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Carlos Artner Terapeuta Ocupacional Na terminologia da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde e na Estrutura da Prática de Terapia Ocupacional: Domínio e Processo, Funções Cognitivas Superiores (FCS) são classificadas dentro das categorias de funções corporais e fatores do cliente que afetam a atividade e a participação na ocupação. A cognição é entendida como sendo composta de habilidades cognitivas básicas (p. ex., atenção, memória, percepção), bem como de habilidades cognitivas superiores, que também são chamadas de habilidades metacognitivas. As habilidades metacognitivas são vistas como comportamentos complexos com objetivos, incluindo tomada de decisões, execução de planos, flexibilidade mental, insight e julgamento. Processos pelos quais o estímulo sensorial é transformado, reduzido, elaborado, armazenado, recuperado e utilizado. Estímulo sensorial: toda a cognição começa com o contato com o ambiente externo. Transformação do estímulo sensorial: a representação que a pessoa tem do mundo não é necessariamente idêntica à natureza real do mundo, mas é uma reconstrução dele, ou seja, as pessoas ativamente constroem suas representações do mundo com base em sua experiência anterior. Redução: se refere às informações que podem atingir nossos receptores cognitivos, mas, por fim, são perdidas (esquecidas). Elaboração é um processo essencial, que ocorre quando acrescentamos algo ao estímulo sensorial, criando representações elaboradas do que é visto, com base nas experiências anteriores. A armazenagem e a recuperação das informações são o que normalmente chamamos de memória; a distinção entre as duas implica que a armazenagem de informações não necessariamente significa que vamos recuperá-las. o processamento das informações ocorre por meio de três estágios funcionalmente distintos: (1) memória sensório-perceptiva, (2) memória de curto prazo e (3) memória de longo prazo É a fase inicial de entrada de informações sensoriais. Embora uma variedade de fontes de informações esteja disponível no ambiente (p. ex., luz, som, odor, calor, frio), o cérebro detecta apenas energia elétrica. Receptores sensoriais fazem a transdução (mudança de uma forma de energia para outra) da energia elétrica externa para sinais que o cérebro pode responder (neurotransmissores/receptores). No processo de transdução, uma memória sensório- perceptiva é criada. As informações são codificadas quase como uma réplica exata do estímulo original (p. ex., imagens visuais fugazes ou padrões de som) e são armazenadas de acordo com a modalidade sensorial ativada (ou seja, existem locais de armazenamento separados para informações visuais, auditivas, táteis, olfativas, gustativas e proprioceptivas) Informações sensoriais e perceptivas duram de algumas centenas de milissegundos até 4 ou 5 segundos após o estímulo físico ser removido; porém, essa fase possibilita que as informações sejam retidas tempo suficiente para uma análise adicional e filtragem pelos processamentos perceptivo e de atenção. Duas fontes de informações ativadas são processadas na memória de curto prazo. Uma fonte é a das impressões que tratamos e acabamos de transferir da memória sensório-perceptiva. A outra fonte é mais complexa – memória de longo prazo. Memória primária: Ela reflete a quantidade de informações recebidas recentemente, das quais tratamos, filtrando e ignorando, ao mesmo tempo, o grande número de distrações que poderiam interferir de outra forma, e assim podemos lembrar-nos delas imediatamente. Memória de trabalho: inclui não apenas segurar as informações na mente (ou seja, dependente de processos de atenção), mas também “trabalhar em” ou processar as informações para encontrar seu significado fundamental e prepará-las para o armazenamento de longo prazo. É o componente permanente e aparentemente sem limite do sistema de processamento de informações. Ela se refere a qualquer informação que não faz mais parte da memória de curto prazo/de trabalho ou do conhecimento consciente, mas foi armazenada para uma possível recordação futura. A capacidade de lembrar-se de memórias