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CEDERJ 2016 GEOGRAFIA POLÍTICA Prof. Ivaldo Lima Aula 5 Ecos da geopolítica clássica no século XX Ecos do realismo político Como vimos na Aula 2, o realismo político é o paradigma que melhor explica a geopolítica e a geografia política clássicas, uma vez que ambas estavam centradas no protagonismo do Estado na análise das relações internacionais. Esse paradigma também é denominado clássico ou tradicional por ser o mais antigo e mais influente entre as concepções sobre os fenômenos internacionais. A máxima de que “os fins justificam os meios”, atribuída – justa ou injustamente – a Maquiavel, é o substrato de uma das características do realismo político, qual seja, aquela que separa a conduta do Estado de qualquer moral. Destarte, o realismo é amoral. Mas, como esse paradigma influenciou a concepção de novas ideias sobre a geopolítica a partir da Segunda Guerra mundial? Esse paradigma repercutirá na geopolítica e na geografia política para além de seu período clássico. Chamemos a essas repercussões ecos do realismo político que estarão presentes, ao longo da segunda metade do século XX, nas obras de autores importantes, como Brzezinski, Luttwak, Huntington e Nye Jr. Para entender quem foram esses autores e o que disseram de relevante em suas obras, abordaremos um a um, destacando, quando oportuno, a herança da geopolítica clássica, explícita ou implicitamente contida nessas obras, ou seja, atentando para os momentos em que se pode notar o diálogo desses autores com o pensamento de geopolíticos tais como Mahan, Mackinder, Haushofer ou Spykman. O objetivo desta Aula 5 é apresentar analiticamente um desses autores, as suas teses e os vínculos delas com os princípios do realismo político. A exclusividade desta aula recairá sobre a obra de Zbigniev Brzezinski devido ao notório impacto que tal obra causou na geopolítica da Guerra Fria. A geopolítica mundial como um tabuleiro de xadrez: Zbigniev Brzezinski De acordo com Florian Louis (2014:115), o pensamento de Zbigniew Brzezinski é uma “forma de síntese original entre os pensamentos de Mackinder e de Spkyman”. Isso porque, Brzezinski confere atenção especial à Eurásia, como o fez Mackinder – identificando o heartland, e atenta para a importância estratégica de suas margens, como o fez Spkyman – identificando o rimland. Polonês, nascido em 1928, Brzezinski escapa das persecuções nazistas durante a Segunda Guerra mundial graças à nomeação de seu pai como diplomata no Canadá. Nesse país, Brzezinski se torna professor de Relações Internacionais e, de 1977 a 1981, foi assessor do presidente estadunidense Jimmy Carter para Assuntos de Segurança Nacional e diretor do Conselho de Segurança Nacional. Do mesmo modo como haviam procedido os geopolíticos clássicos, Brzezinski direcionará sua análise estratégica para a questão nacional, procurando estabelecer os parâmetros que conduziriam os Estados Unidos à posição de liderança no sistema internacional. Como se nota, esse interesse centrado no papel do Estado, visando à supremacia na ordem mundial, segue à frente das ideias geopolíticas no século XX. Sobre a nova posição dos Estados Unidos no mundo depois guerras mundiais, Costa (1990:231) nos lembra que: Derrotados o nazismo, o fascismo e o império japonês, emergia da Segunda Guerra um mundo dividido sob as esferas de influência das duas superpotências, uma capitalista, a oeste, e uma socialista, no leste. Nascia, assim, o mundo bipolar. Os EUA tornavam-se os guardiães do “Ocidente livre”, dos valores do liberalismo e do sistema capitalista internacional. Sua nova posição estratégica, apenas esboçada na Primeira Guerra, consolidava-se e passava a definir todos os seus objetivos e ações no plano externo. O confronto soviético-americano