Buscar

Textos jung

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 46 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 46 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 46 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A ESCADA DO DESEJO E DO MEDO
Jean-Yves Leloup
É bom lembrar que o homem evolui através do desejo e do medo. Não há medo sem um desejo escondido e não há desejo que não traga consigo um medo. O desejo e o medo estão ligados. Temos medo do que desejamos e desejamos o que nos faz medo. 
Na evolução de um ser humano, o medo não superado, o desejo bloqueado, vão gerar patologias. O medo superado, o desejo não bloqueado vão permitir a evolução. É o que Freud chama o jogo de Eros e Tanatos, do amor e da morte, o impulso de vida e o impulso de morte. Poderíamos dizer, em outra linguagem, que há em nós um desejo de plenitude, de Pleroma e o medo da destruição. E nossa vida evolui assim, através do nosso desejo de plenitude e o nosso medo de destruição. 
Proponho a vocês uma escala, uma representação, uma imagem, e nós vamos tentar identificar as diferentes etapas do nosso medo e do nosso desejo, a fim de situar o medo de Jonas e situar o que na psicologia humanista chamamos o Complexo de Jonas. 
Na primeira etapa, a partir do momento em que nascemos, temos um impulso de vida, o desejo de viver, e ao mesmo tempo em que há o medo de morrer. O desejo e o medo nascem juntos e, desde que o homem nasce, ele é bastante velho para morrer. Portanto a vida e a morte estão juntas. 
Se este medo de morrer é superado, a criança vai procurar um lugar de identificação, um lugar de plenitude. E vem o desejo da mãe. De se fazer uno com a mãe. A mãe é o seu mundo, é o seu corpo. Ao mesmo tempo em que nasce o desejo de unidade com a mãe, este desejo de plenitude, nasce o medo da separação da mãe. 
Mas para crescer, a criança deve se separar de sua mãe. Se ela não se separar de sua mãe, ficará sempre uma criança, não se diferenciará. E todo o papel de uma boa mãe é não apenas fazer sair a criança de seu ventre, mas fazê-la ir além de seu desejo. Fazê-la sair deste mundo que lhe é próprio, a fim de que ela possa atingir um outro mundo, particular a ela. 
Ocorre então o medo da separação. E este medo da separação se somatiza no adulto, algumas vezes por regressões, através do álcool e da droga. Como uma maneira de se dissolver, uma maneira de reabsorver a dualidade através da bebida e da droga. É uma regressão. Veremos que é preciso superar a dualidade, mas a superação desta dualidade não é a sua dissolução, é a sua integração, uma passagem para ir mais longe. 
Certas vezes, alguns dentre nós têm medo de evoluir, têm medo da solidão, têm medo da separação da mãe e do seu meio. Utilizam produtos ou técnicas para regredirem à mãe e não irem mais longe. 
A criança, que supera o medo da separação de sua mãe, vai procurar um novo lugar de identificação. Ela vai descobrir o seu próprio corpo como sendo diferente do corpo de sua mãe. É uma etapa importante. Mas ao mesmo tempo em que descobre seu corpo com prazer, ao mesmo tempo em que brinca com todos os seus membros, em que sente o desejo do corpo, a criança sente medo da decomposição. Este medo situa-se na fase anal. No momento em que, através do seu cocô, a criança tem a impressão de que seu corpo se decompõe. Nessa fase, toda a educação é fazê-la ter consciência de que ela é seu corpo, mas não é somente este corpo. É freqüente a observação de crianças que gritam à noite, quando fazem cocô, necessitando serem tranqüilizadas. Se a criança superar este medo da decomposição, ela vai descobrir que é maior que seu próprio corpo. 
Na idade adulta podem persistir um certo número de fixações. Da mesma forma em que no estágio precedente a criança buscava a unidade através da fase oral, nesta fase ela vai buscara a unidade através da posse, do poder. Possuir a matéria. A palavra "possedere", em latim, quer dizer "sentar- se em cima", possuir. Corresponde, em Freud, ao estágio sádico-anal, um modo de tratar o outro como uma coisa, como uma matéria. Nessas pessoas que buscam, freqüentemente, a posse e o poder, esconde-se um grande medo da decomposição, um dedo da doença, um medo de tudo o que desfigure o corpo. 
Se a criança é capaz de assumir este medo e de ultrapassá-lo, ela vai procurar um outro lugar de identificação. Ela vai entrar no desejo de unidade com outro sexo. É a fase edipiana. O homem e a mulher descobrem suas diferenças sexuais e, ao mesmo tempo em que há esta busca de unidade através da sexualidade, vem o medo da castração. O medo de perder este poder, dentro de uma relação com um outro que é diferente dele. 
E alguns podem ficar fixados nesta etapa de evolução. Aqueles que buscam, por exemplo, a unidade, a felicidade, unicamente através de sua genitália. Ou ainda, aqueles que têm medo de viver esta relação, o que pode levar às situações de impotência e frigidez. 
Se o homem e a mulher se descobrem sexuados, mas não sendo apenas isso, de novo vão poder crescer. Ocorrerá o desejo de corresponderem à imagem que seus pais têm deles. Na psicologia freudiana, este desejo é chamado Imago parental ou Persona. E, ao mesmo tempo em que aparece o desejo de corresponder a esta imagem, surge o medo de não corresponder a ela. 
Existem adultos que vivem ainda com este medo de não corresponder à imagem que seus pais tiveram delas. Eles não vivem seus próprios desejos, mas o desejo de suas mães ou o desejo de seus pais. Aí entra o trabalho da análise - descobrir qual é o meu próprio desejo e diferenciá-lo daquele do meu pai ou da minha mãe. Isto não quer dizer rejeitá-los, mesmo que dê margem a alguns conflitos. É por esta razão que o conflito entre adolescentes e seus pais é tão importante. É o momento em que o filho adolescente experimenta diferenciar o seu desejo do desejo de seus pais. Quando ele procura descobrir sua própria palavra, diferente da palavra de seus pais. E se ele é capaz de superar este medo, o medo de não agradar a seus pais, o medo de ser rejeitado ou julgado por eles, ele então vai crescer no sentido de sua autonomia. 
Surge o despertar para um novo desejo de unidade, o da identidade dele mesmo. É nesta fase que aparece o desejo de corresponder à imagem do "homem de bem" e da "mulher de bem", tal como considerado em nossa sociedade. Não é mais somente a Imago parental, mas sim a Imago social. Ao mesmo tempo em que ele tem o desejo de corresponder a esta imagem social, nasce o medo de ser rejeitado pela sociedade. O medo de não ser como os outros, o medo de não parecer conforme o que é considerado "bem" dentro dos padrões sociais esperados. 
O medo de não parecer semelhante é um medo muito profundo, que nós vamos ver com mais detalhes em Jonas. O medo do ostracismo, o medo de ser rejeitado pelo seu grupo, o medo de ser rejeitado pela sociedade. Aí o homem se encontra num conflito interior difícil, porque o seu desejo interior impele-o à ação, a dizer palavras que são às vezes consideradas como loucas pela sociedade. Ele tem medo de estar louco. Ele tem medo de ser anormal. Mas se ele é capaz de superar este medo, se é capaz de aceitar que os outros não o compreendam, se é capaz de assumir a rejeição do seu meio, ele vai crescer no sentido da sua autonomia. O que motiva a sua ação não é o que pensam os seus pais, não são os seus impulsos anais ou genitais, não são as suas imagens sociais, mas é sua própria voz interior. 
E ele chega a um nível de evolução bem elevado, que é uma liberdade em relação ao mundo do Id (na tipologia freudiana do termo) e livre, mas também, em relação ao mundo do Superego. Livre das expectativas geradas pelos pais, no que concerne à sua vontade, seus desejos, suas palavras. 
Mas ao mesmo tempo que nasce este desejo de autonomia, esta experiência de liberdade, há também o medo de perder esta autonomia, de perder o Ego, o Eu que está em sua pele, o Eu bem diferenciado do seu meio, dos seus pais e de seus impulsos. É o momento em que o Eu se sente ameaçado pelo Self. É preciso um grande trabalho para atingirmos o Eu autônomo, para se diferenciar da mãe, da sociedade, do meio. 
Neste momento, uma voz interior recoloca tudo isto em questão. Entra- se no desejo do Self e do medo de perder o Ego.O Ego ou eu é uma abertura do ser humano a toda a sua potencialidade e o Self é esta realidade transcendental, que relativiza a beleza desta autonomia e que nos revela que há um Eu maior que o eu, que há um Eu mais inteligente que o eu, que há um Eu mais amoroso que o eu. 
Mas para ter acesso a este Eu mais elevado deve-se soltar as rédeas deste Eu. E passamos a uma etapa superior, que é a de entrarmos no desejo de nos fazermos um, com aquele que chamamos Deus. Esta imagem de um Deus bom, de um Deus justo, que é a projeção, no Absoluto, das mais elevadas qualidades humanas. Diante de determinadas situações, Deus não se mostra justo como a idéia que nós temos da justiça. Ele não se mostra bom como a idéia que temos da bondade. Ele não é amor como a idéia que temos do amor. Ele não é luz como a idéia que temos da luz. 
Surge, então, um medo que os místicos conhecem bem, o medo de perder Deus. Sua imagem de Absoluto, sua representação de Absoluto. Passa- se pela experiência do vazio e esta experiência do vazio é a condição para ir a este país onde não há desejo nem medo. Não é o desejo de alguma coisa em particular nem o medo de alguma coisa em particular. 
Nossa vida passa sobre esta escada. Não paramos de subir e descer. Seria interessante verificar quais são as fixações, quais são os nós, porque o terapeuta, na escuta daquele a quem acompanha, deverá voltar ao ponto onde houve um bloqueio. E, para reconhecer o ponto onde houve esta parada, este bloqueio, é suficiente interrogar onde está o medo. 
Será o nosso medo, simplesmente, o medo de viver, o medo de existir? Quando nos sentimos demais na existência? Então podemos encontrar em nós mesmo o não-desejo de nossos pais. Descobrimos que não fomos queridos na nossa existência. É preciso passar pela aceitação deste não-desejo para descobrir, além do não-desejo de nossos pais, o desejo da vida que, em certos momentos, nos fez existir. 
