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NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS: UMA ANÁLISE DA CLÁUSULA GERAL DE ATIPICIDADE DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E SEUS LIMITES

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
CAMPUS TORRES
CURSO DE DIREITO
	
RUY ABREU SAES
NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS: UMA ANÁLISE DA CLÁUSULA GERAL DE ATIPICIDADE DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E SEUS LIMITES
Torres
2018
RUY ABREU SAES
NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS: UMA ANÁLISE DA CLÁUSULA GERAL DE ATIPICIDADE DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E SEUS LIMITES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Luterana do Brasil – Campus Torres, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Me. Adamo Brasil Dias
Torres
2018
NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS: UMA ANÁLISE DA CLÁUSULA GERAL DE ATIPICIDADE DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E SEUS LIMITES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Luterana do Brasil – Campus Torres, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Aprovado em ______ de ________________ de 2018
Conceito final:________________________________
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Orientador: Me. Adamo Brasil Dias
____________________________________
Professor (a) Avaliador
____________________________________
Professor (a) Avaliador
AGRADECIMENTOS
Em um primeiro momento, agradeço ao Pai Celestial, por sempre me conduzir de maneira zelosa, me ofertando a força e ânimo essencial para cada dia, assim como me proporcionando que chegasse até aqui.
Aos meus pais, Jorge Alexandre Saes e Berenice Peraça Abreu, por investirem na minha formação e, com muito amor, sempre depositaram confiança e me apoiaram em minhas decisões, bem como pela minha criação, desde os primeiros momentos da minha vida, me instigando a explorar o máximo do meu potencial, com humildade e respeito. Ainda, agradeço ao meu irmão, Leo Abreu Saes, pelo companheirismo e carinho.
Ao professor Me. Adamo Brasil Dias que além de um orientador e professor, demonstrou ser um amigo, sempre me direcionando com muita atenção e disponibilidade à conclusão deste trabalho e, da mesma forma, faço agradecimentos a professora Me. Francele Marisco, a qual nunca mediu esforços para me auxiliar e responder minhas dúvidas durante todo o curso de Direito.
Ademais, agradeço aos responsáveis por me oportunizar contato prático com o Direito, ao longo dos estágios que tive o prazer de realizar no decorrer dos meus estudos, sendo os Promotores de Justiça Dr. Márcio Roberto Silva de Carvalho, Dr. Octavio Cordeiro Noronha, Dr. Marcelo Araujo Simões e Dr. Vinicius de Melo Lima, o qual, inclusive, me emprestou livros. Aos Juízes de Direito Dra. Marilde Angélica Webber Goldschmidt e Dr. Jefferson Torelly Riegel o qual também me emprestou livros e aos Defensores Públicos Dr. Rodrigo Noschang, Dra. Melissa Ampessan e Dr. Nelito Celso Villetti. No ponto, estendo meus agradecimentos a todos os servidores, estagiários e terceirizados com que trabalhei, com os quais sempre tive uma excelente relação, sob muita dedicação e alegria.
Finalmente, aos colegas, em especial a Alessandra Roxo de Souza e a Kelly dos Santos Ramos, as quais acompanho, com muito carinho, desde o período do ensino médio, assim como aos professores e trabalhadores do curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Campus Torres, os quais sempre estiverem ao meu lado durante esta fase de minha vida.
“A vida me ensinou a nunca desistir. Nem ganhar, nem perder, mas procurar evoluir”.
(Alexandre Magno Abrão)
rESUMO
A presente pesquisa versa sobre tema de Direito Processual Civil, especificamente no que se refere aos negócios jurídicos processuais e tem por objetivo analisar os limites das convenções processuais, uma vez que o art. 190 do Código de Processo Civil, o qual estabelece a cláusula geral de atipicidade da negociação processual, utiliza termos vagos, sendo insuficiente para delimitar a matéria. Nota-se que a negociação processual trata de uma das inovações do novo código, sendo questão ainda nebulosa, em face de sua incompatibilidade em relação às legislações anteriores. Neste aspecto, analisa-se a dimensão da autonomia da vontade das partes diante da flexibilização procedimental, considerando que, malgrado o autorregramento da vontade das partes deve ser respeitado, este não é ilimitado, devendo imperar os princípios constitucionais e requisitos de validade expostos pela lei, notadamente com o interesse de evitar situações de vulnerabilidades a alguma das partes da negociação processual. No que tange à metodologia, a análise será desenvolvida a partir do método dedutivo e por técnica de pesquisa fundamentalmente bibliográfica.
Palavras-Chave: Convenção processual. Autonomia da vontade. Flexibilização procedimental. Limites. Código de Processo Civil de 2015.
Abstract
This research deals with the subject of Civil Procedural Law, specifically with regard to procedure deal. The research aims to analyze the limits of contract procedure, since that art. 190 of Code of Civil Procedure, which establishes the general clause of the untying of procedural contract, uses vague terms, being insufficient to delimit the subject. It’s noted that the procedural negotiations deal with one of the innovations of the new code and it is still a nebulous question, given its incompatibility with previous legislation. In this respect, the dimension of parties’ freedom of joice is analyzed in the face of procedural flexibility, considering that, in spite of self-ruling must be respected, it is not unlimited and the constitutional principles and validity requirements set forth by the law must prevail, especially with the interest of avoiding situations of vulnerability to any of the parties of procedural contract. Regarding the methodology, the analysis will be developed from the deductive method and by fundamentally bibliographical research technique.
Keywords: Procedural contract. Freedom of joice. Procedural flexibility. Limits. Code of Civil Procedure of 2015.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGAS
 Art – artigo
CC – Código Civil
CPC – Código de Processo Civil
ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados
FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis
Sumário
1	Introdução 	10
2	OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO: ASPECTOS RELEVANTES	12
2.1 	TEORIA DOS FATOS JURÍDICOS	12
2.1.1	FATO JURÍDICO STRICTO SENSU	14
2.1.2	ATO-FATO JURÍDICO	15
2.1.3	ATO JURÍDICO LATO E STRICTO SENSU	15
2.1.4	NEGÓCIO JURÍDICO	18
2.2	ATO JURÍDICO PROCESSUAL E FATO JURÍDICO PROCESSUAL	20
2.2.1	ATOS JURÍDICOS PROCESSUAIS	21
2.2.2	FATOS JURÍDICOS PROCESSUAIS	24
2.3	NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS	27
2.3.1	EVOLUÇÃO HISTÓRICA	31
2.3.2	CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS	35
2.3.2.1	CONVENÇÕES UNILATERIAIS E BILATERAIS	36
2.3.2.2	CONVENÇÕES PRÉVIAS E INCIDENTAIS	37
2.3.2.3	CONVENÇÕES ONEROSAS E GRATUITAS	37
2.3.2.4	CONVENÇÕES TÍPICAS E ATÍPICAS: A CLÁUSULA GERAL DE ATIPICIDADE DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL	39
3	OS LIMITES DA AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES FRENTE À UTILIZAÇÃO DA CLÁUSULA GERAL DE ATIPICIDADE DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL	42
3.1	A CLÁUSULA GERAL E SEUS REQUISITOS	42
3.1.1	A FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL: PUBLICISMO PROCESSUAL X AUTORREGRAMENTO PROCESSUAL	42
3.1.2	REGIME JURÍDICO E REQUISITOS LIMITADORES DA VALIDADE DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS	46
3.1.2.1	PRESSUPOSTO SUBJETIVO: CAPACIDADE DO AGENTE	48
3.1.2.2	A FORMA: ORAL OU ESCRITA	51
3.1.2.3	OBJETO: ANÁLISE SOBRE O CONTEÚDO DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS	51
3.1.2.4	MANIFESTAÇÃO DE VONTADE E CAUSAS DE ANULABILIDADE	56
3.2	OS LIMITES DA AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES FRENTE À UTILIZAÇÃO DA CLÁUSULA GERAL DE ATIPICIDADE DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL	58
3.2.1	CONVENÇÕES PROCESSUAIS E O JUIZ	58
3.2.2	LIMITES GERAIS DA AUTONOMIA PRIVADA NO CAMPO DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS63
3.2.3	A IGUALDADE COMO CRITÉRIO LIMITADOR DA AUTONOMIA PRIVADA NA ESFERA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS	69
3.3.4	A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM FRENTE ÀS CONVENÇÕES PROCESSUAIS	71
4	CONCLUSÃO	74
	REFERÊNCIAS	77
1 INTRODUÇÃO
O novo Código de Processo Civil exibe fatores de um moderno direito no que diz respeito ao processo, desconstituindo padrões arraigados na cultura processual, defronte de um quadro em que se visualizavam varas cíveis atulhadas de inúmeros processos caracterizados pela morosidade em sua tramitação, oportunidade em que, diante do publicismo processual, o órgão jurisdicional assumia uma função de protagonista da relação criada no processo, ao passo em que as atividades das partes eram recepcionadas pela figura paternalista do juiz.
Por conseguinte, o novo código, primando por uma maior celeridade e eficiência processual, em seu elenco de inovações, sob a luz dos princípios do autorregramento processual e da cooperação, permite que as partes convencionem sobre o procedimento, através do instituto dos negócios jurídicos processuais, sobrelevando-se a autonomia da vontade dos particulares nas relações processuais. Em razão disto, possibilitando a elasticidade do processo, com o intento de adequá-lo às necessidades do caso em apreço, é positivada, além de diversas alternativas de negócios processuais estabelecidas pela lei, a cláusula geral de atipicidade da negociação processual, por meio do artigo 190 do Código de Processo Civil.