será o eixo em torno do qual o pensamento de Brzezinski se definirá mais claramente. Portanto, estamos sinalizando o período da Guerra Fria como o plano de fundo do pensamento desse cientista político, lembrando que no período em que ele atua como conselheiro do “Príncipe” – isto é, do Estado, em especial a partir de 1979, “a política de distensão foi sucessivamente golpeada pela intervenção soviética no Afeganistão, pelo trinfo da revolução islâmica no Irã e pela vitória da revolução sandinista na Nicarágua” (MELLO, 1999:135). Assim, o mundo bipolar, com o enfrentamento das superpotências e os (des)alinhamentos estratégicos, é o cenário geopolítico que Brzezinski analisa em sua obra. Os mapas elaborados por Brzezinski representando o poder global centralizado em Moscou e em Whashington dão o tom de sua geopolítica bipolarizada (Figura 1). Figura 1. A representação geopolítica do mundo bipolarizado Fonte: MELLO, L., 1999. Conforme nos relata Mello (1999:140), essa representação trata de uma confrontação bipolar por meio de mapas. No mapa com “a visão global de Moscou”, o meridiano central passa pela então capital soviética, vista como o umbigo do mundo; de modo que, nesse planisfério, “Moscou assume uma centralidade semelhante à desfrutada no passado por Londres, na secular projeção cartográfica de Mercator” (Idem, Ibidem). Essa posição de Moscou busca ser a síntese da posição dominante da União Soviética na Eurásia e, por extensão, no mundo inteiro. O uso da cartografia com a finalidade estratégica de demonstrar o poderio (ou a debilidade) de um Estado não é novidade, pois o próprio Haushofer desenhava seus mapas com o propósito de demonstrar a posição da Alemanha no contexto europeu e mundial. Brzezinski faz o mesmo, apenas resituando as potências, naquele momento denominadas superpotências. O próprio Brzezinski, em seu livro EUA X URSS: o grande desafio, afirmava: Mas um mapa pode enganar tanto quanto iluminar. Ele pode proporcionar um falso sentido da verdadeira distribuição do poder, distorcendo o tamanho relativo e criando uma visão enganosa da centralidade geográfica. Já que um mapa pode ter um centro arbitrário, ele pode ser elaborado de modo a colocar qualquer país no ponto central do globo, durante muito tempo, por exemplo, os mapas mundiais chineses confirmavam, muito naturalmente, a significação política da expressão ‘o Reino Central’. Ao enfatizar a posição central da URSS, nesse mapa da visão global de Moscou, Brzezinski chama a atenção dos estrategistas – americanos, sobretudo – para a projeção dos soviéticos em relação às periferias da Eurásia, afirmando sua condição de potência continental. Por outro lado, ao enfatizar a posição global de Washington, Brzezinski projeta a condição biocenãnica dos EUA e a possibilidade de sua ação ultramarina, afrimando sua condição marítima. Temos, neste caso, a retomada do continentalismo versus ocenanismo, tão caro às ideias de Mackinder. Também, encontramos aqui a retomada das ideias de Spykman em relação ao papel estratégico do rimland, que é a própria periferia anfíbia da Eurásia. Segundo Mello (1999:144-145): É importante registrar que a digressão de Brzezinski sobre o papel dos mapas na visão global, na percepção geopolítica e nas opções geoestratégicas, embora de maior relevância, não é original. Ela é, na realidade, uma retomada parcial da análise mais abrangente já realizada por Spykman em The geography of the peace. (...) [O] geógrafo americano ilustra exaustivamente os diversos tipos de projeção e demonstra as implicações que a cartografia pode ter no planejamento da segurança nacional e da política externa das grandes potências. (...) Com efeito, o mapa de Washington é uma reprodução de mapas anteriores que Spkyman utilizou. (...) Por outro lado, sustenta-se