Nosso medo poderá ser o medo da separação. É interessante observar o modo como as pessoas morrem. O medo da morte é diferente para cada um. Para alguns é realmente o medo da decomposição, do sofrimento, da doença. Para outros é o medo da separação, de serem cortados daqueles que lhes são mais caros. 
Assim nosso medo se enraíza em momentos muito particulares das nossa existência, e escutar o nosso medo nos permite entrar em contato com esse momento. O terapeuta está ali para nos ensinar a não termos medo do medo, mas a fazer dele um instrumento para nossa evolução, descobrindo o desejo de viver que se esconde atrás deste medo, e que vai nos permitir ir mais longe. 
Nosso medo pode estar, também, ao nível da sexualidade. O medo do outro sexo. Este medo foi bem estudado por Freud. Não é suficiente superarmos o medo a este nível para atingirmos o nível seguinte. Ter uma sexualidade normal, estar bem adaptado à sociedade, o que é, na maioria das vezes, um critério de saúde, em outra antropologia não é, obrigatoriamente, um critério de saúde. Estar bem adaptado a uma sociedade doente não é, necessariamente, um sinal de saúde. É isto que eu chamo de "normose", ao lado da neurose e da psicose. 
É neste ponto que nos reunimos a Jonas. Jonas é alguém que sente nele asas para voar, um desejo de espaço, um desejo de infinito, mas não tem coragem. Ele apara suas asas, para continuar adaptado à sociedade na qual ele se encontra e que o proíbe de ir ao outro, de ir ao inimigo, de ir ao diferente. 
Aqui começa o Complexo de Jonas. Este desejo de irmos além da imagem que nossos pais têm de nós. Este desejo de irmos além das imagens que a sociedade nos propõe, do que é o "homem de bem" ou uma "mulher de bem". Este desejo de irmos além do Eu, além do que o Ego considera como sendo o bem. E irmos também além da imagem que temos de Deus. 
O ARQUÉTIPO DO HERÓI
Sidneya Magaly Gaya
O arquétipo do herói aparece repetidamente no tempo e no espaço como a capacidade humana de auto-superação, de reclamar a própria origem divina e a imortalidade, de identificar, criar e seguir seu próprio e único caminho, transformando a si mesmo e à sua interação no mundo. Aqui, o mundo (o Reino), é transformado por osmose a partir do crescimento espiritual e do polimento do caráter do herói. Suas habilidades pessoais são treinadas devidamente e postas a serviço do contexto e neste processo suas potencialidades, até então desconhecidas, lhes são reveladas de forma semelhante às revelações de proteção espiritual (aliança com os deuses, seus protetores). 
Cada herói tem seus próprios instrumentos, suas próprias habilidades, seus próprios problemas. Persival tem muita coragem e o rei adoecido para curar através da compaixão e tomada de consciência, (precisa iniciar sua jornada respaldado por sua coragem, mas curar o rei a partir da compaixão, não da coragem). Tem a ajuda de mulheres (ânima) no caminho mas mesmo assim demora a desenvolver a sensibilidade sugerida no contato amoroso com o feminino. Orfeu, tem muita compaixão, empatia e sensibilidade que desenvolveu com muita dedicação, mas sua prova final é de confiança, fé e entrega à vida e à morte. Dionísio precisa desmembrar-se para renascer sensibilizando não só ao reino mas principalmente aos reis, às divindades, renovando a aliança divina com o mundo mortal. Ulisses é um herói estrategista, brilha no mundo frio do intelecto e ganha muitas batalhas por seus dons e alianças com Atena, mas ao fim lhe é pedido que desça ao mundo obscuro das emoções e dos sentimentos e redima sua auto-imagem arrogante, para que seu cansado coração errante possa finalmente aportar. Midas e Dédalo têm o dom de prosperar materialmente, concretizar, mas precisam reavaliar os valores materiais em comparação aos valores afetivos, espirituais e intelectuais. Precisam também aprender a distribuir riquezas sem ganância. 
Alguns pontos em comum, contudo, fazem parte da jornada. Primeiramente, a prontidão para atender ao chamado, que, por ser bastante subjetivo e espiritual, pode ser considerado sutil ou confuso, uma necessidade incômoda de buscar, corrigir, conhecer, obter algo que aparentemente pode configurar-se muito difícil, distante ou até mesmo injustificável. Pode tratar-se de uma carreira, uma pesquisa, uma jornada física, mental, espiritual, viver a dois, viver sozinho, viver diferente daquilo que se aprendeu, desenvolver dons psíquicos, espirituais, artísticos, cognitivos, políticos, sociais, ou em qualquer área que pareça incomodamente atraente, atiçando com a inveja a princípio, por exemplo; aí está o nosso chamado. 
A prontidão para atender ao chamado em geral implica um corte de laços, um dizer não ao passado e às bases que nos sustentam, libertar-se e sair do conforto e segurança familiares (amigos, família, grupo de trabalho, ou crenças arraigadas) e é aí que o herói deixa o conforto da "Mãe" e vai buscar seu lugar no mundo, sendo que este lugar e seu real funcionamento ainda não está claro nem mesmo para ele. É apenas uma atração, um anseio... que por mais nítido que lhe pareça, na maioria das vezes é ainda muito diferente do que virá a ser. 
Por vezes, o primeiro chamado é para a entrega, especialmente para aqueles que estão habituados à resistência. A entrega a um relacionamento, a uma terapia, à fé no Poder Superior, a uma espécie de auto-sacrifício ou de sacrifício consciente (em geral temporário) de habilidades de luta e envolvimentos com o mundo exterior, voltando o foco de atenção aos sentimentos, ao espaço mais que ao tempo, e ao contexto imediatamente próximo de relacionamentos e fatos. Abrir mão de grandes propósitos em função de outros aparentemente mais simples e prestar muita atenção no poder de transformação das pequenas coisas. 
Uma sensação de desacordo com a posição que ocupamos, bem como uma análise dos motivos de tal inadequação, podem nos dar a sugestão do caminho a seguir. Há um sentimento forte de inadequação: algo não está funcionando como deveria; o que fazemos não gera mais satisfação. O contexto no qual estamos inseridos nada tem a ver conosco. A criseda falta de significado e propósito está instalada e a depressão bem definida ou subjacente é apenas uma questão de tempo. E o herói precisa resgatar o significado aprisionado, corrompido ou até reconstruí-lo a partir de nossa jornada, partindo em nossa luta pessoal para matar um dragão, fundar uma nova sociedade, resgatar o elixir que foi roubado ou perdido, curar o rei, expulsar os bandidos do reino, explorar novas terras, libertar a princesa, o mago, ou oferecer-se em sacrifício. 
Sua jornada, assim, está repleta de perigos internos e externos. Tanto a resistência por parte dos que fracassaram e agora tentarão impedí-lo, quanto seus próprios defeitos de caráter identificados e ou projetados no seu dia-a-dia parecem assombrá-lo e ele precisa desenvolver qualidades de insight,atenção aos propósitos, perseverança, convicção e amigo leais para poder sobreviver e não voltar humilhado para seu lar de infância. Se no início o medo da solidão, da rejeição, da incapacidade de sobrevivência a partir dos próprios recursos e escolhas podem assustá-lo, mais tarde os perigos podem ser mais palpáveis, como as traições, as perseguições e as limitações contextuais. 
Até o mágico momento em que consegue expressar seu poder e sua verdade com tanta clareza que consegue o tão sonhado êxito na batalha, pode a partir daí contagiar seu universo circundante com seu intenso poder pessoal. A sensação aqui é a de estar no lugar e momento certos, fazendo o que é preciso de acordo com sua natureza única e brilhante, a um só tempo humana e divina. Uma espécie de comunhão consigo mesmo, com as outras pessoas e com a Terra. 
Após o amadurecimento de suas potencialidades que caracteriza basicamente a criação de um ego saudável, tornando-se porta-voz e mediador das necessidades e contribuições inconscientes, bem como das coletivas e sociais de forma equilibrada e ativa, o herói vê-se frente à próxima etapa da jornada, composta pelo movimento de descida, onde necessita encontrar-se com sua "sombra", entregando seu "heroísmo particular", apreendendo em seu mistério mais profundo o sentimento da mortalidade, da efemeridade e da entrega frente ao que "não pode ser transformado." 
Este é um processo diferente, porquanto espiritual, onde a disposição para a luta cede lugar à alegria e resignação genuinamente humanas. Onde o humanitarismo, o pacifismo, a esperança e a alegria de viver plenamente o presente, simplesmente fluem, gerando prosperidade. Ao aceitar a própria mortalidade, depois de empreender toda uma jornada heróica em busca da imortalidade, o herói aprende a "estar consigo", com alegria e inteireza, para, desta forma, com sua simples presença, continuar com sua contribuição evolutiva ao universo.
ENXAQUECA: O SINTOMA DE UM BECO SEM SAÍDA
Mariann Laaksonen e Marília Sodré
Muita coisa já se sabe sobre a famosa enxaqueca. Diz-se que tem algo a ver com uma certa constituição familiar; diz-se também que precede o período menstrual e está relacionada à questão dos hormônios. Sabe-se que pode ser deflagrada a partir da fome, do fato de estar o estômago vazio naquele determinado momento. Como tratá-la, também já existem inúmeros procedimentos conhecidos: pouca ou nenhuma luz, aspirina, intervalos pequenos entre as refeições, banho quente e por aí afora. 
O que muito pouco se fala é do aspecto emocional deflagrador da enxaqueca. Sabemos que pode estar relacionada, por exemplo, a um contexto que envolva o sentimento de raiva ou de impotência relacionados a uma determinada configuração afetiva onde o que se viveu ou o que se vive é uma situação à qual não se pode reagir. Essas emoções, por não terem podido ser reconhecidas, transformaram-se num misto de dor, enjôo e uma certa aversão ao contato acompanhadas por um desejo de isolamento, e aí se configura o quadro característico da enxaqueca. A pessoa não sabe dizer porque sofre pois a consciência e o pensamento não deram conta do que aconteceu: tudo se passou silenciosamente, insistindo porém em se expressar através do corpo, corpo este que fala sempre daquilo que desconhecemos de nós mesmos. 