A questão que aflora e, consequentemente, o objetivo desta pesquisa, então, é no que corresponde à extensão da margem de negociabilidade processual, uma vez que não resta mais dúvida acerca da possibilidade de sua aplicação, em contraponto à sólida legislação marcada nos códigos antecedentes.
Destarte, o presente estudo, através do método dedutivo e por técnica de pesquisa fundamentalmente bibliográfica, visa analisar as limitações das convenções processuais, pois, notadamente, o autorregramento das partes não é ilimitado e nem deve servir como ferramenta para que estas se tornem donas do processo com total desprezo às bases do modelo democrático-constitucional do processo. [1: RAATS, Igor. Negócios jurídicos processuais e elasticidade procedimental sob o enfoque do modelo democrático constitucional de processo. R. Bras. Dir. Proc. – RBDPro. Belo Horizonte. ano 26, n. 101, p. 177-200, jan./mar. 2018, p. 190.]
Para tanto, em um primeiro momento, será trabalhada a Teoria do Fato Jurídico, diante da Escala Pontiana e, logo em seguida, introduzida a temática do instituto dos negócios jurídicos processuais, apresentar-se-á a sua evolução histórica, encerrando a primeira divisão deste trabalho com a classificação das convenções processuais, dando margem para o estudo da cláusula geral de atipicidade da negociação processual.
A segunda divisão do tema, por sua vez, se esforçará na análise dos limites da utilização da cláusula geral, iniciando-se pela questão que tange à flexibilização procedimental, ponderando o publicismo processual de frente ao autorregramento do processo, para então, analisar o regime jurídico e requisitos de validade dos pactos processuais, aqui se enfatizando a questão que trata do objeto das convenções processuais, fazendo uma análise sobre o seu conteúdo.
Encerrando esta pesquisa, são estudados os limites dos negócios jurídicos processuais, segmentando pela atuação do magistrado e Ministério Público em relação às convenções, assim como as limitações gerais da autonomia privada e a questão da igualdade como quesito limitador.
Cumpre frisar que se cuida de matéria ainda nebulosa, haja vista a até então incompatibilidade do instituto em relação aos ordenamentos jurídicos vigentes, os quais não possibilitavam, como o atual, a flexibilização do procedimento em face da autonomia da vontade das partes.
 
2 OS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO: ASPECTOS RELEVANTES
Antecedendo o exame acerca dos negócios jurídicos processuais, faz-se necessário a consolidação de determinados termos, oportunidade em que será adotada a teoria proposta por Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, notadamente na sua obra “Tratado de Direito Privado”, a qual foi difundida por Marcos Bernardes de Mello.·.[2: MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. 2ª Ed. Campinas: Bookseller, 2000. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves.]
Desta forma, em um primeiro momento, serão apresentados os conceitos de atos jurídicos, fatos jurídicos e negócios jurídicos, destacando-se suas principais distinções. 
Em seguida, conceituar-se-á, colacionando as principais doutrinas acerca do tema, o negócio jurídico processual, bem como serão abordadas questões atinentes à sua evolução histórica.
2.1 TEORIA DOS FATOS JURÍDICOS
No dizer de Pontes de Miranda, a regra jurídica, no campo da proposição, prevê fatos de possível ocorrência no mundo, os quais são denominados de suporte fático. A incidência acontece no momento em que o que está previsto na norma ocorre no plano da experiência. Desta forma, o fato passa a ser conhecido como jurídico e, por conseguinte, no mundo jurídico sucedem-se os efeitos estabelecidos na norma, abstratamente. A fim de sintetizar tal raciocínio: “os elementos do suporte fático são pressupostos do fato jurídico; o fato jurídico é o que entra, do suporte fático, no mundo jurídico, mediante a incidência da regra jurídico sobre o suporte. Só de fatos jurídicos provêm eficácia jurídica”.[3: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios Jurídicos Processuais: Análise dos provimentos judiciais como atos negociais. Tese de Doutorado. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2011, p. 138.][4: MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, I, Rio de Janeiro: Borsói, 1954, p. 4.]
Orlando Gomes diz que “fato jurídico é tudo aquilo a que uma norma jurídica atribui um efeito jurídico”.[5: GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, 240.]
Antônio Junqueira de Azevedo discorre neste mesmo sentido, referindo que o fato jurídico é todo o fato do mundo real sobre o qual incide norma jurídica, sendo, portanto, o fato que produz efeitos no campo jurídico, os quais devem ser examinados em dois campos, quais sejam, primeiramente, o plano da existência, quando é necessário verificar se reúnem todos os elementos para que ele – o fato – exista e o plano da eficácia, quando deve verificar-se se o fato passa a produzir efeitos.[6: AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. 4ª ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 25.]
Neste mesmo caminho é o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira ao dizer que “o direito origina-se do fato” e que “o fato é elemento gerador do direito”, apontando, inclusive o provérbio ex facto ius oritur.[7: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I. Introdução ao direito civil. Teoria geral de direito civil. 23ª Ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2009, p. 391.]
O autor, ademais, complementou o entendimento de Savigny – “fato jurídico é o acontecimento em virtude do qual começam ou terminam as relações jurídicas” -, enunciando que “fatos jurídicos são os acontecimentos em virtude dos quais começam, se modificam ou se extinguem as relações jurídicas”.[8: PEREIRA, 2009, p. 392.]
Entende-se por fato jurídico, pois, todo o fato da vida real produtivo de efeitos jurídicos, ou, melhor dizendo, todo o fato da vida real juridicamente relevante, de modo que contrapõe-se aos fatos simples, material ou neutro, que são todos fatos da vida real indiferentes para o mundo jurídico, ou seja, aqueles que a ordem jurídica não vincula quaisquer consequências.[9: CARRIDE, Norberto de Almeida. Vícios do negócio jurídico. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 4.]
Destarte, nota-se que o campo jurídico, sendo constituído pelos fatos jurídicos, divide-se entre os planos da existência,validade e eficácia, de modo em que todos os fatos jurídicos no seu sentido lato – inclusive os fatos jurídicos stricto sensu, os atos jurídicos, os negócios jurídicos, os atos ilícitos e os atos-fatos -, devem passar pelo plano existência, bastando que o fato passe a existir juridicamente, a datar da composição do suporte fático, alicerçado à incidência da norma. No que toca ao plano da validade, este se restringe aos fatos jurídicos, pelos quais são caracterizados ante a relevância da vontade do suporte fático, de modo que se inferem, tão somente, aos fatos ausentes de vícios que os possam invalidar. Por seu turno, o plano de eficácia consiste na produção de efeitos pelos fatos jurídicos.[10: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios Jurídicos Processuais no Processo Civil Brasileiro. In: CABRAL, Antonio do Passo. NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios processuais. 3ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 40-41.]
Para Leonardo da Cunha, os fatos jurídicos stricto sensu “são fatos da natureza, enquanto os atos jurídicos são atos humanos, caracterizados por expressarem uma vontade humana”, bem como que, ao seu lado, há os atos-fatos jurídicos, que “são atos humanos, em que não houve vontade, ou dos quais não se leva em conta o conteúdo de vontade, aptos, ou não, a serem suportes fáticos de regras jurídicas”, os quais, por sua vez, “passam apenas pelos planos da existência e da eficácia, não se cogitando de (in)validade dos atos-fatos”.[11: CUNHA, In: CABRAL, NOGUEIRA, 2017, p. 41.][12: MIRANDA, 2000, p. 133.][13: CUNHA, In: CABRAL, NOGUEIRA, 2017, p. 41.]
2.1.1 FATO JURÍDICO STRICTO SENSU
	
Os fatos jurídicos stricto sensu referem-se aos fatos jurídicos, aos quais, na estruturação do seu suporte fático, compõe-se, unicamente, dos fatos naturais, os quais independem do ato humano como pressuposto essencial, podendo-se exemplificar com: o nascimento; a morte; o implemento de idade; a confusão; a produção de frutos; a aluvião e a avulsão.[14: MELLO, 2010, p. 133.]
Muito embora o critério para classificação do fato jurídico stricto sensu seja a ausência de ato humano como elemento necessário para a composição do suporte fático, isto não veda, na sua integralidade, a participação de ato humano, eis que não é vetado que, em determinadas ocasiões, o evento suporte fático do fato jurídico stricto sensu esteja, de certo modo, vinculado a algum ato humano, como o nascimento do ser humano que se origina na concepção, ou, até mesmo, o fato pode resultar-se de ato humano intencional, a exemplificar, a morte por suicídio. Apesar disto, não é alterada a natureza do fato jurídico, vez que o episódio de existir ato humano em sua origem não altera o efeito do evento que constitui seu suporte fático. Assim sendo, a morte não deixa de ser evento da natureza, em que pese provocado por ato humano, tal qual o nascimento não deixa de ter qualidade de fato natural por haver ato que lhe provocou.[15: MELLO, 2010, p. 133.]
2.1.2 ATO-FATO JURÍDICO
O ato fato-jurídico é um fato jurídico qualificado pela atuação humana, sendo irrelevante, para o direito, a vontade do agente de praticá-lo, levando-se em conta o efeito resultante do ato, que pode ter repercussão jurídica, inclusive ocasionando prejuízos a terceiros.[16: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 12ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2012, p. 330.]
