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32 5 ASPECTOS CLÍNICOS DA ACIDOSE RUMENAL A acidose rumenal pode ser dividida em aguda (lática) ou subaguda de acordo com o pH rumenal. O pH do conteúdo de rúmen sadio varia de 5,5 a 7,0. Valores em torno de 5,5 indicam acidose subaguda e valores menores que 5,2 indicam acidose aguda (DIRKSEN, 1993; GARRET et al., 1999). Além do pH, os principais agentes acidificantes, a natureza do comprometimento sistêmico e a evolução do quadro também caracterizam as diferentes formas da acidose (OWENS et al., 1998; KRAUSE & OETZEL, 2006). Sinais clínicos, medidas diagnósticas, de tratamento e controle também diferem entre as duas formas (RADOSTITS et al., 2007). 5.1 Acidose lática rumenal aguda Essa forma da doença é causada pelo consumo de grandes quantidades de carboidratos rapidamente fermentáveis. Acompanhada da acidose rumenal ocorrem intensa acidose metabólica e desidratação. As circunstâncias da ocorrência variam desde fornecimento de quantidades exageradas de concentrado por funcionários inexperientes até acesso acidental pelos animais a depósitos de grãos (RADOSTITS et al., 2007; ORTOLANI et al., 2010; OWENS, 2011). Os sinais clínicos são decorrentes da intensa desidratação, acidose metabólica e acúmulo de liquido no rúmen. São observadas anorexia, desidratação de moderada a grave, taquicardia, taquipnéia, depressão do estado mental com ataxia ou mesmo decúbito. Podem ser observados também hipomotilidade ou atonia rumenal, distensão rumenal com líquido e diarréia profusa (Figura 6). Casos superagudos também podem cursar com redução de temperatura corporal (RADOSTITS et al., 2007; DANSCHER et al., 2009; ORTOLANI et al., 2010). O quadro tem evolução rápida e se não tratado, o animal 33 pode morrer em questão de horas. Se o animal sobrevive a um episódio de acidose aguda pode sofrer de futuras complicações como rumenite, paraqueratose e abscessos hepáticos, endotoxemia, laminite e polioencefalomalácia (CEBRA & CEBRA, 2004; THOEFNER et al., 2004; NAGARAJA, 2011b). FIGURA 6 – Animal com acidose lática rumenal aguda mostrando distensão abdominal e sinais de diarréia Amanda Cosme Malta 34 5.2 Acidose rumenal subaguda Essa forma da doença é causada pelo consumo diário de dietas ricas em concentrado em que o pH se torna muito ácido por algumas horas, porém, os mecanismos de tamponamento rumenal fazem com que o pH retorne a níveis não perigosos. O pH rumenal característico da acidose subaguda é em torno de 5,5. Essas pequenas quedas diárias do pH causam efeitos a longo prazo na saúde do animal (KRAUSE & OETZEL, 2006). Acidose subaguda não possui sinais clínicos muito evidentes e é melhor caracterizada por suas complicações e quedas de desempenho produtivo (ENEMARK, 2009). Vem acompanhada de alta incidência de laminite subclínica e suas complicações (úlcera de sola, úlcera de pinça, doença da linha branca) (BERGSTEN, 2003), episódios esporádicos de inapetência, diarréia ou redução na consistência das fezes, redução de condição corporal, menor desempenho produtivo (produção de leite ou ganho em peso) e, em gado leiteiro, redução nos teores de gordura no leite (KLEEN et al., 2003; PLAIZIER et al., 2009). Outro sinal que pode ser observado na acidose subaguda é a geofagia, especialmente quando estiver associada à deficiência de fibras na dieta. Esse comportamento anormal pode ocorrer tanto em bovinos de corte confinado quanto em bovinos leiteiros. Acredita-se que seja uma tentativa do animal de compensar a falta de fibras na dieta e elevar o pH rumenal tamponando o conteúdo com a terra ingerida. Outra causa comumente associada à geofagia é a deficiência de sódio. Porém, caso o animal com dieta rica em concentrado e pobre em fibra também receba suplementação mineral adequada, a causa mais provável para o eventual comportamento de geofagia seria mesmo a acidose rumenal (HERLIN & ANDERSSON, 1996; BEAUCHEMIN & YANG, 2003; MALAFAIA et al., 2011). 