Temos inúmeras razões para pensar que as tensões e ansiedades representam importante papel no quadro da enxaqueca sendo, portanto, de extraordinária importância que o paciente possa aprender a reconhecer e a lidar com elas no sentido de auxiliar desta forma a terapêutica medicamentosa. 
O objetivo de uma compreensão psicológica da pessoa que sofre de enxaqueca será de ajudá-la a criar respostas diferentes aos impasses emocionais. A enxaqueca assim como vários outros sintomas inscritos no nosso corpo, fica sinalizando esta necessidade: a de resolver ou encaminhar neles uma determinada questão interna a fim de romper o ciclo vicioso que resulta em sofrimento. 
Em suma, um entendimento maior sobre os mecanismos deflagradores da enxaqueca é tão importante quanto um entendimento maior sobre seu aspecto clínico pois estes dois eixos convergem para uma mesma direção: livrar a pessoa de seu padecimento crônico. É só quando conhecemos as razões pelas quais fizemos determinada escolha que podemos reavaliá-la e substituí-la por outra. Isso parece verdadeiro para a compreensão de muitas outras afecções psicogênicas. 
Mariann Laaksonen e Marília Sodré são psicanalistas.
SOMOS TODOS VIDENTES
Claudia Araujo
Muitas vezes somos acometidos por ocorrências em nossa vida, que fogem completamente à nossa compreensão, e, para as quais, não encontramos uma explicação lógica, ou uma causa que a anteceda temporalmente. Quando isso ocorre, estamos adentrando o reino dos fenômenos acausais, ou sincronísticos. 
Nesse pensar, o centro é o tempo e parece que o feito ocorre antes da causa, ou melhor, ambos acontecem conjuntamente, ao mesmo tempo, pois no fenômeno sincronístico não é feita distinção entre fatores psicológicos e fatores físicos. Neles, os fatos internos e os externos, estão reunidos, fazem parte de um mesmo conjunto, e é essa união que permite a ocorrência no fenômeno e sua percepção material. 
Na sincronicidade, Jung enfatiza que o nexo entre causa e efeito é só relativamente verdadeiro, pois a ligação entre acontecimentos em determinadas circunstâncias pode ser diversa da ligação causal. Não é necessária uma lógica temporal que o justifique. 
Esse modo de pensar possui uma certa semelhança com o pensamento primitivo, onde nenhuma distinção jamais foi feita entre fatos psicológicos e fatos físicos. 
O fenômeno tempo é muito mais central na forma sincronística de pensar, isso porque nele existe o momento crítico, que é um certo momento no tempo, que vai surgir como elemento unificador, como um ponto focal para observação desse complexo de eventos. Esse momento unificador, reflete uma qualidade específica que promove a possibilidade da ocorrência dessa qualidade de complexo de eventos. 
Os chineses jamais pensaram em termos de quantidade, e sim em termos de qualidade. Eles acreditavam que o universo tem provavelmente um ritmo numérico básico. 
O fenômeno da sincronicidade se refere a essa forma chinesa qualitativa de pensar. Jung em seu livro "Sincronicidade", se reporta ao fenômeno da duplicação de casos. Esse é um fenômeno conhecido de qualquer terapeuta, onde de uma hora para outra, começam a surgir 2 ou 3 ou mais casos similares, como se estivessem nos reportando a uma certa qualidade de tempo que nos remetesse à uma situação específica. Geralmente, não se pode encontrar um nexo causal entre esses acontecimentos coincidentes. 
Para que possamos entender a existência apriorística dos eventos, é necessário que entendamos o conceito de inconsciente, pois é ele que possibilita a existência desses fenômenos. 
Jung entende por psique a totalidade de todos os processos psíquicos, tanto do consciente como do inconsciente, e a psique, então, seria formada por duas metades que se complementam, mesmo que suas propriedades sejam opostas. Nas duas esferas o nosso ego tem participação. 
Da nossa vida consciente, fariam parte todos aqueles conteúdos quejá teriam sido aceitos pelo ego sem prejuízo da imagem que entenderíamos como aceitável para o papel social que desejamos representar. A nossa vida consciente no entanto, só pode abranger uma quantidade muito restrita de conteúdos, e sendo assim, embora o ego tenha a impressão de que a totalidade dos conteúdos é percebida pela consciência, apenas uma parcela muito restrita diz respeito ao material consciente. 
O resto desse material, vai para uma espécie de "depósito" que é chamado de inconsciente. Esse "depósito" contudo, não é composto apenas de material relacionado à nossa vida pessoal, qual seja, oriundo de experiências pessoais nossas, mas dele fazem parte imagens relacionadas a uma outra esfera da consciência, a que Jung denominou de Inconsciente Coletivo, e que compreende conteúdos que fazem parte da própria memória da humanidade, da soma das experiências universais. Essa herança humana universal, faz parte da base de todo o material psíquico, ela é mais antiga que a consciência e seus conteúdos são sempre atuais. Ela abrange modos típicos de reação da humanidade, desde a sua origem. Sua atualidade se refere exatamente a não linearidade do tempo inconsciente, ou ainda, ao tempo circular, quando o que está atrás, está também lá na frente, pois tudo se encaixa num esquema circular, sem passado, presente, ou futuro. Os mitos são oriundos dessa camada da psique, e sabemos o quão tolo seria falarmos em atualização do mito. 
Assim, os sonhos, os contos de fadas e os mitos são resultados de criações espontâneas da psique humana, eles são imagens de nosso inconsciente. Essas imagens, assim como as associações de pensamentos que nos aparecem em sonhos não são criadas através de uma intenção consciente, donde podem ser consideradas como auto-retratos do processo psíquico que se desenvolve em nosso inconsciente. 
É daí que surgem as imagens arquetípicas, que são parte de um sistema vivo de interações entre a psique humana e o mundo exterior. Elas são uma resposta ao mundo que desfaz a idéia de que existe uma separação entre interior e exterior. 
Essa separação é apenas mais uma ilusão do ego, pois é tudo parte de um conjunto que reflete a psique como totalidade. 
Na sincronicidade, está sendo vivenciado uma determinada qualidade de estado emocional que altera o espaço e o tempo no sentido de uma contração ou abaixamento de nível mental que opera uma mudança na consciência e que fortalece o inconsciente. Nesse momento, é como se a consciência fluísse para o inconsciente, e vice-versa. 
O abaixamento de nível mental, é um estado que promove um esvaziamento da consciência. É como se um espaço que estivesse sempre e regularmente ocupado, se esvaziasse em conseqüência da alteração emocional, e por isso, fornecesse um recipiente para que os arquétipos do inconsciente constelassem. Nesse momento, o que era consciente, flui para o inconsciente, e conteúdos inconscientes passam a fazer parte do espaço da consciência. A esse fenômeno psíquico, costuma-se dar o nome de "abaissement de niveau mental". 
É em cima desse fenômeno que operam os oráculos de um modo geral e ainda os clássicos casos de vidência. 
Posso me recordar de um impasse que tive em minha vida, num determinado momento em que teria que tomar uma decisão séria, tanto à nível profissional quanto emocional. Eu me sentia numa verdadeira encruzilhada, pois qualquer decisão profissional que tomasse, afetaria minha vida emocional e afetiva, e vice-versa. 
De um lado havia uma pessoa envolvida num determinado projeto que eu desenvolvia naquele momento, que era dois anos mais jovem do que eu, mas que eu "sentia" essa pessoa como muito mais jovem. Do outro lado, uma outra pessoa 5 anos mais velha do que eu, mas que em função da maturidade e conhecimento, eu sempre "sentia" como um velho. 
Diante de minha angústia, um amigo me chamou pra consultarmos o I Ching. Naquele momento, a resposta que obtive do I Ching foi mais ou menos esta: "é o momento de deixar o homem mais jovem e seguir o mais velho, já que isso representará progresso para sua vida". Mais claro, impossível. Foi, na realidade, um grande susto. Efetivamente, o homem mais velho representava progresso. 
Resultados desse tipo com os oráculos, não costumam ser adquiridos em momentos de "calma interior". Eles não propiciam o fenômeno do abaixamento de nível mental, e a conseqüente constelação de um arquétipo no inconsciente. 
Inicialmente, os oráculos eram utilizados para que o homem pudesse se situar sobre o que Deus ou os deuses queriam. Em conseqüência disso, eles eram utilizados nas diferentes igrejas. Só mais tarde, é que eles passam a se constituir numa prática considerada "mágica". O homem buscava se apoderar do conhecimento de Deus por seu intermédio, ou saber o que Deus reservava para os homens. Assim, eles não se encontravam desvinculados do aspecto religioso. 
Na realidade, o homem sempre associou o inconsciente à Divindade. Sempre e em toda parte encontramos narrativas sobre a importância que o homem antigo já dava à interpretação dos sonhos. Os sonhos eram umas das formas mais usuais de Deus falar com os homens, e sabemos hoje que os sonhos são a via régia de acesso ao inconsciente. Também os oráculos eram utilizados com essa finalidade. 
O inconsciente detém o conhecimento absoluto, ele possui todos os registros não apenas dos fatos atuais e passados como os que se encontram relacionados ao próprio futuro, não apenas de um indivíduo particular, como de toda a humanidade, isso graças a não existência da linearidade do tempo (o tempo circular do inconsciente) , e ao inconsciente coletivo. 
Dessa maneira, teoricamente, todos nós somos aptos a "acessar" esse conhecimento absoluto. No entanto, sabemos que possuímos um porteiro ou censor na figura do ego, que rejeita todos os conteúdos que considere inaceitável, mantendo-os no inconsciente. Seria necessário então ludibriar o ego para que tivéssemos acesso a esse material. Ele teria que ser colocado em repouso. 
