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59 1. Capítulo 2 o Sistema de Governo no Brasil ANTÓNIO OCTÁVIO CINTRA 1. o contexto da opção presidencialista A discussão sobre o sistema de governo mais conveniente para o Brasil tem sido in- tensa ao longo do período republicano, tal- vez porque a opção presidencialista, feita sob a égide do positivismo militar, quando da derrubada da monarquia, jamais tenha sido totalmente digerida por expressivas lideran- ças de nosso mundo político e intelectual. Pode-se especular se o Segundo Reina- do, sem a proclamação da República, nos teria levado a uma democracia parlamenta- rista, como ocorreu com muitas monarquias européias naquela época. Essa trajetória, em direção à democracia parlamentarista, prova- velmente teria esbarrado em sérios obstácu- los. O Brasil de então ainda era uma socieda- de com muito baixa participação política, eleitorado minúsculo e imensa população rural, submetida ao poder tradicional dos donos de terra. O sistema político imperial era oligárquico, atrasado em relação aos sis- temas europeus, que evoluíram para o go- verno parlamentar ao longo do século XIX e começo do século XX. Havia nele, contudo, um esboço das ins- tituições básicas de competição política e "con- testação pública", insuficiente, por certo, para caracterizar um regime como democrático, mas pelo menos voltado para a direção certa de uma monarquia constitucional, parlamen- tarista e democratizada. 1 A República cortou a possibilidade desse desfecho. Já nos primeiros anos de nosso presiden- cialismo, Sílvio Romero o criticava com vi- gorosos argumentos. Para Romero, teria sido melhor se houvéssemos trilhado a via parla- mentarista, esboçada pelas instituições e prá- ticas imperiais.' 1. Ao estudar a formação histórica das democracias contemporâneas, Robert Dahl distinguiu duas dimensões ao longo das quais os regimes evoluem na direção democrática. Uma delas, o grau de "contestação pública", consiste na possibilidade de haver uma oposição, com liberdade de competir, por meios pacíficos, para chegar ao governo. A outra dimensão é o grau de inclusão do sistema: que parcela do povo pode participar das instituições de "contestação pública"? Dahl mapeia a evolução democrática ao longo dos dois eixos, desde o ponto de partida das "hegernonias fechadas" até o eventual desfecho plenamente democrático (poliárquico, em sua terminologia) (DAHL, 1971). Bolívar Lamounier adaptou esse esquema, englobando a "contestação pública" na dimensão "fortalecimento do sistema representativo" e encarando o grau de inclu- são mais vastamente como "desconcentração socioeconômica". Nossas instituições imperiais caminhavam na direção positiva ao longo do primeiro eixo, mas faltava-lhes muito a percorrer ao longo do outro (LAMOUNIER, 1996). 2. Romero (1958) praticamente antecipou, na década final do século XIX, as principais objeções ao presiden- cialismo suscitadas por vários autores ao longo Cintra, Antonio Octávio. O Sistema de Governo no Brasil in Avelar, Lúcia e Cintra, Antonio Octávio. Sistema Político Brasileiro. São Paulo. Unesp, 2007. 60 2. o próprio Rui Barbosa, tão influente na redação da primeira Constituição re- publicana, parece ter aceitado o sistema presidencialista com relutância, por julgar o parlamentarismo incompatível com o fede- ralismo, necessário ao Brasil. Anos mais tarde, Rui mudou de posição sobre a matéria, mas já era tarde, pois o presidencialismo a essa altura estava bem enraizado.:' Bolívar Lamounier observa ter a prefe- rência parlamentarista decaído rapidamente ao se consolidar o regime republicano esta- belecido em 1889. A principal razão para esse declínio foi, segundo ele, a identificação en- tre parlamentarismo e monarquia. A ques- tão do parlamentarismo dificilmente pode- ria medrar na Primeira República, dada a preocupação então dominante com o forta- lecimento da Presidência e do poder central. 2. Parlamentarismo: tentativas de implantá-Io No entanto, apesar desse empuxo centralizador, nota Lamounier também a presença de traços consociativos" na organi- zação política republicana, desde os primórdios do regime: o federalismo, o bicameralismo, o mandato presidencial de quatro anos sem reeleição - destinado a es- friar tentações continuístas -, aos quais se acrescentaram, depois, a representação pro- porcional (Código Eleitoral de 1932), o multipartidarismo e as "grandes coalizões". Assim, apesar da adesão ao presidencialis- mo, esses traços da República Velha teriam permitido a sobrevivência da idéia parlamen- tarista - um sistema de poder compartilha- dos - juntamente com o repúdio, por subs- tancial parcela da elite política, ao populismo varguista e ao presidencialismo plebiscitário." 3. Sobre a posição de Rui Barbosa na questão presidencialismo-parlamentarismo, Lamounier (1999). Também Brossard (1997). 4. O conceito de consociativo se aplica a sistemas políticos com diversidade de centros de poder. Neles, o poder não é indiviso. Não se pode conquistá-Io por inteiro. Ao contrário, nos arranjos consociativos, as minorias detêm poder de veto. O federalismo é um importante arranjo político consociativo, pois, num sistema federal, o governo central tem competências, mas as unidades federadas conservam as suas, e é preciso estabelecer regras de convívio e cooperação entre ambas as esferas. Os sistemas eleitorais proporcio- nais, que permitem a representação das várias opções e preferências do eleitorado e facilitam o multipartidarismo, são consociativos, em contraste com os sistemas majoritários, que dão a vitória à maioria e deixam de fora a minoria. Em geral, havendo multipartidarismo, será necessário, para sustentação do governo, coligar vários partidos. Na moderna Ciência Política, o conceito de sistema consociativo foi intro- duzido e extensamente trabalhado por Arend Lijphart (UJPHART, 1982). 5. Lamounier tem em mente, ao mencionar os fatores "consociativos" que favoreceriam a persistência da proposta parlamentarista, não o sistema parlamentar britânico, de governo de gabinete, senão o parlamen- tarismo dos países continentais da Europa, assentados em multipartidarismo e, em geral, no consociativismo. Neles, a maioria parlamentar geralmente é uma coligação de partidos, que atende aos interesses mais impor- tantes do país, não só os originados na estrutura de classe, mas também, entre outros, os de caráter étnico- cultural, religioso e regional. 6. LAMOUNIER, 1991:43. Por presidencialismo plebiscitário se entende aquele em que o líder mantém a ficção de uma ligação direta com o povo, sem intermediação de partidos e instituições. Opositor ferrenho do presidencialismo plebiscitário e incansável propugnador da causa parlamentarista foi o deputado gaúcho Raul Pilla, cujos pronunciamentos mais importantes estão compilados em Rau/ Pilla (Perfis Parlamentares, 16), Brasília: Câmara dos Deputados, 1991. 61 3. o parlamentarismo teve uma chance quando instituído pelo Ato Adicional," edi- tado para resolver a crise política advinda com a renúncia de Jânio Quadros à Presi- dência e o subseqüente veto militar à posse do vice-presidente João Goulart, em 1961. O Ato Adicional representava, porém, uma capitis diminutio para Goulart, eleito dentro da regra do sistema presidencial, a qual lhe daria, como presidente, os poderes característicos do cargo nesse sistema. No parlamentarismo,foram-lhe retiradas mui- tas prerrogativas. Essa diminuição do poder presidencial, negociada num contexto de veto militar ao vice-presidente, colou um estigma gol pista ao parlamentarismo, do qual se valem até hoje seus oponentes. O parlamentarismo de 1961, nascido sob maus auspícios e numa situação de crise, operou mal, sabotado pelo presidente e pe- los próprios ministros, não tendo sido difí- cil convencer a população a rejeitá-lo, pela opinião majoritária a favor da volta dos po- deres do presidente, expressa em plebiscito realizado, por antecipação, em janeiro de 1963. 