Buscar

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

C A P Í T U L O 2 
RAÇA, ETNIA, NAÇÃO 
1 Os debates do século XIX 
Aborda r u m a reflexão sobre a etnicidade po r u m a apresentação 
das idéias do século passado não advém, aqui, de um exercício acadê-
mico ou de u m a reverencia obrigatória aos Pais Fundadores . Trata-se 
antes de ver o m o d o como, desde sua criação no inicio do século XIX, 
a noção de etnia se encont ra mesclada a outras noções conexas, as 
de povo, de raça ou de nação, com as quais m a n t é m relações ambí-
guas cujo rastro encon t r amos nos debates con temporâneos . 
De um m o d o ou de outTo, os autores do século XIX tentam 
responder à m e s m a questão: c o m o abranger princípios sobre os 
quais se f u n d a m a atração e a separação das populações? E para 
responder a esta questão q u e Vacher de Lapouge introduz nas 
ciências sociais a noção de etnia, sem atribuir-lhe, por sua vez, 
u m a grande importância . Para este defensor inf lamado da "escola 
selecionista", a raça, def inida c o m o o c o n j u n t o dos indivíduos 
q u e possuem em c o m u m um de te rminado tipo hereditário, é o fa-
tor fundamen ta l da história. Zoologista antes de mais nada, c o m o 
34 PHIUPPE POUTIGNAT E JOCELYNH STREIFFFENART 
ele própr io sc definiu, Vacher de Lapouge considera o h o m e m 
não como um ser à parre mas como um primata cuja característi-
ca de espécie é a de estar submet ido mais à seleção social q u e à se-
leção natural. E, então, o m o d o pelo qual , sob o efeito das 
seleções sociais, os elementos antropológicos superiores e infe-
riores se combinam em uma população que determina as vicissitu-
des da história, isto é, "a vida e a morte, o crescimento e o declínio 
das nações". Se Vacher de Lapouge inventa o vocábulo etnia, é, 
afirma ele, para prevenir um "erro" que consiste cm contundir a 
raça - que ele identifica pela associação de características morfológi-
cas (altura, índice cefálico etc.) e qualidades psicológicas com 
um m o d o de agrupamento fo rmado a partir de laços, intelectuais, 
como a cultura ou a língua. Tais grupos sociais (que ele define si-
mul taneamente como "naturais e factícios") não podem, segundo 
ele, confundir-se com a raça, e até mesmo lhe são "mais ou me-
nos opostos", dado que se trata de agrupamentos que resultam da 
reunião de elementos de raças distintas que se encontram submis-
sos, sob o efeito de acontecimentos históricos, a instituições, a 
uma organização politica, a costumes ou idéias comuns . T a m b é m 
n ã o se pode confundi-los com as nações, visto que a solidariedade 
assim constituída subsiste para além da fragmentação do grupo 
q u e a produziu. U m a vez q u e este desaparece c o m o entidade so-
ciopolitica, permanece sempre "uma certa atração entre as partes 
disjuntas e uma antipatia particular para com os grupos sociais de 
outras origens" (Vacher de Lapouge, 1896, p.lO). E, então, para 
dar conta de uma solidariedade de grupo particular, simultanea-
mente diferente daquela produzida pela organização politica e da-
quela produzida pela semelhança antropológica, que o termo 
etnia foi introduzido na língua francesa.1 
1 Esta p r ime i r a de f in ição "negat iva" de etnia pe rmanece rá d u r a n t e m u i t o t e m p o 
in f luen te na concepção d o s g rupos é tn icos ; reencont ramo- la especia lmente na 
def in ição q u e lhe dá Francis: " U m g r u p o é tn ico n ã o é u m a raça se d e f i n i r m o s a 
raça n o s en t ido an t ropo lóg ico c o m o u m g r u p o d e pessoas t e n d o características 
fisicas c o m u n s . Ele n ã o const i tu i igua lmente u m a nação se e n t e n d e r m o s por 
nação u m a sociedade unif icada p o r u m governo c o m u m o u u m a agregação d e 
ind iv íduos u n i d o s p o r laços políticos, u m a l íngua c o m u m , um terr i tório 
c o m u m . . . " (Francis , 1947) . 