precoces arbitrariamente demonstra a facilidade com a qual as informações podem se mover da memória de longo prazo de volta para a memória de curto prazo/de trabalho. Da mesma forma, quando as pessoas resolvem problemas ou aprendem informações novas, elas transferem conhecimento anterior relevante para a memória de trabalho, a fim de ajudá-las a resolver o problema ou entender e utilizar as informações novas. Memória explícita (o que?): envolve a lembrança consciente das informações. A memória episódica é o arquivo explícito que envolve a memória de fatos e eventos pessoalmente relevantes. A memória semântica é o arquivo explícito que constrói sobre a memória episódica: Fonológica (ou seja, conhecimento com base em linguagem) Visuoespacial (p. ex., percepção do layout espacial de nosso ambiente, percepção da posição de objetos no espaço, conhecimento geométrico, informações codificadas como imagens visuais, pensamento imaginativo) Visuoperceptiva (p. ex., reconhecimento de rostos, entendimento de comunicação não verbal, identificação de objetos). Memória implícita se refere a informações que podem ser acessadas automaticamente, inconscientemente ou sem esforço. Procedimental (como?): envolve a mistura de habilidades motoras, perceptivas e cognitivas associadas à aquisição de informações baseadas em movimento ou habilidades (andar de bicicleta, passar marcha). Sistema de representação perceptiva: Priming perceptivo: processo por meio do qual a exposição anterior a um estímulo ativa redes de associação que iniciam o processamento perceptivo tardio daquele estímulo: segurar uma bebida quente ou fria antes de uma entrevista, pode provocar uma opinião agradável ou negativa por parte do entrevistador. Priming: a exposição anterior a um estímulo torna uma memória inconscientemente mais disponível, com objetivo de facilitar a identificação perceptiva de objetos com base nas memórias anteriores. Condicionamento: essas são memórias formadas mais ou menos automaticamente através de processos de condicionamento clássico e operante. É a base do processo de informações do cérebro, que funciona em diferentes níveis. Depende do estado de alerta e vigília: Alerta: atividade fisiológica originada pelo tronco cerebral quando estamos prontos para ação e ativada pelo Sistema de Ativação Reticular Ascendente – SARA. Vigília: atenção sustentada por longos períodos durante atividade prolongada ou repetitiva. Atenção seletiva, atenção alternada, atenção dividida, atenção compartilhada, atenção espacial. Capacidades inerentes na atividade dirigida e efetiva: (1) volição – incorporando autoconsciência, iniciação e motivação; (2) planejamento – envolvendo a identificação e a organização de passos e elementos necessários para desempenhar um objetivo, que requer atenção sustentada, controle de impulso, memória razoavelmente intacta e capacidade de conceber alternativas (flexibilidade) e escolher entre opções (tomada de decisão); (3) ação voluntária – que é a autorregulação ou a tradução de uma intenção ou plano em ação e requer iniciativa, manutenção, alteração e interrupção de uma sequência de ações; (4) desempenho efetivo – que precisa da habilidade de monitorar, autocorrigir e regular intensidade, tempo e outros aspectos qualitativos do desempenho. Afasia: incapacidade de processar a linguagem falada; Afasia óptica: incapacidade para dar nome a objetos quando estes são apresentados visualmente, mas pode-se nomeá-los a partir de uma descrição; Agnosia: incapacidade de reconhecer objetos familiares, na ausência de deficiência sensorial:Aperceptiva: falha em reconhecer objetos familiares como resultado de deficiência perceptiva visual; associativa (semântica): incapacidade de integrar o objeto percebido ao conhecimento do significado e função do objeto. Agrafia: incapacidade de produzir palavras significativas escritas; Amnésia: perda de memória parcial ou completa: Anterógrada: dificuldade de se lembrar de informações novas após lesão cerebral; Retrógrada: perda de memória por um período de tempo variável antes do início da lesão cerebral; Síndrome amnésica: deterioração global na função da memória devido à lesão