Isso é o que consegue fazer o processo onírico. Enquanto dormimos, nosso ego consciente se encontra em repouso, sua capacidade de censura é diminuída, embora não totalmente anulada. Os pesadelos surgem como uma maneira de afrontar o ego, e chamar atenção para situações que ele não quer permitir olhar. Os atos falhos também refletem um momento de "falha" do ego. Quantas vezes não "saltam" de nossas bocas, palavras ou frases inteiras que não teríamos dito em sã consciência? Tudo isso reflete uma 'falha' na atenção do ego consciente. Podemos visualizá-lo nesses momentos, como um porteiro que tivesse cochilado, e que nesse momento permitiu que o ladrão adentrasse no imóvel (inconsciente). 
Também os videntes e médiuns necessitam desse ludibriar o ego para que possam acessar o inconsciente. Muitos oráculos se utilizam de padrões caóticos, que são uma das maneiras de se "distrair " o ego, e permitir o acesso ao inconsciente. O contato feito pelo médium ou vidente, é na realidade, o produto de um abaixamento de nível mental que se operou na sua própria psique, propiciando fazer a "leitura" de seu próprio inconsciente. Podemos considerar esse momento específico como sendo uma espécie de transe que faz com que esse material venha à tona. 
ESQUIZOFRENIA: UMA DOENÇA FAMILIAR 
Mariann Laaksonen
A esquizofrenia, apesar de sua antigüidade, permanece ainda nos tempos atuais mergulhada num campo obscuro, numa dimensão aonde não pode ser falada, sendo freqüentemente colocada num lugar de mito. 
Muitas vezes, o próprio médico se vê com uma "batata quente" nas mãos quando, diante da família do paciente, é questionado sobre o diagnóstico: "Doutor, o que é que meu filho tem? Quando vai ficar bom? Ele tem cura?" Muito freqüentemente a verdade vem disfarçada sob a resposta de que trata-se de uma crise, de stress, estafa, etc... como se fosse algo passageiro. 
A esquizofrenia é uma doença psíquica grave, que rouba do indivíduo a sua possibilidade de exercer sua autonomia, levando-o gradativamentea uma situação de extrema dependência emocional. Num curto período de tempo o sujeito se transforma no "doente da família". Passa a ser marcado pelo fracasso, pela incompetência, se tornando incapaz de levar seus compromissos adiante. 
Esse "doente" vai ser levado de médico em médico, como numa peregrinação em busca de cura, processo este que muitas vezes vai servir para aplacar a culpa da família. 
Após alguns anos a família dirá: "Tentamos tudo", e poderá contabilizar uma dezena de profissionais visitados, no entanto, sem ter conseguido levar a cabo nenhum tratamento. 
Sabe-se que a esquizofrenia é uma manifestação, é um sinal de doença na estrutura familiar. Existe um eleito, aquele que expressa a doença, mas, na realidade, o grupo familiar é doente. Geralmente são famílias cujos membros passaram por muitas dificuldades na vida, muitas vezes devido a estruturas familiares problemáticas. 
A carência interna provocada por um passado difícil retorna no presente, personificada naquele filho que vai reviver, que vai ser o representante de todas as carências, inseguranças e sofrimentos de uma história familiar passada. 
Então, a culpa é da família?... Não, se pudermos pensar que a princípio, ninguém tem em mente o propósito de adoecer um filho. No entanto, a família é responsável a partir do momento em que pode adotar duas condutas diferentes com relação à situação. Poderá negar tudo, reduzir a questão a uma explicação simplista fazendo uso da genética ou da hereditariedade como justificativa de não cura; ou então poderá se questionar sobre onde teria falhado e sobre o que poderia ser feito. Se a família puder se responsabilizar pela situação, possivelmente este paciente terá chances de cura; caso contrário, entrará para o rol dos pacientes incuráveis. 
O sucesso do tratamento vai depender fundamentalmente do desejo de cura da família e da disponibilidade interna de cada um para lidar com as dúvidas, as ambivalências e a ansiedade que eventualmente surgirá no decorrer do tratamento. 
Mariann Laaksonen é psicanalista.
MENOPAUSA: UM RITO DE PASSAGEM 
Maria Helena Bastos
A menopausa é uma fase natural na vida de todas as mulheres. No entanto, ela é reconhecida até mesmo por muitas de nós como um tabu. Isso se deve parcialmente aos mitos e às informações preconceituosas que nos dizem que a mulher perde seus encantos com a maturidade. 
Na definição médica, menopausa é "a cessação da menstruação, decorrente da interrupção permanente da função ovariana", simplesmente isso. Certamente que a menopausa representa uma mudança de vida e algumas destas mudanças podem ser bem intensas e interessantes. Não há o que temer em relação à menopausa: a simples associação de uma atitude de vida saudável, aliada a um check-up periódico, podem garantir uma transição suave para este novo estágio da vida. 
Grandes mudanças ocorrem na relação da mulher com sua feminilidade. São transformações absolutamente naturais, como o verão que se segue à primavera, e o fruto que surge a partir da flor. 
Define-se feminino, segundo o Novo Dicionário Aurélio, como um adjetivo "referente ao sexo caracterizado pelo ovário nos animais". Nesta definição vemos o ser feminino reduzido a um órgão que supostamente o qualifica e caracteriza. Colocando-o como um produto de reprodução, sem considerá-lo como sujeito. Dentro desta ótica mecanicista, a menopausa pode vir a ser um problema. Mas a mulher não é uma simples máquina de reproduzir, ela é muito mais, ela é um universo de poesia, é uma multiplicidade infinita de beleza, de ternura, e isso nenhuma definição redutora pode nos roubar. 
O termo climatério é mais abrangente e pode ser utilizado para conceituar o período de transição entre a fertilidade e a menopausa propriamente dita. A palavra climatério provém do grego climakterius, que significa mudança (climak) de tempo (terius), ou seja, representa aquele período da vida onde a mulher passa por uma mudança, uma verdadeira "pororoca" física e emocional imposta pelo tempo. É um rito de passagem, e se for vivido com naturalidade e consciência, nos conduzirá a outro degrau em nossa evolução. 
Para muitas de nós, este é um período de difícil adaptação, pois aí surgem os mal compreendidos sintomas da menopausa, como as ondas de calor, a diminuição do desejo sexual, as alterações de humor e a depressão, entre tantos outros sintomas. E para a medicina convencional, onde há sintomas há doença. Esta visão limitada faz surgir a expressão "Síndrome da Menopausa". Mas nós sabemos que isso é apenas uma definição e jamais um compromisso com a doença ou o sofrimento. 
Ao ingressar neste período, passamos a reavaliar antigos aspectos de nós mesmas e às vezes ficamos aflitas com o que será do futuro e com as mudanças que estão por vir. O temor do futuro desconhecido é inerente ao ser humano, mas à medida em que vamos nos sintonizando com as transformações, e entendendo que é da própria dança da vida que estamos participando, o medo se dilui, e começamos a usufruir as vantagens do amadurecimento. Passamos pela mesma expectativa quando nos assustamos na adolescência com as modificações do nosso corpo. Tivemos que nos despedir da infância, pois agora nos tornamos "mocinhas". A menopausa é uma despedida de determinados aspectos femininos que nos definiam como "mocinhas" mas não a perda da feminilidade. Na verdade, acontece um aprimoramento da feminilidade. 
Quando em outro momento da história da humanidade, em que não era tão solicitada a "juventude eterna", a mulher não se sentia desconfortável em sua própria estrutura, ou seja, aceitava o fluir do tempo, ao invés de brigar contra ele, esses desequilíbrios, apesar de existirem, não eram tão exuberantes, e por isso nossas avós e bisavós não dependiam tanto de tratamentos cada vez mais caros, como a terapia de reposição hormonal. 
Saturno, o Senhor do Tempo, passa a ser o grande vilão na história de muitas de nós. Mas somos todas viajantes do tempo, como apregoam tantos poetas, e esta é uma caminhada sem interrupção. 
Quanto mais nos sintonizarmos com o caminho, mais ele nos será benéfico e harmonioso. Todo peregrino sabe disso e no fundo é o que todas nós somos: "Peregrinas do Tempo". Resgatar o poder sobre o tempo, não é brigar contra ele. É se integrar a ele. 
Quando pelas pressões sociais, da mídia e da nossa cultura nos sentimos deslocadas do tempo, o caminho se torna duro e áspero e nossa estrutura começa a expressar a parte mais difícil da natureza de Saturno. Muitos dos sintomas dolorosos deste amadurecimento começam a se manifestar, como por exemplo a temida osteoporose. 
A osteoporose é a doença que mais se relaciona à perda de contato com Saturno, senhor das estruturas. Esta doença se caracteriza pela perda progressiva do cálcio e outros minerais essenciais para a estrutura óssea, cuja principal complicação seriam as fraturas de bacia e punho, tão comuns nos idosos. É a estrutura que se fragiliza com o passar do tempo. Entrar em sintonia com Saturno não é simplesmente ficar pensando nele. Temos que agir. Podemos, por exemplo, prevenir a osteoporose com dieta e exercícios adequados e algumas vezes uma complementação de cálcio e vitaminas. Isto é usar as qualidades de Saturno a nosso favor. 
As ondas de calor são o sintoma que observo como sendo o mais marcante da menopausa. É freqüente a mulher buscar assistência médica por esta queixa, mais até do que pela irregularidade na menstruação. Nem toda mulher na menopausa sente o "fogacho", porém aquelas que sentem, sabem o quão desagradável e inconveniente ele pode ser. Não seria o "fogacho" um movimento de maior contato ou consciência vivida do "fogo interior" do qual tantos místicos falam?... Não seria o "fogacho" uma conquista, um merecimento, um estágio da evolução natural da consciência feminina?... 
Recentes pesquisas têm demonstrado que durante o "fogacho" ocorre a liberação de determinadas substâncias que provocam a regulação hormonal natural. É importante ressaltar que o "fogacho" geralmentedura no máximo dois anos, justamente o período que antecede a menopausa, mas passada esta fase, a mulher se encontra vitoriosa e possuidora de um novo domínio sobre a vida, isso se ela se permitir aceitar e compreender, sem medo ou preconceito, o "fogacho" como sintoma deste rito de passagem. 
