempos da memória e 
reconfiguram nossas formas de vivermos as africanidades. De tamanha generosidade que 
casa espanto! Trago para essa reflexão fragmentos da pesquisa “Olhares sobre jongos e 
caxambus” em que identificamos nas práticas jongueiras um enorme acervo imaterial, de 
ritos, formas, e tempos eu nos colocam diante de muitos questionamentos sobre a 
“História” já escrita da população negra no sudeste. Os ritos que envolvem as práticas de 
jongo desde o preparo dos tambores à festa, com procissão, são relatados através das 
narrativas dos jongueiros, que guardam a fé e reelaboram sua história. Os caminhos oram 
muitos, desde visitas, organização das rotas, às oficinas com as comunidades jongueiras 
Repensar os espaços escolares considerando a negritude apenas em dias específicos não se 
coloca como estratégia de combate ao racismo, ou seja, é tratar de forma simplificada um 
tema que depende de aprofundamentos e discussões cotidianas. Essa crítica inicial foi e é 
uma das proposições que vimos pensando, quando nos referimos aos currículos escolares e 
a abordagem das situações de diversidade étnico-racial na vida cotidiana das escolas 
públicas e das salas de aula. 
 Este artigo tem por objetivo contribuir na análise do trato das relações étnico-raciais nos 
ambientes escolares e propõe pensarmos se a escola incentiva ações pedagógicas em todas 
as suas esferas, já que, a Lei 10.639/03 não seria um dispositivo exclusivamente necessário 
para que a questão racial fosse tratada na escola, porque o enfrentamento ao racismo 
3 
 
Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
ultrapassa a relação de obrigatoriedade legal, mas necessariamente, já que o silencio ainda 
persiste, lançamos mão da Lei que nos garante autonomia para estes enfrentamentos. 
Apresentamos neste texto algumas inserções que serviram para identificarmos ações 
colaborativas para o trato pedagógico da questão racial no currículo, enfocando as 
contribuições da população negra na sociedade brasileira. Se em uma proposta mais ampla 
em que constam nos currículos oficiais o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e 
africana e se de alguma forma as escolas ainda resistem, é sinal que temos muito a fazer, 
porque esse movimento de resistência nos diz muito em seus silêncios. Claro que quando 
nos referimos a “escola”, tomamos com propriedade todos aqueles sujeitos que lá estão, ou 
que de alguma forma participam da vida escolar. Por isso, esta discussão vai para além dos 
currículos, das salas de aula, ela envolve todos aqueles que entendem a educação como 
possibilidade ofertada para consolidação da cidadania. Por isso, penso então, que nesta 
reflexão inicial, entendermos esses processos de enegrecimento, para pensarmos os 
currículos, é necessário então dialogarmos com os lugares, com os territórios, nos 
enfrentamentos dessas barreiras e atuarmos nestes espaçostempos em que se desrespeitam 
as memórias, as histórias e os saberes necessários à compreensão e a contribuição do negro 
em nossa sociedade. 
Urge transversalizar o trato do racismo na escola colocando-o como tema presente no 
currículo escolar, principalmente se considerarmos os reflexos da “História” que vivemos – 
referindo-me a História do Brasil- contada a partir da reprodução de outros ditos, escritos 
para manutenção do poder de alguns, que excluem os não-ditos, os não escritos, os olhares, 
os gritos, as resistências. Passamos então a necessidade da contextualização dessa outra 
história, a partir mesmo das histórias e memórias vividas nas comunidades negras. 
Essa ação imputa à escola apropriar-se de quem é esse/essa estudante negro/negra, das 
próprias famílias negras e não negras, de suas histórias, dos avos e avós, dos antepassados, 
das mudanças ocorridas nos modos de vida, dos contextos de urbanização e dos processos 
de favelização, marginalização e pobreza que estão diretamente ligados à negação da 
negritude. 
Dessa forma, iniciamos nossa discussão questionando em que ponto, nos currículos 
concebidos ou oficiais – aqueles pensados a partir das diretrizes institucionais – estão 
pautadas práticas para o reconhecimento, aceitação e respeito à diversidade racial de 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
nossos alunos e alunas. Essas ações de reconhecimento a partir das próprias histórias, das 
histórias das famílias de seus territórios e suas interpretações nos questionam 
impulsionando rever conceitos, repensar realidades e até mesmo formas de como essas 
realidades se apresentam hoje. Para isso também é preciso pensar nas ações dos 
professores e professoras. São sujeitos, fundamentais para efetivação do currículo. 
Portanto, precisamos antes de qualquer discussão, pensarmos em uma parte específica - os 
“agentes da lei” – professores e professoras. A eles cabem em várias instancias, a 
formação, o trato da ação pedagógica e a junção de elementos que somente o professor/ 
professora necessitam para o enfrentamento inicial ao racismo e outras formas correlatas 
de discriminação na escola, que se apresenta na sala de aula. 
Ao pensar neste enfrentamento, nesta pesquisa, identificamos no jongo possibilidades para 
a construção desse diálogo. Claro que, existem inúmeros caminhos possíveis em que 
poderíamos partir para pensarmos as discussões sobre etnicidade, racismo, exclusão. No 
entanto, as práticas do jongo são apresentadas em algumas comunidades específicas e são 
propostas como movimentos de resistências negras e vão se disseminando conforme 
relações sociais locais, fortalecendo os elos de identificação comunitária. 
Fomos em busca de indícios que nos levassem a descobrir as práticas do jongo, em que 
coube interrogar, de que maneira uma escola situada em uma comunidade tradicional 
jongueira se relaciona e se apropria dessas práticas culturais? É possível a tradução do 
jongo no cotidiano das escolas? 
As respostas surgiram dos próprios sujeitos, de suas memórias, apontando os caminhos que 
percorremos. Assim, os mestres jongueiros, as pessoas da comunidade, as crianças foram 
nos mostrando quais eram os caminhos e mediações necessárias para educação para 
relações étnico-raciais a partir do jongo. 
Delineando o percurso da história oral temática, com visitas a desvelarmos as memórias de 
nossos antigos e novos jongueiros trabalhamos uma escuta sensível, a partir dos múltiplos 
olhares que se apresentavam. Portanto a conversa demonstrou-se uma das fortes 
características observadas durante os percursos nas comunidades,tanto urbanas quanto 
rurais, por isso a preocupação em construirmos um percurso metodológico que atendesse 
às necessidades da proposta – a escuta. A metodologia de história oral comportou essa 
possibilidade permitindo-nos registrarmos os saberes a partir das observações dos 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
próprios sujeitos. Para nós, colabora no sentido de resgatar as memórias coletivas, uma vez 
que trabalhamos com a concepção de memória como uma “[...] construção sobre o 
passado, atualizada e revisitada no tempo presente [...]” (DELGADO, 2010, p. 9). A 
memória como sabemos, é um campo de lutas, de disputa simbólica. Não é um lócus 
pacífico. 
Territórios Jongueiros 
Nossa proposta inicial se deteve em identificarmos as comunidades jongueiras existentes, 
tomando por princípio o reconhecimento desta prática cultural junto às secretarias de 
cultura, comissões de folclore e do Iphan, que inicialmente nos apresentaram alguns 
grupos, e a partir deles, fomos localizando alguns mestres e construindo um mapeamento 
com contatos de outros mestres Jongueiros, até porque nesta especificidade todas as 
comunidades jongueiras se conhecem ou sabem da existência deste ou daquele grupo de 
jongo. 
Foram identificadas comunidades jongueiras tanto no norte como no sul do Espírito Santo, 
porém, para melhor trabalharmos, foram divididas responsabilidades entre o grupo de 
pesquisadores em que alguns se destinaram à pesquisas com os grupos do sul e outros com 
os grupos do norte. Eu especificamente, neste período, trabalhei com os dizeres, fazeres e 
pensares dos grupos do norte, são estes que trataremos por hora aqui. 
A partir dos “Mestres” jongueiros iniciamos a pesquisa de campo que contou com visitas 
em comunidades no sul e no norte do Espírito Santo, neste ponto, solicitamos aos mestres 
que reunissem o maior quantitativo de participantes para explicarmos os objetivos da 
pesquisa em identificarmos os grupos e conhecermos suas histórias. 
 As comunidades foram agrupadas em territórios, considerando a aproximação geográfica, 
para facilitar o fluxo de pesquisadores, pois algumas comunidades jongueiras são também 
quilombolas estão localizadas em lugares de difícil acesso. Portanto as visitas aconteceram 
durante alguns dias na semana e se concentraram nos fins de semana, conjugando, quando 
possível, as datas das festas e das devoções, de maneira que a cada fim de semana 
agendado fossem visitadas as comunidades mais próximas entre si. Das comunidades 
identificadas, conseguimos um quantitativo de 33 jongueiros dos grupos do norte, 
distribuídos como apresentamos no quadro a seguir. 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
 Os grupos descritos neste quadro, foram visitados em períodos previamente agendados 
para a pesquisa, se reuniam para conversar, traziam suas reinvindicações, suas lembranças 
e em alguns momentos, cantavam, tocavam, nos convidavam para tomar café! As visitas 
iam assumindo as organizações dos próprios grupos, uma vez que, mais à vontade, eles se 
posicionavam direcionando as conversas. 
Quadro 1– Organização para as visitas às comunidades jongueiras no norte do Espírito 
Santo 
Territórios Norte Comunidades Grupos a serem visitados 
I - São Mateus (urbana e rural) Centro e São Cristóvão São Cristóvão -– Jongo de 
Santo Antônio. 
II - Conceição da Barra (rural) Itaúnas São Benedito e São Sebastião- – 
Linharinho Santa Bárbara – Jongo de 
Santa Bárbara 
 III – Conceição da Barra (urbana) Santana Santana – Jongo de 
São Bartholomeu 
Jongo Mirin – Escola 
“Deolinda Lajes” 
 