Pontes de Miranda, assim o define:
Ato humano é fato produzido pelo homem; às vezes, não sempre, pela vontade do homem. Se o direito entende que é relevante essa relação entre o fato, a vontade e o homem, que em verdade é dupla (fato, vontade-homem), o ato humano é ato jurídico lícito ou ilícito, e não ato-fato, nem fato jurídico stricto sensu. Se, mais rente ao determinismo da natureza, o ato é recebido pelo direito como fato do homem (relação “fato, homem”), com o que se elide o último termo da primeira relação e o primeiro da segunda, pondo-se entre parêntese o quid psíquico, o ato, fato (dependente da vontade) do homem, entra no mundo jurídico como ato-fato jurídico.[17: MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, II. São Paulo: RT, 1974, p. 373.]
Segundo Marcos Bernardes de Mello, “como o ato que está à base do fato é da substância do fato jurídico, a norma jurídica o recebe como avolitivo, abstraindo dele qualquer elemento volitivo, que, porventura, possa existir em sua origem”.[18: MELLO, 2010, p. 136.]
2.1.3 ATO JURÍDICO LATO E STRICTO SENSU
Clóvis Beviláqua expressa que o ato jurídico deve ser conforme a vontade do agente e as normas do direito, bem como a toda manifestação de vontade individual que a lei atribui o efeito de movimentar as relações jurídicas, devendo, ademais, ser lícito, isto é, conforme preceitua a lei, de modo que os atos ilícitos não se destinam a criar direitos em favor ao agente.[19: BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. vol .1 3ª ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1927, p. 317.]
Marcos Bernardes de Mello define os atos jurídicos lato sensu como sendo o fato jurídico, pelo qual o suporte fático prevê, como objetivo central, uma exteriorização consciente de vontade, a qual tenha como propósito alcançar um resultado juridicamente protegido ou não proibido e possível e, ainda, distinguindo os elementos essenciais – o autor refere que a palavra elemento, aqui, terá como significado “tudo o que entra na composição de alguma coisa” – à caracterização do ato jurídico em: (i) um ato humano volitivo, ou seja, uma conduta, a qual representa uma exteriorização de vontade, mediante simples manifestação ou declaração, diante a espécie, constituindo-se uma conduta juridicamente relevante e, por este motivo, prevista como suporte fático de norma jurídica; (ii) que haja consciência nesta exteriorização de vontade, isto é, que o agente manifestante ou declarante da vontade o faça com o intento de realizar aquela conduta juridicamente relevante; (iii) por fim, que este ato humano seja dirigido com a finalidade de obter um resultado, que, por sua vez, seja protegido ou, quando menos, permitido pelo direito e possível.[20: MELLO, 2010, p. 145]
É o entendimento do ato jurídico lato sensu que abrange as ações humanas.
No entanto, abrange tanto aquelas ações humanas, as quais são meramente observadas pela ordem constituída, determinantes de consequências estabelecidas na lei, independentemente de intenção nas suas práticas quanto naquelas outras declarações de vontades, concentradas no alcance de uma finalidade, hábeis a produzir efeitos jurídicos pretendidos.[21: PEREIRA, 2009, p. 407.]
De acordo Caio Mário da Silva Pereira, a esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado, é que, tradicionalmente, a doutrina denominava o ato jurídico (stricto sensu) e, de outro canto, a moderna denomina de negócio jurídico.[22: PEREIRA, 2009, p. 407.]
Assim, sendo os atos jurídicos em sentido estrito e os negócios jurídicos desdobramentos do ato jurídico lato sensu, os próximos tópicos serão esforçados nas delimitações de seus conceitos.
No mais, quanto Marcos Bernardes de Mello conceitua o ato jurídico stricto sensu como sendo:
O fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fáctico manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos efeitos jurídicos são prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, não cabendo às pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do conteúdo das relações jurídicas respectivas.[23: MELLO, 2010, p. 166.]
Assim, verifica-se que no ato jurídico em sentido estrito há, também, manifestação de vontade, mas os efeitos jurídicos ocorrem independentemente de serem propostos diretamente pelo agente, o que, contudo, difere-se do “negócio jurídico” (tópico 2.4.1).[24: PEREIRA, 2009, p. 407.]
Verifica-se, deste modo, que o ato jurídico é pobre na criação de efeitos, uma vez que não constitui exercício da autonomia privada e a sua satisfação somente se concretiza pelos modos determinados na lei,bem como que o referido ato é potestativo, podendo o agente influir no campo do interesses de terceiros, querendo ou não.[25: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. volume I: Parte Geral. 3ª Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p.303.]
Não obstante, nota-se que, quanto à manifestação de vontade atinente ao ato jurídico em sentido estrito, os efeitos desta manifestação encontram-se positivados na lei – ex lege -, de maneira que não pode ser alterado e, destarte, constata-se que basta a simples manifestação de vontade para que se concretize o suporte fático do ato jurídico stricto sensu, salientando-se que, em alguns casos, não se exige uma declaração de vontade, contentando-se com “a simples intenção ou comportamento do agente para tornar concreto o suporte fático preestabelecido”.[26: GONÇALVES, p. 303-304.]
Por fim, Carlos Roberto Gonçalves assinala o dizer de Orlando Gomes ao referir que 
[...] para a caracterização do ato jurídico stricto sensu ou ato não-negocial, a lei considera não somente o fato exterior, mas, também, um fato psíquico interior. Esse fato psíquico interior, “que tanto pode consistir numa intenção como numa representação mental, segundo ENNECCERUS, constitui elemento indispensável à caracterização do ato não-negocial. Quando consiste numa vontade, é preciso que sua manifestação, não estando compreendida na esfera da autonomia privada do agente, não se dirija ao efeito jurídico correspondente ao interesse visado, que não seja, numa palavra, a vontade do resultado, pois que tal vontade é, sob o ponto de vista funcional, o traço distintivo do negócio jurídico”.[27: GOMES, Orlando. Transformações Gerais do Direito das Obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 78-79, apud GONÇALVES, Carlos Roberto, 2006, p. 304.]
No próximo tópico, em sequência a ideia dos atos jurídicos, será conceituado e desenvolvido o tema a respeito dos negócios jurídicos.
2.1.4 NEGÓCIO JURÍDICO
Antes de conceituar o instituto, cumpre referir que o tema não foi abordado, expressamente, no Código Civil (CC) de 1916, efetuado por Clóvis Beviláqua.
O presente instituto veio a ser positivado pelo Código Civil de 2002, nomeando o título I, do livro III, da parte geral do código.
Pontes de Miranda refere como negócio jurídico “o ato humano consistente em manifestação, ou manifestações de vontade, como suporte fático, de regra jurídica, ou de regras jurídicas, que lhe dêem eficácia jurídica”.[28: MIRANDA, 2000, p. 142.]
Para Orlando Gomes “negócio jurídico é toda declaração de vontade destinada à produção de efeitos jurídicos correspondentes ao intento prático do declarante, se reconhecido e garantido por lei”.[29: GOMES, 1997, 240.]
Diferencia-se do conceito do ato jurídico stricto sensu, eis que no negócio jurídico a vontade encontra-se manifestada no sentido de compor o suporto fático de determinada categoria jurídica à sua escolha, de modo que tem por objetivo à obtenção de efeitos jurídicos, os quais podem ser predeterminados pelo sistema, assim como podem ser dispostos pela vontade livre de cada um.[30: MELLO, 2010, p. 168.]
Em obra específica acerca do tema ora debatido, Antônio Junqueira de Azevedo aduz que o negócio jurídico
[...] consiste em uma manifestação de vontade cercada de certas circunstâncias (as circunstâncias negociais) que fazem com que socialmente essa manifestação seja vista como dirigida à produção de efeitos jurídicos; negócio jurídico, como categoria, é, pois, a hipótese normativa consistente em declaração de vontade (entendida esta expressão em sentido preciso, e não comum, isto é, entendida como manifestação de vontade, que, pelas suas circunstâncias, é vista socialmente como destinada à produção de efeitos jurídicos).[31: AZEVEDO, 2002, p. 16.]
Completa o autor que o negócio jurídico é uma manifestação de vontade qualificada ou uma declaração de vontade, citando, inclusive, Saleilles, ao referir que “não é preciso apenas que (a vontade) seja revelada por um fato ou por uma atitude externa, é preciso que ela tenha querido a se produzir externamente como vontade constitutiva de direito”.[32: SALEILLES, 1929. apud AZEVEDO, 2002, p. 17.]
Caio Mário da Silva Pereira entende que, no que diz respeito ao objetivo do negócio jurídico, destacam-se os momentos fundamentais da vida do direito subjetivo, no que se infere, notadamente, ao agente, como, por exemplo, a aquisição, modificação e extinção, isto é, aquilo em que o direito se assente no sujeito atual, as alterações por que se passa e as que se perde, seja por meio de transferência, seja com extinção das relações de direito e, inclusive, pela conservação de direito, como objetivo do ato negocial.[33: PEREIRA, 2009, p. 410.]
Carlos Roberto Gonçalves assevera os dizeres de Francisco Amaral, referindo que
Por negócio jurídico deve-se entender a declaração de vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente pretende e o direito reconhece. Tais efeitos são a constituição, a modificação ou a extinção de relações jurídicas, de modo vinculante, obrigatório para as partes intervenientes (...) de qualquer modo, o negócio jurídico é o meio de realização da autonomia privada, e o contrato é o seu símbolo.[34: AMARAL, Francisco. Da Irretroatividade da Condição Suspensiva no Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 359-360. apud GONÇALVES, Carlos Roberto, 2006, p. 281.]