8 O Ato Adicional de 1961 instituía um parlamentarismo puro, com presidente elei- to pelo parlamento, mas com uma fase de transição. Só depois de findo o mandato de Goulart os presidentes passariam a eleger-se indiretamente, pelo Congresso Nacional. Incumbir-Ihes-ia nomear o primeiro-minis- tro - chamado presidente do Conselho de Ministros - e, por indicação deste, os res- tantes ministros de Estado. A exoneração dos ministros dependeria, no entanto, da retira- da de confiança pela Câmara e não de deci- são presidencial. Para ter validade, os atos do presidente requereriam a referenda do presidente do Conselho e dos ministros com- petentes. A iniciativa dos projetos de lei do governo era do presidente do Conselho, não do presidente da República. Não se previam decretos-lei ou medidas provisórias. Uma seqüência de moções de desconfiança auto- rizaria o presidente a dissolver a Câmara dos Deputados e a convocar novas eleições. 7. Emenda Constitucional n. 4 à Constituição de 1946, de 2.9.1961. 8. Segundo observa Alberto Carlos Almeida, a "questão pública mais relevante durante o período parlamenta- rista foi o sistema de governo. Todos os atores políticos se comportaram tendo em vista a antecipação, ou não, do referendo que iria abolir o parlamentarismo ( ... ) A posição política das principais lideranças com relação ao parlamentarismo foi determinada por suas ambições políticas, por seus cálculos de poder. O presidente Goulart desejava a readoção do presidencialismo simplesmente porque queria governar com plenos poderes, isto é, não queria dividir as atribuições de Poder Executivo com primeiros-ministros e gabi- netes parlamentaristas. Por seu turno, o movimento trabalhista, o CGT e os sindicatos de uma maneira geral, acompanhados pela esquerda radical, lutaram pela abolição do parlamentarismo porque consideravam que apenas o sistema presidencial de governo asseguraria a implementação das reformas de base. Na realidade, o sistema de governo poderia funcionar ou como um obstáculo às reformas, ou como um meio para obtê- Ias. Já os candidatos à eleição presidencial de 1965 ( ............ ) não estavam particularmente preocupados em faci- litar ou dificultar a realização de reformas de base ( ............. ) Um outro apoio importante ao presidencialismo foi dado pelos militares ( ... ) Os militares preferiam o presidencialismo ao parlamentarismo também por causa de questões de poder: o sistema parlamentar de governo abria caminho para a diminuição do poder militar por meio da criação do Ministério da Defesa. Todos os militares ( ... ) sentiam-se ameaçados pelo parlamen- tarismo" (ALMEIDA, 1998:168-9). Sobre a experiência parlamentarista, veja-se também Skidmore (1982). A oposição militar ao sistema parlamentarista de que fala Almeida é observada também em outros países, pelo temor de se perder a unidade de comando (comunicação pessoal de Marcelo Lacombe). 62 4. Com o regime autoritário instalado em 1964, afastou-se qualquer perspectiva de re- considerar o modelo parlamentarista para o país, pois o pensamento militar rejeitava a idéia de compartilhar poderes com um parla- mento, menos ainda numa situação definida pelos líderes militares como de "guerra revo- lucionária". A classe política a custo era tole- rada, pois o estilo parlamentar de agir, com negociações e arrastadas deliberações, era considerado politiquice. Um regime centrado no parlamento e nos políticos era a antítese do que os novos governantes defendiam. A redemocratização, porém, deu novo alento aos parlamentaristas, que se anima- ram com a convocação da Assembléia Nacio- nal Constituinte. A comissão constituída para elaborar o anteprojeto da nova Carta foi pre- sidida por Afonso Arinos de Mello Franco, parlamentarista de peso." No seio da Comissão Arinos - informa- nos Lamounier, que dela participou - con- frontaram-se defensores de posições diferen- tes sobre o sistema de governo, que ele as- sim agrupa: os presidencialistas puros, os parlamentaristas mitigados.l? os adeptos do parlamentarismo dual, no molde francês, "contanto que o mecanismo de escolha do primeiro-ministro e sua esfera de atuação fossem mais claramente parlamentaristas do que o previsto na Constituição francesa", 11 e os parlamentaristas puros. Na versão final do anteprojeto, prevale- ceu a idéia do parlamentarismo dual.F O presidente da República seria eleito direta- mente, por maioria absoluta, para mandato de seis anos. Caber-lhe-ia indicar o presidente do Conselho de Ministros, "após consulta às correntes político-partidárias que com- põem a maioria do Congresso Nacional". O presidente da República poderia exonerar por iniciativa própria o presidente do Con- selho (art. 233), que também poderia cair por moção de censura ou recusa de confian- ça votada pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados. Nesse ponto - o poder do presidente da República de exonerar o primeiro-ministro -, o anteprojeto da Comissão se afastava do semipresidencialismo francês, no qual, ape- sar de a indicação do primeiro-ministro ca- ber ao presidente, apenas a Assembléia Na- cional pode derrubá-lo. Ou seja, na propos- ta Arinos, teríamos o gabinete duplamente responsável, perante a Câmara, mas também perante o presidente da República. Não se contemplavam decretos-lei ou medidas pro- visórias no processo legislativo. A escolha de um sistema parlamenta- rista (mesmo mantendo a figura de um presidente eleito diretamente e com amplos poderes, até mesmo o de exonerar motu proprio o primeiro-ministro) teria sido "uma das razões por que o presidente Sarney engavetou o relatório da Comissão, em vez de mandá-Io oficialmente, como subsídio para futuros debates, ao Congresso Consti- tuinre"." 9. LAMOUNIER,1991:45-6. 10. Defensores da presença de um ministro-coordenador ou de um gabinete com forte influência presidencial (modelo finlandês), mas sem um primeiro-ministro dependente da confiança parlamentar. 11. LAMOUNIER,1991:46-7. 12. Anteprojeto Constitucional, Brasília: Câmara dos Deputados, 1987. 13. LAMOUNIER, 1991:47 . 63 5. A opção final da Assembléia Nacional Constituinte foi pelo sistema presidencialista. 14 Os constituintes, porém, aparentemente in- seguros quanto a essa decisão, atenuaram- na com a estipulação de que haveria um ple- biscito, cinco anos depois de promulgada a Carta, no qual o eleitorado deveria opinar sobre o sistema de governo - presidencial ou parlamentar - e sua forma - república ou monarquia constitucional. Para o plebiscito, os congressistas defen- sores do sistema parlamentar cuidaram de elaborar detalhada proposta de sua estrutu- ra, que orientasse a escolha do eleitorado e expressasse um compromisso público quan- to ao que seria implantado, casoo veredicto popular fosse a favor do parlamentarismo. O modelo proposto seria, na verdade, semipresidencial. O presidente seria esco- lhido em eleição popular direta. Competir- lhe-ia, privativamente, "indicar, nomear e exonerar o primeiro-ministro e, por indi- cação deste, os Ministros de Estado" e, tam- bém, "dissolver a Câmara dos Deputados e convocar eleições extraordinárias" quan- do não se lograsse a aprovação de indica- dos a primeiro-ministro ou do Programa de Governo de primeiro-ministro cuja investidura tivesse sido aprovada pela mai- oria parlamentar. A sobrevivência do pri- meiro-ministro no cargo dependeria da con- fiança da Câmara. A moção de censura, por sua vez, em linha com a do parlamentarismo alemão, da "moção de censura construtiva", deveria "conter a simultânea indicação do nome para primeiro-ministro e do seu Pro- grama de Governo". A decisão dos constituintes de levar a opção entre sistemas de governo a plebisci- to foi altamente questionável, pois essa con- sulta serve quando o assunto a ser votado é redutível a quesitos simples, para responder com o "sim" ou "não", nunca para assuntos extremamente complexos, sobre cujas opções divirjam, e muito, os próprios especialistas, como é o caso de sistema de governo. Os delegados não quiseram usar de sua delega- ção e se omitiram de decidir, devolvendo a responsabilidade ao mandante. O plebisci- to, realizado em setembro de 1993, deu a vi- tória ao presidencialismo, por ampla margem. 