35 5.3 Diagnóstico O diagnóstico envolve anamnese, exame clínico dos animais acometidos e análise de conteúdo rumenal (AFONSO & MENDONÇA, 2007; RADOSTITS et al., 2007). 5.3.1 Diagnóstico clínico Na anamnese deve-se questionar principalmente sobre o manejo alimentar, proporção volumoso/concentrado, composição da dieta, manejo da alimentação, possíveis falhas na escala de alimentação e mudanças recentes na dieta. Facilidade de acessos a depósitos de grãos e concentrado também deve ser investigada. Deve-se inspecionar o rebanho, pois podem ser observados animais em diferentes fases de evolução da acidose com alguns apresentando sinais agudos como diarréia e distensão abdominal e outros apenas anorexia. Na avaliação do indivíduo deve ser realizado exame físico completo com aferição de frequência cardíaca, respiratória, avaliação de estado mental, auscultação rumenal, avaliação da consistência rumenal, inspeção do contorno abdominal e aferição de temperatura corporal (AFONSO & MENDONÇA, 2007; RADOSTITS et al., 2007; OWENS, 2011). 5.3.2 Diagnóstico laboratorial O exame de conteúdo rumenal é uma ferramenta essencial no diagnóstico da acidose rumenal. As principais provas empregadas nessa Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta 36 avaliação são as características organolépticas, pH, prova de redução do azul de metileno, tempo de sedimentação e flotação e avaliação microscópica dos protozoários. As amostras podem ser colhidas por sonda ororrumenal, ou por rumenocentese (MENDONÇA & AFONSO, 2007; ENEMARK, 2009). O fluido colhido apresenta coloração cinza-leitosa, odor ácido e consistência aquosa. Valores de pH em torno de 5,5 são indicativos de acidose subaguda enquanto pH em torno de 5,0 ou menos, indica acidose aguda. Deve-se levar em consideração o método de colheita. A amostra colhida por sonda pode estar contaminada com saliva, que é alcalina, e aumentar seu valor de pH confundindo a avaliação (GARRET et al., 1999; OWENS, 2011). Para minimizar esse erro é necessário descartar os primeiros 200 ml de conteúdo rumenal (DIRKSEN, 1993). Na prova de redução do azul de metileno é avaliado o metabolismo fermentativo da microbiota. Na acidose pode ser observado um tempo de redução diminuído, menos de um minuto indicando microbiota muito ativa, geralmente no início do quadro, ou tempo aumentado, mais de 15 minutos, já indicando um caso prolongado com morte de grande parte da microbiota. Na prova de sedimentação e flotação a sedimentação ocorre muito rápida e flotação ausente, indicando um fluido rumenal inativo. Na avaliação microscópica dos protozoários observa-se redução, em graus variados, da densidade, viabilidade e motilidade, além de redução ou ausência de protozoários grandes e médios, indicando um ambiente rumenal desfavorável (STEEN, 2001; MENDONÇA & AFONSO, 2007). No hemograma podem ser observados aumentos no hematócrito e proteínas plasmáticas refletindo a desidratação que ocorre na acidose. Na bioquímica sérica podem ser observadas redução de pH sanguíneo, bicarbonato e hipocalcemia. Na urinálise pode ser observado pH ácido (RADOSTITS et al., 2007; MARUTA et al., 2008; ORTOLANI et al., 2010). Amanda Cosme Malta 37 5.3.3 Exame post mortem Em casos agudos o conteúdo rumenal pode apresentar coloração amarelada, de consistência pastosa e odor ácido. O pH do conteúdo só tem valor diagnóstico pouco tempo após o óbito, apresentando valor baixo (< 5,0), pois o mesmo tende a aumentar com o passar do tempo. A lesão mais característica é rumenite que é observada como manchas azuladas no saco ventral. O epitélio pode se destacar facilmente em algumas áreas revelando uma superfície escura e hemorrágica (Figura 7). Nas áreas afetadas a parede pode estar três a quatro vezes mais espessa que o normal com uma superfície mucosa preta se elevando sobre áreas adjacentes normais (RADOSTITS et al., 2007). FIGURA 7 – Mucosa rumenal de animal com acidose rumenal. Observa-se grande quantidade de grãos de milho, congestão e edema da mucosa Fonte: SILVEIRA et al. (2000) 38 Em quadros menos agudos podem ser observadas áreas de retração cicatricial sugerindo lesão prévia de acidose lática ou subaguda (VECHIATO, 2009). Microscopicamente, as papilas podem estar alongadas. Há acentuada vacuolização citoplasmática nas células epiteliais. Podem ser observados também infiltrado neutrofílico na mucosa e submucosa e áreas focais de erosão e ulceração (BROWN et al., 2007). Além de rumenite, é comum a presença de abscessos hepáticos. Esses podem ser internalizados ou superficiais, sendo facilmente identificados. São comumente encontrados de dois a dez abscessos, mas números maiores são possíveis. O tamanho e localização dos abscessos no órgão variam. Maiores abscessos são mais observados em animais confinados por longos períodos (NAGARAJA & LECHTENBERG, 2007b; VECHIATO, 2009). 5.3.4 Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial inclui doenças com um ou mais sinais clínicos semelhantes aos tipicamente associados à acidose rumenal. Os principais pontos que diferem a acidose rumenal de outras doenças é o baixo pH rumenal e o conteúdo rumenal predominantemente líquido. Indigestão simples pode cursar com hipomotilidade rumenal, distensão e desconforto abdominal, porém, se diferencia da acidose por não apresentar a mesma alteração no pH rumenal. Diversas doenças, especialmente aquelas que também cursam com endotoxemia como mastite, metrite e peritonite também podem cursar com anorexia, apatia e hipomotilidade rumenal, porém ao exame físico e análise do conteúdo é possível distinguir de casos de acidose rumenal. Doenças do período periparto como deslocamento de abomaso e cetose também podem causar anorexia e redução na produção de leite. Da mesma maneira que na endotoxemia, os achados do exame físico e análise de conteúdo rumenal permitirão diferenciar essas doenças de casos de acidose rumenal (COCKCROFT & JACKSON, 2004; SMITH, 2005; LeBLANC, 2010). Amanda Cosme Malta 39 5.4 Tratamento O tratamento da acidose lática rumenal envolve a correção da acidose no rúmem e a metabólica, mediante reposição de fluidos e eletrólitos e restauração da motilidade rumenal e intestinal. O tratamento varia desde o conservativo, com administração oral de antiácidos e fornecimento de feno até rumenotomia, lavagem rumenal e reposição hidroeletrolítica intravenosa. A gravidade dos achados no exame clínico indicará a necessidade de um ou de outro tratamento. Fatores econômicos também devem ser levados em consideração na escolha do tratamento (RADOSTITS et al., 2007). A correção da acidose rumenal pode ser conseguida com a administração oral de agentes alcalinizantes como bicarbonato de sódio ou hidróxido de magnésio na dose de 1g/kg de peso vivo. O produto deve ser diluído em aproximadamente dez litros de água morna e administrado por sonda ororruminal (AFONSO & MENDONÇA, 2007; KERSTING et al., 2009). Outra maneira de se corrigir a acidose rumenal é por meio de lavagem. Passa-se uma sonda de grosso calibre (25-28cm) até o rúmen. É adicionada água morna até se observar distensão abdominal esquerda quando então a sonda é posicionada em nível inferior ao rúmen e é permitido o esvaziamento de conteúdo por gravidade. O procedimento é repetido de dez a 15 vezes quando o rúmen será quase inteiramente lavado (RADOSTITS et al., 2007). Casos severos podem requerer intervenção cirúrgica. É realizada rumenotomia, lavagem rumenal com retirada do conteúdo acidótico e reposição com pequena