aqui que o mapa de Moscou constitui uma versão parcialmente modificada do célebre mapa de Mackinder, reproduzido em The geographical pivot of History. Neste mapa de 1904, o geógrafo britânico procura ilustrarvisualmente a centralidade do continente eurasiático, a posição nuclear da região-pivô, o Crescente Marginal e o Crescente Insular. Uma ideia para a nossa reflexão: A cartografia é um recurso geopolítico? Caso seja, que resultados pode implicar o seu uso? Essa reflexão se aplica também à obra de Haushofer? De que modo? Então, nessa luta entre oceanismo e continentalismo, Brzezinski visualizava o confronto entre dois sistemas imperiais: o norte-americano e o soviético. No primeiro, observa-se uma poderosa talassocracia que implica a afirmação de um império transoceânico, descontínuo em relação de seus maiores aliados (Europa Ocidental, Coreia do Sul e Japão), porém, o detentor da maior frota naval do planeta. No segundo, o núcelo dirigente é um Estado multinacional, de maioria russa e de dominado por um ethos militarista que se impõe sobre os Estados fronteiriços (da Europa Oriental, Mongólia e Afeganistão). Para Mello (1999:151), é importante ressaltar a caráter global do confronto analisado por Brzezinski, uma vez que “[a]o contrário dos conflitos históricos precedentes, a rivalidade entre a talassocracia ocidental e o império das estepes não tem dimensões regionais, mas proporções mundiais, ou seja, seu campo de ação abarca todos os continentes e oceanos do planeta”. Assim, embora a geopolítica seja encarada numa perspectiva mundial, a luta pelo domínio da Eurásia acaba por guiar as ideias de Brzezinski, ou seja, nessa parte do globo terrestre reside o foco estratégico das análises que o autor faz sobre o tabuleiro de xadrez mundial. Essa metáfora do jogo de xadrez será bastante cara a Brzezinski, sempre atento aos movimentos que as superpotências deveriam fazer ou evitar que o outro fizesse, como se fossem dois jogadores que se enfrentam num jogo de inteligência, militarmente amparados. É bom lembrar que nesse momento da história do século XX a corrida armamentista chega ao seu auge com o desenvolvimento dos programas nucleares com fins militares. Relembremos a ideia de que, nesse jogo, aquele que controlar a Eurásia controlará o mundo, tese defendida por Brzezinski e que, como já estudamos, não pode ser dita original já que tem suas raízes na hipótese geostratégica de Mackinder. Figura 2. Os movimentos do jogo: as perspectivas estratégicas de Moscou O conjunto de imagens da Figura 2 nos permite vislumbrar claramente a interpretação geoestratégica de Brzezinski. Essas perspectivas estratégicas revelam a preocupação do autor com o avanço do socialismo defendido e empreendido pela URSS. Para tanto, Brzezinski reflete sobre as frentes geográficas desse possível avanço, classificando-as em conjuntos de Estados-pino da primeira, segunda e terceira frentes, como se visualiza, também, na Figura 3. Fica claro que a URSS teria de se expandir na direção da Europa Ocidental, da Ásia Oriental e do Sudoeste da Ásia (Oriente Médio). Essas frentes de expansão configurariam os eixos do domínio soviético, a partir de seu centro eurasiático. Também fica claro que os EUA deveriam impedir que tais movimentos se concretizassem. AS três frentes são sobretudo, as áreas estratégicas nas quais os Estados Unidos deveriam se empenhar com mais afinco, com o intuito de simultaneamente se afirmarem ali e impedirem a presença soviética. Daí se depreende que as interpretações de Brzezinski influenciaram a política externa dos Estados Unidos, especialmente no plano macro, por meio da prática do código geopolítico da contenção, isto é, da diretriz de uma política externa que visa conter ou barrar a expansão socialista mundo a fora. Esse código