3. Resistências Por que a recusa ao parlamentarismo? São fortes os preconceitos relativos a esse sistema, que levam à sua previsível rejei- ção. Se, no plano da elite, logra o parla- mentarismo razoável apoio, seja em sua for- ma mais pura, seja, crescentemente, sob a forma dos modelos híbridos (os vários tipos de semipresidencialismo), esse apoio não se repete na opinião pública. Acredita-se que a tarefa de desenvolver o país, rnodernizá-lo, romper os bloqueios a seu progresso, requeira concentração de po- der num líder carismático, ungido pelo man- dato popular para mudar o sistema. Não se vê, no parlamentarismo, liderança forte. Pa- rece um sistema de poder muito diluído, um 14. Nesse desfecho, o próprio presidente Sarney teve decisivo papel. Com popularidade em queda, após o fracasso dos planos de estabilização, e temeroso de ter o mandato encurtado para quatro anos - ademais, esvaziado de poderes, com a adoção do parlamentarismo, cuja escolha parecia certa numa dada fase dos trabalhos constitu- intes -, empenhou-se vivamente, com sucesso, na fixação do mandato presidencial em cinco anos e na manu- tenção do presidencialismo como sistema de governo. 64 6. governo de deputados que fazem e desfazem governos a seu bel-prazer, descurando da governação. Os parlamentares representa- riam, em geral, interesses circunscritos, pa- roquiais, em contraposição aos presidentes, supostamente mais sensíveis aos interesses modernos, do país como um todo, pelo fato mesmo de se elegerem, em contraposição aos deputados e senadores, na circunscri- ção nacional. Junte-se a tais percepções o desprestígio do Poder Legislativo perante a opinião pú- blica, problema, aliás, de ordem mundial nas democracias contemporâneas. O gover- no parlamentarista nos prenderia, portan- to, de acordo com essas percepções, ao atra- so, aos poderes oligárquicos regionais e à inoperância insti tucional. São percepções enganosas e, no seu con- junto, deixam transparecer exigências conflitantes sobre nosso sistema de governo presidencial. Um presidente portador de uma missão revolucionária, demiurgo, esbarraria no sistema político cheio de pontos de blo- queio à tomada de decisões e, sobretudo, à implementação delas. O presidente brasilei- ro tem de compor uma base de sustentação num congresso pluripartidário, sem uma agremiação majoritária suficiente, sequer, para garantir a aprovação de leis ordinárias. As decisões exigentes de quórum especial podem dar, a cada parceiro da coalizão, mes- mo às pequenas agremiações, poder de bar- ganha incomensurável em votações conflituosas. Ademais, o Legislativo é bicameral, com o Senado equiparado à Câ- mara em suas competências e significando mais uma instância legislativa a superar na aprovação de um projeto. Há um federalis- 15. LAMOUNIER,1996:24. mo real, do qual podem valer-se os oligarcas regionais nos estados menos desenvolvidos. Ademais, a organização do Judiciário é alta- mente descentralizada e o Ministério Públi- co tem ampla autonomia. Essa realidade traduziria um ideal de democracia muito mais "como bloqueio ao poder da maioria" do que como a idéia oposta, cujo cerne é "a legitimação eleito- ral de uma maioria que assuma plenamente a responsabilidade pela formulação e implementação de programas de governo" .15 Como consegue mover-se o presidencia- lismo brasileiro, nesse contexto cheio de obstáculos a uma ação unificada, e lograr um mínimo de eficácia? 4. Com que ficamos: o presidencialismo brasileiro Até uns dois ou três decênios atrás, o sis- tema presidencial era pouco estudado, exceto em sua matriz norte-americana. Nesse caso, estudava-se não como um sistema de gover- no a contrapor ao parlamentarismo, dentro de uma análise comparativa, como hoje se tornou habitual, mas sim como objeto de análise política de per si. Como, nos Esta- dos Unidos, o sistema presidencial era bas- tante institucionalizado, estável, e existia há longo tempo, era natural encarar outros sis- temas presidenciais, inclusive o brasileiro - instáveis, suscetíveis de recaídas ditatoriais -, antes como anomalias ou desvios do pa- drão lá estabelecido, do que como modelos sustentáveis. O bipartidarismo e o sistema eleitoral majoritário, de maiorias relativas, aqui ausentes, eram praticamente encarados quase como se fossem requisitos do bom 65 7. funcionamento do sistema. Sem eles, nenhu- ma esperança. Essa perspectiva começou a mudar em anos mais recentes. O sistema presidencial, em suas variações, começou a ser objeto de investigação sistemática. Um esforço pionei- ro, nessa nova vertente, foi empreendido por Sérgio Abranches, em texto escrito algum tempo antes da promulgação da Constitui- ção de 1988. Nele, identificava o presiden- cialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multipartidarismo e a representação propor- cional como "as bases de nossa tradição re- publicana". Essa conjugação de institutos, sedimentada ao longo de decênios, expres- saria "necessidades e contradições, de natu- reza social, econômica, política e cultural, que identificam histórica e estruturalmente o processo de nossa formação social". Mas, apontava Abranches, esses vários elementos nem sempre coexistiam pacificamente. Para ele, o conflito entre o Executivo e o Legislativo "tem sido elemento historicamen- te crítico para a estabilidade democrática no Brasil, em grande medida por causa dos efei- tos da fragmentação na composição das for- ças políticas representadas no Congresso e da agenda inflacionada de problemas e de- mandas imposta ao Executivo" .16 Em seu argumento, indicava esse autor a singularidade brasileira de combinar proporcionalidade, multipartidarismo e "pre- sidencialismo imperial",além de organizar o Executivo com base em grandes coalizões. O "presidencialismo de coalizão", como o de- nominou, costurava as coalizões ao longo de dois eixos, o partidário e o regional-estadual. Na República de 46, o Brasil teria tido treze ministérios diferentes, to- mando-se por critério alterações na composição do gabinete que promo- veram mudança na ocupação de mi- nistérios pelos diferentes partidos ( ... ) em nenhum caso, o governo susten- tou-se em coalizões mínimas ( ... ) o cálculo dominante requeria coalizões ampliadas, seja por razões de susten- tação partidário-parlamentar, seja por razões de apoio regional. F Tanto a incorporação da pluralidade de centros de poder no âmago do Executivo, mediante um "alto fracionamento governa- mental" entre vários parceiros, quanto a tentativa de escapar dessa incorporação, por meio de "uma grande coalizão concentra- da", eram facas de dois gumes. O alto fracionamento dava ao presidente graus de liberdade para "manobras internas", pela exploração dos choques entre os parceiros, mas também o tornava prisioneiro de com- promissos múltiplos, partidários e regionais, pois sua autoridade podia "ser contrastada por lideranças dos outros partidos e por li- deranças regionais, sobretudo dos governa- dores"." Já a coalizão concentrada - possível quan- do o tamanho do partido presidencial lhe permitia associar-se com número menor de outros parceiros - dava, sim, maior autono- mia ao presidente em relação aos parceiros menores da aliança, mas ele precisava "man- ter mais estreita sintonia com seu próprio 16. ABRANCHES, 1988:8. 