A Comunidade de Santana – Jongo de São Bartholomeu 
Na comunidade de Santana, em Conceição da Barra, acontece a homenagem a São 
Bartholomeu no dia 24 de agosto. Atualmente esta celebração é realizada com uma 
procissão e finalizada com uma missa na igreja católica da comunidade. Após a realização 
da missa, participarmos da festa, conhecemos o jongo local, conversarmos com as pessoas, 
nos inteirarmos de outros contextos da celebração do santo. A visita à Santana assumiu 
então vários significados. Um inicial, foi a proposta de conhecermos o jongo em louvor à 
São Bartholomeu, outro que seria entendermos como esta comunidade constituiu seus 
processos culturais, a partir do que entendemos como processos de territorialização em que 
discutimos a negritude, e um outro olhar, que seria o entendimento do próprio fenômeno de 
presenciarmos durante a procissão dois santos (Bartholomeu) com o mesmo propósito – 
“estátuas”, devidamente homenageados, um nas mãos das mulheres mais antigas do local – 
e outro em um “andor” levado pelos homens até a igreja da comunidade. Essa 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
compreensão, no entanto, só nos vem após interligarmos os fatos da apropriação do próprio 
espaço em que vivem. 
O distrito de Santana encontra-se em uma região conhecida como “Sapê do Norte” 
compreendendo os municípios de São Mateus e Conceição da Barra apresentando-se numa 
região de fronteira campo/cidade com características urbanas, de forte influência da 
economia agrária, mas conservando algumas estruturas campesinas – tal como a 
aproximação entre as comunidades. Essa relação de interdependência rural/urbana 
apresenta-se claramente uma vez que muitos moradores retiram de suas roças recursos para 
sustento das famílias, e criam em torno de um elemento simbólico comum - o santo, 
pertencimento. Encontramos em Santana referencial da população do campo que migrou 
para a cidade e, mesmo assim, concentra boa parte de seu trabalho, relacionados às 
atividades do campo. Bem próximos à comunidade de Santana identificamos outra 
referência importante – o bairro Quilombo, onde fica situada atualmente a Igreja de São 
Bartholomeu e também a comunidade católica de Santana. Essa comunidade passa então a 
organizar-se ainda no séc. XIX com pessoas vindas de outras regiões rurais próximas à 
Conceição da Barra e do interior da Bahia. 
O “Sapê do Norte” é uma denominação popular da região compreendida , ao longo dos rios 
Cricaré e Itaúnas. Nesse território os traços históricos do período da escravidão marcam as 
constantes lutas empreendidas pela população negra, hoje quilombolas, em favor de suas 
terras, e pela resistência à devastação da Mata Atlântica promovida pelas indústrias de 
carvão e celulose. 
Nos processos de territorialidade constituídos por estas comunidades quilombolas do Sapê 
do Norte, esta relação territorial, acontece a partir das delimitações histórico-culturais de 
seus territórios. Utilizamos aqui a expressão “Sapê do Norte” – empregada pelos 
integrantes das comunidades negras existentes nos municípios de São Mateus e Conceição 
da Barra, ES.– para nos referirmos à região que ocupam desde o século XVIII. Para alguns 
escritores e pesquisadores da região, essa planta rasteira nativa – o capim sapê - representa 
a metáfora vegetal da resistência política dessas comunidades negras campesinas ao 
sistema escravista, até o final do século XIX, incluindo aí a resistência à perda do território 
para monocultura agroexportadora do eucalipto a partir da década de 1960. Esse capim, 
mesmo após o plantio e a colheita, com todo o desgaste da terra, mantém-se resistente a 
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Professora Adjunta do Departamentode Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
todas as intempéries, brotando sempre, daí a metáfora das comunidades do “sapê” uma 
analogia a resistência das comunidades negras campesinas a todo processo de expropriação 
de suas propriedades e demarcações territoriais. Dessa forma, as demarcações territoriais 
são pensadas as partir dos contextos históricos, sociais e culturais. O que é hoje a 
comunidade de São Bartholomeu, no bairro Quilombo Novo, tem as reminiscências de 
todo contexto das lutas e resistências pela terra, ocupada inicialmente pelas grandes 
fazendas, depois por negros libertos e posteriormente interligadas pela religiosidade, ao 
apego ao jongo, a memória coletiva de seus descendentes. 
Apontando algumas questões levantadas em relação aos movimentos territoriais, 
entendemos que as dimensões territoriais do lugar estão diretamente relacionadas às 
práticas pelas quais as pessoas se organizam para pensar o espaço e as condições de 
sobrevivência que o mesmo oferece. No entanto, os contornos desses espaços são também 
delimitados conforme se constituem as relações sociais. 
Essas apropriações dialogam na organização do espaço, constituem-se como possibilidades 
com formas próprias de organização territorial, social, dando margem a entender que os 
sujeitos que constituem esses territórios dialogam a partir dessas relações sociais 
fomentando “costumes” ou as práticas culturais (CERTEAU,2005). 
O “santo das mulheres” 
Nos reunimos com um grupo de moradores mais antigos do Bairro de Santana e do 
Quilombo durante os preparativos para a festa de São Bartholomeu com alguns 
jongueiros que nos contaram um pouco mais sobre a história da comunidade e sobre o 
Jongo de “São Bartho”, como chamam na localidade. Fomos apresentados a D. Roxa - 
antiga moradora da região e devota de São Bartholomeu desde criança, quando ainda 
morava no “Braço do Rio” – às margens do rio, antes de mudar para o “Quilombo 
Novo”. Lá, como conta, as mulheres faziam as novenas e procissões juntamente com 
sua avó, mãe e todas outras devotas do santo. D. Roxa, é conhecida como a guardiã da 
imagem de São Bartholomeu, pois o santo foi/é herança familiar, e como ela mesmo nos 
conta, na conversa que tivemos, que “ele” é um santo de devoção das mulheres nos 
explicando os sentidos atribuídos à devoção. 
D. R - “[...] todo ano ia buscar [ o santo] no braço do rio, que “ieu” 
morava no braço do rio, né? Aí, ia aquela tripulação de mulé, realidade 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
como ia um “homem” ou dois, mas era pura “mulé”. Agora é ta cabando 
[risos]. Que os mais “véio” já tudo já faleceu, né?! Só tem os “novo”! 
P- Então mas, quando a Srª morava no braço do rio, a Srª tinha “ele” [São 
Bartholomeu] 
D.R- Já. Já existia ele. Isso aqui [mostra o santinho em sua casa] é antigo, 
meu Sr. Quando eu me intendi eu já encontrei. Que era da minha bisavó. 
É. Da minha bisavó passou “pá” minha avó. Da minha avó passou “pá” 
minha mãe. A minha mãe faleceu e ficou “prá” mim. Eu “tô” com 71 
“ano”. 
P- Mas e... São Bartolomeu é protetor de quê? 
D.R- Das “mulé”. São Bartalameu e Nossa Senhora, do Bom Parto. 
É os dois que “faz” parto das “mulé”. Quem, quem é devoto deles, né?! É, 
porque hoje não tem quase devoto deles, né?! De primeira a minha mãe 
“pisuiu” vinte e seis, vinte e seis “filho”, nunca foi ao médico. A minha 
irmã uma “pisuiu” só cinco. Morreu. A “ôta” “pisuiu” dez. Eu “pisuí” 
dez. A minha “ôta” irmã “pisuiu” dez. Nunca fumo “no” médico. Parteira 
era ele e Nossa Srª do Bom Parto e São Bartholomeu. 
 