As mulheres percebem que o "fogacho" tem suas particularidades, e passa a representar um sintoma valioso para a homeopatia. Muitas encontram sua medicação de fundo ou similimum neste período da menopausa, de tão floridos que são seus sintomas. Quando a mulher faz tratamento de reposição hormonal ela percebe que a simples interrupção da medicação faz com que os sintomas todos reapareçam. Isto acaba gerando, de certa maneira, uma dependência química. E isso interessa sobremaneira aos grandes laboratórios que divulgam o uso quase indiscriminado de hormônios. Alguns casos, podem apresentar a necessidade real de reposição hormonal, mas estes casos se originam de patologias anteriores ou de um estado de grande desequilíbrio orgânico. Não é a condição mais natural, pois a natureza se encarrega serenamente de fazer todo o processo de adaptação a este novo estágio na vida da mulher. 
Algumas terapias modernas que abordam a integração e o equilíbrio consciente entre a mente e o corpo, podem conduzir a mulher harmoniosamente para a cura, trazendo equilíbrio à natureza feminina e conseqüente desaparecimento dos sintomas. 
Estima-se que a idade da mulher brasileira entrar na menopausa é aos 47 anos. Isto são dados de estudos estatísticos, e as exceções seriam os casos de menopausa induzida por intervenção médica ou os raros casos de menopausa precoce (menopausa antes dos 40 anos). 
A consciência deste processo se inicia já na oposição de Urano, por volta dos 40 anos, quando a mulher pode começar a se libertar de uma série de vínculos e compromissos que a mantinham atrelada a uma imagem que lhe era exigida. Aquelas que aceitam com maior naturalidade que seu compromisso é com o universo e com a vida em si, vivem com mais tranqüilidade os sintomas do ingresso na menopausa. Aquelas que estão presas a certos condicionamentos que nem sempre a fizeram felizes, presas à vaidade e à expectativa que os outros têm de si, tendem a encarar seu amadurecimento não como uma libertação, mas sim como um sofrimento incorporando todo o lado inconveniente e sofrido desta passagem. 
Relatos do início do século descrevem uma doença chamada histeria da menopausa, e por muito tempo esta doença foi considerada uma patologia exclusivamente feminina. A histeria se manifesta num momento de ansiedade aguda, geralmente motivado por um trauma, por uma repressão muito intensa, uma perda dolorosa, contínua rejeição, etc. São circunstâncias nas quais a mulher tem a consciência de seu próprio poder de sentir-se livre e feliz, impedida ou bloqueada por fatores externos . 
Lembro-me, por exemplo, do caso de uma paciente de 48 anos que atendi num plantão de maternidade. Era uma fria madrugada e fui chamada para atendê-la com urgência no hospital onde eu trabalhava. Encontrei uma mulher com uma barriga imensa, aparentando 9 meses de gravidez e gritando: "Meu filho vai nascer doutora.....meu filho vai nascer !". 
Coloquei as luvas imediatamente e ao examiná-la me espantei, pois não havia gravidez. O diagnóstico da paciente foi gravidez psicológica, ou pseudociese. Ao investigar a sua história, fiquei sabendo que este era seu segundo casamento, com um homem bem mais novo do que ela e que não tinha filhos, e nem tão pouco sabia que ela tivera suas trompas ligadas no passado. O desejo de ter um filho nesta relação era tamanho, que ela foi capaz de criar este quadro histérico de gravidez, deflagrado pela ausência de menstruação decorrente da menopausa. 
O stress e as muitas cobranças típicas da vida moderna, cada vez mais submetem a mulher aos efeitos da ansiedade tanto no lado profissional quanto emocional. Este momento da menopausa é uma fase de crise de maioridade, onde muitas estruturas antes consideradas sólidas, como o casamento, por exemplo, mostram sua fragilidade. Filhos saindo de casa e a insatisfação pessoal por não ter investido em nada pessoal, muitas vezes podem marcar o início de um processo de adoecimento. 
Muitas vezes, algumas mulheres, transformam o processo de adoecimento em cura e liberdade. Por exemplo, é freqüente encontrarmos mulheres que transformaram positivamente suas vidas após uma batalha contra um câncer, como podemos constatar através de vários depoimentos, alguns até transformados em best-sellers. 
Outras vezes, os sofrimentos acabam agindo como venenos que aos poucos neutralizariam o sistema de defesas do nosso corpo. Podemos observar que a resistência a uma transformação tão profunda como é a menopausa, pode ser um terreno fértil para os grandes medos femininos, como, por exemplo, o câncer de mama. 
O câncer de mama tem sua maior oportunidade de manifestação neste período da menopausa, mais em função do medo que debilita do que por um processo orgânico isolado. A mama representa essencialmente dois papéis, o de amamentação e o da sexualidade. A amamentação pode ser vista como a própria essência da natureza doadora da mulher, um ato de amor além de sua função nutris. A palavra mãe, e todas as funções tão belas que envolvem esta palavra, provém do ato de amamentar. A dificuldade que apresentamos nesta expressão do amor, motivada pelo acúmulo de mágoas, rancor e medo, muitas vezes pode se materializar como doença na mama. Todas estas dificuldades, possíveis fontes de adoecimento, correspondem a uma percepção distorcida que temos do significado de Saturno, sendo ensinadas a acreditar que uma estrutura se mantém na base da repressão e do medo, quando na verdade qualquer estrutura poderia ser mantida e alimentada pelo amor e pela liberdade. 
Outro aspecto interessante da menopausa é o da liberdade para transar sem o medo de engravidar. A mulher nesta fase tem uma relação madura com sua sexualidade e sabe se proporcionar prazer; sabe exigir prazer. Alimentar uma atitude sexual saudável nos liberta e nos cura, principalmente se pensarmos que nesta altura da vida temos muito a ganhar e nada perder. Este é o período da plenitude e da intensidade, o período da "menos-pausa". 
Maria Helena Bastos é médica e astróloga.
POR TUDO QUE TENS PASSADO NA TUA VIDA... EU TE COMPREENDO!
Antônio Roberto Soares
Eu sei das tuas tensões, dos teus vazios e da tua inquietude. Eu sei da luta que tens travado à procura de paz. Sei também das tuas dificuldades para alcançá-la. Sei das tuas quedas, dos teus propósitos não cumpridos, das tuas vacilações e dos teus desânimos. 
Eu te compreendo... Imagino o quanto tens tentado para resolver as tuas preocupações profissionais, familiares, afetivas, financeiras e sociais. Imagino que o mundo, de vez em quando, parece-te um grande peso que te sentes obrigado a carregar. E tantas vezes, sem medir esforços. Eu conheço as tuas dúvidas, as dúvidas da natureza humana. 
Percebo como te sentes pequeno quando teus sonhos acalentados vão por terra, quando tuas expectativas não são correspondidas. E essas inseguranças com o amanhã? E aquela inquietação atroz em não saberes se amanhã as pessoas que hoje te rodeiam ainda estarão contigo? De não saberes se reconhecerão o teu trabalho, se reconhecerão o teu esforço. E, por tudo isto, sofres, e te sentes como um barco sozinho num mar imenso e agitado. E não ignoro que, muitas vezes, sentes uma profunda carência de amor. Quantas vezes pensaste em resolver definitivamente os teus conflitos no trabalho ou em casa. E nem sempre encontraste a receptividade esperada ou não tiveste força para encaminhar a tua proposta. Eu sei o quanto te dói os teus limites humanos e quanto, às vezes, te parece difícil uma harmonia íntima. E não poucas vezes, a descrença toma conta do teu coração. 
Eu te compreendo... Compreendo até tuas mágoas, a tristeza pelo que te fizeram, a tristeza pela incompreensão que te dispensaram, pelas ingratidões, pelasofensas, pela palavras rudes que recebeste. Compreendo até as tuas saudades e lembranças. Saudade daqueles que se afastaram de ti, saudade dos teus tempos felizes, saudade daquilo que não volta nunca mais... E os teus medos? Medo de perderes o que possuis, medo de não seres bom para aqueles que te cercam, medo de não agradares devidamente às pessoas, medo de não dares conta, medo de que descubram o teu íntimo, medo de que alguém descubra as tuas verdades e as tuas mentiras, medo de não conseguires realizar o que planejaste, medo de expressares os teus sentimentos, medo de que te interpretem mal. 
Eu compreendo esses e todos os outros medos que tens dentro de ti. Sou capaz de entender também os teus remorsos, as faltas que cometeste, o sentimento de culpa pelos pequenos ou grandes erros que praticaste na tua vida. E sei que, por causa de tudo isso, às vezes te encontras num profundo sentimento de solidão. É quando as coisas perdem a cor, perdem o gosto, e te vês envolto numa fina camada de indiferença pela vida. Refiro-me àquela tua sensação de isolamento, como se o mundo inteiro fosse indiferente às tuas necessidades e ao teu cansaço. E nesse estado, és envolvido pelo tédio e cada ação ou obrigação exige de ti um grande esforço. Sei até das tuas sensações de estares acorrentado, preso; preso às normas, aos padrões estabelecidos, às rotineiras obrigações: "Eu gostaria de... mas eu tenho que trabalhar, tenho que ajudar, tenho que cuidar de, tenho que resolver, tenho que...". 
Eu te compreendendo... Compreendo os teus sacrifícios. E a quantas coisas tens renunciado, de quantos anseios tens aberto mão!... E sempre acham que é pouco... Pouca coisa tens feito por ti e tua vida, quase toda ela, tem sido afinal dedicada a satisfazer outras pessoas. Sei do teu esforço em ajudar às outras pessoas e sei que isso é a semente de tuas decepções. Sei que, nas tuas horas mais amargas, até a revolta aflora em teu coração. Revolta com a injustiça do mundo, revolta com a fome, as guerras, a competição entre os homens, com a loucura dos que detêm o poder, com a falsidade de muitos, com a repressão social e com a desonestidade. 