17. ABRANCHES, 1988:22-3. 18. ABRANCHES, 1988:26. 66 8. 9. partido". Sendo este heterogêneo, a auto- ridade presidencial continuaria confronta- da com lideranças regionais e facções in- ternas do partido. E o risco maior, atalhava Abranches, "adviria de um rompimento do partido com o presidente, deixando-o ape- nas com o bloco de partidos minoritários da aliança"." Em suma, o "presidencialismo de coali- zão" seria, na visão de Sérgio Abranches, um sistema instável, de alto risco, sempre na dependência de seu desempenho corrente e de sua disposição "de respeitar estritamente os pontos ideológicos ou programáticos con- siderados inegociáveis, nem sempre explíci- ta e coerentemente fixados na fase de for- mação da coalizão'V? Em alguns dos cenários de crise a que o sistema seria, figurariam tentativas presidenciais de enfrentar o Con- gresso e "afirmar a autoridade numa atitude bonapartista ou cesarista altamente prejudi- cial à normalidade democrática". 21 5. Como funciona o presidenciaIismo brasileiro Abranches identifica, pois, a especificidade do regime presidencial entre nós, desvendan- do o conjunto de fatores que o condicionam, mas lhe vê a operação habitual e os cursos futuros que pode tomar como problemáticos. Na verdade, ele antecipa o que sobre esse regime se escreveu a partir dos primeiros anos da década dos 90 no século passado." Suas hipóteses e a própria idéia de "presi- dencialismo de coalizão", atualmente incor- porada ao discurso tanto da imprensa quan- to do próprio meio político nacional, têm sido tema de trabalhos posteriores sobre o funcionamento de nosso sistema de gover- presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva (01/01/2003). no, dentro do marco estabelecido pela Cons- tituição de 1988. Esse marco, ainda não completamente gizado quando ele escreveu seu texto pioneiro, inclui algumas novas 19. ABRANCHES, 1988:26. 20. ABRANCHES, 1988:27. 21. Em textos mais recentes, Abranches continua vendo o "presidencialismo de coalizão" como arranjo precá- rio. Falando da crise fiscal estrutural do Estado brasileiro, por exemplo, conclui: "A política de coalizões no Brasil, nesse contexto, induz ao clientelismo e à patronagem. A coalizão é uma necessidade intrínseca de nosso sistema sócio-político, caracterizado por um grau de fragmentação partidária que tem se mostrado irredutível por regras eleitorais ou legislação repressiva para criação de partidos ou formação de alianças eleitorais" (ABRANCHES, 2005:44). 22. A visão contemporânea foi precedida, contudo, pelo que escreveram autores tão antigos quanto Bagehot e Sílvio Romero, no século XIX, e Lowenstein, nos anos 40 do século XX. Ver o capítulo "Presidencialismo e parlamentarismo: são importantes as instituições?", neste livro. 67 10. características que, para os estudos mais re- centes, neutralizam as tendências à instabili- dade que Abranches temia serem inerentes ao sistema. Um aspecto cuja avaliação mudou, em período mais recente, é o da combinação do presidencialismo com o multipartidarismo. Os estudiosos que sucederam Abranches procu- raram mostrar ser possível, ao presidencialis- mo, sustentar-se em coalizões multipartidárias, corriqueiras em boa parte dos sistemas parla- mentares. Para eles, o presidencialismo de múltiplos partidos não predispõe necessaria- mente a crises, desde que satisfeitas algumas condições facilitadoras da cooperação entre o Executivo e o Legislativo. Um dos primeiros autores a explorar sis- tematicamente as idéias lançadas por Abranches foi Octávio Amorim Neto. Verifi- cou ele, por exemplo, terem todos os nossos ministérios, entre 1985 e 2002, políticos de mais de um partido em sua composição, re- sultado de uma coalizão multipartidária. Se nos regimes parlamentaristas europeus se tecem as coalizões segundo a regra da proporcionalidade, dando-se a cada partido uma fatia do ministério aproximadamente proporcional a seu peso na base parlamentar, no caso brasileiro a partilha dos postos minis- teriais nem sempre segue esse norma, por te- rem os presidentes a faculdade constitucional de nomear livremente seus ministros. Entre- tanto, no conjunto, a correspondência en- tre o peso parlamentar dos partidos e sua representação ministerial traria solidez legislativa ao gabinete. Quanto maior essa correspondência, tanto maior seria a dis- ciplina dos partidos integrantes do gabi- nete no apoio às votações de interesse do Executivo. A medida estatística dessa cor- respondência é o índice de coalescência, tanto maior quanto mais justa a propor- cionalidade da distribuição de pastas mi- nisteriais entre os partidos de apoio ao governo.P Os dados de Amorim Neto indicam que o governo de Fernando Henrique Cardoso teria estado muito mais próximo de um go- verno de coalizão de estilo europeu do que os de Fernando Collor e Itamar Franco." Ou seja, o presidencialismo de coalizão não constitui um modelo estático, mas sim uma situação variável, conforme, sobre- tudo, para esse autor, o grau de coales- cência atingido. Estudos mais recentes, do próprio Amorim Neto (veja-se seu capítulo neste livro) e de outros autores, já incorporam os dados do governo Lula." Amorim Neto observa, em seu capítulo, terem os minis- térios organizados, desde o governo Sarney até o de Lula, sido arranjos multipartidários com maior ou menor grau de fragmen- tação e heterogeneidade ideológica. Mas 23. O índice de coalescência é obtido mediante a fórmula seguinte: Índice de coalescência = 1-1/2 L I Li-Mi I, na qual Mi= de ministérios recebidos pelo partido i; Li= de cadeiras ocupadas pelo partido i na coalizão de governo.24. AMORIM NETO, 2000. 25. Os dados mais recentes, referentes ao governo Lula, mostram que, se inicialmente, apesar da alta proporção de petistas à frente de ministérios (18 ministérios em 30), a taxa de coalescência era de 0,64, já no segundo semestre de 2005 descera para 0,51. A pontuação inicial é paradoxalmente alta, mas tal fato resulta de ter Lula reunido uma coalizão com vários pequenos partidos. Ao receberem eles ministérios, sobe a proporcional idade conjunta, não obstante a desproporção introduzida pela alta quota ministerial do PT. Veja-se o capítulo de Amorim Neto neste livro. 