Em nosso diálogo, D. Roxa explica que “São Bartholomeu” é cultuado pelo menos há uns 
300 anos pelas mulheres de sua família, mesmo sem saber ao certo a história inicial do 
santo, ou seja, como ele veio para sua família, D. Roxa assegura que “ele” foi passando de 
geração em geração, desde sua bisavó. Conta ainda que a imagem de São Bartholomeu, 
envolta pela fé, esteve na casa de cada uma das mulheres mais antigas da família, desde 
sua mãe, então suas irmãs, que “possuíram” filhos mediados, aos olhos da fé, por São 
Bartholomeu e Nossa Senhora do bom Parto. Consideramos fundamentais as observações 
de D. Roxa, principalmente atentando-nos as dificuldades por que passavam as famílias 
daquelas épocas para terem seus filhos, com poucos médicos, poucos hospitais com certeza 
o auxílio de parteiras, que também entregavam os partos que realizavam a fé depositada 
nos santos. Naquela época quando relatava suas memórias (2010) D. Roxa apresentava-se 
com 71 anos. Hoje, é possível pensar a festa de “São Bartho” pelo menos há 04 gerações. 
São Bartholomeu era levado para os lares em que as mulheres iam parir explica D. Roxa. 
Próximas da realização do parto, geralmente os maridos passavam em sua casa para levar o 
santo, por isso ela afirma, [...] ele é um santo das mulheres, andarilho, não é santo de 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
igreja[...]. Posteriormente a família organizava um local bem próximo da parturiente, para 
que o parto fosse abençoado pelo santo. Ao finalizar, correndo tudo como esperado, as 
famílias davam uma roupinha de recém-nascido, como doação, “pagando” a promessa 
feita. Em sua casa, D. Roxa mostra quantas roupinhas, sapatinhos, touquinhas guardadas, 
recebidas das pessoas que pagavam suas promessas. 
D. Roxa já escolheu em sua família quem herdará a missão de continuar os louvores à São 
Bartholomeu. D. Maria Amélia, sua sobrinha, terá a honra de continuar a tradição da 
família, sendo guardiã do santo. 
D. Maria Amélia, moradora antiga de Santana, tem, atualmente nas procissões a missão de 
levar ao colo a imagem de “São Bartholomeu” de propriedade da família. Confirma em 
seus relatos e se apresenta como a futura herdeira de “São Bartholomeu”, conforme nos 
explica, que recebeu da tia a herança de continuar com a devoção ao santo através do 
jongo. Ressalta ainda, que antigamente após as ladainhas aconteciam os bailes e eram as 
mulheres que animavam em agradecimento ao santo pela graça do parto. 
O bairro Quilombo Novo, em Santana, cresceu com essa devoção. Tanto que a igreja 
Católica da Comunidade, tem no altar Nossa Senhora do Bom Parto e São Bartholomeu. 
Uma curiosidade se deu em função de que o “santo” que se encontra na igreja atualmente, 
foi construído especificamente para avivação da fé. Pois como argumenta D. Roxa, o santo 
“oficial” da devoção, é aquele que foi de casa em casa para realizar os partos. Por isso a 
relção dicotômica de dois santos na procissão, e um no andor, carregado pelos homens da 
comunidade. Mas, as mulheres do jongo, as parteiras e outras tantas que receberam suas 
graças, vão à frente da procissão. Há muito tempo a festa e procissão de São Bartholomeu 
é acompanhada por mulheres que, em meio ao povo, carregam todo ornamentado um 
“santinho” ajoelhado, identificado como símbolo dessa fé, daí um quantitativo maior de 
mulheres à frente do Jongo de São Bartholomeu. 
Fé e jongo 
No norte do Espírito Santo,é comum encontrarmos no jongo uma quantidade maior de 
mulheres, pois são elas encarregadas de formarem a roda, ao comando das cabeceiras. Os 
homens cuidam dos instrumentos, são tamborzeiros e tocam também o reco-reco. Esse 
costume se estende também aos outros jongos que incorporaram aos seus rituais um 
quantitativo maior de mulheresno Sul do Espírito Santo, porém, com ritualísticas distintas 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
os Jongos do norte e os Caxambus no sul. Os homens, nos jongos do norte, confirmam sua 
presença tocando tambores, no entanto nos caxambus, homens e mulheres podem fazer 
parte das rodas. Nos jongos, é delas a responsabilidade por apresentar a dança. Ainda 
hoje, as mulheres jongueiras organizam, participam e acompanham a procissão de São 
Bartholomeu, mesmo com um quantitativo menor de senhoras, porque muitas senhoras, já 
idosas, não aguentam mais fazer todo cortejo de mais ou menos meio quilômetro pelas 
ruas do bairro, mas, mesmo assim buscam agradecer durante a missa. D. Maria Amélia, 
relata um pouco mais das histórias de que se lembra: 
O: São Bartho era baile de mulheres, num era? 
Mª A.: Só pura mulher. 
Mª A: Porque São Bartho é devoto das mulheres. 
P: Das mulheres? Quem leva São Barto na procissão? 
 Mª A: É devoto das mulheres. Só mulher pode levar.É por isso que quando 
era baile era só de mulher e passô pro jongo só mulher. Tem homem, mais é 
no reco-reco, nos tambô. Tá entendendo? É assim. Mais é antigo, oh! 
T: É antigão! Já tem muitos anos. 
 Mª A: Esse São Bartho tem muitos anos!! 
 