quantidade de feno de boa qualidade e dez a 20 litros de conteúdo rumenal de animal sadio. Rumenotomia é indicada em casos graves onde comumente se observam pH rumenal de 5,0 ou menor, frequência cardíaca acima de 100 batimentos por minuto, hipotermia, desidratação acima de 8%, distensão abdominal proeminente, depressão do estado mental e decúbito (RADOSTITS et al., 2007; FUBINI & DIVERS, 2008). A reposição de fluidos deve ser feita de acordo com a estimativa de desidratação. A correção da acidose metabólica se dá por terapia intravenosa e a indicação do tipo de fluido depende da gravidade da acidose metabólica e do grau Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta 40 de hipovolemia (CONSTABLE, 2003). A solução mais comumente empregada na correção de acidose metabólica grave é a de bicarbonato de sódio. A administração de bicarbonato, além da necessária para correção da acidose, pode provocar quadro de alcalose metabólica iatrogênica. O emprego de tampões metabolizáveis como soluções contendo acetato, propionato ou lactato também podem corrigir a acidose metabólica. Esses compostos são metabolizados predominantemente em bicarbonato para então exercer seu efeito tamponante. Apresentam como vantagem o fato de não serem metabolizados a ponto de causar alcalose metabólica (NAYLOR & FORSYTH, 1986; LEAL et al., 2007a). Com relação à solução de lactato, quando composta predominantemente por L-lactato apresenta o dobro da capacidade alcalinizante em relação à forma racêmica (D e L-lactato em iguais proporções) (CONSTABLE, 2003). A solução de L-lactato, em diferentes concentrações, vem se mostrando tão eficaz quanto o bicarbonato no tratamento de acidose lática rumenal induzida em ruminantes, com a vantagem de não oferecer risco de causar alcalose iatrogênica (LEAL et al., 2007b; FLAIBAN et al., 2010). Outra opção no tratamento da acidose metabólica em bovinos com acidose lática rumenal é o emprego de solução salina hipertônica. Além de promover um aumento de fluidos no volume plasmático, reduzindo o volume globular, proporciona maior excreção de volume urinário, favorecendo a excreção de íons H+ auxiliando dessa maneira na correção da acidose metabólica (RODRIGUES, 2009). Outras medidas de terapia clínica incluem o uso de antiinflamatórios não-esteroidais para tratamento de endotoxemia e anti-histamínicos para evitar o aparecimento de laminite aguda. Animais com acidose rumenal podem apresentar graus variados de hipocalcemia, o que contribui para a atonia rumenal. Borogluconato de cálcio pode ser utilizado para auxiliar na restauração da motilidade rumenal (STEINER, 2003; RADOSTITS et al., 2007). Acidose rumenal subaguda não possui sinais clínicos próprios muito claros, sendo melhor evidenciada pelas consequências que acarreta a longo prazo na saúde e produtividade do animal. Não é, portanto, alvo de tratamento clínico específico. Doenças secundárias como laminite ou outras doenças metabólicas relacionadas recebem tratamento específico à medida que surgirem. O controle da acidose Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta 41 subaguda é feito por medidas de manejo que envolvem todo o rebanho (KLEEN et al., 2003; ENEMARK, 2009). 5.5 Controle e prevenção O controle da acidose rumenal subaguda também serve como medida preventiva para acidose aguda. Em termos simples, esse controle consiste em estabelecer o equilíbrio entre produção e absorção/neutralização de ácidos no rúmen. Isso envolve promover o tamponamento rumenal, intervir na taxa de fermentação rumenal, adaptação adequada a dietas com maiores teores de concentrado e evitar a ingestão de quantidades excessivas de concentrado. (KRAUSE & OETZEL, 2006; OWENS, 2011) Durante a ruminação há produção de grande quantidade de saliva que posteriormente é deglutida e adicionada ao