68 11. o de Lula é o que mais ampliou o número de partidos, chegando a nove. Quanto à hetero- geneidade ideológica, apenas o segundo e o terceiro de Collor dela escaparam, por se concentrarem mais à direita. Contudo, no caso do governo Lula, como acentua Fabia- no Santos, essa heterogeneidade aumentou bastante." Esse último autor observa, com base nos resultados de Amorim Neto, que, no caso brasileiro, quase todos os "gabinetes" coman- dam uma maioria nominal na Câmara. Mas, indaga-se ele, que ocorre com a disciplina partidária? Nas diversas coalizões analisa- das por Amorim Neto, a disciplina partidá- ria foi função principalmente do grau de coalescência do ministério, mas influem, tam- bém, o momento do tempo quanto ao de- senrolar do mandato presidencial e, depen- dendo do partido, a sua distância ideológica em relação ao Executivo. O resultado final indica que uma maior proporcionalidade entre o peso dos partidos no ministério e sua contribuição em cadeiras para a coalizão go- vernamental no Legislativo tem efeitos po- sitivos sobre a disciplina dos partidos governantes, mas a disciplina decresce du- rante o mandato presidencial. A coalescência maior ou menor do mi- nistério e os demais fatores acima arrolados são um dos elementos na operação do presi- dencialismo brasileiro, mas outros fatores também estão presentes. Santos analisa os novos instrumentos disponíveis na Nova República, ausentes na de 46, que dão ao Executivo o chamado "poder de agenda", e que, juntamente com o grau de coalescência ministerial, trazem capacidade governativa ao arranjo político presidencialista entre nós." Em suma, o presidente e os líderes possuem prerrogativas que induzem a cooperação. Uma delas é o poder presidencial de edi- tar as medidas provisórias. Santos discute as conseqüências dessa prerrogativa sobre o pa- drão de relação entre o Executivo e o Legislativo. Se os presidentes optam pelo go- verno de coalizão, sendo os postos princi- pais distribuídos proporcionalmente entre os partidos de apoio, tentarão, ao editar as MPs, observar o interesse da maioria governativa e tentarão governar por meios ordinários. É o caso de Cardoso, com gabinetes coalescentes e ideologicamente menos hete- rogêneos, que permitiram que os textos das MPs, nas diversas reedições, sofressem alte- rações negociadas, mas não o de Collor, cujo ministério não era inclusivo e que abusou de MPs originais." No governo Collor, o Congresso acenou, num certo ponto, com a possibilidade de uma 26. "O padrão atual sofre alteração significativa, pois o tom do posicionamento dos partidos deixa de ser ideo- lógico, tornando-se mais propriamente governo (com partidos de esquerda e direita) e independentes (PMDB e PPB) versus oposição. Aqui, já podemos observar uma mudança significativa na operação do presidencia- lismo de coalizão" (SANTOS, 2006:;234). 27. Esses instrumentos são examinados no capítulo "A Câmara dos Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política", deste livro. 28. Conforme a análise de Amorim e Tafner (2002). Nessa interpretação, as MPs protegem os membros da coalizão da repercussão de medidas impopulares. Com a reedição, os líderes partidários não assumiam diretamente a responsabilidade pública pela aprovação das MPs, embora participassem das modificações no texto (FIGUElREDO, 2000). Santos discute se tal prática seria uma abdicação do Legislativo. No governo de Cardoso, sobretudo, resultou de ações concertadas entre o governo e a maioria de apoio, e não de abdicação (SANTOS, 2006:229). 69 12. lei disciplinadora do uso das MPs pelo Exe- cutivo, de que resultou o arrefecimento de seu USO.29 No segundo mandato de Cardo- so, aprovou-se Emenda Constitucional que impõe nova disciplina ao uso do instrumen- to, ao limitar-lhe a reedição a uma só vez." A não deliberação sobre a MP, decorridos quarenta e cinco dias de sua publicação, leva- a ao regime de urgência, sob o qual ficam "sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando". É o cha- mado "trancamento de pauta" Y Como mos- tra Santos, em vez de diminuir o uso das MPs, passou-se a editar mais, e maior número de- las passou a ser rejeitado. Para ele, retirou-se, então, o manto pro- tetor das reedições e tal fato, conjugado com a obrigatoriedade da manifestação do plená- rio sobre esses decretos-lei, trazem à tona a possibilidade de conflito aberto e público." A nova característica que a coalizão go- vernamental exibe no governo Lula, dada sua baixa coerência ideológica, substituindo-se as votações pautadas pela divisão ideológica pelas que opõem maioria governista - que une esquerda e direita - versus oposição, denota, segundo entende, uma mudança sig- nificativa na operação do presidencialismo de coalizão." E essa mudança tem custo alto. Para ele, boa parte das dificuldades pelas quais tem passado o governo decorre do ma- nejo de uma coalizão com parceiros muito distantes em termos de inserção social, tra- jetória política e visão de mundo. Não fugindo da parte propositiva, San- tos considera que o governo deveria organi- zar-se com mais homogeneidade e negociar aprovação de agenda com os partidos de opo- sição nas comissões do Congresso. Nessas condições, sustenta que o ganho em termos de transparência das negociações e coorde- nação intragovernamental superaria, certa- mente, os custos em termos de conflitos intrabase no Legislativo e de disputas por espaço de poder no Executivo. Em suma, nem todos os arranjos de nos- so presidencialismo de coalizão são funcio- nais e aceitáveis. As coalizões contribuem para o processo governativo; todavia, consi- dera ele, devem buscar-se outras opções, como alternativa a ministérios tão amplos, na linha do que ocorre nos Estados Unidos, com os chamados governos divididos, e em muitos regimes parlamentares europeus, em que se dão governos de minoria. Em outras palavras, o presidencialismo de coalizão não é, para ele, a única opção num sistema como o brasileiro, e pode ser mesmo muito custo- sa politicamente. Também Fernando Limongi dedica re- cente estudo ao "presidencialismo de coa- lizão". Por que, indaga-se ele, os que vêem nosso sistema como inviável ignoram a 29. O assunto foi tratado por Power (1998). 30. Emenda Constitucional n" 32/2001. 31. Constituição Federal, art. 62, § 6°. 32. SANTOS, 2006:229. Sérgio Abranches, em texto recente, julga que "o trancamento de pauta 45 dias após o recebimento da MP pelo Congresso contribuiu significativamente para o aumento da paralisia legislativa". Abranches vê nessa conseqüência da sistemática sobre as MPs implantada em 2001- o trancamento de pauta - um instrumentode que se vale o Executivo para evitar a aprovação de iniciativas do Legislativo que não lhe interessam. Para ele, recurso usado "nos momentos de fraqueza presidencial decorrentes de problemas na gestão de sua coalizão parlamentar" (ABRANCHES, 2007:15). 33. SANTOS, 2006:234. 70 13. opção de os presidentes poderem contar com uma coalizão no Congresso? Não há, nesse caso, para Limongi, que pensar diferente- mente do que ocorre no parlamentarismo. Para ele, o presidencialismo de coalizão se- ria a maneira de superar os obstáculos que autores, como Abranches e Linz, identificam no sistema presidencial, por pressuporem que a separação de poderes significa confli- to entre eles. Nessa visão, as relações entre o Poder Executivo e o Legislativo são pensa- das a partir de uma perspectiva vertical, como se tivessem vontades divergentes e, em últi- ma instância, inconciliáveis." Para Limongi, essas análises assumem se- rem nossos partidos incapazes de sustentar coalizões legislativas. Vêem o presidencia- lismo como infenso a partidos fortes, e a fra- queza dos partidos que nele atuam seria agra- vada, no Brasil, pela legislação eleitoral e pela heterogeneidade social. Torna-se, então, di- fícil vê-Ios como capazes de organizar e estruturar o apoio político ao presidente. Ao contrário, sustenta Limongi, a inves- tigação empírica tem mostrado que os pre- sidentes formam coalizões para governar, sendo a lógica de formação de governos no presidencialismo e no parlamentarismo, no fundo, a mesma. Limongi toca num ponto crítico: não se podem encarar os dois poderes como se fossem duas entidades programadas para se oporem uma à outra. Os legisladores pertencem a partidos e têm interesses conflitantes. Os governistas se beneficiam do sucesso do Executivo, os outros querem seu fracasso. Portanto, insiste ele, não são, nos- so sistema e o parlamentarista, diferentes 34. LIMONGI,2006:241. 