Segundo Sílvio de Salvo Venosa, em que pese haja manifestações de vontade, veja-se que não são livres em sua essência, notadamente no campo contratual, é no negócio jurídico que repousa a base da autonomia da vontade, sendo por meio do negócio jurídico que se dá vida às relações jurídicas tuteladas pelo direito.[35: VENOSA, 2012, p. 332-333.]
O autor, ainda, delimita a classificação dos negócios jurídicos, podendo-se dividir o referido instituto em unilaterais e bilaterais, negócios jurídicos complexos, causais (concretos ou materiais) e abstratos, onerosos e gratuitos, solenes (formais) e não solenes (informais), pessoais e patrimoniais, de simples administração e de disposição e atos inter vivos e os mortis causa.[36: VENOSA, 2012, p. 333-335.]
O negócio jurídico é uma espécie de fato jurídico e, deste modo, o seu exame passa, da mesma forma, pelos planos da existência e da validade. Não obstante, por tratar-se de um caso especial de fato jurídico, em face de que seus efeitos, o direito exige determinados requisitos da declaração, isto posto, exige que a declaração seja válida e, por consequência disto, nota-se que o negócio jurídico deve ser examinado, sobretudo, pelo plano da eficácia, o qual lida com a eficácia jurídica própria ou típica, ou seja, da eficácia referente aos efeitos manifestados como queridos.[37: AZEVEDO, 2002, p. 24.][38: AZEVEDO, 2002, p. 49.]
Há, excepcionalmente, contrapontos, quais sejam, a eficácia do nulo e a ineficácia do válido. Assim, não se pode confundir válido com eficaz e nulo com ineficaz, eis que pode ocorrer, por exceção, que um negócio nulo produza efeitos jurídicos – negócios do nulo -, mesmo que não sejam efeitos próprios ou típicos e, ainda, podem ocorrer casos em que determinado negócio válido necessite, para a produção de seus efeitos, de fatores de eficácia, ou seja, de fatos extrínsecos ao negócio, algo que não participe do negócio, mas que contribua para a obtenção do seu resultado. Desta forma, inexistindo a ocorrência destes fatores externos, o negócio, mesmo que válido, deixa de produzir efeitos.[39: AZEVEDO, 2002, p. 49-55.]
Acerca da limitação à vontade negocial, nota-se que não é toda a manifestação de vontade que pode ser aceita como negocial, ou seja, capaz de produzir negócio jurídico, uma vez que há pressupostos estabelecidos que devam ser atendidos, a fim de que a vontade possa entrar no mundo jurídico na forma de negócio jurídico. Mesmo que ao dono seja livre de dispor sobre os seus bens, por certo que o pai, por exemplo, em regra, fica impossibilitado de vender os seus bens ao filho, casoos demais e o cônjuge não consentirem, assim como o concubino que for casado não pode doar à concubina.[40: MELLO, 2010, p. 185-186.]
Desenvolvida a teoria dos fatos e atos jurídicos, necessário analisar, em seguida, o estudo sobre os atos e fatos jurídicos na esfera processual. 
2.2 ATO JURÍDICO PROCESSUAL E FATO JURÍDICO PROCESSUAL 
Antes de delimitar os conceitos que nomeiam o presente tópico, é necessário falar sobre ato e procedimento.
Para Fredie Didier Jr. o processo é um conjunto de atos teleologicamente organizados para a prática de um ato final, qual seja, a decisão, e, costumeiramente, são esses atos que formam o processo. De mais a mais, entende o autor que o processo é também procedimento, sendo que este é um ato-complexo de formação sucessiva.[41: DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. v.1. 19ª Ed. – Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 420.]
O processo, na ocasião de relação jurídica que busca atingir a composição do litígio, é composto por atos, cujo objetivo é o alcance do seu desfecho e, dentre os atos que se referem, estritamente, ao processo, citam-se os que provocam a instauração da relação processual, documentam os fatos alegados e solucionam a lide, como a petição inicial, a citação, a contestação, a produção de provas e a sentença.[42: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. Vol. I. 56 ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 268.]
Conforme preceitua Hélio Tornaghi, “o processo é uma sequência ordenada de fatos, atos e negócios processuais”.[43: THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 624.]
No plano do procedimento, existem os atos das partes e dos órgãos jurisdicionais, dos quais refletem, apenas, sobre o rito, de maneira que não influi na relação do processo, tal como no encaminhamento do feito direcionado à solução da demanda, todavia, como melhor será trabalho mais a frente, tais atos podem suceder-se quando as partes ajustam uma ampliação ou redução de prazo; quando dividem entre si um prazo comum de vista dos autos; quando se adia uma audiência por acordo das partes ou deliberação do juiz; quando se convenciona substituir um rito especial pelo ordinário; quando se prorroga a competência de um juiz por convenção ou ausência de declinatória de foro e entre outros.[44: THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 624.]
2.2.1 ATOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
No que diz respeito ao ato processual, concebe Didier Júnior que é todo comportamento humano volitivo apto para produzir efeitos jurídicos em um processo atual ou futuro. No entanto, há os atos processuais e os atos do processo (ou de procedimento), correspondendo aqueles como os atos que compõem a cadeia de atos do procedimento, eis que ato processual propriamente dito e estes como os atos que não fazem parte do procedimento, como, por exemplo, a escolha convencional do foro. Neste trilho, reforça-se que o conceito de ato processual deve abranger tanto os atos de procedimento como os demais atos que de alguma forma interferem no desenvolvimento da relação jurídica processual.[45: DIDIER JR., 2017, p. 421-422.]
Por sua vez, Humberto Theodoro Jr. entende que os atos jurídicos processuais são todas as ações humanas que produzem efeitos jurídicos em relação ao processo, as quais se distinguem dos demais atos jurídicos pela razão de pertencerem ao processo e produzirem efeitos jurídicos diretos e imediatos sobre a relação processual.[46: THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 624-625.]
Giuseppe Chiovenda apontou, por sua vez, que são atos jurídicos processuais “os que têm importância jurídica em respeito à relação processual, isto é, os atos que têm por consequência imediata a constituição, a conservação, o desenvolvimento, a modificação ou a definição de uma relação processual”.[47: CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Volume III. 2ª Ed. – Campinas: Bookseller, 200, p. 20.]
Simplifica Fredie Didier Jr. dizendo que “ato processual é todo aquele comportamento humano volitivo que é apto a produzir efeitos jurídicos num processo, atual ou futuro”. [48: DIDIER JR., 2017, p. 422.]
Similar é o entendimento de Elpídio Donizetti ao referir que ato processual é
[...] espécie do gênero ato jurídico. Este tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, ou seja, tem efeito sobre a relação jurídica de direito material. Aquele tem por fim instaurar, desenvolver, modificar ou extinguir a relação jurídico-processual. Em outras palavras, ato processual é toda ação humana que produz efeito-jurídico em relação ao processo.[49: DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 18ª Ed. rev. ampl. e atual. especialmente de acordo com as Leis nº 12.424/2011, 12.431/2011 e Lei nº 12.810/2013. - São Paulo: Atlas, 2014, p. 337.]
Completa, após, sinalando que o ato processual tem influência sobre o processo, decorrendo da manifestação da pessoa humana. [50: DONIZETTI, 2014, p. 337-338.]
Falando sobre o tema objeto deste tópico, Vicente Greco Filho aponta que há a necessidade, para a configuração do ato jurídico, de que haja: 
a) a manifestação de vontade um dos sujeitos do processo – juiz, partes ou auxiliares; b) a previsão de um modelo na lei processual; c) a constituição, modificação ou extinção da relação processual, quer em seu aspecto intrínseco, que é a própria existência do vínculo que une autor, juiz e réu, quer em seu aspecto extrínseco, que é o procedimento, o conjunto lógico e sucessivo de atos previstos na lei.[51: GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. Volume 2: (atos processuais a recursos e processos nos tribunais) – 17. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2006, p. 6.]
Ademais, os atos processuais independem de forma determinada, salvo previsão legal expressa narrando o oposto. Veja-se que o novo Código de Processo Civil aderiu ao sistema de instrumentalidade das formas, de modo que deve ser atendido o intuito basilar, apreciando-se válido o ato, conquanto desempenhado de forma distinto do legal.[52: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 307.]
Não há atos processuais praticados fora do processo, assim como nem todos os atos praticados dentro do processo podem ser considerandos processuais. Ainda, denota-se que um mandado apud acta não é ato processual, por exemplo, mas simples contrato regulado pelo direito civil, considerando que sua eficácia não difere do mandato outorgado extra-autos. Portanto, ato processual seria aquele que o advogado pratica no processo baseado no mandado ad judicia, como a petição, a presença em audiência, o recurso e entre outros. Em seu sentido próprio, para ter-se ato processual, é necessário que este tenha sido praticado no processo. Todavia, com efeito imediato sobre ele e, ainda, que este ato somente possa ser produzido no processo.[53: CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Esboço de uma Teoria das Nulidades Aplicada às Nulidades Processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, n. 38, p. 53. Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto, 2015, p. 628.]
No que recai às classificações dos atos jurídicos processuais, nota-se que não há um consenso na doutrina, vez que há divergência no que incorre aos critérios, podendo ser objetivos ou subjetivos.[54: THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 628.]
A classificação objetiva relaciona os atos do processo entre três oportunidades vitais da relação jurídico-processual, sendo: os atos de iniciativa (que destinam-se na instauração da relação processual, como a petição inicial); os atos de desenvolvimento (que movimentam o processo, dividindo-se em atos de instrução e de ordenação) e os atos de conclusão (atos decisórios do juiz ou dispositivo das partes, como renúncia).[55: THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 628.]