TEORIAS DA ETNICIDADE 35 
A oposição entre laços biológicos e laços intelectuais é o que 
reencon t ramos em Renan , mas sua importância respectiva é exata-
men te inversa à q u e lhes atribuía Vacher de Lapouge. T o d a a argu-
mentação de seu famoso ensaio "Qu'est-ce q u ' u n e nation?" l " 0 que 
é u m a nação?"], apo iado sobre u m a e n o r m e erudição, consiste em 
desqualificar os pr imeiros em prol dos segundos c o m o fatores da 
formação das nações. A emprei tada, mani fes tamente inspirada pela 
questão efervescente da Alsácia-Lorena, visa substituir os funda-
mentos a t r ibuídos ou he rdados de pertença, impondo-seao h o m e m 
c o m o u m a fatalidade, por u m a busca voluntarista de adesão que faz 
da existência da nação " u m plebiscito de todos os dias" (Renan, 
1887, p .307) . Renan procede a u m a refutação minuciosa dos crité-
rios objet ivos de per tença nac ional (tais c o m o se poderia procurá-
los nos fatores etnográfico, geográfico ou lingüístico) em prol de cri-
térios subjetivos: o desejo, a vontade e o consent imento . Para além 
de seu objetivo normat ivo, o texto apresenta, com relação à nação, 
u m a ques tão teórica f u n d a m e n t a l q u e Vacher de Lapouge teria po-
d ido se colocar em relação à etnia (mas que pouco interessava aos 
teóricos do da rwin i smo social): qua l é a força q u e inspira nos indiví-
d u o s esse dese jo de viver em c o n j u n t o e essa vontade de permanecer 
un idos no q u a d r o nacional? Cer tamente , não é pelo interesse indi-
vidual em aderir (como o encon t r amos no dito popular voltaireano: 
ubi bene ibi patria), mas ao contrár io um sent imento (o a m o r pela pá-
tria) no qua l se incluem em grande parte o sacrifício, o luto e o sofri-
m e n t o compar t i lhado no passado, e cuja memór ia se t ransmite pelo 
culto aos ancestrais, pela lembrança dos grandes h o m e n s e suas 
ações heróicas." Mas . e n isso reside a idéia central do texto de 
2 F r e q ü e n t e m e n t e d e s t a c a m o s no texto de R e n a n u m a c o n t r a d i ç ã o e n t r e a argu-
m e n t a ç ã o desenvo lv ida p o r e le s o b r e a c o n c e p ç ã o da nação-cont ra to e as últi-
m a s pág ina s d o texto q u e a t r i b u e m a o p a s s a d o c o m u m toda sua i m p o r t â n c i a e 
i n v o c a m o " r ico legado de l e m b r a n ç a s e a h e r a n ç a ances t ra l" . Parece-nos toda-
via q u e seria t o t a l m e n t e e n g a n o s o in te rp re ta r a exal tação do cul to d o s ances-
trais c o m o u m a c o n c e s s ã o à c o n c e p ç ã o "é tn ica" da nação . N a d a indica (ou 
antes , t u d o indica o cont rár io) q u e os ancestrais de q u e aqui se trata es te jam liga-
d o s aos c idadãos da nação atual por u m a f i l iação biológica. A relação q u e se esta-
belece e n t r e os vivos e os mor tos , en t re o pa s s a do e o presen te , ê de o r d e m espiri-
tual . Ela n ã o p ro ibe de m o d o a lgum, m a s ao con t rá r io f u n d a a poss ib i l idade de 
36 PHIUPPE P O U T I G N A T E JOCELYNE STREIFF-FENART 
Renan, esse passado c o m u m que constitui a história de um povo 
não deve ser con tund ido com uma história real das populações. Pas-
sado histórico de u m a nação n ã o é u m a realidade q u e se impõe por 
si mesma, mas u m a construção cont inua que repousa no olvido e 
no erro histórico: "a essência de uma nação reside no fato de todos 
os indivíduos terem muitas coisas em c o m u m , e igualmente que to-
dos t enham esquecido bem as coisas" (p.286). A memória fundado-
ra da un idade nacional é, ao mesmo t empo e necessariamente, 
esquecimento das condições de produção desta unidade: a violência 
e o arbitrário originais e a multiplicidade das origens étnicas. 