35. RENNÓ,2006:260. nesse aspecto. Mesmo com todos os pode- res que a Constituição lhe confere, para pre- dominar no processo legislativo e ser bem sucedido, o chefe do Executivo precisa do apoio de uma maioria. As MPs, por exem- plo, só se tornam leis se aprovadas pelo ple- nário. E o governo governa porque conta com apoio da maioria. Caso sua vontade prevalecesse contra a da maioria, aí, sim, teríamos ditadura disfarçada. Limongi arre- mata sua exposição relembrando que os da- dos relativos ao sucesso e à dominância do governo reforçam sua tese da grande proxi- midade entre a forma de operar do presi- dencialismo brasileiro e a dos governos par- lamen taristas. O ensaio de Lúcio R. Rennó, no mesmo livro em que constam os textos de Fabiano Santos e Fernando Limongi aqui discutidos, procede tanto a uma útil classificação das opiniões divergentes, na recente produção acadêmica sobre como opera nosso presiden- cialismo, quanto à apresentação do enfoque que ele próprio e colegas vêm desenvolven- do sobre a matéria. Ao contrário da maioria dos que tratam do nosso sistema de governo, que tende a deixar o tema em segundo plano, Rennó suscita de modo explícito o problema normativo que nosso arcabouço político enfrenta, ou seja, as "limitações, entraves e possíveis implicações negativas que o dese- nho institucional presente possa ter para a democracia no Brasil"." Não ignorando os argumentos dos que vêem positivamente o sistema atual, entre eles Limongi e, ainda que mais crítico, San- tos, Rennó agrupa as visões negativas em três 71 14. conjuntos, de modo similar ao que faz Vicente Palerrno." No primeiro, estão as análises mais pessimistas, as dos que descrêem da capaci- dade governativa do sistema. Esse grupo jul- ga que os incentivos institucionais simples- mente levam à paralisia decisória ou ao alto custo da negociação entre Executivo e Legislativo, negociação essa que se dá de forma individualizada entre deputados e presidente." O segundo grupo, igualmente discutido no capítulo mencionado, é o dos que, como Carlos Pereira e Bernardo Mueller, vêem o sistema movido à base da troca de recursos (cargos, emendas orçamentárias), em vez de apenas pela discussão programática entre os partidos. Contudo, ao mesmo tempo, reco- nhecem o papel de relevo na obtenção das decisões parlamentares de interesse do Exe- cutivo exercido pelas lideranças partidárias. Como assinala Rennó, ambas as perspec- tivas centram-se na construção de maiorias no Legislativo e os mecanismos de que se vale o Executivo para lograr a cooperação dos deputados. A terceira visão crítica, que ele próprio e alguns colegas têm desenvolvi- do, tem o foco mais na natureza da relação entre o Executivo e o Legislativo. É relação de delegação, ou de ação unilateral r" Esse ângulo de encarar o assunto, repisemos, leva a não ignorar o problema da qualidade de nossa democracia. Nessa terceira visão, o presidencialismo de coalizão não funciona uniformemente ao longo das distintas administrações e, mesmo, ao longo das fases de uma mesma adminis- tração. Do ponto de vista teórico, postula que o desenho institucional não condiciona de forma fixa o comportamento dos atores, pois gera incentivos contraditórios "que ampliam em demasia a margem de manobra de governantes e dão muito espaço para que a capacidade individual dos governantes te- nha papel central no gerenciamento da base de apoio no Congresso e na formação de maiorias". Ou o Executivo passa ao largo dos inte- resses do Legislativo, ou age em comunhão de interesses com ele. Quando esta última situação ocorre, o Legislativo pode delegar ao Executivo a iniciativa das propostas, e a delegação se faz pela maior facilidade do Executivo em coordenar a ação coletiva. Nesse ponto, Rennó discute a contribui- ção, já mencionada, de Amorim Neto e Tafner à análise das MPs. Para esses autores, elas não vão necessariamente de encontro aos interesses dos parlamentares. A maioria go- vernista pode dar-lhes apoio condicional, quando o seu conteúdo programático pareça satisfazer-lhe as preferências. O Legislativo fica atento às reações da sociedade e da economia à MP. Sendo negativas, pode questioná-Ia. Segundo os autores, porém, tal mecânica teria operado bem apenas no go- verno de Fernando Henrique Cardoso, não nos períodos anteriores, nos quais "o siste- ma não funcionava de acordo com a pre- missa de que o Legislativo exercia controles claros sobre o Executivo e que este último 36. PALERMO, 2000. A contribuição de Palermo é analisada no capítulo "A Câmara dos Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política", neste volume. 37. Alguns dos principais autores que esposam essa visão, tais como Barry Ames e Scott Mainwaring, são tam- bém discutidos no capítulo "A Câmara dos Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política", neste volume. 38. PEREIRA, POWER, RENNÓ, 2005. 72 15. conseguia construir maiorias consistentes e cooperativas"." Para Rennó, o presidencialismo de coa- lizão não é, portanto, um resultado claro do arcabouço institucional brasileiro, uma so- lução estável para os dilemas do presidencia- lismo com multipartidarismo e sistema polí- tico consociativo, como o nosso, mas sim um momento, possivelmente de exceção, duran- te uma administração"que soube recompen- sar seus aliados e lhes dar voz no processo de formulação legislativa". 40 Ao final de sua análise, em que trata das controvérsias sobre o tema "reforma políti- ca" - as posições sobre a qual em muito de- pendem de como se avalia nosso sistema de governo - observa ele: "O sistema atual não é uma unanimidade entre os especialistas que o avaliam. Essa ausência de consenso é sinal claro de que há, pelo menos, alguns proble- mas com o seu funcionamento e que, por- tanto, ajustes de curso poderiam ser consi- derados"." 6. A visão de um ex-presidente da República O recentemente publicado depoimento do ex-presidente Fernando Henrique Car- doso sobre seu período presidencial nos pro- vê de cruciais informações e interpretações sobre o funcionamento de nosso sistema de governo. Não se trata somente de uma aná- lise acadêmica, ainda que em vários momen- tos o ex-presidente faça considerações de ordem teórica. O livro é, também, a análise de um protagonista privilegiado dos even- tos descritos. Que visão do sistema de governo brasi- leiro depreendemos do livro? A descrição do ex-presidente é, como não poderia deixar de ser, muito matizada, não se prestando a enquadramento simples em nenhum dos campos que, no momento, disputam a inter- pretação da política nacional. Por exemplo, a sua visão de nossos partidos políticos: "Nada mais equivocado", diz ele, "do que subestimar o papel político do Congresso e dos partidos. Os chavões sobre estes osci- lam. Ora os consideram incoerentes, sem ideologias, meras máquinas eleitorais. Ora confundem legendas com partidos e vêem, nas votações do Congresso coerência parti- dária' quando na maior parte das vezes tra- ta-se apenas de apoio ao governo ou oposi- ção a ele. Pior ainda, muitas vezes, nos dois casos, os parlamentares agem por motivos que nada têm a ver com as ideologias pro- clamadas nos programas partidários. Na verdade há um pouco de tudo isso em cada um dos partidos - coerência, apoio em troca de vantagens de todo o tipo, visões ideológi- cas -, dependendo das regiões e da força dos chefes políticos, bem como do momento, da formação dos dirigentes partidários e de suas trajetórias de vida .... ". 42 De qualquer maneira, rejeita ele o orde- namento unidimensional das agremiações, pois, sobretudo no contexto da Assembléia Nacional Constituinte, mas também se 39. RENNÓ,2006:260. 40, Para Rennó, nos períodos- de Sarney, Collor e Itamar Franco, "não se pode falar de uma relação Executivo- Legislativo nos moldes em que ela se dá na administração de Fernando Henrique Cardoso" (RENNÓ, 2006:267). 41. RENNÓ,2006:270. 