da contenção foi reforçado pela Doutrina Truman, no pós-Segunda Guerra. Os conflitos e embargos localizados fora da Eurásia, envolvendo os Estados Unidos e países que desenvolveram alguma experiência socialista, como Cuba, Angola, Moçambique e Madagascar, por exemplo, demonstram como a bipolarização do mundo durante a Guerra fria configurava uma geografia política nitidamente guiada por ideias de pensadores geopolíticos relevantes como as de Brzezinski. Figura 3. As frentes dos movimentos estratégicos Disponível em: http://photos1.blogger.com/blogger/8126/2644/1600/mapa04.jpg. Acesso em: 10 abr. 2016. A análise de Brzezinski sobre a “ameaça soviética”, em suma, levava em consideração uma primeira frente estratégica formada pelo arco que se estende da Noruega, passando pela Europa Ocidental até a Grécia e a Turquia, formada logo após a Segunda Guerra. A segunda frente estratégica basilar é formada pela aliança dos Estados Unidos com numerosos países da Ásia Oriental e teve maior ênfase para a sua formação nos anos 1950, após a Revolução Chinesa (1949) que implantara o socialismo naquele país e após a Guerra da Coreia que dividira a península em dois países – um capitalista, no sul e outro socialista, no norte, com forte intervenção dos Estados Unidos a favor do primeiro. Já a terceira frente estratégica basilar é de formação datada do final dos anos 1970, a partir da revolução islâmica no Irá e a invasão do Afeganistão. Essa última frente é a mais crítica por conter as reservas de petróleo cruciais ao avanço capitalista e pela posição que desempenha nas opções de acesso da URSS às saídas para o oceano Índico e no domínio soviético sobre o Golfo Pérsico. Quanto à denominação de estados-pinos geopolíticos, Brzezinski a emprega para designar Estados que ocupam uma posição geoestratégica decisiva para o controle das frentes. Assim, na primeira frente esses Estados-pinos são a Polônia e a Alemanha (Federal), na frente oriental, são a Coreia do Sul e as Filipinas e na terceira frente são o Irã e o conjunto Afeganistão-Paquistão. Para Mello (1999:163): Na realidade, os Estados-pinos de Brzezinski são os equivalentes atuais dos países que, cercando a região-pivô eurasiana, formavam o Crescente Marginal do esquema geopolítico de Mackinder. Além disso, à exceção das Filipinas, aqueles Estados-pinos correspondem aos países anfíbios que, na análise estratégica de Spkyman, formavam as fímbrias marítimas da Eurásia. Com essas considerações, acreditamos poder refletir sobre Os ecos do realismo político na obra de estrategistas da segunda metade do século XX, como Brzezinski. Vamos, agora, ler o texto a seguir. Box 1. Os últimos ruídos de vida da estratégia dos EUA no Oriente Médio “Queria ter mandado um helicóptero a mais para buscar os reféns” – disse o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter numa de suas aparições de despedida recentemente, em Atlanta. – “Teríamos resgatado todos eles, e eu teria sido reeleito.” Comparado aos seus predecessores e sucessores, Carter era intelectualmente superior. Não padecia de vocação irresistível para a corrupção, como Bill Clinton, nem da incontrolável compulsão para mentir, de Barack Obama. Mas diferente deles todos, Carter sofria de complexo de inferioridade. Começou com o mentor de sua carreira, o almirante judeu polonês Hyman Rickover, e aprofundou-se com seu conselheiro de segurança nacional o católico polonês Zbigniew Brzezinski. A combinação desses dois levou à destruição das posições dos EUA no Afeganistão, Irã, Iraque, Líbia, Egito, Iêmen e, hoje, na Síria. O outro lado do complexo de Carter é um pensamento delirante desejante de Carter e de Brzezinski. Os erros de julgamento de ambos, dizem eles em voz alta, não teriam sido a causa daquelas derrotas. De fato, nem foram