conteúdo rumenal. O tempo de ruminação é relacionado diretamente ao teor de fibras na dieta. A grande concentração de tampões endógenos como bicarbonatos e fosfatos torna a saliva um dos principais mecanismos de manutenção do pH rumenal. Além disso, o volumoso realiza um estímulo mecânico na mucosa rumenal que promove o desenvolvimento das papilas rumenais, melhorando a taxa de absorção de ácidos graxos voláteis. Deve-se, portanto, adequar um teor de fibras na dieta que equilibre a saúde rumenal e que interfira o mínimo possível no aporte de nutrientes e produtividade do animal (STONE, 2004; NAGARAJA, 2011a). Além do teor de fibras, as características físicas das fibras são essenciais na estimulação da ruminação. Fibras muito curtas (silagem finamente cortada) estimulam pouco a ruminação, sendo pouco efetivas no controle do pH rumenal. De modo a melhorar o emprego das fibras na nutrição dos bovinos, criou-se o conceito de fibra em detergente neutro efetiva (FDNe) que mede a habilidade do alimento de substituir forragem de modo a manter a produção de leite. Uma maneira prática de avaliar a capacidade tamponante da fibra é medindo a distribuição das fibras, em relação ao seu comprimento, em pequenas médias e grandes, por meio de conjunto específico de peneiras. Valores de Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta 42 referência para os principais alimentos utilizados (silagem de milho, feno, mistura total) são utilizados para ajustar o tamanho das partículas aumentando a eficiência da fibra dietética (KRAUSE & OETZEL, 2006; YANG & BEAUCHEMIN, 2009). Os componentes da dieta (volumoso e concentrado) podem ser fornecidos separadamente ou misturados. O fornecimento separado visa maximizar a ingestão de concentrado e, portanto, a produção. Porém, exige manejo de cocho muito cuidadoso, pois aumenta o risco de acidose. O alimento misturado é denominado mistura total. Permite um melhor consumo de fibras e é considerado mais seguro do ponto de vista nutricional. Volumoso e concentrado são misturados em máquinas e então fornecidos no cocho. Alguns animais, porém, conseguem separar o volumoso do concentrado na mistura, comendo mais o último e aumentando o risco de acidose. Partículas muito grandes, apesar de teoricamente favorecerem a ruminação, são mais facilmente separadas pelos animais e seu consumo preterido em relação ao concentrado. Deve-se encontrar um equilíbrio entre o tamanho da fibra, não muito curta a ponto de não estimular suficientemente a ruminação nem muito longa a ponto de ser facilmente separada do concentrado (KRAUSE & OETZEL, 2006; ZEBELI et al., 2010). Antibióticos como os ionóforos vem sendo utilizados há muito tempo na indústria como medida de controle da acidose, principalmente nos grandes confinamentos de engorda. (NAGARAJA & LECHTENBERG, 2007a). Ionóforos atuam sobre bactérias produtoras de lactato, como S.bovis e Lactobacillus spp., reduzindo dessa maneira a produção e o risco de acúmulo do ácido. A suplementação com esses produtos também reduz um pouco a ingestão de alimento e evita o consumo excessivo. Os ionóforos mais comumente utilizados são monensina, lasalocida e salinomicina. Outros antibióticos como tilosina e virginiamicina também possuem efeito inibitório sobre as bactérias Gram positivas produtoras de lactato no rúmen e podem ter efeito positivo no controle do pH rumenal (NAGARAJA, 2011a). Outra opção de aditivo na prevenção da acidose são os tampões. Esses compostos são amplamente empregados nos sistemas de alta produção leiteira (GOFF, 2006). Os tampões não corrigem completamente o pH rumenal, mas auxiliam no seu controle. O mais comumente empregado é o bicarbonato de 43 sódio. Outros compostos são o carbonato de cálcio, óxido de magnésio e silicato de alumínio (bentonita). Bicarbonato pode melhorar