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CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Território, Cultura e Representação A tradição da abordagem cultural na Geografia: diferentes escolas, perspectivas teóricas e conceituais Aula 1 Profa. Marcia Alves Soares da Silva CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 2 Conversa inicial Olá, turma! Nesta primeira aula da disciplina de Território, Cultura e Representação vamos destacar a importância desses assuntos na construção da Ciência Geográfica ao longo dos anos. Por isso, nosso objetivo inicial é realizar uma reflexão histórica da tradição desses conceitos, especialmente dentro da abordagem cultural e humanista na Geografia, bem como suas diferentes escolas, perspectivas teóricas e conceituais. Além disso, abordaremos alguns conceitos básicos da Geografia, de relevância para a abordagem cultural na Geografia, como cultura e natureza, paisagem, lugar, território, representação. Acesse o material on-line e assista ao vídeo introdutório sobre essa disciplina com a professora Marcia. Contextualizando Você já imaginou como a cultura pode ser trabalhada na Geografia? Já pensou que este tema tem uma relevância espacial? Imagine uma festa típica de sua cidade, que tenha relação com alguma religião, tradição, crença, como a Festa de São João, a do Divino Espírito Santo, Festa do Boi de Mamão. Essas festas, de importante contribuição histórica, cultural e identitária, possuem uma espacialidade, isto é, essas práticas ocorrem e só fazem sentido em determinados espaços. Estes e outros temas são de interesse da Geografia Cultural e Humanista, como as festas, as religiosidades, as práticas culturais, os saberes tradicionais, a relação com o espaço urbano, o modo de vida tradicional nas áreas rurais, o saber-fazer, a memória, identidade, tradições, as experiências e vivências no espaço geográfico. Para que tais temas fossem discutidos na Geografia, alguns caminhos teóricos e conceituais precisaram ser percorridos e veremos na aula de hoje de que maneira isso ocorreu. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 3 Para conhecer pesquisas da Geografia Cultural e Humanista, acesse o site da Revista Espaço & Cultura, do departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura Para saber o que mais a professora Marcia tem a dizer sobre o assunto, assista ao vídeo que está disponível no material on-line! Os caminhos da Geografia: dos gregos à ciência moderna Para compreender a evolução do pensamento geográfico até as principais correntes de pensamentos atuais, como a Geografia Cultural e Humanista, é necessário resgatar na história o avanço desta ciência. A Geografia tem suas bases nas inquietações dos filósofos gregos, que começaram a indagar sobre a Terra e lançaram as primeiras bases para a ciência geográfica. A partir dessas primeiras indagações e do avanço da ciência no geral, especialmente com a influência do Positivismo, a Geografia torna-se ciência (Geografia Moderna), com a contribuição de vários teóricos, que se debruçaram sobre diferentes temas de interesse, como a astronomia, as paisagens, as regiões, a cartografia. Com o passar do tempo, algumas escolas geográficas se destacaram, como a Geografia tradicional alemã, a Geografia tradicional francesa e a Geografia tradicional norte-americana. Essas escolas debateram diversos temas, bem como evidenciaram alguns expoentes fundamentais para a Geografia Moderna e que até hoje constituem a base para a ciência geográfica. A Geografia tradicional alemã, chamada de escola determinista, tem Friedrich Ratzel (1844-1904) como um dos seus principais expoentes. Esse teórico coloca o espaço indispensável para a vida do homem a partir da ideia de domínio, que vai permear suas discussões de geopolítica. Desenvolve o conceito de território e espaço vital (crescimento de uma civilização relacionado à expansão territorial). Se para os alemães o ambiente simplesmente determinaria e condicionaria a ação humana (determinismo geográfico), para os franceses CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 4 existiriam influências recíprocas entre a ação humana e o meio ambiente (possibilismo geográfico). Chamada de escola possibilista, a Escola Francesa de Geografia tem como principal expoente Paul Vidal de La Blache (1845-1918) que propõe o conceito de “gênero de vida”, em que discutia a importância da técnica para mediar homem e meio (espaço). A Geografia proposta por Carl Ortwin Sauer (1889-1975) da escola norte- americana, era o estudo comparativo de culturas localizadas em áreas. Desenvolve a discussão do conceito de paisagem cultural e a abordagem regional, em que a paisagem geográfica resulta da ação, ao longo do tempo, da cultura do homem sobre a natureza. Leitura obrigatória Leia o artigo: GODOY, P. T. de. Algumas considerações para uma revisão crítica da História do Pensamento Geográfico. In.: GODOY, P. T. de (org). História do pensamento geográfico e epistemologia em Geografia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 145-157. Disponível em: http://www.creasp.org.br/biblioteca/wp- content/uploads/2012/05/Historia_do_pensamento_geografico.pdf Veja a tabela que está a seguir. Nessa rápida contextualização, percebemos que a construção da ciência geográfica surgiu a partir de diferentes interesses e correntes de pensamentos, condizentes com distintos contextos históricos, culturais e sociais. Assim, é relevante compreender essa evolução, especialmente porque revela como se construíram as teorias abordadas na Geografia, bem como os conceitos que iremos discutir posteriormente. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 5 No vídeo que está disponível no material on-line, a professora Marcia fala sobre a evolução do pensamento geográfico. Crise da Geografia tradicional e a abertura para as abordagens humanistas e a renovação da Geografia Cultural A abordagem da cultura na Geografia nasce num contexto da chamada Geografia tradicional, com predomínio de três vertentes principais: o “determinismo” ambiental, o possibilismo e a diferenciação de áreas, propostas pelas escolas citadas anteriormente. No entanto, há uma crise no período pós- guerras mundiais dessa chamada Geografia Tradicional. A Nova Geografia que surge propõe métodos extremamente quantitativos, sendo que as discussões sobre os fatos culturais para explicar a diversidade das distribuições humanas CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 6 no espaço geográfico praticamente desaparecem na Geografia. Esse contexto de discussão da Geografia foi terreno profícuo para diversas críticas que irão impulsionar o desenvolvimento da Geografia Crítica, da Nova Geografia Cultural e da Geografia Humanista. Leitura obrigatória Para introduzir e compreender melhor o assunto, leia os textos a seguir. O primeiro deles é do Prof. Dr. Roberto Lobato Corrêa, um dos principais contribuintes para a discussão da Geografia Cultural brasileira. O segundo é do geógrafo norte-americano Carl Sauer, da Escola de Berkeley, importante expoente da Geografia Cultural anglo-saxã, especialmente nas discussões sobre paisagem cultural. Sobre a Geografia Cultural, de Roberto Lobato Corrêa http://ihgrgs.org.br/artigos/contibuicoes/Roberto%20Lobato%20Corr%C3%AAa %20-%20Sobre%20a%20Geografia%20Cultural.pdf Geografia Cultural, de Carl Sauer http://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/article/viewFile/6317/4510O retorno da discussão sobre cultura na Geografia se dá a partir da chamada Nova Geografia Cultural que incorpora ideias humanistas, de modo a colocar o ser humano no centro das pesquisas. Assim, a cultura passou a ser compreendida como reflexo, mediação e condição social a ser explicada. Já o surgimento da ideia de uma Geografia Humanista se dá nas décadas de 1970 e 1980, como crítica à perspectiva científica cartesiana, incorporando os estudos das humanidades (com influências da Fenomenologia e Existencialismo) em seus debates geográficos. Sob a perspectiva humanista, esses temas deveriam privilegiar o mundo vivido, isto é, as experiências e vivências das pessoas nos lugares. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 7 Quer conhecer um pouco mais sobre a Geografia Humanista no Brasil? Acesse o site do Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultural, o GHUM: https://geografiahumanista.wordpress.com/ A professora Marcia fala sobre a Geografia Cultural e Humanista no Brasil. Assista ao vídeo que está disponível no material on-line! Conceitos básicos de interesse da Geografia Cultural e Humanista Ao compreender a construção do pensamento geográfico, discutido anteriormente, é possível entender como se deu a evolução da Geografia até seus debates atuais, em que alguns conceitos-chave caracterizam essa ciência. Os principais são: espaço geográfico, paisagem, território, lugar e região. Várias são as vertentes da Geografia que discutem esses conceitos, no entanto, vamos focar na Geografia Cultural e Humanista. Para introduzir o assunto, veja uma síntese dos conceitos básicos da Geografia, discutidos pelo professor José Willian Vesentini: https://www.youtube.com/watch?v=9EiM0JePxro Conceito de cultura e natureza O enfoque cultural na Geografia se interessa pela maneira como as realidades são percebidas e sentidas pelos homens. De acordo com Claval (2001), a cultura é importante componente nas relações entre homem e meio e nas relações sociais. É carregada de uma dimensão simbólica, cujos signos remetem à construção da identidade, sendo fator importante de diferenciação social. Conforme Corrêa (2012), a cultura é uma análise dos significados dos saberes, técnicas e crenças de um grupo, que são traduzidos em representações e práticas e que dão sentido à vida do grupo, ou seja, a cultura é uma criação social não mensurável. As interações dos grupos com a natureza permitem sua sobrevivência em determinado meio físico e possibilita a construção da cultura, em que é possível CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 8 entender como as pessoas lidam com a natureza e como a reconstroem por meio das relações e das representações (religião, linguagem, tradições, crenças, manifestações culturais e outros aspectos). Conceito de paisagem Para compreender a relação entre sociedade e natureza, a observação da paisagem é o ponto inicial. As noções sobre a paisagem acompanham toda a história da humanidade, bem como sua significação é modificada ao longo do tempo e de distintas formas de percepção, inclusive em decorrência de questões culturais. Na Geografia, este conceito é debatido por diferentes áreas de discussão, desde a Geografia Física até a Humana (especialmente a cultural, social e humanista). O conceito de paisagem está relacionado com a imagem formada em nossa mente por meio da percepção do espaço, que vai além do visual e abre a possibilidade de existência de paisagens sonoras, táteis, olfativas e mesmo gustativas. A professora Marcia traz mais explicações sobre as paisagens culturais na Geografia no vídeo que está disponível no material on-line. Conceito de lugar O conceito de lugar por muito tempo foi analisado em sua perspectiva locacional. Tornou-se um tema mais discutido a partir da década de 1990 em diversas áreas, como arquitetura, paisagismo, antropologia, história, filosofia, geografia. O lugar pressupõe familiaridade, cotidiano, experiências. São as pessoas, suas vivências e experiências, as trocas e comunicações que dão sentido e visibilidade ao lugar. O lugar dá sentido à vida e possui relevância porque é construído a partir de nosso mundo vivido cotidiano, isto é, possui uma forte dimensão simbólica. Conceito de território O território é centralizado na espacialidade das relações de poder. É um conceito múltiplo: visto como uma questão material, sinônimo de materialidade, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 9 aquilo que é fixo; como recurso natural ou abrigo; como elemento constituidor da sociedade, pois nenhuma sociedade pode existir sem essa base territorial; espaço de dominação política, isto é, um espaço controlado; como espaço simbólico, de referência identitária e de valor. A questão territorial vai além da espacial, em que há uma dimensão física, delimitada, mas diz respeito também a uma ideia temporal, já que as territorialidades se modificam com os usos cotidianos (por exemplo, territórios da prostituição, do tráfico de drogas ou de vendedores ambulantes que se modificam ao longo do dia e pressupõe distintas temporalidades). Leitura obrigatória Para aprofundar seus conhecimentos, faça a leitura indicada a seguir: ■ ALMEIDA, M. G. de. et al. Territórios, paisagens, representações: um diálogo em construção. Mercator, Fortaleza, v. 10, n. 22, p. 23- 35, mai./ago. 2011. Disponível em: http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/viewFile/550 /346 Trocando ideias Após a leitura obrigatória indicada a seguir, faça uma reflexão sobre o texto a partir do que foi discutido na aula de hoje e se posicione com relação à discussão colocada pelos autores sobre a questão territorial para os povos indígenas. Para outros povos e comunidades essa discussão também é pertinente? Pense em outros exemplos em que a questão territorial é de fundamental importância para outros povos ou comunidades e suas manifestações culturais. ■ SARDE NETO, E. et al. O povo xavante: território, cultura e representação. Anais Simpósio Nacional Saberes e Expressões Culturais no Cerrado: devoção e diversão nas tradições culturais populares. Goiás, 2014, p. 1-13. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 10 https://www.academia.edu/9628420/O_POVO_XAVANTE_TERRI T%C3%93RIO_CULTURA_E_REPRESENTA%C3%87%C3%83O _THE_XAVANTE_PEOPLE_TERRITORY_CULTURE_AND_REP RESENTATION Na prática Assista ao vídeo chamado “Território Cultural Jeca Tatu”, disponível no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=6LMnWntTzVM). A descrição do vídeo diz que: O filme apresenta o debate sobre a valorização da cultura local de Suzano frente aos processos de crescimento urbano e esquecimento público. Desde a história de criação da cidade até as histórias presentes na Vila Urupês, Suzano é um território rico que sofre com a desvalorização do legado cultural, das paisagens e das pessoas para que o mercado escolha o que valorizar. O vídeo reflete sobre os problemas e aponta soluções a partir da produção simbólica e da ocupação democrática da cidade. Anote os temas que são tratados no vídeo que sejam pertinentes para a Geografia, isto é, que possibilitam um debate geográfico. A partir de sua realidade local e pensando na sua atuação futuramente como professor ou professora, escolha um dos temas tratados no vídeo que, além da pertinência para a Geografia, podem ser discutidos a partir da abordagem teórica e conceitual que foi realizada na aula de hoje. De que maneira seria possível trabalhar com este tema escolhido por você em sala de aula? Pense como poderia ser feitauma sensibilização com os alunos, tendo em vista duas principais questões: a relevância do tema para a Geografia e a experiência/contato que esses alunos possuem com o tema. Um exemplo: trabalhar com o êxodo rural e de que maneira isso fez parte da vida do aluno (seu pai teve que sair do campo para trabalhar na cidade, sua mãe ainda mantém algumas tradições de crenças e rezas oriundas do modo de vida rural). Este é um dos exemplos que são tratados no vídeo. Ele pode ser debatido a partir de uma questão cultural, por exemplo. Quando há o deslocamento para a cidade, dentro dessa questão do êxodo rural, além do deslocamento espacial, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 11 também há uma mudança cultural, isto é, é necessário se adaptar ao “modo de vida urbano”, o que mostra que a questão cultural está por toda parte e pode ser debatida em várias áreas da Geografia. Para os comentários da professora Marcia, assista ao vídeo que está disponível no material on-line! Síntese Compreendemos nessa aula que a evolução da ciência geográfica, em diferentes contextos históricos, sociais e culturais foram fundamentais para chegarmos aos debates que realizamos na contemporaneidade nesta ciência. Essa evolução foi fundamental para a consolidação e construção de determinadas áreas da Geografia, em que as transformações na ciência geográfica incorporaram diversos assuntos, como a questão cultural. Embora determinados conceitos sejam mais privilegiados que outros, como o lugar na Geografia Humanista, o território na Geopolítica, a paisagem na Geografia Cultural, todos eles estão interligados, já que fazem parte do espaço geográfico, objeto-chave de estudo da Geografia. Para as considerações finais da professora Marcia, assista ao vídeo que está disponível no material on-line! Referências CLAVAL, P. A volta do cultural na Geografia. Mercator - Revista de Geografia da UFC, ano 01, número 01, 2002. CORRÊA, R. L. Sobre a Geografia Cultural. Disponível em <http://ihgrgs.org.br/artigos/contibuicoes/Roberto%20Lobato%20Corr%C3%AA a%20-%20Sobre%20a%20Geografia%20Cultural.pdf> Acesso em 14 mai 2016. ___________. A geografia cultural brasileira –uma avaliação preliminar. S/D. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 12 CORRÊA, R. L. & ROSENDAHL, Z. (Org.) Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. GOMES, P. C. da C. Geografia e Modernidade. 5 ed. 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