A atualidade do texto de Renan está cm seu anticsscncialismo: 
na base de formação das nações, encontra-se uma série de fatos con-
tingentes, de divisões artificiais, de acasos de conquistas, e de m o d o 
algum um principio necessário ou natural. U m a nação não pode 
mais valcr-sc de fronteiras geográficas naturais, mas reivindicar po-pulações q u e lhe pertenceriam pela comunidade lingüística ou pa-
rentesco racial. Renan não discute a existência das raças, mas a 
ficção da pureza racial. N ã o existem grupos racialmente puros, mas 
populações que esqueceram o fato de serem originárias de uma fu-
são, e, c o m o vimos, tal esquecimento é essencial para fundar o senti-
men to de pertença c o m u m . Para Renan, a nação e n q u a n t o ent idade 
politica constrói-se, então, não a partir do grupo racial ou étnico mas 
f reqüentemente contra ele: é po rque não podem mais dizer que são 
burgondes , alains, taifales ou visigodos que os habitantes da França 
podem ser cidadãos franceses. Deve-se notar que no texto de Renan 
(publicado alguns anos antes do de Vacher de Lapouge) os elemen-
tos raciais e étnicos não estão claramente distintos c são evocados in-
diferentemente para desvalorizar o "critério etnográfico", q u e 
remete, nos termos da época, à identificação das populações segun-
do os dados da antropologia física.' 
q u e es t range i ros "na tu ra l i zados" t o r n e m seu o passado heró ico , os g randes 
h o m e n s , e a glória da nação à qua l o p t a r a m p o r ader i r . Longe de ser u m a con-
t radição, essas d u a s facetas do p e n s a m e n t o de R e n a n são pe r fe i t amente con-
g ruen tes c o m sua dialética da m e m ó r i a e do e s q u e c i m e n t o e pe rmi t em fazer da 
idéia da naçào-cont ra to ou t r a coisa além de um pr inc ip io metaf ís ico. 
3 A c o n f u s ã o d o s t e r m o s raça e e tn ia ou raça e t r ibo é po r t an to coisa co r r en t e e 
c o n t i n u a r á ass im d u r a n t e t o d o o pe r íodo co lon ia l . Reencont ramo- la , p o r 
TEORIAS DA ETN1CIDADE 37 
Weber , no capitulo q u e consagra, em Economie e Societé, às re-
lações comuni tár ias ctnicas, dist ingue mais c laramente as três enti-
dades q u e são a raça, a etnia e a nação. O q u e dist ingue a pertença 
racial da pertença étnica é q u e a primeira é "realmente" fundada na 
c o m u n i d a d e de origem, ao passo q u e o q u e funda o grupo étnico é 
a crença subjetiva na comun idade de origem. Q u a n t o ã nação", ela 
é, c o m o o g rupo étnico, baseada na crença da vida cm c o m u m , mas 
se dis t ingue deste úl t imo pela paixão (pathos) ligada à reivindicação 
de um poder io politico. 
O q u e são, por tanto, para W e b e r os grupos étnicos? São "esses 
g rupos q u e a l imentam uma crença subjetiva em uma comun idade 
de origem f u n d a d a nas semelhanças de aparência externa ou dos 
cosnimes, ou dos dois , ou nas lembranças da colonização ou da mi-
gração, de m o d o que esta crença torna-se impor tan te para a propa-
gação da comunalização, pouco i m p o r t a n d o q u e uma comun idade 
de sangue exista ou n ã o objet ivamente" (Weber , [1921] 1971, 
p.416). 
A raça, e n q u a n t o de te rmina uma "aparência exterior" herdada 
e transmissível pela hereditariedade, n ã o interessa por si mesma ao 
sociólogo. Ela só adqui re uma importância sociológica q u a n d o en-
tra na explicação do c o m p o r t a m e n t o significativo dos h o m e n s uns 
em relação aos outros , ou seja, q u a n d o ela é sent ida subjet ivamente 
c o m o u m a característica c o m u m e constitui por isso uma fonte da 
atividade comuni tár ia . E, m e s m o nesse caso, n ã o são apenas o sim-
ples parentesco ou a s imples diferença antropológicos (sempre no 
sent ido da antropologia física) q u e f u n d a m a atração ou a repulsa 
mútuas , mas a tomada em consideração deles como socialmente 
condic ionada pelo estabelecimento de relações de dominação. 4 Do 
e x e m p l o , s o b a p e n a de lord Lugard , a d m i n i s t r a d o r colonial na Áfr ica , c i tado 
p o r Merc i e r : " U m a div isão desse t i p o c o n o t a u m a d i fe rença ma i s p r o f u n d a e 
m a i s real q u e aque la d a s afinidades raciais, po i s os c a s a m e n t o s mi s to s e os con-
c u b i n a t o s c o m escravos e cat ivos e s t r ange i ros t e n d e m a obl i te rar as característi-
cas tribais" (Merc ie r , 1 9 6 1 , grifo nosso) . 