Por tudo isso, carregas um grau excessivo de tensões, de angústia e de ansiedade. Sonhas com uma vida melhor, mais calma, mais significativa. Sei também que tens belos planos para o amanhã. Sei que queres apenas um pouco de segurança, seja financeira ou emocional, e sei que lutas por ela. Mas, mesmo assim, tuas tensões continuam presentes. E tu percebes estas tensões nas tuas insônias ou no sono excessivo, na ausência de fome ou na fome excessiva, na ausência de desejo para o sexo ou no desejo sexual excessivo. O fato é que carregas e acumulas tensões sobre tensões: tensões no trabalho, nas exigências e autoritarismos de alguns, nas condições inadequadas de salário e na inexistência de motivação, nos ambientes tóxicos das empresas, na inveja dos colegas, no que dizem por trás. Tensões na família, nas dependências devoradoras dos que habitam a mesma casa; nos conflitos e brigas constantes, onde todos querem ter razão; no desrespeito à tua individualidade, no controle e cobrança das tuas ações. 
Eu te compreendo, e te compreendo mesmo. E apesar de compreender-te totalmente, quero dizer-te algo muito importante. Escuta agora com o coração o que te vou dizer: Eu te compreendo, mas não te apóio! Tu és o único responsável por todos estes sentimentos. A vida te foi dada de graça e existem em ti remédios para todos os teus males. Se, no entanto, preferes a autocomiseração ao invés de mobilizares as tuas energias interiores, então nada posso te oferecer. Se preferes sonhar com um mundo perfeito, ao invés de te defrontares com os limites de um mundo falho e humano, nada posso te oferecer. Se preferes lamentar o teu passado e encontrar nele desculpas para a tua falta de vontade de crescer; se optaste por tentar controlar o futuro, o que jamais controlarás com todas as suas incertezas; se resolveste responsabilizar as pessoas que te rodeiam pela tua incompetência em tratar com os aspectos negativos delas, em nada posso te ajudar. Se trocaste o auto-apoio pelo apoio e reconhecimento do teu ambiente, então nada posso te oferecer. Se queres ter razão em tudo que pensas; se queres obter piedade pelo que sentes; se queres a aprovação integral em tudo que fazes; se escolheste abrir mão da tua própria vida, em nome do falso amor, para comprares o reconhecimento dos outros, através de renúncias e sacrifícios, nada posso te oferecer. Se entendeste mal a regra máxima "Amar ao próximo como a ti mesmo", esquecendo-te de amar a ti mesmo, em nada posso te ajudar. 
Se não tens um mínimo de coragem para estar com teus próprios sentimentos, sejam agradáveis ou dolorosos; se não tens um mínimo de humildade para te perdoares pelas tuas imperfeições; se desejas impressionar os outros e angariar a simpatia para teus sofrimentos; se não sabes pedir ajuda e aprender com os que sabem mais do que tu; se preferes sonhar, ao invés de viver, ignorando que a vida é feita de altos e baixos, nada posso te oferecer. Se achas que pelo teu desespero as coisas acontecerão magicamente; se usas a imperfeição do mundo para justificar as tuas próprias imperfeições; se queres ser onipotente, quando de fato és simplesmente humano; se preferes proteção à tua própria liberdade; se interiorizaste em ti desejos torturadores; se deixaste imprimirem-se em tua mente venenosas ordens de: "Apressa-te!", "Não erres nunca!", "Agrada sempre!"; se escolheste atender às expectativas de todas as pessoas; se és incapaz de dar um "Não!" quando necessário, em nada posso te ajudar. Se pensas ser possível controlar o que os outros pensam de ti; se pensas ser possível controlar o que os outros sentem a teu respeito; se pensas ser possível controlar o que os outros fazem; se queres acreditar que existe segurança fora de ti, repito: Eu te compreendo mas, em nome do verdadeiro amor, jamais poderia apoiar-te! 
Se aspiras obter proteção quando o que precisas é liberdade; se não descobriste que a verdadeira liberdade e a autêntica segurança são interiores; se não sabes transformar a frase "Eu tenho que..." na frase "Eu quero!"; se queres que o fantasma do passado continue a fechar teus olhos para a infinidade do teu aqui e agora; se queres deixar que o fantasma do futuro te coloque em posição de luta com o que ainda não aconteceu e, provavelmente, não chegará a acontecer; se optaste por tratar a ti mesmo como a um inimigo; se te falta capacidade para ver a ti mesmo como alguém que merece da tua própria parte os maiores cuidados e a maior ternura; se desejas usar teus belos planos de mudar, de crescer, de realizar, como instrumentos de auto-tortura; se achas que é amor o apego que cultivas pelos teus parentes e amigos; se queres ignorar, em nome da seriedade e da responsabilidade, a criança brincalhona que habita em ti; se alimentas a vergonha de te enternecer diante de uma flor ou de um por de Sol; se através da lamentação recusas a vida como dádiva e como graça, não posso te apoiar. 
Mas, se apesar de todo o sono, queres despertar; se apesar de todo o cansaço, queres caminhar; se apesar de todo o medo, queres tentar; se apesar de toda acomodação e descrença, queres mudar, aceita então esta proposta para a tua felicidade: a raiz de todas as tuas dificuldades são teus pensamentos negativos. São eles que te levam para as dores das lembranças do passado e para a inquietação do futuro. São esses pensamentos que te afastam da experiência de contato com teu próprio corpo, com o teu presente, com o teu aqui e agora e, portanto, distanciando-te de teu próprio coração. 
Tens presentes agora as tuas emoções? Tens presente agora o fluxo da tua respiração? Tens presente agora a batida do teu coração? Tens agora a consciência do teu próprio corpo? Este é o passo primordial. Teu corpo é concreto, real, presente, e é nele que o sofrimento deságua e é a partir dele que se inicia a caminhada para a alegria. Somente através dele se encaminha o retorno à paz 
Jamaisresolverás os teus problemas somente pensando neles. Começa do mais próximo, começa pelo corpo. Através dele chegarás ao teu centro, ao teu vazio, àquele lugar onde a semente germina. Através da consciência corporal, galgarás caminhos jamais vistos, entrarás em contato com os teus sentimentos, perceberás o mundo tal como é e agirás de acordo com a naturalidade da vida. Assume o teu corpo e os teus sentimentos, por mais dolorosos que sejam; assume e observa-os, simplesmente observa-os. Não tentes mudar nada, sê apenas a tua dor. Presta atenção, não negues a tua dor. Para que fingir estar alegre se estás triste? Para que fingir coragem se estás com medo? Para que fingir amor se estás com ódio? Para que fingir paz se estás angustiado? Não lutes contra teus sentimentos, fica do teu próprio lado, deixa a dor acontecer, como deixas acontecer os bons momentos. Pára, deixa que as coisas sejam exatamente como são. Entra nos teus sentimentos sem os julgar, não fujas deles, não os evites, não queira resolvê-los escapando deles - depois terás de te encontrar com eles novamente, é apenas um adiamento, uma prorrogação. Torna-te presente, por mais que te doa. E, se assim fizeres, algo de muito belo acontecerá! 
Assim como a noite veio, ela também se irá e então testemunharás o nascer do dia, pois à noite o Sol escurece até a meia-noite e, a partir daí, começa um novo dia. Se assim fizeres, sentirás brotar de dentro de ti uma força que desconhecias e te sentirás renovado na esperança e a vida entrando em ti. Se assim fizeres, entenderás com o coração que a semente morre antes de germinar e que a morte antecede a vida. 
E, se assim fizeres, poderei dizer-te então que: Eu te compreendo e que, assim, tens todo o meu apoio! E verás com muita alegria que, justamente agora, já não precisas mais do meu apoio, pois o foste buscar dentro de ti e o encontraste dentro da tua própria dor.
ALEGRIA: RECUPERANDO O DOM DE VIVER A VIDA NA PLENITUDE
Antônio Roberto Soares 
Um dos aspectos psicológicos que mais interesse nos tem despertado nos últimos anos é a depressão. Estima-se que existam no Brasil pelo menos seis milhões de deprimidos crônicos, sem se falar nos vários milhões de deprimidos comuns. A depressão é uma desvitalização, é uma perda de interesse pelas pessoas e pelas coisas, é um estado de prostração e desânimo diante da vida, é um sentimento de inutilidade e insignificância de tudo. A estafa é o nome mais comum dado às nossas depressões existenciais. É uma forma de cansaço mais agudo, físico e mental. 
A estafa ou depressão é a perda da nossa energia. Entenderemos melhor a estafa vinculando-a ao conceito de energia. A ausência de energia é a incapacidade para a ação. Nos nossos momentos depressivos, a vontade mais clara é a de não fazer nada, é a incapacidade para a vivência, para o contato com o mundo em movimento. Modernamente, um dos maiores problemas que acometem o homem é a sua incompetência para lidar com a sua própria energia. É a perda abusiva, contínua e excessiva da sua energia. 
Na estafa há dois pólos: há uma perda e, por isso, se diz que a pessoa está esgotada, mas há também um pólo de saturação e de excesso. Excesso de preocupações, explicitado sobretudo através da ansiedade, da pressa e das tensões. A pressa é uma movimentação excessiva do nosso corpo em busca do futuro; é a vontade de que o mundo faça acontecer algo "para ver no que vai dar"; é a vontade no corpo de que o desconhecido se torne conhecido antes da hora; é a tensão corporal para um perigo que possa vir, a preparação do corpo para uma luta. 
Na estafa há um máximo e um mínimo, as tensões e preocupações e a sua correspondente posterior, que é a depressão, em maior ou menor grau. Todos nós possuímos uma energia de vida, uma energização pessoal, que nos move à ação e que possibilita estarmos presentes à realidade viva da existência, tornando-nos aptos para a relação com o mundo. Quando, eventualmente, devido a alguns fatores, perdemos contato com essa energia individual, sentimo-nos deprimidos e estafados. E qual é o nome desta energia vital que, se é perdida constantemente e não é recuperada, nos faz cair em estafa? Qual é o nome desta energia individual que nos foi dada de graça, de presente, que nos é inata, e cuja perda nos conduz a um estado de sofrimento?... 