mesmo derrotas, mas estratégias vitoriosas às quais só faltou um aumento de força múltipla e que custaram pouco sangue aos EUA, itens que se poderiam facilmente acrescentar. Mais uma metralhadora no céu, e o triunfo deles teria sido reconhecido por todos como o triunfo que teria sido. Significa dizer que, no pensamento senildos dois, foi. Brzezinski está dizendo a mesma coisa. Em coluna assinada para o Financial Times, publicada na 2ª-feira, Brzezinski diz que “as presença naval e aérea da Rússia na Síria são vulneráveis, geograficamente isoladas das bases originais. Podem ser ‘desarmadas’, se insistirem em provocar os EUA.” Quando Brzezinski diz que desarmará a força expedicionária russa na Síria, está falando de aumentar a força múltipla no lado dos EUA até ser tão enorme, que ele supõe que poderia destruir os russos ou forçá-los a escafeder-se. Trata-se da 6ª Frota dos EUA, acima e abaixo da superfície do Mediterrâneo; plus a Força Aérea dos EUA e unidades da OTAN às dúzias distribuídas na Itália, Grécia, Turquia e Golfo Persa. Para proteger os bunkers de comando-e-controle dos quais comandam a guerra síria, e as linhas de reabastecimento pelas quais fazem circular homens, dinheiro e munição, terão também de retomar, dos russos, o controle aéreo que hoje é deles. Com a demonstração essa semana, dos mísseis cruzadores disparados de território russo, o que Brzezinski prega não é coisa fácil de fazer. É disputa que, para superar o recorde de riscos de Carter-Brzezinski, o lado dos EUA teria de contar com força superior à força russa na proporção de 5 para um, melhor, 6 para um, para poder considerar-se em posição satisfatoriamente segura. Mas e quem exatamente, no Pentágono e no quartel-general da OTAN, está confiantemente calculando qual deve ser o mínimo multiplicador para que o plano de “desarmar” os russos seja ainda mais bem-sucedido que a vitória militar facílima que Carter e Brzezinski comandaram contra o Irã, dia 24 de abril de 1980? Examinem os candidatos à presidência de qualquer dos partidos (e também os sem partido) no início da campanha eleitoral de 2016: todos eles sabem que guerras no exterior não conquistam votos em eleições, e uma guerra quente, quase uma guerra mundial contra a Rússia –, ora… é assunto que nem aparece na escala das pesquisas. Sangue norte-americano não é moeda de troca em época de eleições – nem a menor gota, nem sangue de “voluntários” ou de “mercenários”, não das Forças Especiais dos EUA ou dos soldados regulares dos EUA. Lembrem o cálculo daqueles dias, quando a Guerra do Vietnã ia sendo perdida – mortos em combate + inflação + desemprego = morte para candidatos à presidência. Examinem com atenção esse mapa da Síria traçado pela Agência dos EUA para Desenvolvimento Internacional [US Agency for International Development (USAID)]Clique para aumentar (Fonte: Síria Crisis Map: http://irevolution.net/2012/03/25/crisis-mapping-syria/). Sobre esse mapa, trace linhas de 300km de alcance, a partir da base naval russa em Tartus, para o norte e para o sul pela costa, e para leste, para dentro do continente. Feche todas as linhas que levam aos bunkers dos quais conselheiros norte-americanos guiam chechenos, árabes e outros mercenários para seus alvos; interfira pesadamente, boicote e torne inextrincáveis as comunicações eletrônicas, de modo que eles não possam requisitar o socorro da cobertura aérea necessária para lutar contra forças do governo sírio; e treine você mesmo para operações na Ucrânia e no Cáucaso russo, incluindo o Daguestão e a Chechênia. Trace linhas de 1.500km partindo da Rússia, que atravessem territórios do Irã e do Iraque, no rumo de cada trilha, caminho ou estrada pelos quais possam andar dólares, armas e homens norte-americanos. Destrua tudo o que haja ali hoje, e torne