cerebral não degenerativa. Anomia: incapacidade de nomear objetos e rostos; Anosognomia: incapacidade de reconhecer uma parte do próprio corpo; Apraxia (dispraxia): incapacidade de fazer movimentos voluntários, mesmo com tônus e sensibilidade preservados: Ideatória: perda de conceito de movimento relacionado à objetos, mas tem capacidade de imitação preservada; Ideomotora: distúrbio na seleção tempo e organização espacial do movimento voluntário. Apraxia construtiva: dificuldade na organização de ações complexas em um espaço bi ou tridimensional (ex: barbear no sentido contrário); Confabulação: o relato de memórias que a pessoa acredita serem verdadeiras, mas são falsas; Desorientação topográfica: incapacidade de se lembrar do arranjo espacial de ambientes familiares; Estereognosia (agnosia tátil): incapacidade de reconhecer objetos pelo tato, sem a visão; Negligência visual unilateral: incapacidade de se orientar para estímulos visuais em um lado do espaço; Prosopagnosia: incapacidade de reconhecer os rostos familiares, na presença de percepção visual intacta e reconhecimento de objetos; Somatognosia: falha em perceber como as partes corporais se relacionam umas às outras, bem como posição relativa no espaço – distúrbio do esquema corporal; Síndrome da negligência: falha em se orientar, relatar ou reagir a estímulos em um lado do espaço – contralateral ao lado da lesão cerebral; Síndrome disexecutiva: comprometimento das funções executivas do cérebro que está associado à lesão no lobo frontal. Comprometimento da memória associado à idade Demência Independência nas AVD é preservada A pessoa depende de outros para desempenhar as AVD Segue instruções escritas ou faladas Progressivamente incapaz de seguir instruções Esquece, mas se lembra mais tarde Raramente lembra-se mais tarde É capaz de utilizar memorandos, listas, anotações Progressivamente incapaz de utilizar anotações Queixa-se de perda de memória Pode queixar-se de problemas de memória apenas se diretamente questionado; incapaz de lembrar-se de momentos de perda de memória Está mais preocupada com o esquecimento do que os membros próximos da família Membros da família estão muito mais preocupados com as incidências de perda de memória do que a própria pessoa A memória recente para eventos, assuntos e conversas importantes não foi prejudicada Declínio notável na memória para eventos recentes e capacidade de conversar Comprometimento da memória associado à idade Demência Tem dificuldades ocasionais em encontrar palavras Tem dificuldades frequentes de encontrar palavras e substituições Não se perde em lugares familiares; talvez tenha que fazer uma pausa momentânea para lembrar-se do caminho Fica perdido em lugares familiares, enquanto anda ou dirige; pode levar horas para voltar para casa Capaz de operar eletrodomésticos comuns (embora possa não querer aprender como operar novos) Torna-se incapaz de operar eletrodomésticos comuns; incapaz de aprender a operar até os novos mais simples Mantém nível anterior de habilidade interpessoal Demonstra perda de interesse em atividades sociais; gradualmente, mostra sinais de comportamentos não apropriados socialmente Desempenho normal nos testes de estado mental (quando o nível escolar e a cultura são considerados) Desempenho anormal nos testes de estado mental, não contabilizando os fatores educacionais ou culturais Estágio 1: entrevista inicial Estágio 2: rastreio cognitivo e/ou testes de status inicia Estágio 3: medidas gerais de cognição e função executiva em ocupação Entrevista para Déficits de Autoconsciência; Histórico ocupacional resumido e Questionário ocupacional; Atividade de Classificação de Cartões; Medida Canadense de Desempenho Ocupacional Miniexame do Estado Mental; Avaliação Cognitiva Montreal; Escala Reduzida de Blessed; Testes do Desenho do Relógio; Avaliação Cognitiva de Terapia Ocupacional Loewenstein. Inventário de Tarefas Rotineiras; Teste de Desempenho Cognitivo; Escala de Processo e Avaliação Motora; Teste de Desempenho da Função Executiva; Teste da Chaleira; Observação de Tarefas de Atividades Cotidianas. Estágio 4: testes cognitivos para domínios específicos Estágio 