a ingestão de alimento, produção de leite e teor de gordura no leite. Os mesmos resultados não são tão evidentes em gado de corte confinado (KRAUSE & OETZEL, 2006; OWENS 2011). A manipulação direta da microbiota rumenal é outra opção de controle da fermentação. O objetivo é interferir na dinâmica de produtores/utilizadores de ácido lático. Podem ser adicionados grupos de bactérias produtoras de ácido lático como Enterococcus faecium, lactobacillus plantarum e a levedura Saccharomyces cerevisiae. Indiretamente elas estimulariam o desenvolvimento das bactérias lactolíticas, dificultando seu acúmulo. Por outro lado, podem ser adicionadas diretamente bactérias lactolíticas como M. eldesnii ou S. ruminantium, ou ainda substratos que estimulem seu desenvolvimento como os ácidos dicarboxílicos fumarato e malato. Deve-se ressaltar, porém, que a acidose subaguda, não é necessariamente causada pelo acúmulo de lactato, mas sim de ácidos graxos voláteis, portanto a eficácia desse tipo de suplementação é questionável (ENEMARK, 2009; OWENS, 2011). Recentemente foi testado o emprego de anticorpos policlonais na dieta contra S.bovis, Lactobacillus spp. e F. necrophorum. Foi observada redução no número e severidade de abscessos hepáticos (SARTI, 2010). Independente dos teores de concentrado ou uso de aditivos na dieta, a adaptação gradual da dieta e o manejo adequado da alimentação ainda são essenciais no controle e prevenção da acidose rumenal. Em bovinos leiteiros, os períodos críticos são logo após o parto, na transição da dieta de período seco (rica em volumoso) para a dieta de lactação (rica em concentrado) e no pico de lactação quando o consumo de matéria seca é máximo (KLEEN et al., 2003). Nos bovinos de corte, o período crítico é na entrada dos animais no confinamento quando são introduzidos, nem sempre de maneira gradativa, a dietas riquíssimas em concentrado, às vezes com mais de 90% na matéria seca. A escala de alimentação deve ser seguida rigorosamente evitando longos intervalos de jejum e avaliando constantemente o consumo dos animais (NAGARAJA, 2011a). 44 6 ACIDOSE RUMENAL E SUA REALAÇÃO COM DOENÇAS DIGITAIS Doenças digitais exercem grande impacto importante na saúde, bem- -estar, produtividade e vida útil dos bovinos dentro do sistema de produção. Observa-se uma interação de fatores ambientais, microbianos e metabólicos (GREENOUGH, 2007). A intensificação dos sistemas de produção, especialmente no que se refere a dietas ricas em concentrado vem acompanhada de desequilíbrios digestivos e metabólicos com comprometimento nos dígitos (GOFF, 2006). Esse quadro leva ao desenvolvimento de uma doença denominada laminite, na qual ocorre inflamação dos diversos segmentos do cório digital. Há comprometimento da qualidade de tecido córneo digital e perda da estabilidade mecânica da terceira falange dentro do estojo córneo. A interação desses dois fatores produz diversas lesões como úlcera de sola, úlcera de pinça, doença da linha branca e irregularidades, fissuras e deformações do estojo córneo (MULLING & GREENOUGH, 2006). O animal portador de laminite apresenta dor, claudicação, reduz a ingestão de alimento, diminuindo sua capacidade produtiva e vida útil e trazendo diversos prejuízos aos criadores (SOUZA et al., 2006). A compreensão da laminite exige que o entendimento de sua relação com o distúrbio digestivo/metabólico que a precede, a acidose rumenal em suas diversas formas. Os principais fatores decorrentes da acidose considerados causadores da laminite são a endotoxemia e a histamina (GREENOUGH, 2007). A endotoxemia é considerado um elemento importante no desenvolvimento da laminite, tanto aguda quanto subclínica (BERGSTEN, 2003; DANSCHER et al., 2009). Sob influência das endotoxinas diversas citocinas e quimiocinas são produzidas nas células