irrecuperavelmente precárias e intransitáveis todas as trilhas, caminhos ou estradas que pudessem vir a substituir as anteriores. (Mapa em Ministério da Defesa da Rússia, em http://www.bbc.com/news/world-europe-34471849) Desenhe raios de voo dos bombardeiros Su-25 que cubram, para leste e para o norte, qualquer movimento de retirada e reagrupamento do exército dos EUA para desertos não cobertos, onde curdos, iranianos e iraquianos os esperam para matá-los. Essa não é “guerra híbrida”, do tipo que transita pelas poltronas de Chatham House, Londres, ou Freedom House, Washington. Essa é guerra real – e com força múltipla de várias dúzias ou centenas para 1, a favor dos russos, sem nenhuma dúvida, nesse momento. Com isso, a questão passa a ser – com quanto tempo se pode contar lá, por enquanto? Quer dizer, quanto tempo o exército dos coturnos norte-americanos em solo deve esperar pela chegada do helicóptero extra (que Carter não mandou) plus a cavalaria do “desarme”, de Brzezinski? Ou, para pôr a questão em termos mais urgentes: quanto tempo ainda terão os homens em solo, antes de terem de correr para salvar a vida? A pergunta foi respondida na noite passada por Alexander Goltz, analista militar do Colégio da Defesa da OTAN (tem sede em Moscou): “A Rússia solicitou [aos EUA] que remova todos os instrutores norte-americanos [que haja na Síria], e suspeito que assim será feito.” Para conhecer o currículo de Goltz como observador militar da OTAN em campo, em Moscou, leia o que está aqui. O reconhecimento, por Goltz, significa que, a menos que os ministros de Defesa da OTAN decidam hoje à tarde, que entrarão em guerra contra a Rússia, qualquer força expedicionária aérea, naval ou em terra, suficientemente grande a ponto de poder desafiar os russos, agora, é impossível. É o que também foi noticiado quando o New York Times foi convocado para sessão de atualização “por oficial da Aliança [de Rússia, Síria, Irã, Iraque e Hezbollah], que falou sob a condição de que seu nome não fosse divulgado, para discutir estratégia militar”. Tendo dispensado o Financial Times, o Economist e Der Spiegel, torsos falantes de militares que não existem no Oriente Médio, o objetivo estratégico dos russos agora está sendo informado diretamente aos EUA: “Nada de perguntas. Nenhuma. Em nenhum nível” – é o que o Times está noticiando do que ouviu. A Rússia estabeleceu uma zona aérea de exclusão sobre todas as fronteiras da Síria e montará uma fortaleza alawita ao longo da planície costeira. Quanto ao que acontece nos desertos do norte e oeste, todas as decisões competem aos exércitos xiitas do Irã e do Iraque, com ou sem cobertura aérea russa, mas com absoluta garantia de que ali não haverá cobertura aérea de norte-americanos, da OTAN, de turcos, de sauditas, de jordanianos ou dos Emirados. Gennady Nechaev, analista militar em Vzglyad em Moscou, explica: “Há espaço aéreo, mas é controlado ou pelos EUA ou por nossa Força Aérea. Mas hoje não se trata de controlar espaço aéreo. Estamos falando de controlar espaço em solo. Aí, as operações podem ser de dois tipos: destruição direta do ar, e isolamento da área de operações por ar, para impedir movimentos do inimigo e reservas futuras. Nesse caso, a tarefa é praticamente irrealizável, porque há uma fronteira aberta com o Iraque, pelo lado da Turquia. Os limites não são controlados. O problema pode ser resolvido [pela Rússia], se se atacar ao longo da profundidade total do espaço sob controle do ISIS. No momento, há em curso uma operação contra a infraestrutura do ISIS. Infraestrutura é modo de dizer e conceito muito maleável, nesse caso, porque eles não têm infraestrutura civil. Há elos militares e conexões que [devem] operar para o fornecimento de armas. Agora, a Rússia está atacando com vistas a esses objetivos.” À