Alguns a chamam de paz, de vida interior, de harmonia, de amor, de entusiasmo, de motivação, de equilíbrio, de espontaneidade, de simplicidade ou de naturalidade. Mas, há um nome que congrega todos estes aspectos, um nome que é a síntese de todos estes modos de estar. Esta nossa energia vital chama-se Alegria. 
Alegria é a nossa energia de vida e, se a perdemos constantemente e não sabemos recuperá-la, isto nos faz cair em estafa. Todas as pessoas estafadas apresentam algo em comum: estão tristes, perderam a alegria de viver, a alegria de estar na existência, a alegria de saborear o movimento do mundo. Alguns dirão: "Mas nós ficamos alegres ou não de acordo com as circunstâncias, de acordo com os acontecimentos!"... Aí é que está... Numa sociedade competitiva, transferirmos para os outros a determinação da nossa energia vital, é convidarmo-nos ingenuamente para o caminho depressivo, é entregarmos nossa alma ao diabo! A alegria é um processo interior, íntimo, de dentro para fora e não de fora para dentro. A alegria é um processo pessoal, inalienável e intransferível. Cada um de nós é o único responsável pela administração da sua própria energia. E a alegria não cai do céu, não é algo que aconteça por acaso. Ela tem de ser plantada, adubada, regada, tratada e colhida. E novamente plantada, adubada , regada, tratada e colhida. 
A alegria nasce da integral disposição íntima diante da vida. Ela não nos é dada por ninguém, ela já é nossa, é um dom da vida. Somos nós mesmos vivendo. É ela o nosso "Sim à Vida!". A alegria não é simplesmente o riso - o riso é apenas um fruto dela. A alegria é um processo íntimo de contato com o Universo. 
São muito elaborados os jogos que aprendemos no relacionamento humano, responsáveis pela perda da nossa energia vital. Um destes jogos é o Jogo da Razão. Consiste em nos relacionarmos com as outras pessoas com o objetivo de termos razão: "Eu tenho razão. Você não tem razão. Eu é que tenho razão!". Como se a coisa mais importante para nós fosse ter razão. É a disputa constante para ver quem é o melhor, o mais inteligente, o mais entendido, o mais certo, o mais esperto. É a supremacia da discussão sobre a reflexão. É o perde-ganha no relacionamento humano. Este mecanismo mina nossas energias no relacionamento e, no final, um tem razão ou os dois têm razão e não chegam a nada - estão tristes e frustrados. Outro jogo é o Jogo da Infelicidade ou o Jogo da Vítima. Ele ocorre quando transformamos nossa vida num muro de lamentações, quando usamos a tristeza como forma de manipulação do ambiente, quando trocamos a nossa alegria pela loucura do controle. 
Finalmente, um terceiro jogo, responsável pela perda da nossa motivação vital, é o Jogo da Renúncia. Este jogo consiste em abrirmos mão das coisas que nos são importantes, que são adubos para a nossa alegria interior, em favor de alguém e em nome do amor, para depois, deprimidos, dizermos: "Se não fosse por você, se não tivesse feito isto por você, eu seria feliz. Você é o culpado por eu não estar bem!". No jogo da renúncia há uma incapacidade de se dizer "Não!". Há um desejo onipotente de se dizer sempre "Sim!", ainda que seja falso. Há um desejo de parecer sempre bom, mesmo não sendo verdadeiro. 
Existe uma grande diferença entre o amor e o favor. No amor, fazemos para os outros o que nós podemos e queremos fazer, tirando alegria do próprio ato de querer e de fazer, pois estamos realizando nossa opção. A doação, neste caso, nasce dentro de nós, como transbordamento, expressando a nossa maneira de estar naquele momento. É um ato de devoção. O favor, por outro lado, ocorre quando fazemos ou deixamos de fazer algo, sacrificando-nos. É quando nos matamos para satisfazeralguém, quando a opinião de alguém é mais importante do que a nossa ao determinar o que queremos e o que podemos. Através do sacrifício, transformamos o ato espontâneo de amor numa obrigação, para sermos adorados por aqueles a favor de quem renunciamos. 
Quando agimos por amor, jamais alguém será ingrato conosco na nossa vida, pois no amor verdadeiro não há espaço para a ingratidão. Mas no amor falso da renúncia, há sempre a figura da ingratidão. Chamamos de ingrata àquela pessoa a quem prestamos um favor e que, na hora de cobrar, não nos quer pagar. Ingratos para nós têm sido aqueles que não se venderam, que não se prostituíram por nosso favor. 
A renúncia, que se pretendia constituir amor, é uma distorção cultural. Diz Milbert Newman no seu livro "Seja Você Mesmo Seu Melhor Amigo": "Você pode ver claramente a diferença entre amor e o que aparentemente é amor nas relações entre pais e filhos. O pais sempre afirmam que estão agindo por amor aos filhos. Mas é fácil ver que não estão. Quando um dos pais se sacrifica por um filho, você sabe que há algo errado, pelo modo como a criança reage. Ela se sente culpada, porque o que obteve não foi por amor, mas por abnegação. Ninguém na verdade quer os frutos do sacrifício de outra pessoa. O sacrifício é um dos piores tipos de comodismo, é alimentar aquela parte de você que se sente sem valor. Ninguém se beneficia com isso, o que não quer dizer que você não possa às vezes decidir desistir das coisas. Mas esta é uma escolha que você faz e é feita por amor. É feito por amor a si mesmo e não por auto-aversão." 
Existem muitos preconceitos relacionados à alegria, relacionados ao amor a si próprio. A única coisa real nas nossas relações, que caracteriza o amor, é a alegria. O que caracteriza a felicidade conjunta é a comunhão da alegria. A alegria é a manifestação em cada um de nós do plano humano da harmonia cósmica, da harmonia divina. Quando perdemos nossa alegria, ainda que em nome do amor, não estamos de fato em estado de amor. Não é possível rimar amor e dor. 
Muita renúncia no relacionamento humano provém do medo de sermos chamados egoístas. Este medo nos faz sair dos nossos limites, dos nossos espaços de tempo e nos darmos além das nossas próprias condições. Há uma confusão generalizada sobre o que é o egoísmo. Sempre nos chamou a atenção o fato de que se alguém nos chama de egoísta é porque essa pessoa está procurando alguma coisa para ela. É sempre a tentativa de nos subtrair algo em favor dela, é sempre uma forma de controlar a nossa vida. E há ainda nisto uma distorção religiosa. A Bíblia diz: "Ama o teu próximo como a ti mesmo", e não "em vez de ti mesmo!" 
Fazer as coisas que nos fazem felizes é exatamente o oposto do egoísmo. Significa satisfazermo-nos na nossa totalidade, incluindo os nossos sentimentos, nossas ligações e responsabilidades para com os outros. Se não aprendermos isto, nunca nos importaremos, de verdade, com as outras pessoas. Se não nos amamos, se não nos respeitamos, se não cuidamos de nós mesmos, de onde vamos tirar o amor por alguém? No máximo, vamos fazer coisas para preencher as outras pessoas. O maior de todos os egoísmos é quando queremos alguém para nós, quando queremos que as pessoas pensem, sintam e ajam relativamente a nós, da maneira que desejamos. É muito fácil abrirmos mão das próprias coisas, do próprio tempo, do próprio espaço, das próprias necessidades, para sermos adorados, amados e bajulados pelos outros, para que falem bem a nosso respeito. 
Perdemos a alegria quando, através destes jogos, nos afastamos do presente e nos envolvemos com o fantasma do passado ou com o fantasma do futuro, na culpa do que passou ou no medo do que virá. Todas as vezes que saímos da base sólida e real do agora, sem coragem de largar o que ficou para trás e com medo do que nos pode acontecer no futuro, o nosso vazio interior perde a fertilidade de uma vida plena e se transforma no sentimento de isolamento e de solidão. A festa do encontro com o que nos cerca, transforma-se numa prisão cinzenta e viver passa a ser um peso e não uma brincadeira. 
A culpa e o passado só se resolvem através do perdão, e o medo do futuro através da esperança. Perdoando-nos pelo que já passou e através da esperança, deixando o futuro entregue ao próprio futuro, deixando o futuro para quando for presente, deixando o desconhecido para quando for conhecido, renascerá em nós o ludismo e alegres cantaremos e dançaremos à roda da vida. 
A Alegria é um processo de comunhão com as outras pessoas, uma sensação íntima e harmônica de fazer parte de um todo. É uma maneira calma e inocente de ver o mundo, como sabíamos fazer na nossa infância. Alegria é quando não medimos a vida pelo tempo, mas pela qualidade ou intensidade dela. É quando nos tornamos simples como as árvores e as estrelas; quando deixamos a vida fluir em si mesma e em nós, peregrinos da gratuidade; quando acolhemos a existência como um mundo de louvor; quando estamos em estado de graça e achamos graça em tudo que existe. 
Dai-nos, Senhor, a alegria dos pássaros e das crianças, para que possamos brincar e cantar na gratuidade da vida!
SOBRE O MEDO DE PERDER:
DELÍRIOS DE ONIPOTÊNCIA
Antônio Roberto Soares 
Um dos maiores obstáculos para uma vida plena, harmônica, mais expressiva e significativa, é o medo de perder; sobretudo, o medo de perder alguém, o medo de perder alguém que nós dizemos amar, o medo de perder a esposa ou esposo, os filhos, os amigos, o patrão, o empregado, o cliente. Esta emoção é a principal responsável pelo nosso sofrimento. O medo de perder é o medo de nos tornarmos dispensáveis para a pessoa com a qual nos relacionamos. O medo de perder se reveste de mil e uma formas, aparece sob mil disfarces: medo de sermos criticados por alguém, medo de que falem mal de nós, medo de que nos humilhem, medo de sermos abandonados, medo de sermos rejeitados, medo de não sermos importantes, medo de não sermos ilustres, medo de sermos menosprezados, medo de não sermos amados, medo da solidão. E tudo isso pode ser designado mais claramente por uma palavra: ciúme. 