Ainda há o critério paraa classificação dos atos processuais que leva em conta o sujeito que pratica o ato, sendo, inclusive, o critério adotado pelo Código de Processo Civil, dividindo-os em atos da parte, do juiz e do escrivão ou chefe de secretaria.[56: DONIZETTI, 2014, p. 338.]
Para Cândido Rangel Dinamarco não é ato do processo o ato realizado por quem não seja seu sujeito e, por isto, não pode produzir efeitos sobre ele, realçando-se que o terceiro, enquanto terceiro, não realiza ato processual, eis que não é sujeito do processo, assim como entende que para o ato ser processual, a conduta humana realizada deve ser dotada de efeitos sobre este, não podendo ser atos jurídicos processuais aqueles que não criem, modifiquem ou extinguem situações processuais, ainda que sejam capazes de gerar esses efeitos em outras relações jurídicas. Contudo, o autor entende que existem atos realizados fora do processo, mas com eficácia sobre este, mencionando a confissão extrajudicial, a qual dispensa a parte contrária de provar o fato confessado ou, ainda, o cumprimento da obrigação sem nada ressalvar.[57: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume II. 2ª Ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 470-471.]
Aponta o autor que estas condutas realizadas de forma extraprocessual, em que pese capazes de gerar efeitos ao processo, não se qualificam como atos processuais e em nada dependem de forma prescrita na legislação processual. A lei processual impõe que a eleição de foro tenha forma escrita, mas ela é feita fora e antes do processo, sendo eventual o seu efeito.[58: DINAMARCO, 2002, p. 471.]
De outro canto, compreende-se que os atos processuais stricto sensu são manifestações de vontade, nas quais a parte não tem margem de escolha da categoria jurídica ou da estruturação do conteúdo eficacial da respectiva situação jurídica, de modo que são, geralmente, atos de conhecimento ou de comunicação. A título de exemplificação, pode-se mencionar a citação, a intimação, a confissão e a penhora.[59: CUNHA. In CABRAL; NOGUEIRA, 2017, p. 46.]
2.2.2 FATOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
Fato processual é todo o acontecimento que independe da vontade humana e tem influência sobre o processo, como a morte da parte, a perda da capacidade processual e o decurso do tempo.[60: DONIZETTI, 2014, p.337-338.]
Exatamente este é o entendimento de Humberto Theodoro Júnior.[61: THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 624.]
Cassio Scarpinella Bueno distingue “atos” e “fatos”, referindo que fato é um acontecimento que independe da vontade humana, que não exterioriza o comportamento ou omissão de uma pessoa, pois o fato é aquilo que acontece involuntariamente, mas na medida em que se infere ao mundo do direito é um fato jurídico, interessando, neste momento, que sua relevância atinja o plano do processo.[62: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil. Volume I. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 416.]
Diverso não é o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco sobre o tema ao referir que
 
[...] existem acontecimentos – humanos ou não, voluntários ou não, realizados ou não no processo – que, mesmo sem se qualificarem como atos jurídicos produzem efeitos sobre o processo e por isso precisam ser considerados no sistema processual. Eles são os fatos jurídicos processuais, que se integram no conceito mais amplo de fato jurídico lato sensu. Dos predicados necessariamente presentes no ato processual, somente um lhes é indispensável para serem qualificados como fatos jurídicos processuais, a saber, a produção de efeitos sobre o processo.[63: DINAMARCO, 2002, p. 473]
No mais, assinala o autor que as condutas de terceiros estranhos ao processo são também fatos jurídico-processuais, bem como as condutas dos próprios sujeitos processuais que produzem determinados efeitos processuais estranhos à vontade do agente. Exemplifica-se com a transação e a renúncia ao direito pleiteado em juízo.[64: DINAMARCO, 2002, p. 473-474.]
O autor, por fim, trouxe um rol dos fatos jurídico-processuais:
São fatos jurídico-processuais, portanto, (a) os eventos da natureza, (b) certas condutas de terceiros e (c) os atos voluntários dos próprios sujeitos processuais, quando produzem efeitos para os quais não foram programados pelo agente. Entram também nessa categoria (d) certas condutas omissivas, que merecem consideração à parte.[65: DINAMARCO, 2002, p. 474.]
O fato jurídico qualifica-se como processual, no momento em que se torna suporte fático de uma norma jurídica processual e vincula-se a um procedimento, podendo ser atual ou futuro, destacando que o fato processual inexiste sem esta vinculação.[66: DIDIER JR., 2017, p. 422.]
Segundo o entendimento de Didier Jr., os fatos jurídicos processuais dividem-se em sentido estrito e amplo, sendo que este último abrange os atos jurídicos processuais e o fato jurídico em sentido estrito, o qual, por sua vez, infere-se no instituto que vinha sendo estudado no presente tópico.[67: DIDIER JR., 2017, p. 421-423.]
O autor ainda menciona o pensamento de Calmon de Passos, aduzindo que este não admite a existência dos fatos jurídicos processuais, fundamentando que apenas atos são possíveis no processo; que todos os acontecimentos naturais são exteriores ao processo e, por este motivo, não pode ser compreendido como fatos integrantes do processo, logo, fatos processuais.[68: DIDIER JR., 2017, p. 423.]
Assimila desta mesma forma Antônio do Passo Cabral, ao mencionar que os fatos jurídicos processuais em sentido amplo dividem-se em 
[...] fatos jurídicos processuais stricto sensu, cujos suportes fáticos prescindem de qualquer ato humano; e atos jurídicos processuais lato sensu, estes últimos podendo ser subdivididos em atos jurídicos processuais stricto sensu, em que a vontade de um elemento importante para a estrutura do ato, mas sem determinar o conteúdo eficacial; e os negócios jurídicos processuais.[69: CABRAL, Antônio do Passo. Convenções Processuais. 1ª Ed. Salvador: Editora JusPodvim, 2016, p. 45.]
Por fim, é necessário assinalar o apontamento realizado por Robson Renault Godinho no que toca às dificuldades teóricas no estudo dos fatos jurídicos processuais reconhecidos na doutrina, de forma que se dividem em quatro correntes, sendo elas: 
[...] (a) alguns entendem que é suficiente o produzir efeitos no processo para que o ato seja havido como processual; (b) há quem o vincule aos sujeitos da relação processual: apenas o ato por eles praticado poderia ter o qualificativo de processual; (c) há também os que exigem tenha sido o ato praticado no processo, atribuindo à sede do ato especial relevo; (d) há quem entenda que ato processual é o praticado no procedimento e pelos sujeitos processuais (conceito mais amplo do que o de sujeitos da relação processual).[70: GODINHO, Robson Renault. Negócios Processuais sobre o ônus da Prova no Novo Código de Processo Civil. [Livro Eletrônico]. 1ª Ed. – São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015. – (Coleção Liebman / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier, Eduardo Talamini), p. 93.]
No ensejo, cumpre ainda falar quanto ao instituto dos atos-fatos processuais, os quais são “atos reconhecidos pelo Direito como fatos, sendo, portanto, absolutamente irrelevante a discussão sobre a existência de vontade e sobre o seu conteúdo”, como a revelia, por exemplo, oportunidade em que é irrelevante saber se o réu quis ou não deixar de contestar. Diz-se que, em geral, a contumácia, a inércia, ou a omissão são exemplo de ato-fato processual, salientando, entretanto, que não é toda omissão ou inércia que deve ser caracterizada como ato-fato, pois há omissões negociais. Por exemplo, quando o réu deixa de opor a exceção de incompetência relativa. Neste caso a inércia passa a ser negocial.[71: DIDIER JR., 2017, p. 424.][72: CUNHA, In CABRAL; NOGUEIRA, 2017, p. 45.]
De maneira distinta entende Fredie Didier Jr. ao dizer que “nem toda omissão processual é, então, umato-fato processual. O silêncio da parte pode, em certas circunstâncias, normalmente tipicamente previstas, ser uma manifestação de sua vontade”.[73: DIDIER JR., 2017, p. 427-428.]
Ante o desenvolvimento, necessário faz-se a análise do instituto do negócio jurídico processual, o qual ocorrerá no tópico que segue.
Outrossim, com o intuito de complementar o estudo sobre os fatos jurídicos, denota-se que há os atos-fatos processuais, os quais tratam-se de atos reconhecidos pelo Direito como fatos, sendo, destarte, irrelevante o debate no que tange à existência de vontade e sobre o seu conteúdo e, por fim, há os ilícitos processuais, que são atos que estão desconformes com o Direito, exemplificando com o ato atentatório à dignidade da justiça e a litigância de má-fé.[74: DIDIER JR., 2017, p. 424-425.]
Feito isto, passará, na sequência, à análise sobre o negócio jurídico processual.
2.3 NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
Este tópico, portanto, direciona-se ao início do estudo acerca do instituto denominado “negócio jurídico processual”, que incorre no objeto central deste trabalho, oportunidade em que será trabalhado, antes de tudo, sobre os aspectos conceituais e iniciais do tema e, mais a frente, o instituto aludido será trabalhado no tocante ao seu desenvolvimento histórico.