42. CARDOSO,2006:75. 73 16. projetando muito além dela, inclusive sobre seus dois mandatos, divisões de múltipla na- tureza recortam os partidos e geram alian- ças que lhes extrapolam os limites." A esse quadro, o ex-presidente acrescen- ta a avaliação do papel das lideranças parti- dárias. São elas capazes de assegurar bases estáveis para as negociações e sustentação política do governo? Também aqui a visão é nuançada, mas tende a encarar como redu- zido o poder dos líderes." Ademais, a atitu- de dos partidos coligados na base governista varia ao longo do tempo, de acordo, entre outras coisas, com o momento do ciclo elei- toral ou com a popularidade do presidente, sem falar do tipo de política em questão e como ela afeta os interesses. Em geral, nesse ponto específico, o retrato não é otimista." O ex-presidente encara o "presiden- cialismo de coalizão" com bastante ambi- valência. Ressalta o que ele representa de solução política, dada a fragmentação parti- dária, mas denuncia os obstáculos que ante- põe a uma política transformadora, de que o presidente pode julgar-se legitimamente incumbido, dado o caráter plebiscitário da eleição presidencial. O quanto a operação do sistema depende de como o presidente exerce sua liderança, de sua popularidade, persistência, propósito, clareza de objetivos, capacidade negociado- ra, perpassa todo o texto, nesse sentido re- forçando sobretudo a percepção de ser o processo político, nesse sistema, "mais indivi- dualmente dirigido do que institucionalmente constrito"." Uma indagação latente no texto diz res- peito a quanto, em nosso sistema, é próprio do regime democrático, e quanto, na verda- de, caracteriza um mau funcionamento da democracia. 7. O presidencialismo estadual e municipal Para concluir este capítulo, faremos um breve exame da questão "sistema de go- verno" nos estados e municípios. Em nossa 43. "Os constituintes não se dividiam apenas quanto a questões conjunturais ou de tramitação. Suas opiniões discrepavam nas questões econômicas, nas questões sociais em geral e no alcance da ação do Estado. E os alinhamentos se davam em cada questão específica, não necessariamente a partir de uma visão do mundo, de uma ideologia" (CARDOSO, 2006:111). Ver, a esse respeito, o capítulo "A Câmara dos Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política", deste livro. 44. "Por fim, na dura realidade de nossos partidos, viu-se que o comando sobre as bancadas, não apenas o dos presidentes como o de muitos líderes, é tênue ( ... ) Os próprios líderes partidários tornam-se cada vez mais partes de uma cadeia de transmissão das demandas individuais dos parlamentares ao Executivo do que guias políticos de seus liderados. Muitas análises incorrem em simplificações ao tomar as legendas por partidos e considerá-los em bloco, 'de esquerda' ou 'de direita' ou até como 'governistas' e 'oposicionistas': como qualificar em bloco, se os 'partidos' são fragmentados?" (CARDOSO, 2006:241, 243). 45. "-Como os partidos não se sentem obrigados a respaldar programaticamente as ações do Executivo, o jogo de interesses prepondera. Os 'aliados' (com a possível exceção da maior parte do partido do presidente e de setores de algum outro partido mais afinado com os propósitos do governo) tudo o que desejam é aumen- tar a pressão sobre o Executivo para ampliar os respectivos espaços políticos e obter vantagens. Isso os leva a transigir com a oposição que, por outros motivos, quer dificultar a vida do governo, além de, obviamente, não compartilhar de seus objetivos. No processo legislativo, um dos resultados dessa situação é que nor- malmente os projetos que mais contam para a ação administrativa ou de política transformadora vão parar na mão de relatores ou presidentes de comissões que se opõem às diretrizes do governo. Essa prática torna o processo legislativo uma maratona com barreiras" (CARDOSO, 2006:445). 46. RENNÓ,2006:269. 74 17. organização constitucional, o modelo pre- sidencialista, adotado no nível federal, tam- bém rege os governos dos estados e dos municípios, mas com algumas diferenças for- mais com relação ao governo federal. Essas unidades da Federação não têm legislativo bicameral. Os governadores e pre- feitos não dispõem, com poucas exceções, de competência similar à dos presidentes para editar medidas provisórias. Os estados cujas constituições admitem o poder de decreto com força de lei, representado pelas medi- das provisórias - MPs, são o Acre, Santa Catarina, Piauí e Tocantins, mas a amplitu- de para editá-Ias varia entre eles. No Piauí, por exemplo, permitem-se apenas "em caso de calamidade pública". Em Santa Catarinanão se admitem reedições." A constitucionalidade de MPs estaduais e municipais chegou a ser contestada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de 1990. Ao decidir sobre ela, em 5 de setem- bro de 2002, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade de estados e municípios as editarem, desde que suas constituições contenham essa autorização e sejam as medidas provisórias posteriormen- te convertidas em lei pelas respectivas assem- bléias ou câmaras. Estudos recentes têm procurado detec- tar como se configuram as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo nos estados, buscando resposta para as mesmas indaga- ções feitas sobre essas relações no plano fe- deral. Alguns dos trabalhos pioneiros so- bre o assunto foram reunidos em coletânea organizada por Fabiano Santos." Como as eleições dos governadores e prefeitos, de um lado, e a dos deputados es- taduais e vereadores, de outro, são indepen- dentes, como é próprio do sistema presiden- cial, os desafios de harmonização dos dois poderes em princípio também se apresenta- riam nos níveis mais baixos da organização política. Contudo, no que diz respeito aos esta- dos, Fernando Abrucio formula a hipótese de haver um ultrapresidencialismo, um pre- domínio incontrastável dos governadores sobre as assembléias legislativas, de grau muito maior do que tem sido apontado existir nas relações entre presidente e Congresso. Segundo ele, os governadores conse- guem neutralizar a prática fiscalizadora das assembléias legislativas e, sobretudo, dos órgãos fiscalizadores - Tribunal de Contas e Ministério Público - que, em vez de fiscalizadores dos atos do governador, tor- nam-se seus aliados. Para que vingue o ultrapresidencialismo, o governador precisa de ampla e sólida maio- ria na Assembléia Legislativa, tarefa facili- tada pela fraqueza das organizações parti- dárias estaduais, predispostas à cooptação. Tal predisposição advém, em boa parte, da dependência financeira dos redutos eleito- rais dos deputados com relação ao erário estadual. Estar em bons termos com os governantes é o mínimo que a prudência lhes recomenda. Constrói-se, pois, a maioria 47. Um competente balanço dos "sistemas de governo" estaduais é apresentado em André Ricardo Pereira, "Sob a ótica da delegação: governadores e assembléias no Brasil pós-1989", em SANTOS, 2001:247-87. Não temos informação de estudos sobre a organização dos poderes em nível municipal. 48. Ver a referência na nota anterior. 