4 Em seu c o m e n t á r i o s o b r e a c o n f e r ê n c i a do D r . PIoe t : s o b r e " A s n o ç õ e s de 
raça e de s o c i e d a d e " ( 1 9 1 0 ) , W e b e r reagiu i n t e n s a m e n t e às ten ta t ivas l o s so-
c i o d a n v i n i s t a s de reduzi r os fatos sociológicos a qua l idades ina tas ou heredi tá-
r ias . A i , ele d e m o n s t r a e s p e c i a l m e n t e c o m o o mi t ico " c h e i r o de n e g r o " , q u e ali-
38 PHIUPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART 
pon to de vista da sociologia compreensiva não existe portanto dis-
tinção fundamenta l a operar entre as disposições raciais (heredita-
r iamente transmissíveis) e as disposições adquir idas pelos hábitos 
de vida ( transmitidas pela tradição), já q u e tanto umas c o m o as ou-
tras dão lugar a u m a comunidade de relações sociais. A raça (o pa-
t r imônio hereditário) não deve então ser situada, cm Weber , no 
m e s m o nível que o grupo étnico, mas no mesmo nível que o costu-
me (o pa t r imônio cultural), como uma das forças possíveis da for-
mação das comunidades : "Grandes diferenças nos 'costumes' 
d e s e m p e n h a m um papel equivalente ao da aparência exterior he-
reditária na formação dos sent imentos de comunidade étnica" 
(p.419). 
Assim como não pressupõem u m a real comunidade de ori-
gem, os grupos étnicos t ambém não pressupõem uma real ativida-
de comunitár ia . Eles existem apenas pela crença subjetiva que têm 
seus m e m b r o s de formar uma comunidade e pelo sent imento de 
honra social compar t i lhado por todos os que al imentam tal crença. 
A pertença étnica determina, assim, um tipo particular de grau so-
cial que se al imenta de características distintivas e de oposições de 
estilos de vida, utilizadas para avaliar a honra e o prestígio segundo 
um sistema de divisões sociais verticais. Mas essas características 
distintivas só têm eficácia na formação dos grupos étnicos q u a n d o 
induzem a crer q u e existe, entre os grupos que as exibem, um pa-
rentesco ou uma estranheza de origem. Sobre o que se fundamenta 
esta crença? C o m o Renan o faz em relação ã nação, Webe r faz uma 
revisão dos fatores que atuam na formação das comunidades étni-
cas. A língua e a religião desempenham um papel importante, tal-
vez po rque elas autorizam a comunidade de compreensão entre 
aqueles q u e compart i lham um código lingüístico comum ou um 
mesmo sistema de regulamentação ritual da vida. Mas, assim c o m o 
Renan, W e b e r observa que grandes diferenças dialetais ou religio-
sas podem ocorrer entre pessoas que, contudo, percebem-se subje-
m e n t a o s s e n t i m e n t o s d e repulsa d o s b r ancos d o s Estados U n i d o s para com o s 
neg ros , é na ve rdade " u m a invenção d o s Es tados do nor t e , de s t i nada a explicar 
seu recente ' d i s t a n c i a m e n t o ' d o s negros" (cit. in G u i l l a u m i n &. Poliakov, 
1974) . 
TEORIAS DA ETN1CIDADE 39 
t ivamente c o m o m e m b r o s dc um m e s m o grupo. As diferenças 
culturais, assim c o m o as diferenças antropológicas (o critério etno-
gráfico em Renan) , intervêm igualmente em inúmeros casos, mas 
W e b e r acentua q u e a crença no parentesco clânico pode existir ape-
sar dc grandes divergências nos t ipos antropológicos ou nos costu-
mes. É o q u e acontece especialmente q u a n d o esta crença é baseada 
na lembrança de um passado c o m u m entre g rupos que divergiram 
do fato da colonização ou da migração. O interesse c o m u m ao qual 
Renan dedica apenas a lgumas l inhas ("un ZoIIvcrcin n'est pcis une 
patrie") adquire , pelo contrár io , em W e b e r toda a sua importância. 