Essa crença também se manifesta na devoção aos ancestrais, que, conforme nos explica 
tem que ser preservada, algo que os une, e por essa união os identifica. Por outro lado 
também diferencia das outras comunidades e dos outros “processos de devoção” `tais 
como: devoção à Santo Antônio, `São Benedito, que são santos comumente devotados 
pelos jongueiros. Nesse ponto observamos que assim como a identidade depende da 
diferença, a diferença depende da identidade, são discursos que se criam, se afirmam nas 
memórias resultando de uma prática ancestral em que muito embora interligadas à 
presença do “santo” através de sua imagem transcedental, as identidades da comunidade 
são ativamente produzidas. 
As memórias D. Roxa, mostravam uma comunidade composta em sua maioria por 
mulheres que faziam suas ladainhas e procissão de barco, até a igreja, para cumprirem sua 
devoção ao santo, em agradecimento pelos partos que tiveram. Com o passar do tempo 
esses detalhes foram se transformando, apontando questões históricas nessas devoções, 
interligando o elo familiar, a herança recebida como devota, e recentemente como se 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
ressignificam os novos grupos de mulheres, que ainda recorrem à proteção de São 
Bartholomeu para realização de seus partos. 
M. A : Aí que eu tava falando com eles que esse Jongo ai, antes era o 
Baile de São Bartho. 
D. R : A maior parte que brincava no baile era as fias da finada 
Carminda, ela são já quase tudo mortas, num tem mais ninguém quase 
vivo.E eu, minha mãe nóis acompanho bastante. Era só. Era baile de São 
Barto. Aí com o tempo que enfio Pedro Aurora, mais Mª Amélia de 
Pedro, Seu Hemôgenes que virou Jongo, mais era Barto, o Baile de São 
Bartolomeu. Arcancei pulei muito. 
 