do cório digital. Secundáriamente a essa ativação ocorrem alterações vasculares e enzimáticas importantíssimas no desenvolvimento de laminite (BELKNAP et al., 2007; MILLS et al., 2009). As alterações vasculares incluem formação de trombos, vasoconstrição e lesão endotelial e aumento de pressão capilar e resistência pós-capilar e permeabilidade na microvasculatura digital. O resultado são áreas de isquemia e necrose da derme e epiderme digital, extravasamento de líquido e aumento de Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta 45 pressão no interior do estojo córneo (CHRISTMANN et al., 2002; GREENOUGH, 2007). Além de alterações vasculares, neutrófilos e células locais liberam enzimas degradadoras de colágeno, metaloproteinases de matriz. A atuação das enzimas leva a degradação das fibras do aparato suspensório e perda da estabilidade mecânica da terceira falange no interior do dígito (HENDRY et al., 2003; LOFTUS et al., 2009). Um dos fatores que primeiro recebeu atenção nos estudos sobre laminite foi a histamina. Essa é produzida no rúmen pela descarboxilação da histidina. Esse processo ocorreria especialmente em dietas ricas em proteínas. A ativação da enzima responsável pela reação (descarboxilase) ocorreria em pH rumenal ácido. A produção de histamina, uma base, seria uma tentativa de aumentar o pH rumenal (NAGARAJA & TITGEMEYER, 2007). Quantidades consideráveis de histamina seriam absorvidas e causariam alterações hemodinâmicas na vasculatura digital, causando diretamente ou favorecendo o surgimento de laminite (GREENOUGH, 2007). Associada a lipopolissacarídeos e histamina, a deficiência de biotina também parece associar a acidose rumenal à laminite. Biotina é uma vitamina do complexo B presente em vegetais e também sintetizada pela microbiota rumenal. Essa vitamina atua no metabolismo de carboidratos, lipídeos e vitaminas. Biotina é um fator importante na proliferação e crescimento de queratinócitos e sua deficiência prejudica a qualidade do tecido córneo digital tornando-o propenso a desgaste excessivo e deformações. Deficiência de biotina pode ocorrer em função de acidose rumenal. Acredita-se que ocorra destruição de microbiota produtora de biotina, destruição de biotina em função do baixo pH ou as duas coisas levando em conjunto à deficiência dessa vitamina (BERGSTEN et al., 2003; SANTSCHI et al., 2005). Reforçando esta ideia, a suplementação de biotina na dieta melhora a qualidade do tecido córneo e consequentemente a saúde dos dígitos (BERGSTEN et al., 2003; SILVA et al., 2010). Uma das principais maneiras de se estudar os mecanismos fisiopatológicos da laminite é a indução do quadro. A associação tradicionalmente estabelecida entre laminite e acidose faz com que a indução desta última seja a maneira mais utilizada para induzir laminite. Apesar disso, os resultados vêm se mostrando inconsistentes ao longo do tempo. Diferentes teores de concentrado, 46 diferentes regimes de alimentação e a adição de outros compostos como endotoxinas ou histamina foram testados desde então. Os eventuais protocolos bem sucedidos falharam ao serem repetidos. Dessa maneira, a falta de um protocolo confiável prejudicou os estudos sobre laminite bovina (BERGSTEN, 2003; THOEFNER et al., 2004), situação contrária à que ocorre na espécie equina, onde existem diversos protocolos validados que facilitam os estudos (EADES, 2010). Na última década, um dos protocolos empregados em equinos, administração oral de oligofrutose, vem obtendo sucesso na indução de laminite aguda em bovinos. A oligofrutose causa um quadro de acidose rumenal aguda seguida de laminite aguda (THOEFNER et al., 2004; DANSCHER et al., 2009). Nos bovinos, a forma mais comum de laminite é a subclínica, melhor caracterizada pelas suas consequências como úlcera de sola e úlcera de