As relações comerciais entre a pátria dc origem c a colónia são as-
sim, s egundo ele, um dos fatores decisivos da subsistência de um 
sen t imen to comuni tá r io entreos colonos e seus compatr iotas de 
origem, apesar da divergência dos pa t r imônios culturais c dos tipos 
hereditários. C o n t u d o , para Webe r , o fator decisivo cont inua sen-
do a c o m u n i d a d e politica. Ela cor responde ao q u e ele designa 
c o m o a forma "mais artificial" de or igem da crença no parentesco 
étnico, aquela pela qual u m a associação racional (tal c o m o uma ati-
vidade c o m u m de defesa do terri tório ou de conquis ta , ou m e s m o 
uma simples subdivisão administrativa) transforma-se cm comuna-
lização étnica, a t ra indo um s imbol i smo da comun idade de sangue 
e favorecendo a emergência de uma consciência tribal ou a eclosão 
de um sen t imen to de dever moral ligado â defesa da pátria. 
Ao final desse exame, impõe-se a conclusão: "o con teúdo da 
a t ividade dc c o m u n i d a d e possível sobre u m a base étnica cont inua 
inde te rminado" (p.420) a tal p o n t o q u e o conceito de etnia surge 
c o m o um p a n o de chão inurilizável, própr io para "se jogar fora" 
(p.423). A irritação de W e b e r d iante desse conceito de comunida-
de étnica q u e "se volatiliza assim q u e se tenta limitá-lo com preci-
são" n ã o deve, con tudo , masa i ra r os dados essenciais dc sua 
contr ibuição, e s t r anhamente pouco comentada na bibliografia so-
bre a etnicidade.5 V a m o s resumir-lhes os aspectos essenciais: 
• Ao def in i r o grupo étnico a partir da crença subjetiva na origem 
c o m u m , W e b e r subl inha que não é na posse de traços, quais-
5 E x c o t u a n d o sc H e c h t c r (1976) , N c u w i r t h (1969 ) c J ackson (1983) . 
40 PHIUPPE P O U T I G N A T E JOCELYNE STREIFF-FENART 
quer q u e se jam, q u e é conveniente procurar a fonte da etnicida-
de, mas na atividade de produção, de manu tenção e de 
a p r o f u n d a m e n t o de diferenças cu jo peso objetivo não pode ser 
avaliado i ndependen t emen te da significação q u e lhes a t r ibuem 
os indivíduos no decorrer de suas relações sociais. C o m o o 
acentua corre tamente Hcchte r (1976), o g rupo étnico para 
W e b e r é c laramente u m a const rução social cuja existência é 
sempre problemática. 
• A ident idade étnica (a crença na vida em c o m u m étnica) cons-
trói-se a partir da diferença. A atração entre aqueles q u e se sen-
tem c o m o de uma mesma espécie é indissociável da repulsa 
d iante daqueles q u e são percebidos c o m o estrangeiros. Esta 
idéia implica q u e não é o i solamento q u e cria a consciência de 
pertença, mas, ao contrário, a comunicação das diferenças das 
quais os indivíduos sc apropr iam para estabelecer fronteiras 
étnicas. 
• O con teúdo da c o m u n i d a d e étnica é a crença cm u m a honra es-
pecífica: a honra étnica pela qual os estilos de vida particulares 
sc encarregam de valores sobre os quais se f u n d a m as preten-
sões à d ignidade daqueles q u e os praticam, e o desprezo por 
aqueles q u e praticam cos tumes estrangeiros/ ' C o m o Renan, 
W e b e r acentua o papel do olvido neste processo de convencio-
nalização, no decorrer do qual o fortuito c o aleatório tornam-se 
o essencial. 
2 Raça e etnia: confusões persistentes 
Entre os teóricos mode rnos , os te rmos "etnia" ou "étnico" 
abrangem, assim, de uma só vez, sentidos diversos e se encon t r am 
articulados de maneira diferente com as noções de raça e de nação. 
Para Renan , o e lemento étnico está do lado do objetivo e da fatali-
6 A n o ç ã o d c h o n r a é tn ica c m W e b e r esta m u i t o p r ó x i m a d o q u e S u m n e r (1906 ) 
d e f i n i u c o m o "o c t n o c e n t r i s m o " , ou seja, a conv icção da excelência de seus 
p r ó p r i o s c o s t u m e s e da i n f e r i o r i dade d o s o u t r o s . 