O ciúme é o medo de não ter alguém, de não possuir alguém, de não vir a ser dono de alguém. Na relação ciumenta, colocamos a nós e ao outro como objetos. Nesta relação, pessoa e objeto são a mesma coisa. No ciúme, temos medo de sermos algum dia considerados inúteis, dispensáveis à outra pessoa. Esta é a emoção do sofrimento, a emoção do apelo, a emoção da relação confusa, misturada, dependente. E o que a agrava é que na nossa cultura aprendemos do ciúme como sendo amor. E o ciúme é justamente o contrário. O ciúme é o oposto do amor. Na relação amorosa, existe identidade: "Eu sou, independente de você!" Na relação ciumenta, por outro lado, perde-se a identidade: "Eu, sem você, não valho nada. Você é tudo para mim!" 
O amor é solto, é livre, vem de querência íntima, está diretamente ligado ao sentido de liberdade, de opção, de escolha. O ciúme prende, amarra, condiciona, determina. "Com esta emoção, eu já não sou eu; sou o que o outro quer que eu seja, para que ele também seja o que eu quero que ele seja". No ciúme, há um pacto de destruição mútua, em que cada qual usa o outro como garantia de que não estará sozinho: "Eu me abandono para que o outro não me abandone, eu me desprezo para que o outro não me despreze, eu me desrespeito para que o outro não me desrespeite, eu me destruo para que o outro não me destrua". 
O ciúme é o medo de ser dispensável a alguém, e o mais grave talvez esteja aqui: passamos a vida inteira com medo de nos tornarmos para os outros um dia o que nós já somos de qualquer forma: totalmente dispensáveis. O homem é, por definição, dispensável, transitório, efêmero, passageiro - e isto é bastante real. Em todas as relações que temos hoje, somos substituíveis. O mundo sempre existiu sem nós, está existindo conosco e continuará a existir sem nós. Nós somos necessários aqui e agora, mas seremos dispensáveis além e depois. O medo de ser dispensável a alguém é o mesmo medo da morte,que também é real. O medo da morte é o ciúme da vida. É a vontade falsa, irreal, de sermos eternos, permanentes e imutáveis. O medo de perder nos leva a entender que as coisas só valem a pena se forem eternas, permanentes, duráveis. Uma relação só tem valor, neste caso, se tivermos garantia de que sempre será assim como é. E como tudo é transitório, como tudo é mutável, como tudo é passível de transformação, o medo de perder nos leva a um estado contínuo de sofrimento. 
As conseqüências do ciúme são muito claras: "Se eu tenho medo de que me abandonem, de me tornar dispensável a alguém, de que não me amem, ao invés de fazer tudo para ser cada vez mais, para ser cada vez melhor, eu vou gastar toda a minha vida, todas as minhas energias, para provar aos outros que eu já sou o mais, que eu já sou o melhor, que eu já sou o primeiro. Ao invés de empenhar esforços para ser um marido, por exemplo, cada vez melhor, um filho cada vez melhor, uma esposa cada vez melhor, um pai ou mãe cada vez melhor, um chefe cada vez melhor, uma empregada cada vez melhor, eu gasto minhas energias para provar à minha mulher, aos meus amigos, aos meus filhos, ao meu marido, ao meu chefe, ao meu empregado, que eu já sou o melhor pai do mundo, o que é mentira; o melhor marido do mundo, o que é mentira; o melhor amigo do mundo, o que é mentira; o melhor chefe do mundo, o que é mentira; o melhor empregado do mundo, o que é mentira; e assim por diante". 
O ciúme nos conduz ao delírio da onipotência. Os nossos atos, as nossas iniciativas, a nossa conversa, o nosso comportamento, as nossas considerações, tudo é para mostrar aos outros que nós já somos bons, fortes, capazes e perfeitos. Aqui está a diferença básica, fundamental, entre o medo de perder e a vontade de ganhar. O medo de perder é assim: "Ganhamos, ninguém vai nos tomar. Gastaremos todas as energias para defender o que nós já possuímos, para conservar o que já ganhamos. Nós já chegamos ao ponto máximo; daqui por diante, só temos a perder". A vontade de ganhar, por outro lado, é assim: "Estaremos sempre ativos, descobrindo as oportunidades de ganho. Procuraremos ganhar cada vez mais, ao invés de nos preocuparmos com possíveis perdas. O que nós temos de mais sagrado é a nossa própria vida, e esta, nós já vamos perder. Assim, todas as outras perdas são secundárias". 
O medo de perder é reativo, defensivo, justificativo. As pessoas ciumentas estão sempre com um pé atrás e outro na frente. Sempre se prevenindo para não perder, sempre se preparando, sempre se conservando. As pessoas com vontade de ganhar estão sempre ativas, sempre optando, arriscando. O medo de perder é a vivência do futuro, é a vivência antecipada do futuro, é preocupação. A vontade de ganhar, por outro lado, é a vivência do presente, da beleza do presente. Em tudo, a cada momento, existem riscos e existem oportunidades. No medo de perder, a pessoa só vê os riscos. Na vontade de ganhar, a pessoa também vê os riscos mas, sobretudo, vê também as oportunidades. 
Cada momento da vida é um desafio para o crescimento. A vontade de ganhar, à qual nos referimos, não significa ganhar de alguém, mas ganhar de si mesmo, ser cada vez mais, estar sempre disposto a dar um passo à frente, estar sempre disposto a crescer um pouco mais. É importante termos sempre para nós que hoje podemos crescer um pouco mais do que éramos ontem; descobrir que ninguém chegou ao seu limite máximo, e que idade adulta não significa que chegamos ao máximo de nossa potencialidade. Não existe pessoa madura. Existe, sim, a pessoa em amadurecimento. Todo o nosso sofrimento vem de uma paralisação do crescimento pessoal e cada um de nós sabe muito bem onde paralisou, onde a nossa energia está bloqueada, onde não está havendo expansão da nossa própria energia. 
Ainda não vimos, ate hoje, um relacionamento se deteriorar sem uma presença marcante do ciúme, do desejo de sermos donos da outra pessoa, de uma ânsia de mais poder e controle sobre os pensamentos, os sentimentos e as ações da pessoa a quem dizemos amar. O ciúme é a doença do amor, é um profundo desamor a si mesmo e, conseqüentemente, um desamor ao outro. Pelo ciúme, se estabelece uma relação dominador/dominado. O ciúme é a dor da incerteza com relação aos sentimentos de alguém no futuro. É a raiva de não possuir a segurança absoluta do relacionamento, do futuro. É a tristeza de não saber o que vai acontecer amanhã. Aliás, o que dói no ciúme é a insegurança do futuro, é a insegurança do desconhecido. A loucura esta aí: passamos a vida inteira tentando conseguir o que jamais conseguiremos - segurança! A segurança não existe. Ser seguro não significa acabar com a insegurança, mas aceitá-la como inerente à natureza do homem. Ninguém pode acabar com o risco no amor. Por isso, so é possível estarmos em estado de amor, se soubermos aceitar o estado de risco. Desperdiçamos o único momento que temos, que é o agora, em função de um momento inexistente, o futuro. Parece que as pessoas só valem para nós no futuro. Nós não curtimos hoje o relacionamento com a mulher, com os filhos, com os amigos, sofrendo pela possibilidade de um dia não sermos queridos por eles. 
O ciúme é a incapacidade de vivenciarmos hoje a gratuidade da vida. Hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida, querendo ou não. Hoje estamos começando, e viver é considerar cada segundo de novo. A cada dia, o seu próprio cuidado. O medo daquilo que me pode acontecer tira minha alegria de estar aqui e agora, o medo da morte tira-me a vontade de viver, o medo de perder alguém tira-me a beleza de estar com ele agora. Aliás, quando temos medo de perder alguém é porque imaginamos que as pessoas são nossas. Ninguém pode perder o que não tem e nós sabemos que ninguém é de ninguém. Cada pessoa é única e exclusivamente dela mesma. Esta é outra falsidade. Podemos perder um livro, um isqueiro, um baralho, uma bolsa, porém jamais uma pessoa. 
O sinônimo do medo de perder é a obsessão do primeiro lugar. O que é a obsessão do primeiro lugar? É colocarmos nos outros a tarefa impossível de sermos sempre os primeiros em todos os lugares e em todas as circunstâncias. Se é em casa, queremos ser o primeiro; no trabalho, queremos ser o primeiro; numa reunião, queremos ser o primeiro; no futebol, queremos ser o primeiro; num assunto específico, queremos ser o primeiro; e em outro assunto qualquer, sempre o primeiro. 
O primeiro lugar é deteriorante, ao passo que o segundo lugar é esperançoso, é reverdejante, pois quando alguém chegou ao cume da montanha, só lhe resta um caminho: começar a descer. 
No segundo lugar, ainda temos para onde ir, para onde crescer. A postura do segundo lugar nos leva ao crescimento contínuo. Por que você não se decreta no segundo lugar, mesmo quando esteja ocupando socialmente e eventualmente o primeiro lugar? O segundo lugar, não em relação ao outro, mas em relação a você mesmo, ou seja, ainda temos por onde crescer e melhorar. Você sabe por que o mar é tão grande, tão imenso, tão poderoso? É porque teve a humildade de se colocar alguns centímetros abaixo de todos os rios do mundo. Sabendo receber, tornou-se grande. Se quisesse ser o primeiro, alguns centímetros acima de todos os rios, não seria o mar, mas uma ilha. Toda a sua água iria para os outros e ele estaria isolado. 
E, além disso, a perda faz parte, a queda faz parte, a morte faz parte. É impossível vivermos satisfatoriamente se não aceitarmos a perda, a queda, o erro e a morte. Precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer. Não é possível ganhar sem saber perder, não e possível andar sem saber cair, não é possível acertar sem saber errar, não é possível viver sem saber morrer. Em outras palavras, se temos medo de cair, andar será muito doloroso; se temos medo da morte, a vida é muito ruim; se temos medo da perda, o ganho nos enche de preocupações. Esta é a figura do fracassado dentro do sucesso. Pessoas que quanto mais ganham, quanto mais melhoram na vida, mais sofrem. Para a pessoa que tem medo de ficar pobre, quanto mais dinheiro tem

Continue navegando