noite, um analista militar alemão disse: “Nada disso jamais se viu na história do Oriente Médio, desde a derrota do [marechal de campo Erwin] Rommel. O Exército Vermelho “está empoderado num nível que jamais se viu no mapa do Oriente Médio.” Evgeny Satanovsky, acadêmico especialista em Oriente Médio, em Moscou, acrescenta: “Moscou não quer dividir os terroristas em ‘nossos’ e ‘não nossos'”. A emergência da Força Aérea Russa na Síria (…) mudou radicalmente a situação na região. Esperem coisa totalmentediferente, a partir dos princípios.” E se os sauditas transferem suas forças, de bombardear o sul e o leste no Iêmen, para bombardear o oeste, e convidam forças dos EUA para defender as decolagens das bases aéreas sauditas, ou de porta-aviões no Golfo Persa? Fonte militar egípcia comenta: “O rei [Salman] sofre do Mal de Alzheimer e seu filho [Mohammad bin Salman], que realmente governa, é jovem demais; inseguro demais na sucessão do rei; e domesticamente vulnerável demais. Se qualquer deles der uma piscadela nervosa, que seja, na direção da fronteira síria, o preço do óleo volta rapidamente ao nível que a Rússia deseja e do qual precisa. E não virá qualquer apoio para os sauditas contra os russos, do único real fiador árabe: Abdel Fattah el-Sisi, presidente do Egito. Há muito tempo, quando Obama instalou a Fraternidade Muçulmana no Cairo, [Sisi] entendeu a estratégia dos norte-americanos: as promessas de Obama são a mais séria e real ameaça que há, contra a segurança do Egito e dos países árabes em geral. Isso, porque Obama não consegue controlar as Amazonas ensandecidas de Washington que manejam a máquina de guerra dos EUA; nem os jihadistas que o próprio Obama emprega e paga, como mercenários para a guerra. Sem cobertura aérea, linhas de suprimento e muitos dólares, todos aí estão condenados. Os xeiques sauditas não se arriscarão em alguma tentativa para salvá-los.” Para saber mais sobre como Putin administra o relacionamento com os sauditas, leiam minha coluna de 29/10/2013, nesse blog. (…) Conforme a versão do New York Times, “um alto oficial da Defesa dos EUA” teria dito que “os padrões operacionais deles [dos russos, na Síria] permanecem idênticos [ao que fizeram na Ucrânia].” Segundo o secretário de Defesa dos EUA Ashton Carter, “entendemos que a Rússia está cometendo um erro em suas ações na Síria.” Esse Carter tem laços sentimentais, mas não é parente de sangue do outro Carter, o Jimmy ‘Helicóptero’ Carter. Para saber mais sobre a figura, vejam-no em ação, ao vivo. John Hellmer, Dances with bears, em 13 out. 2015. Disponível em: http://navalbrasil.com/os-ultimos-ruidos-de-vida-da-estrategia-dos-eua-no-oriente-medio/. Acesso em: 06 abr. 2016. Algumas ideias para refletirmos sobre esse texto de John Hellmer: 1. Trata-se, majoriatariamente, de uma análise de fatos ou de uma interpretação de ideias? 2. As hipóteses de ação mencionadas são plausíveis ou fantasiosas? Por quê? 3. As ideias de Bzrezinski estão bem situadas no contexto apresentado? Na próxima aula, daremos prosseguimento aos ecos do realismo político no pensamento geopolítico da segunda metade do século XX e início do XXI...tratando, é claro, de novos autores. Referências e indicações bibliográficas BRZEZINSKI, B. O grande fracasso. Rio de Janeiro: Bibliex, 1990 ______________The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives, New York: Basic Books, 1997 COSTA, W. Geografia política e geopolítica. São Paulo: Hucitec, 1990 LOUIS, F. Les grands théoriciens de la géopolitique. Paris: PUF, 2014 MELLO, L. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec, 1999 RAFFESTIN, C. et al. Géopolitique et histoire. Paris: Payot, 1995 Os últimos ruídos de vida da estratégia dos EUA no Oriente Médio
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