Giuseppe Chiovenda entende que o negócio jurídico processual incide em atos processuais a que se pode reconhecer o caráter de negócio jurídico, visto que o efeito produzido vincula-se à vontade das partes, com o fim de constituir, modificar e extinguir direitos processuais, assim como que os negócios jurídicos processuais são regulados pela lei processual no que aduz à forma e à capacidade, devendo realçar que o direito não reconhece, neste campo, a vontade das partes com a mesma importância que lhe pode reconhecer no direito privado, pois, no processo, há um elemento especial a considerar, a dizer, a presença do órgão do estado.[75: CHIOVENDA, 2000, p. 25.]
Necessário ressaltar que a ideia dos negócios jurídicos processuais, sobretudo, encontra-se amparada com o princípio da cooperação, o qual está presente no Código de Processo Civil de 2015, devendo as condutas das partes e do próprio juiz ser norteadas com o desígnio de solucionar o litígio mediante o esforço comum, de modo a alcançar uma decisão que seja justa.[76: THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 633.]
As convenções processuais são fatos jurídicos voluntários, em cujo suporte fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no ordenamento jurídico, situações jurídicas processuais ou, ainda, alterar o procedimento, frisando-se, ainda, que o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação, conforme preceitua o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em seu enunciado 6º. [77: DIDIER JR., 2017, p. 425. ][78: Enunciado n. 6 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.]
Antônio do Passo Cabral esboça os componentes necessário para definir as convenções processuais, mencionando, antes de tudo, que a convenção é um ato jurídico processual, especificadamente, um negócio processual plurilateral norteado à produção de um efeito comum ou convergente para todas as partes, sendo que a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou a alteração do procedimento, sejam decorrentes da vontade dos convenentes, sem necessidade de intermediação de terceiro, podendo, além disso, convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.[79: CABRAL, 2016, p. 68.]
Aponta Didier que
Não se trata de negócio sobre o direito litigioso – essa é a autocomposição, já bastante conhecida. No caso, negocia-se sobre o processo, alterando suas regras, e não sobre o objeto litigioso do processo. São negócios que derrogam normas processuais.[80: DIDIER JR., 2017, p. 430.]
Ao falar sobre o referido tema, Humberto Theodoro Jr. dispõe que o novo Código de Processo Civil, através do seu art. 190 e parágrafo único, adotou a teoria dos negócios processuais, ao passo que conferiu a flexibilização procedimental ao processo, respeitando as garantias constitucionais, com o fito de tornar mais efetivo a litigância guerreada, frisa-se, contudo, que parte da doutrina posicionou-se contrária ao negócio jurídico processual, em virtude de que afrontaria a segurança jurídica e o devido processo legal. [81: THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 633.]
Diante disso, clarifica Leonardo Greco que a utilização dos negócios processuais admite que as partes
[...] como destinatárias da prestação jurisdicional, têm também interesse em influir na atividade-meio e, em certas circunstâncias, estão mais habilitadas do que o próprio julgador a adotar decisões sobre os seus rumos e a ditar providências em harmonia com os objetivos publicísticos do processo, consistentes em assegurar a paz social e a própria manutenção da ordem pública. [82: GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual – primeiras reflexões. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, out.-dez. 2007, p. 8.]
É possível, então, que as partes, dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido, estipulem mudanças no procedimento através de convenções efetuadas em processos que admitem autocomposição, podendo estas convenções serem firmadas em acordos pré-processuais, isto é, convencionados antes da propositura da ação, ou, ainda, no decorrer do processo, de modo em que ocorra sua celebração em juízo ou em qualquer outro lugar, de sorte que seja levado instantaneamente ao conhecimento do juiz, inclusive para efeitos de controle de validade. [83: MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017, p. 309.]
No mais, na medida em que nos atos processuais stricto sensu, a vontade do agente advém da escolha pela prática ou não do ato e, ainda assim, não controlando seu conteúdo eficacial, nos negócios jurídicos processuais, de maneira distinta, a vontade importa tanto na escolha pela prática ou não do ato, assim como na fixação dos seus efeitos. Em outras palavras, há para as partes determinada margem de disposição, do mesmo modo sobre o conteúdo eficacial do negócio jurídico processual. [84: CABRAL, 2016, p. 49.]
Assim, para a caracterização de um ato como negócio jurídico, necessário é a “circunstância de a vontade estar direcionada não apenas à prática do ato, mas, também, à produção de um determinado efeito jurídico; no negócio jurídico, há escolha do regramento jurídico para uma determinada situação”. [85: DIDIER JR., 2017, p. 428.]
Ao analisar o negócio jurídico processual em frente aos planos da existência, validade e eficácia, aduz Robson Godinho que
No plano da existência, o negócio jurídico processual deve conter manifestação da vontade, autorregramento dessa vontade e referibilidade ao procedimento; no plano da validade, devem estar presentes a capacidade processual, competência, imparcialidade, respeito ao formalismo e, em caso de algum vício, que cause prejuízo; em relação à eficácia, há dependência de fatos posteriores, como necessidade de homologação judicial em alguns casos, e “determinações inexas” isto é, elementos futuros subordinantes da eficácia do ato jurídico, postos pelo exercício da própria vontade do sujeito, que se inexam ao ato jurídico para lhes fazer futuramente irradiar ou cessar a eficácia, o que é altamente discutível na doutrina.[86: GODINHO, 2015, p. 103.]
Como melhor será trabalhado em tópico específico mais a frente, o Código de Processo Civil estabelece negócios processuais típicos, como a convenção sobre ônus da prova (art. 373, parágrafos 3º e 4º) e o acordo de escolha do arbitramento como técnica de liquidação (art. 509, inciso I), mas também estipula a possibilidade de convenção de negócios processuais atípicos, em face da previsão estabelecida na cláusula geral de negociação sobre o processo, prevista no art. 190 do CPC, o qual concretiza, principalmente, do princípio do respeito ao autorregramento processual.[87: DIDIER JR., 2017,p. 425-426.]
Vê-se, ainda, que o negócio processual obriga os sucessores de quem o celebrou, nos exatos termos do enunciado nº 115 do FPPC, o qual aduz que “o negócio jurídico celebrado nos termos do art. 190 obriga herdeiros e sucessores”.[88: DIDIER JR., Fredie, Ensaios sobre os Negócios Jurídicos Processuais, Salvador: Jus Podivm, 2018, p. 32.][89: Enunciado n. 15 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.]
Por fim, menciona-se o dizer de Fredie Didier Jr. ao referir que o “negócio jurídico é fonte de norma jurídica processual e, assim, vincula o órgão julgador, que, em um Estado de Direito, deve observar e fazer cumprir as normas jurídicas válidas, inclusive as convencionais”.[90: DIDIER JR., 2017, p. 425.]
2.3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Realizadas as considerações iniciais acerca dos negócios jurídicos processuais, é de elevada relevância o estudo sobre a evolução histórica do tema, oportunidade em que serão abordadas, em um primeiro momento, as primeiras noções de processo civil negociado no direito romano e, após, seu desenvolvimento na Alemanha, trazendo as concepções acerca das convenções do processo na França e nos Estados Unidos, chegando, por fim, à análise histórica do instituto no Brasil, até os dias que correm.
Pois bem, desta sorte, no que concerne ao direito romano, verifica-se que na fase da legis actiones, denominado como processo das ações da lei, em vigor desde os tempos da fundação da Roma (754 a.C.) até os fins da república, os litigantes compareciam diante do magistrado – normalmente, o pretor - durante a primeira etapa do processo (in iure), com o intuito de convencionar a solução da controvérsia, formando a litis contestatio, com o compromisso de participar do juízo apud iudiciem e aceitar o respectivo julgamento a ser feito no estágio seguinte. Era realçada pela qualidade negocial, mantendo-se seus caracteres básicos na segunda fase do processo civil romano, denominada de per formulas, até o final da ordo iudiciorum privatorum (149-126 a.C.). Mais a frente houve a introdução do processo da cognitio extra ordinem (27 a.C.), momento em que foi afastado do processo qualquer resíduo de contratualidade.-[91: NOGUEIRA, 2011, p. 124-125.][92: TUCCI, José Rogério Cruz. Azevedo, Luiz Carlos de. Lições de História do Processo Civil Romano. 1ª Ed, 2ª tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 39.]
Sabe-se, pois, que não é novidade a existência das convenções relacionadas ao processo. Estas se estabeleceram na tradição contratualista em matéria de regramento de conflitos, herdada do direito romano, de modo em que a conciliação, a transação e a composição tiveram desempenhado no direito francês, desde a Idade Média.[93: BUCHMANN, Adriana. Limites Objetivos ao Negócio Processual Atípico. Tese de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2017, p. 108.]
A flexibilização da forma se deu pela Igreja, no século XIV, propondo-se a substituição do processo tradicional por outro mais flexível. Todavia, a discussão acerca dos acordos procedimentais ganhou força no século XX, após o Código de Processo Civil Francês adotá-los, assim como a “Woolf Reforms” no Reino Unido. Não obstante, foi a doutrina Alemã a incumbida de definir e desenvolver o conceito de negócio jurídico processual. [94: BUCHMANN, 2017, p. 108.]