Na perspectiva de Delgado (2006), a temporalidade da memória o passado é espelhado 
no presente por meio das narrativas. A dinâmica da vida das pessoas está conectada com 
esses processos coletivos e por isso não se desvincula dos tempos percorridos, mas pode 
ser constantemente estimulada quando elas relatam suas vivências. Nesses relatos, 
encontram-se presentes múltiplos tempos que, conforme vamos conversando com os 
entrevistados, se apresentam nas narrativas, muitas vezes de formas desordenadas, mas 
reconstroem a história. 
No processar da memória estão presentes as dimensões do tempo 
individual (vida privada – roteiro biográfico) e do tempo coletivo 
(social, nacional, internacional). Os sinais exteriores são 
referências e estímulos para o afloramento de lembranças e 
recordações individuais, que constituem o substrato do ato de 
rememorar, que se relaciona segundo Halbwachs (1990) com os 
quadros sociais da memória. (Delgado,2010, p. 20) 
Nesse sentido, observamos que é comum, os jongueiros apresentarem em seus relatos 
que algumas referências, tais como: “naquele tempo...” ou “no tempo de Mestre X”, 
quando vão se recordando das práticas antigas. 
Optamos por apresentar as memórias, devido à sua importância para a reconstrução das 
histórias, uma vez que nosso aporte vem da metodologia da “história oral” e, como tal, 
interessam-nos as histórias a partir das narrativas dos sujeitos, reportando-nos a 
Benjamin (1994, p. 198): “[...] a experiência que se passa de pessoa a pessoa é a fonte a 
que recorrem todos os narradores [...]”. E entre as narrações, as melhores são as que 
menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. 
Ainda em Benjamin (1994), apresentamos o cerne da questão que se apresenta pelos 
narradores com a descrição da cena, dos lugares, o encantamento que sentimos quando 
nos distanciamos do acontecimento para contá-lo. O autor esclarece que: 
 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
A narrativa que durante tanto tempo floresceu num meio de 
artesão – no campo, no mar e na cidade – é ela própria, num certo 
sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está 
interessada em transmitir o „puro em si‟ da coisa narrada como 
informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do 
narrador para em seguida retirá-la dele. Assim imprime na 
narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do 
vaso. Os narradores gostam de começar sua história com uma 
descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos 
que vão contar a seguir, a menos que prefiram atribuir essa 
história a uma experiência autobiográfica (BENJAMIN, 1994, p. 
223). 
 
Dessa forma, os caminhos pedagógicos utilizados no trabalho com as memórias se deu 
pensando nos percursos históricos de cada grupo. Apropriamo-nos dos desenhos 
realizados durante as oficinas para tornar visível o processo de territorialidade, 
mostrando como esses territórios são historicamente construídos nas memórias dos 
sujeitos e como se constituíram em territórios jongueiros, observando que essa proposta 
facilita a compreensão das histórias, expondo para o ouvinte a condição de análise das 
falas com maior propriedade. 
 
Memórias de jongueiros 
 
Tatu – Eu falei: Gente, nóis temos um compromisso dia 24 de agosto. Foi 
falado isso pra todo mundo. Foi ou não foi? 
Mª Amélia e Seu Andrelino – Foi. 
Tatu – Eu falei: „e nóis temos o compromisso dia 24 de agosto‟. Esse dia 
eu posso está deitado em cima da cama, eu vou dá um jeito de alguém 
pegá o colchão de um lado de outro, vou vim pra dentro da igreja. A 
igreja é obrigada a me aceitá, que ali dentro, no colchão eu vo cantá, fazê 
alguma coisa, esperniar. Nóis tem um compromisso com isso. Nós não 
temos outro compromisso com alguém que vem lá de fora dizê: „Não, o 
grupo vai pra lá‟, aquele tipo de coisa. Nóis não temos esse compromisso 
de fazê isso. Dia 24 nóis temos um compromisso, deitar na nossa cama 
dia 23 e sabê que di manhã cedo nóis vão acordá, nóis vão ter um 
compromisso com São Barto a partir de seis da manhã, nóis vão ter um 
compromisso com ele. Você entendeu? Às vezes vem aquele mal 
entendido, aquele tipo de coisa: „Por que que eu aceitei?‟ Osvaldojá é 
segunda vez, né, Osvaldo? Que quando você me ligou é cinco dias antes 
da festa de São Barto, você alembra disso? 
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Professora Adjunta do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade 
Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
Fonte:Andrade, Patrícia G. Olhares sobre Jongos e Caxambus: Processos 
Educativos nas práticas religiosas afro-brasileiras. UFES, 2013. 
 
Certa vez, outro jongueiro, “Tatu” (Juscelino) recebeu a herança do comando do jongo 
de São BartHolomeu, porém, em virtude de estar sempre viajando a trabalho, passou 
para D. Carmem, sua tia, essa responsabilidade, já que o Jongo é “comandado” por 
mulheres e sua Finada mãe, não teve filhas para dedica-lo. Assim, com o jongo como 
conta D. Carmem assumiu o grupo colaborando com Tatu, então ele solicitou a ela que 
assumisse o compromisso do dia 24 de agosto, que é dedicado a São Bartho. Mesmo 
distante, Tatu sempre é respeitado como liderança. Um dos motivos deve-se ao fato de 
sua mãe, D. Tininha (Argentina dos Santos Guilherme) e seu pai, S. Caboquinho 
(Raulino Guilherme) serem dois líderes das brincadeiras. D. Tininha recuperou o jongo 
é foi mestra por muitos anos, reavivando a devoção. Seu desejo é que a neta Kelly 
assumisse um dia a brincadeira, mas, em sua morte, a neta ainda era muito pequena, 
coube, então, ao filho dar continuidade. A herança da responsabilidade assumida por 
Tatu deve-se a esse laço familiar. Assume, conforme sua narrativa, que, no dia 24 de 
agosto, seu compromisso é com o santo: por exemplo sobre o que se refere o relato 
acima. Dá-nos entender que houve uma reconfiguração no jongo e atualmente se 
apresenta como uma nova forma de “devoção” se é que podemos visualisar assim. 
Antes porém, haviam os festejos, mas de uma maneira mais caseira, entre as famílias, os 
vizinhos inclusive nesses procedimentos eram inseridas as ladainhas, rezas nas casas, 
atualmente essa organização deu lugar a uma procissão no entorno do bairro, 
Para Barth, esses padrões culturais são resultados de processos sociais específicos 
(p.112), se fizermos analogia das antigas configurações das devoções nos antigos 
quilombos para o que encontramos e atualmente. Reflitamos por exemplo sobre as 
transformações ocorridas desde as apresentações nos bailes atualmente nas 
procissões, e posteriormente nas reinvindicações feitas pelas comunidades para que o 
jongo acontecesse também na escola. A devoção continua, porém há modificação nos 
rituais. 
A escolha da Escola Deolinda Lage se deu em função de identificarmos na região uma 
escola dentro de uma comunidade remanescente de quilombos, em que a atividade do 
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Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFES. 
 