75 18. situacionista, mediante distribuição de recur- sos aos redutos eleitorais ou de cargos do Executivo a cada parlamentar. Se os governos estaduais não obtiverem a sustentação parlamentar, podem os gover- nadores ir diretamente às bases locais em busca de aliados ou até desbancar os deputa- dos renitentes em seus próprios distritos elei- torais, fazendo obras e projetos sem a intermediação do parlamentar. Em suma, para Abrucio, o Executivo es- tadual seria a instituição com força, recur- sos e coerência interna para organizar, sozi- nho, a agenda da política estadual. Além do controle da política estadual, Abrucio vê os governadores como também capazes de exercer desmesurada influência na política nacional, pois deles também de- penderiam eleitoralmente os próprios par- lamentares federais. No "presidencialismo de coalizão", anteriormente descrito, é vital aos presidentes dar gasalho aos pleitos e indica- ções dos governadores para a ocupação de cargos federais." Em texto posterior, Abrucio, com Car- valho Teixeira e Ferreira Costa, retoma al- gumas dessas teses ao examinar as relações entre os poderes no Estado de São Paulo. 50 Mostram eles como o governador Mário Covas, tendo iniciado o governo com uma base parlamentar de apenas 24 deputados, conseguiu aumentá-Ia para 60. Os dados coligidos mostram terem predominado, nes- sa base, deputados com redutos eleitorais no interior do estado e cuja carreira não tem o próprio Legislativo estadual como meta úl- tima. São parlamentares mais voltados para cargos executivos (prefeituras, secretarias de Estado). Para eles, a reeleição não é o objeti- vo dominante. Em suma, deputados com esse perfil não seriam propensos a investir no fortalecimento institucional e político da Assembléia, donde resultar, na conclusão dos autores, um Legislativo estadual politicamen- te subordinado ao Executivo. Outros estudos contidos na coletânea organizada por Fabiano Santos deparam realidades diferentes das descritas por Abrucio. Os dados do ensaio do próprio Fabiano Santos, sobre o Rio de Janeiro, por exemplo, não confirmam a visão do "ultrapresidencialismo estadual". 51 Ao analisar o comportamento da Assem- bléia em relação aos vetos do governador, nota Santos conseguir a legislatura a apro- vação de uma agenda própria, a despeito das preferências do chefe do Executivo. Foram muitos os vetos totais do governador derru- bados: 25 em 1995 e 50 em 1998. Con- clui Fabiano Santos denotarem, tanto a re- jeição de vetos quando a própria produção legislativa da Assembléia do Rio de Janeiro, um Legislativo não subordinado ao Executi- vo. Os deputados do Rio de Janeiro apre- sentam elevada produção que visa dar aos eleitores satisfação de seu trabalho no Legislativo, materializado em projetos que distribuem benefícios visíveis e de baixo cus- to a seus redutos eleitorais. As relações entre Executivo e Legislativo no plano das unidades federativas são cam- po novo para a Ciência Política no Brasil, 49. David Samuels mostra a importância dos candidatos a governador na eleição dos deputados federais do Estado, muito maior do que a dos candidatos a presidente (SAMUELS, 2000). 50 ABRUCIO, TEIXEIRA e COSTA, 2001. 51. SANTOS, 2001. 76 19. cujo desbravamento mal começou. Os es- tudos pioneiros mostram haver, na realida- de estadual, variedade de situações e de terminantes específicos. Um fator importante a examinar é a pe- culiar configuração dos sistemas de parti- dos nos estados e municípios, pois não re- plicam o existente no nível federal. Ora se encontram situações de fragmentação par- tidária, com ou sem dominância de uma agremiação sobre as demais, algumas con- figurações sendo mais propícias à competi- ção interpartidária do que outras, ora se dão situações de polarização bipartidária. Em es- tados e municípios menos desenvolvidos, podem se dar também dominações oligárquicas, com sólido controle do poder por um cacique político e seu partido, per- petuando a situação descrita há algumas dé- cadas pelos estudos de poder local. Outro traço importante do sistema par- tidário é variarem muito as agremiações par- tidárias nacionais em seu rebatimento esta- dual e municipal. Um partido nacional, como o PFL, não é o mesmo em Santa Catarina e na Bahia, em Pernambuco ou em Minas Ge- rais. Certas coligações podem ser vistas como naturais num contexto estadual ou munici- pal, em função da problemática local, mas parecerem esdrúxulas em âmbito nacional. Esses fatores devem ser levados em conside- ração quando da análise da operação do go- verno e das relações entre o Executivo e o Legislativo nos três planos. Outro fator que os estudos deixam en- trever, mas sem ainda explorar, é o perfileleitoral dos parlamentares. O sistema elei- toral brasileiro permite a eleição de deputa- dos com diferentes padrões espaciais de vo- 52. AMES, 2001. tação. Segundo a lei, dentro do estado, o deputado pode ser votado em todas as re- giões e municípios. Na prática, porém, dão- se perfis diversos. Barry Ames elaborou uma taxonomia desses perfis, combinando duas dimensões: se o deputado é majoritário num município, ou ao contrário comparte-lhe os votos com outros deputados, e se a sua vota- ção se concentra em municípios contíguos ou é espalhada. Como na primeira dimen- são temos duas categorias - o deputado é dominante, ou não, em municípios-chave para sua votação - e na segunda, também, duas - o deputado tem votação concentrada ou espalhada -, da combinação delas resul- tam quatro perfis: a) deputado com votação espalhada e com- partilhada com outros em municípios- chave, a) com votação espalhada, mas majoritário em municípios-chave, a) com votação concentrada em alguns municípios contíguos, compartidos com outros deputados, ou, finalmente, a) com votação concentrada e majoritário nos municípios. 52 Podemos representar numa tabela 2 x 2 os quatro perfis, preechendo as celas com as porcentagens, sobre o total de deputados da Legislatura começada em 1999, dos eleitos em cada modalidade de perfil (dados da elei- ção de 98). Alguns dos perfis de votação provavel- mente fazem os deputados mais dependen- tes do Executivo estadual do que outros. Si- milarmente, alguns devem dar-lhes maior certeza do que outros sobre qual é o seu elei- torado, a quem devem prestar contas e cujos 77 20. TABELA 1. A votação dos deputados federais: padrão geográfico. Eleição de 1998. A votação do deputado é concentrada em reduto A votação do deputado é espalhada ° deputado é majoritário (dominante) 16 35 ° deputado não é majoritário (Não-dominante) 31 18 Fonte: Nelson Rojas de Carvalho. E no início eram as bases: geografia política do voto e comportamento legislativo no Brasil. Rio: Revan, 2003. pleitos precisam atender, e portanto devem influenciar-lhes diferentemente o comporta- mento parlamentar no que respeita ao apoio ou não à agenda legislativa do governador do Estado." 53. CARVALHO, 2003. No capítulo "A Câmara dos Deputados na Nova República: a visão da Ciência Política", neste livro, discutimos a contribuição desse autor. 78 Sugestões de leitura ABRANCHES, S. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, v.31, n.1, p. 5-38,1988. ____ o Os dilemas da governabilidade no Brasil: reforma política ou reforma do Estado? Cadernos Adenauer n.2. Reforma Política: agora vai? Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2005. ____ o ° processo legislativo: tendência ao impasse. Risco Político, n.1. Rio de Janeiro: Sócio-Dinâmica Aplicada, 2007. ABRUCIO, F., TEIXEIRA, M. A. c., COSTA, V. M. F. ° papel institucional da AL paulista: 1995 a 1998. In: SANTOS, F. (Org.). O Poder Legislativo ... , 2001. p.219-46. ALMEIDA, A. C. Presidencialismo, parlamentarismo e crise política no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFF, 1998. AMES, B. The deadlock of democracy in Brazil. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2001. AMORIM NETO, O. Gabinetes presidenciais, ciclos eleitorais e disciplina legislativa no Brasil. Dados, v.43, n.3, p.479-519,2000. ____ ., TAFNER, P. Governos de coalizão e mecanismos de alarme de incêndio no controle legislativo das medidas provisórias. Dados, v.45, n.1, p.5-38, 2002. 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