No ponto, o conceito de acordo ou contrato processual foi tratado, de forma aprofundada, pela primeira vez, por Josef Kohler, no século XIX, ao sustentar que a vontade das partes poderia ser orientada de forma convencional, no sentido de produzir efeitos no processo, possibilitando a conformação de situações jurídicas processuais, bem como sustentou que o contrato é uma categoria geral do direito e não, unicamente, do direito privado. Contudo, naquele período, as convenções processuais não tomaram notoriedade em frente à jurisprudência Alemã, por conta de outras correntes, como a de Oskar Von Bülow, o qual sustentava que os acordos processuais não deveriam ser admitidos, porque as partes não poderiam dispor sobre os poderes de outrem, in casu, o Estado-Juiz, fundando, nesta linha, a escola publicista do processo, a qual não permitiria que um ato de vontade de um sujeito privado alterasse regras processuais, presumindo-se, então, inválidas e ineficazes as convenções processuais. Percebe-se que tanto na Alemanha como na Europa como um todo popularizou-se esta teoria, forjando-se uma premissa de proibição ao processo convencional (Konventionalprozeb), de modo que os efeitos dos atos jurídicos só iriam depender de uma atuação das partes no processo por força da lei.[95: CABRAL, 2016, p. 99-101.]
Já no século XX, foi retomado o estudo do tema dos acordos processuais na produção acadêmica alemã, até que desenvolvida, por Peter Schlosser, a máxima in dubio pro libertate, moldura em que se delineou o estudo dos atos processuais consensuais, sob a premissa da liberdade de conformação do processo à vontade das partes e, neste percurso, outros autores desenvolveram o tema sobre a prova, custos, execução e dentre outros tópicos, não sendo, apesar disto, suficiente para modificar, na aplicação, a inveterada visão publicista do processo.[96: CABRAL, 2016, p. 115.]
A legislação francesa é a mais estruturada no que interessa aos negócios processuais, notadamente ante a previsão normativa, positivada na reforma da legislação processual de 2005. Contudo, na França, os negócios jurídicos processuais surgiram na relação institucional estabelecida entre o Judiciário e os órgãos de classe dos advogados, em meados de 1980, em face de determinadas questões que dificultavam o mecanismo do processo ou a prestação jurisdicional. Deste modo, atenta-se ao princípio da cooperação, bem como à expressão contract de procédure, que, por seu tempo, avocou múltiplos significados pelo histórico Francês, sendo, preliminarmente, com a possibilidade de fixação de calendários processuais e, mais a frente, para nomear protocolos estabelecidos, tendo em vista a solução de contratempos específicos no processamento dos casos em cada corte. Por último, a locução é ponderada quando a convenção processual é aplicada entre as partes, contendo cláusula pertinente ao processo ou ao procedimento futuro ou já implementado. [97: BUCHMANN, 2017, p. 111-112.]
Ainda no direito Francês, repara-se a utilização de variações de cláusulas contratuais chamadas clause de différend, que eram expostas com o fito de pré-definir os contornos de possíveis litígios originados da execução ou inexecução do contrato. Por fim, pontua-se o entendimento da jurisprudência francesa, que reconheceu a produção das convenções processuais de imediato, de jeito que exige a homologação do magistrado, unicamente, quando o objeto convencionado trata-se de alguma de suas atribuições ou opera alterações no procedimento. [98: BUCHMANN, 2017, p. 112-113.]
Em referência ao tema em epígrafe nos Estados Unidos da América, malgrado o ordenamento do common law, campo em que factualmente confere às partes elevada liberdade na condução procedimental, é ínfima a criação bibliográfica sobre o processo negociado, denominado de contract procedure (processo contratual) ou procedural contracting (contratação procedimental). Todavia, estabelece-se, na jurisprudência, a tendência de contratos prevendo estipulações processuais em caso de possível disputa, desenhando-se um customized procedure (procedimento customizado), o qual teve inicio através do caso da oferta de seleções de fóruns da Carnival Cruise Lines vs Shutet, razão em que o Tribunal expressou que o termo processual fosse razoável – inerentemente vago, mas satisfatório para o caso em concreto. A Suprema Corte, então, articulou uma segunda exigência. Desde a adoção desta abordagem, portanto, o Superior Tribunal resistiu em acreditar que um contrato processual violaria a justiça fundamental e, desde então, os tribunais de apelação consideraram que as cláusulas de escolha de foro e escolha de lei são aplicáveis ​​mesmo quando a execução resultariatanto na renúncia de um estatuto não renunciável, quanto em remédios menores, inclusive na renúncia ao julgamento do júri (existente, no direito americano, também em matéria cível), renúncias a alegações, matéria probatória, direito à citação e ao contraditório e até nas fases recursais.[99: CABRAL, 2016, p. 124-125.][100: DODGE, Jaime L. The limits of procedural private ordering. Virginia Law Review, Vol. 97, nº 4. 2011, p. 735-736.][101: CABRAL, 2016, p. 125-126.]
De outro canto, no que toca às convenções processuais no Brasil, verifica-se que no período do século XX a doutrina brasileira praticamente nada manifestou quanto ao acordo processual, mesmo após a edição da lei de arbitragem e do instituto dos meios alternativos de soluções de controvérsias.[102: CABRAL, 2016, p. 125-126.]
Cândido Rangel Dinamarco expressou-se de forma contrária à existência dos acordos processuais, referindo que
[...] é forte a doutrina, na negativa da existência de negócios jurídicos processuais. [...] Deve prevalecer a resposta negativa, porque o processo em si mesmo não é um contrato ou negócio jurídico [...] e em seu âmbito inexiste o primado da autonomia da vontade: a lei permite a alteração de certos comandos jurídicos por ato voluntário das partes mas não lhes deixa margem para o auto-regramento que é inerente aos negócios jurídicos. A escolha voluntária não vai além de se direcionar em um sentido ou em outro, sem liberdade para construir o conteúdo específico de cada um dos atos realizados. Ou seja, podem os sujeitos optar pelo processo arbitral mas não podem regular eles próprios esse processo, seu cabimento, eficácia da sentença arbitral, sua exequibilidade etc.; podem inverter convencionalmente o ônus probatório mas não lhes é lícito ir além dos limites postos pela lei nem estabelecer por si próprios as consequências de sei descumprimento, agravando-as ou minorando-as em contraste com a lei; podem escolher o foro, mas não podem ditar regras sobre o regime do foro escolhido [...].[103: DINAMARCO, 2002, p. 472.]
Nesse mesmo caminho seguia boa parte da doutrina brasileira e, de forma contrária, favoravelmente aos negócios processuais, observavam-se algumas poucas manifestações, merecendo importância o entendimento de Calmon de Passos, em tese de livre docência de 1959, o qual afirmou que são admissíveis os negócios processuais, sendo necessária, para a sua produção de efeitos, a homologação do juiz, bem como a trilogia de Marcos Bernardes de Mello, na qual, manifestamente, o autor admite o negócio jurídico processual. Ante a forte influência da França e Portugal, cresceu-se a adesão à admissibilidade dos acordos processuais, de modo que foi tema trabalhado por diversos autores, mas somente em meados da década passada que o estudo sobre este tema visualizou forte tendência na doutrina brasileira, de forma que se elevou o número de teses de doutorados e dissertações de mestrados a respeito do tema. Ademais, pela conformidade desta evolução teórica que se desenvolveu as bases científicas capazes de impactar a tramitação legislativa do Código de Processo Civil de 2015, a qual, no ponto, manteve os acordos processuais já previstos no Código de Processo Civil de 1973, trouxe uma gama de novas convenções típicas e introduziu a cláusula geral de convenções processuais. [104: CABRAL, 2016, p. 128-133.]
Com efeito, o Código de Processo Civil de 1973 estabeleceu número reduzido de convenções processuais típicas, mas a própria natureza jurídica destas convenções era controvertida pela doutrina, prevalecendo o entendimento sobre a inexistência da categoria negocial no processo, sob o prisma de que a vontade era irrelevante na produção de efeitos pelo ato processual, sendo, tão somente, no atual Código de Processo Civil a quebra do paradigma drasticamente publicista e a diminuição do hiperbólico protagonismo judicial, fundando-se no princípio da adequação e um modelo processual cooperativista.[105: REDONDO, Bruno Garcia. Negócios processuais: necessidade de rompimento radical com o sistema do CPC/1973 para a adequada compreensão da inovação do CPC/2015. Revista Dialética de Direito Processual, p. 9-16. São Paulo: Dialética, n. 149, ago. 2015, p. 4-5.]
2.3.2 CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS
Realizada as considerações iniciais sobre as convenções processuais, bem como exposta sua evolução histórica, faz-se necessário distinguir os negócios jurídicos processuais em suas classificações, sendo elas: convenções unilaterais e bilaterais; convenções prévias e incidentais; convenções onerosas e gratuitas e convenções típicas e atípicas.
2.3.2.1 CONVENÇÕES UNILATERAIS E BILATERAIS
É possível visualizar negócios processuais unilaterais, os quais se perfazem pela manifestação de uma só vontade. Assim, o sujeito processual, pelo exercício de vontade gera consequências no processo, sendo que, nesta espécie de negócio jurídico processual, apenas a vontade de uma das partes é relevante, podendo-se exemplificar com a renúncia do prazo, na desistência da execução ou de medida executiva e na desistência de recurso. Salienta-se, ainda, que a doutrina reconhece outros atos como negócio jurídico processual, como, por exemplo, a renúncia e o reconhecimento jurídico do pedido, os quais, na verdade, são atos de autocomposição unilateral, que muito embora realizados no processo, tratam-se de conteúdo material.[106: DIDIER JR., 2017, p. 426.][107: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 8. Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 578-579.]
Nesse sentido é o entendimento de Fredie Didier Jr., o qual aponta como exemplo de negócio jurídico processual unilateral a desistência e a renúncia.[108: DIDIER JR., 2017, p. 426.]