jongo é conservada por muitos moradores antigos do bairro, possibilitando, portanto, que 
nos debrucemos sobre esse tema na escola. 
Pertencente à Rede Municipal de Ensino de Conceição da Barra e atualmente atendendo a 
370 alunos entre os turnos matutino – de 6º ao 9º–, vespertino de 1º ao 5º– e noturno – 
EJA, a escola conta com 43 funcionários. Desses, 25 são professores. Possui nove salas de 
aula – atendendo, em média, nas turmas, cerca de 25 crianças –, uma biblioteca adaptada 
na sala de professores, um laboratório de informática com 20 máquinas com acesso à 
internet. Uma observação curiosa é que nessa escola quase não se veem crianças brancas 
A preocupação inicial com a pesquisa na escola se dava em função das abordagens que 
poderiam vir a partir do trabalho do jongo já realizado na comunidade. Fizemos um 
movimento de visita às casas, à igreja e muitas crianças nos acompanhavam. 
Na escola, a informação inicial à pesquisadora era de que o projeto de jongo na escola 
acontecia no contra turno das crianças, portanto, ao visitarmos os ensaios, observamos que 
algumas crianças do grupo estudavam pela manhã, mas foram autorizadas pelos 
professores a participarem dos ensaios, como é o caso de Flor de Liz e Flor de Laranjeira
1
, 
as cabeceiras do grupo. 
A propósito da comunidade de Santana, a contratação de Mestre Antônio – jongueiro 
antigo e morador da comunidade, foi uma proposta da Secretaria Municipal de Cultura de 
Conceição da Barra em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Conceição da 
Barra, para que se efetivasse a proposta na escola. 
A leitura dinâmica dos espaços-tempos das relações no/do cotidiano entre práticas 
jongueiras e não jongueiras aponta que a escola “observa” o movimento que acontece, 
porém essa percepção consta nos imaginários, reside no “saber” dos filhos, netos dos 
jongueiros que lá estão, ocupa uma temporalidade na dinamicidade do processo educativo. 
O espaço destinado para os ensaios, ficava bem longe das salas de aula, conforme 
informados pelas professoras, para não atrapalhar as aulas, de certa forma, haviam acordos 
intrínsecos entre o mestre e aos professoras para que “mantivessem a ordem”, ficando 
assim, cada um no seu canto, ou seja, durante os jongos as professoras permaneciam nas 
 
1
 Codinomes utilizados para preservar a identificação das jongueiras mirins. 
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salas de aula, e alguns poucos alunos, ao todo dezessete, eram retirados para ensaiarem 
jongo. O mestre, em sua fala, nos aponta algumas questões 
P: Seu Antônio, porque vocês ficam tão afastados das salas? 
Mestre Antônio: Porque as professoras reclamam do barulho e dizem que 
atrapalha as aulas, então... graças a Deus, esse pátio é grande a gente se 
espreme aqui, no fundo. Patrícia: Mas e quando chove? Mestre Antônio: 
Ah... quando chove as crianças já sabem que não tem ensaio, porque 
alaga tudo ali. A escola fica cheia e tem um esgoto também... Ahh, minha 
filha, ninguém aguenta... [risos]. E a gente vai tocando, não pode deixar 
morrer. (Mestre Antônio Conceição – Escola Deolinda Lage, 10 de 
agosto de 2012). 
Mestre Antônio deixa claro que há necessidade de maior compreensão e colaboração do 
corpo docente. No entanto também entende as limitações da escola e tem plena 
consciência de que o jongo, naquele lugar, cumpre uma importante função da 
continuidade das práticas. Perguntamos também em que momento eles conversam sobre 
o desenvolvimento das crianças, sobre as famílias, sobre o jongo, se acontece alguma 
reunião mensal, planejamento com a sua participação: 
 
P: Tem algum momento que vocês sentam pra conversar sobre as 
crianças, sobre os jongos? Mestre Antônio: Olha... [coçando a cabeça] 
hoje não tem não. Quando precisa de chamar a atenção, a gente resolve 
aqui mesmo! Mas quase não converso com as professoras, mas a 
„deretora‟ essa aí oh... é peça fina!(MESTRE ANTÔNIO CONCEIÇÃO 
– Escola Deolinda Lage, 10 de agosto de 2012). 
 