pinça. Sua maior importância reside não apenas na sua maior incidência, mas na dificuldade de diagnóstico. As lesões podem levar semanas após seu desenvolvimento para serem notadas na superfície do casco. Portanto, o estudo de laminite subclínica pela sua indução seria uma boa alternativa para melhor compreensão do quadro. Paralelamente às formas agudas das doenças, laminite subclínica é associada à acidose subaguda (GREENOUGH, 2007). Foram desenvolvidos protocolos específicos para indução de acidose subaguda (KRAUSE & OETZEL, 2005; NAGARAJA & TITGEMEYER, 2007), que teoricamente poderiam servir de base para o estudo de laminite subclínica. Porém, há ainda muito a ser definido sobre essa forma de laminite antes que possa ser induzida de maneira proveitosa. Autores renomados no estudo de enfermidades digitais divergem quanto à nomenclatura e o que caracteriza ou não laminite subclínica (KNOTT et al., 2007; VERMUNT, 2007). Sem essa padronização de conceitos e critérios fica difícil avaliar os resultados de maneira confiável. Enquanto não se chega a um consenso nesse ponto, os estudos sobre laminite bovina prosseguem envolvendo a indução de quadros agudos, estudos in vitro com cultivo de tecidos e estudos de campo associando lesões a diferentes aspectos epidemiológicos (MULLING et al., 2004; NORDLUND et al., 2004; DANSCHER et al., 2009). 47 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A demanda crescente por alimentos e os mercados cada vez mais competitivos fazem com que as cadeias produtivas de corte e leite busquem elevados padrões de eficiência em suas atividades. Grande parte dessa eficiência é atingida aumentando a produtividade por animal. Esse nível de produtividade esperado geralmente envolve a ingestão de dieta rica em concentrado, que contém grande quantidade de carboidratos rapidamente fermentáveis como o amido. Porém, esse tipo de dieta contraria a fisiologia nutricional do bovino, que é adaptada para a fermentação lenta de carboidrato estrutural presente no material vegetal fibroso. O distúrbio que caracteriza esse desequilíbrio nutricional é a acidose rumenal. Está presente em maior ou menor grau em todo criatório de bovinos de alta produtividade que utilize concentrado para alimentar seus animais. Apesar da alta produtividade existe o reflexo negativo na saúde do animal. O equilíbrio entre alto desempenho e saúde do animal é uma necessidade, seja por razões econômicas, seja pelo bem-estar animal. Esse equilíbrio, porém, pode ser algo difícil de atingir, especialmente nos sistemas de alta produção. A única medida absolutamente eficaz no controle da acidose é retirar ou reduzir a pequenas quantidades o concentrado da dieta. Porém, essa é uma solução economicamente pouco viável, pois reduz o desempenho produtivo do animal. Já que soluções extremas não são viáveis, as alternativas intermediárias empregadas no controle da acidose rumenal envolvem basicamente a seleção e processamento dos ingredientes da dieta, a manipulação da fermentação rumenal e o manejo alimentar. Os resultados são variados, geralmente amenizam, mas não acabam com o problema. Mesmo com os avanços na compreensão dos efeitos da acidose rumenal na saúde dos bovinos, a ciência não tem conseguido propor soluções efetivas para corrigir o problema. Por outro lado, o aumento na produtividade média dos animais vem sendo atingido, entre outras formas, pelo uso cada vez mais difundido e intensificado do concentrado na alimentação do animal. Portanto, as propostas apresentadas para controle da acidose trazem alguma melhora, mas Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta Amanda Cosme Malta 48 ainda não se encontrou uma solução ideal que resolva o problema e seja ao mesmo tempo economicamente viável.
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