De forma contrária, visualizam-se, também, os negócios jurídicos bilaterais, os quais, por sua vez, dependem de um acordo de vontade das partes. Bom de ver que geralmente encontram-se previstos em contratos, quando as vontades dizem respeito a interesses contrapostos e, ainda, em acordos ou convenções, quando as vontades se unem para um interesse comum, podendo exemplificar com a eleição negocial do foro e a suspensão convencional do andamento do processo.[109: NEVES, 2016, p. 579.][110: DIDIER JR., 2017, p. 426.]
Ainda, há a figura dos negócios plurilaterais, sendo formados pela vontade de mais de dois sujeitos, ocasião em que a sua eficácia depende de um acordo de vontade entre as partes e o juiz, sendo este entendido como órgão jurisdicional, eis que nada impede que possa ocorrer a realização de espécies de acordos processuais no tribunal, seja em atividade originária ou recursal, como muito bem se exemplifica pela calendarização do procedimento e o saneamento compartilhado.[111: DIDIER JR., 2017, p. 426.][112: NEVES, 2016, p. 579.]
2.3.2.2 CONVENÇÕES PRÉVIAS E INCIDENTAIS
Os negócios jurídicos processuais podem ser celebrados antes (convenção prévia) ou durante o processo (convenção incidental), conforme expressa o caput do art. 190 do CPC, razão pela qual o negócio jurídico é processual caso repercuta em processo atual ou futuro e, desta forma, a cláusula negocial processual poderá estar inserida em qualquer contrato, já regulando possível processo futuro sobre a negociação.[113: DIDIER JR., 2017, p. 433.]
Quando celebradas convenções prévias, firmadas antes da instauração do processo e, geralmente, antes do início de determinada controvérsia, é utilizada a técnica da antecipação procedimental e um técnica de contrato sobre o contrato, eis que, além do regramento previsto para o direito material, no mesmo instrumento será deliberado sobre o processo a ser instaurado, em caso de futuro conflito. Percebe-se que é expressão da liberdade convencional, a qual engloba a possibilidade de prever clásulas no que toca à solução futura de uma lide, ainda em estágio potencial. Convenção celebrada antes do surgimento do processo é o que ocorre, por exemplo, com a cláusula de eleição de foro.[114: CABRAL, 2016, p. 75-76.][115: TAVARES,João Paulo Lordelo Guimarães. Da Admissibilidade dos Negócios Jurídicos Processuais no Novo Código de Processo Civil: Aspectos Teóricos e Práticos. Revista Direito UNIFACS – Debate Virtual. Ed. nº 191/2016. Mai. 2016. Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4545/2958, p. 13.]
No ponto, necessário gizar-se o enunciado nº 38 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), o qual aduz que “somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica”., assim como o enunciado nº 39 também da ENFAM, o qual aduz que “não é válida convenção pré-processual oral”.[116: Enunciado n. 38 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.][117: Enunciado n. 39 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.]
2.3.2.3 CONVENÇÕES ONEROSAS E GRATUITAS
A presente classificação relaciona-se às vantagens geradas para as partes, vez que haverá nos acordos gratuitos, para uma parte, apenas benefícios e, para a outra, apenas sacrifícios. O acordo oneroso, de forma diversa, trata de ocasiões em que ambas as partes obtêm benefício em troca de um sacrifício.[118: CABRAL, 2016, p. 81-82.]
A carga de responsabilidade convencional é diferente, considerando a espécie de acordo, tendo em vista que as convenções gratuitas são caracterizadas por concentrar esta carga em apenas uma das partes, ocorrendo o incremento da esfera jurídica de um dos convenentes com a redução da esfera jurídica do outro, tratando-se de liberalidade daquele que tem seu patrimônio diminuído, que deixa de convencionar em troca de uma contraprestação. A carga ou responsabilidade convencional, nos acordos onerosos, está repartida entre os convencionantes, mesmo que em níveis distintos para cada um, a exemplificar, tem-se a convenção em que as partes renunciam previamente ao recurso em troca de uma negociação sobre à diminuição do valor a que a sentença condenou uma delas.[119: CABRAL, 2016, p. 82.]
Os acordos onerosos, por sua vez, podem, ainda, subdividirem-se em comutativos ou aleatórios. São comutativos aqueles que envolvem benefícios e sacrifícios recíprocos equivalentes entre si e, de outro modo, são convenções aleatórias aquelas em que, no momento da convenção, deixa de conter equivalência nas prestações, dependendo de circunstâncias do acaso - não necessariamente que a definição das prestações ocorra num momento futuro, mas que o elemento seja desconhecido pelas partes no momento da celebração do acordo - não tendo, desta forma, os convenentes certeza acerca das vantagens e sacrifícios advindas da convenção. São exemplos deste tipo de acordo processual o seguro e o financiamento processual. Salienta-se que, neste campo, observam-se, evidentemente, a aplicação da boa-fé processual e, tratando-se da lógica negocial das convenções processuais, o princípio da boa-fé nos contratos privados e, a fim de exemplificar a classificação dos acordos aleatórios, indica-se o seguro e o financiamento processual.[120: CABRAL, 2016, p. 82-84.]
2.3.2.4 CONVENÇÕES TÍPICAS E ATÍPICAS: A CLÁUSULA GERAL DE ATIPICIDADE DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL
O negócio jurídico, sendo produto da autonomia privada ou da autorregulação de interesses, implicando liberdade de celebração e de estipulação, não impede que a legislação fixe o regime de determinados negócios, através de um tipo previsto na legislação, sendo, assim, chamado de negócio jurídico típico. Neste campo, dispensa-se o esforço das partes para a sua regulação, eis que previamente estabelecida na lei.[121: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios Jurídicos Processuais no Processo Civil Brasileiro. Texto preparado para o I Congresso Peru-Brasil de Direito Processual e apresentado em Lima, no Peru, novembro de 2014, com acréscimos e adaptações feitas após a sanção e promulgação do novo Código de Processo Civil brasileiro. Disponível em: https://www.academia.edu/10270224/Neg%C3%B3cios_jur%C3%ADdicos_processuais_no_processo_civil_brasileiro, 2014, p. 16.]
A presente classificação, portanto, parte do critério da existência de previsão legal, sendo convenções típicas “aquelas expressamente disciplinadas pelo legislador, prevendo os sujeitos envolvidos, as formalidades necessárias, os pressupostos e requisitos de validade e eficácia” e, na hipótese, nota-se que há necessidade do respeito dos requisitos legais previstos na cláusula geral dos negócios jurídicos processuais, que serão trabalhados mais a frente.[122: CABRAL, 2016, p. 85.][123: NEVES, 2016, p. 580.]
A fim de ilustrar o presente tema, o exemplo mais tradicional é a cláusula de eleição de foro, o qual permite que partes alterem o foro abstratamente competente para para a demanda judicial. Há outros exemplos, como:
na escolha do mediador ou conciliador (art. 168 do Novo CPC), a suspensão do processo por convenção das partes (art. 313, II, do Novo CPC), a convenção de arbitragem (art. 3º, § 1º, do Novo CPC), o saneamento consensual (art. 357, § 2º, do Novo CPC), o acordo para o adiamento da audiência de instrução e julgamento (art. 362, I, do Novo CPC), a convenção entre os litisconsortes para dividir entre si o tempo das alegações finais orais em audiência (art. 364, § 1º, do Novo CPC), a convenção sobre a redistribuição do ônus da prova (art. 373, § 3º, do Novo CPC), acordo para retirar dos autos o documento cuja falsidade foi arguida (art. 432, parágrafo único, do Novo CPC) e a escolha consensual do perito (art. 471 do Novo CPC).[124: NEVES, 2016, p. 579-580.]
Afora dos negócios típicos, são possíveis que sejam pactuadas negócios processuais que não se encaixem nos tipos legais, com o fito de atender às conveniências e necessidades das partes. Neste caso, o negócio jurídico processual é atípico, “sendo ampla a liberdade das partes para celebração de convenções processuais”, “sem sujeição a uma bitola rígida prefixada”.[125: CUNHA, 2014, p. 16-17.][126: REDONDO, 2015, p. 16.][127: RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato - As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Ed. Almedina, 2003, p. 559, apud DI SPIRITO, Marco Paulo Denucci. O negócio jurídico processual: um novo capítulo no direito das garantias - O exemplo da propriedade fiduciária. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.17, n.67, p. 129-186, jul./2016, p. 131.]
Destarte, de forma diversa do Código de Processo Civil revogado, o novo Código prevê, expressamente, uma verdadeira cláusula geral de negócios processuais, permitindo, além das hipóteses específicas de convenções processuais típicas, a celebração de acordo entre as partes de maneira geral, englobando o procedimento e situações processuais em geral.[128: NEVES, Daniel Amorim Assumpção, 2016, p. 581.]
Outrossim, de forma diversa, por exemplo, do negócio previsto no art. 191 do Código de Processo Civil, o qual dispõe do calendário para a prática de atos processuais, a norma do art. 190 do CPC possibilita a criação de pactos processuais sem que haja homologação judicial, o que torna-se mais notável ao considerar sua conjugação junto ao art. 200 do mesmo diploma legal, o qual descreve que as declarações unilaterais ou bilaterais de vontade das partes produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.[129: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Sobre os acordos de procedimento no Processo Civil Brasileiro. In CABRAL; NOGUEIRA, 2015, p. 90, apud DI SPIRITO, 2016, p. 131.]
Veja-se o art. 190 do Código de Processo Civil:
Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.[130: BRASIL, Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. Poder Executivo. Brasília, DF, 16 mar. 2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 07 mai.

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