Contrastando com as falas de Mestre Antônio, na fala da Professora 1 e os projetos 
apresentados, observamos que, no discurso existente, há expectativa da ressonância e 
visibilidade do jongo na escola. No entanto, existe, sim, uma barreira entre as práticas 
educativas trabalhadas pelo mestre de jongo e as demais práticas desenvolvidas pelas 
professoras, não especificamente uma exclusão, mas há falta de diálogo sobre a 
coletividade nas atividades realizadas. 
Em relação aos saberes passados por Mestre Antônio, a ideia era pensarmos juntos de 
que maneira o jongo potencializaria os fazeres escolares cotidianos e se ascrianças 
identificam que esses saberes são importantes para a continuidade das práticas 
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jongueiras. Dessa forma, conversamos sobre as dificuldades enfrentadas pelo mestre no 
trato pedagógico da questão na escola e chamamos algumas crianças para dialogarmos 
sobre os acontecimentos na escola durante os ensaios, na proposição de 
contextualizarmos as práticas. Levamos para biblioteca algumas fotos da região de 
Santana, antigas, recentes, recortes de jornais e outras... lá, encontramos uma coleção de 
livros de história de personagens negros de São Mateus e Conceição da Barra, que nos 
serviram para iniciarmos uma conversa. Trocamos livros, histórias e até textos que 
alguns alunos prepararam em casa por sua conta. 
 
P: É que tem que lembrar porque a tia não gravou o de todo mundo ainda 
não, tá gente. É só falar rapidinho o que você pensou, o que pesquisou, 
onde pesquisou. 
Flor de Liz: Eu pesquisei na internet. 
 P: Você pesquisou na internet. O que você pesquisou, Ana Paula? 
Flor de Liz: Pode ler não? Só um pouquinho? 
P: Só um pouquinho. Ana Paula: A comunidade de Linharinho é uma 
comunidade quilombola localizada no município de Conceição da Barra, 
no extremo norte. Submetidos a indiscutíveis processos de invisibilidades 
sociológicas, os quilombos permaneceram na história do Brasil. 
 
A pesquisa para casa foi uma estratégia encontrada para interligarmos um encontro ao 
outro minimamente com uma sistematização das práticas realizadas nos ensaios para 
levantarmos o que as crianças percebiam em relação às suas realidades. Enquanto Flor 
de Liz fazia a leitura, alguns prestavam atenção, outros estavam interessados em iniciar 
seus desenhos, o que rapidamente foi permitido. 
 
 
Tecendo novos caminhos 
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A prática dos jongos, presente nas comunidades quilombolas examinadas neste 
trabalho, constitui um movimento de resistência e permanência traduzido em dupla 
emergência: a da afirmação de costumes cujas raízes têm sofrido processo de 
silenciamento e de oposição ao racismo, manifestando-se e afirmando-se de modo 
poético. 
As organizações religiosas, com o passar do tempo, tomaram dimensões da vida política 
e cultural das comunidades jongueiras, conjugando a religiosidade a outras práticas 
culturais, dentre as quais o jongo. Nesse sentido, do ponto de vista das dimensões do 
recorte étnico-cultural, os segmentos negros desenvolveram uma postura política de 
enfrentamento. Essas negociações tomaram novas formas e proposições em outros 
espaços-tempos, permitindo construir imagens positivas do negro como contraponto à 
imagem etnocêntrica, estereotipada e estigmatizada produzida pela cultura hegemônica. 
O processo educativo para Educação Etnicorracial visa à formação do “negro”, 
considerando as interfaces afro-brasileiras, mas essa formação deve estar diretamente 
articulada com múltiplos contextos e possibilidades de se pensar a escola em todos os 
seus processos. Nesse sentido a escola quando situada em uma comunidade quilombola 
necessita contextualizar as vivências e aprendências desses sujeitos, e uma dessas 
formas é retomando suas próprias histórias. 
Transpor metanarrativas e redimensionar ações faz parte desse movimento em que a 
escola e a comunidade sejam percebidas como lugares políticos onde as práticas 
acontecem e que esses espaços-tempos produzem subjetividades, portanto os elementos 
que conjugam as tessituras de conhecimentos, as articulações e interdições de saberes e 
práticas são constantemente reformulados, traduzidos na dinamicidade dos cotidianos, 
constituindo outras fronteiras em que os territórios culturais se apresentam como 
territórios móveis. 
A postura política dos jongueiros diz respeito também ao processo de formação 
comunitária, principalmente à reivindicação de autonomia social e cultural e se constitui 
em um conjunto de ideais, valores e crenças que interagem nas modalidades da 
organização política das práticas culturais. 
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Dessa forma, os caminhos pedagógicos percorridos nesta pesquisa, no trabalho com as 
memórias, deram-se por meio dos percursos históricos de cada grupo. Essa concepção 
de aprendizagem como um processo de “mão dupla” foi necessária para que as práticas 
culturais dos jongueiros fossem pensadas em universos historicamente paralelos, na 
medida em que surgiram outros ingredientes que colaboraram com a desconstrução de 
uma prática unificada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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