5: medidas de domínios cognitivos específicos em ocupações Estágio 6: avaliações de ambiente Teste Comportamental de Inatenção; Teste de Atenção no Cotidiano; Teste de Memória Comportamental de Rivermead; Avaliação Comportamental da Síndrome Disexecutiva; Teste de Memória Contextual. Heminegligência nas atividades de vida diária ou Escala de Catherine; Questionário de Atenção; Questionário de Memória Cotidiana; Teste de Múltiplas Tarefas; Perfil do Sistema de Controle Executivo; Inventário para Avaliação Comportamental das Funções Executivas; Escala de Avaliação de Competências de Prigatano; Avaliação da Consciência dos Déficits; Entrevista de Habilidades de Autorregulação. Avaliação Ocupacional do Ambiente Doméstico; Avaliação de Segurança nas Funções e no Ambiente para Reabilitação; Protocolo de Avaliação do Ambiente Doméstico. As intervenções da terapia ocupacional vislumbram melhorar a participação de pessoas com incapacidades cognitivas. Esses modelos podem ser classificados em abordagens cognitivas compensatórias e ambientais funcionais. As abordagens cognitivas compensatórias para pessoas com incapacidades cognitivas focam na aquisição de estratégias de processamento, tais como a abordagem de tratamento em multicontexto, intervenção cognitiva dinâmica e orientação cognitiva para desempenho ocupacional diário. Esses modelos de intervenção ensinam aos clientes estratégias de processamento nas quais eles utilizam seus recursos para alcançar o desempenho ocupacional bem-sucedido. As abordagens funcionais e ambientais exigem que a pessoa aprenda atividades funcionais específicas. Elas dependem de o cliente ser capaz de responder a uma tarefa e/ou ambiente modificado para reduzir o impacto dos déficits cognitivos e possibilitar a participação ideal na ocupação significativa. A abordagem neurofuncional é uma abordagem funcional de treinamento de tarefas que utiliza técnicas comportamentais, como aprendizagem sem erros e reforço positivo, os quais maximizam os processos de memória procedimental. O tratamento envolve o treinamento de um cliente para desempenhar determinadas atividades diárias em seu contexto natural. O treinamento neurofuncional é adequado principalmente para clientes com incapacidades cognitivas moderadas ou graves e é baseado na teoria de que um melhor desempenho nas atividades designadas apresenta um grande potencial para melhorar a qualidade de vida do cliente ou do cuidador de maneira significativa. A tecnologia assistiva, como calendário e lembrete de horário, é utilizada nessa abordagem. A abordagem de adaptação da tarefa/ambiente e orientação do cuidador utiliza a modificação de atividades e/ou fatores ambientais externos ao cliente. Essa abordagem é adequada para todos os clientes que estejam enfrentando o risco de participação reduzida ou preocupação com segurança como resultado de déficits cognitivos. O tratamento envolve modificar tarefas/parâmetros ambientais para que eles sejam compatíveis com o nível cognitivo do cliente (p. ex., reduzir as demandas de atenção, fornecendo um ambiente de atividade estruturada, modificando as expectativas de desempenho). Planejamento da tarefa: melhorar a capacidade de formular e organizar os passos necessários para desempenhar uma tarefa na sequência apropriada Desempenho da tarefa: melhorar a iniciativa e a capacidade de desempenhar a tarefa de acordo com o que foi planejado Gerenciamento de tempo: modificar o comportamento de acordo com os limites de tempo Estimativa de tempo: melhorar a capacidade de estimar o tempo, especialmente ao desempenhar uma tarefa Monitoramento de desempenho: melhorar a capacidade de julgar o desempenho, identificar erros e se autorregular Estratégias metacognitivas: usar estratégias verbais de autodirecionamento e autorregulação para melhorar comprometimentos em planejamento, resolução de problemas e impulsividade. KATZ, N. Neuroociência, reabilitação cognitiva e modelos de intervenção em Terapia Ocupacional. Santos Editora, Terceira Edição, 2014. MASKILL, L; TEMPEST, S. Neuropsychology for occupational therapists: cognition in occupational performance. Wiley Blackwell, Fourth edition, 2018.