TEORIAS DA ETNICIDADE 41 
dade c se situa cm oposição à subjetividade e ã vontade, fatores de-
cisivos para a fo rmação das nações. Já do p o n t o de vista dc Webe r , 
a etnia, c o m o a nação, fica do lado da crença do sen t imento e da re-
presentação coletiva, con t ra r iamente â raça, q u e fica do lado do pa-
rentesco biológico efetivo. 
N ã o se tem certeza de q u e as confusões inerentes à noção de 
etnia, c especialmente aquelas referentes â relação ambígua que 
ela m a n t é m com a noção de raça, estejam realmente dissipadas. 
C o n t r a r i a m e n t e aos teóricos do século XIX, os pesquisadores 
c o n t e m p o r â n e o s não t o m a m a raça c o m o um fator explicativo do 
social, c o m o o fazia Vacher de Lapouge, e a antropologia física 
n ã o mais desfruta do crédito q u e lhe a t r ibuíam os pesquisadores 
da época anter ior (como foi o caso de Renan, ao pedir polidamen-
te a esta "ciência de raro interesse" q u e n ã o se misturasse a ques-
tões politicas!). N e m por isso o t e rmo raça desapareceu do 
vocabulár io das ciências sociais. A Brirish Library e a Biblioteca 
do Congre s so Amer icano utilizam-no c o m o índice dc classifica-
ção, e múlt iplas revistas de língua inglesa fazem-no figurar em 
seus rinilos (Race, t r ans fo rmada em Race and Class, Eihnic and 
Racial Studies etc.). E verdade que , em sua acepção contemporâ-
nea, o t e r m o "raça" (ou o qualificativo "racial") n ã o mais denota a 
heredi tar iedade biossomárica, mas a percepção das diferenças físi-
cas, no fato de elas terem u m a incidência sobre os estatutos dos 
grupos c dos indivíduos e as relações sociais. Na sociologia anglo-
saxônica, admite-se, de m o d o explícito ou implícito, q u e os gru-
pos raciais diferem dos grupos étnicos pelo fato de serem defini-
dos n ã o em termos de diferenças socioculturais, mas a partir de 
diferenças percebidas no fenót ipo. Se a raça possui uma validade 
c o m o noção sociológica é po rque é, segundo os te rmos de Ban-
ton (1971), um "signo dc papel". N ã o é, então, a raça e n q u a n t o 
tal, mas as relações raciais q u e const i tuem um obje to para a socio-
logia. Mas isto não redunda , no f inal das contas, na "naturaliza-
ção" das características físicas sob forma cie atributos q u e tenha, 
po r natureza, a propr iedade de f u n d a r um t ipo particular de rela-
ções sociais? Colet te Gu i l l aumin havia, não sem pertinência, des-
tacado esta ambigü idade das ciências sociais que , recusando-se a 
atr ibuir à raça da antropologia física u m a incidência causal sobre 
42 PHIUPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART 
os compor tamen tos , c o n t u d o conferiam aos caracteres físicos 
u m a realidade e n q u a n t o fontes de percepção das diferenças. 
" T u d o se passa c o m o se os pesquisadores, por sua vez, não acre-
d i t ando na raça, supusessem q u e ela é concretamente real para os 
grupos q u e produzem as condutas racistas" (Gui l laumin, 1972, 
p.62). No m e s m o sent ido, W a d e (1993) estima q u e as ciências so-
ciais não conduzem a um b o m te rmo a crítica da noção de raça. 
Fazendo da "raça" uma const rução inteiramente cultural, elas são 
levadas a abordar a variação fenotipica c o m o elemento "simples-
men te natural" , neu t ro c não es t ruturado em si próprio, e cuja 
utilização permite dist inguir as classificações raciais de outras clas-
sificações (étnicas), desprezando o fato de que as variações fenoti-
picas são, elas próprias, socialmente construídas. Para Wade , n ã o 
são, sejam quais forem, as variações fenotipicas q u e se to rnaram 
racializadas, mas sim aquelas q u e sc salientaram na história da ex-
pansão colonial européia na África, na Ásia, no Or ien te Méd io é 
na Austrál ia. N ã o levar isso em consideração é aceitar como evi-
den te q u e os atr ibutos fenotípicos :designados c o m o "raciais" 
constituem-se, na tura lmente , b o n s indicadores para a categoriza-
ção social (em oposição à altura, à cor dos olhos etc.). Precisar 
q u e as pessoas n ã o percebem as diferenças raciais, mas somente 
diferenças fenotipicas de cor, de cabelos, de ossatura etc., e que 
estas foram escolhidas s implesmente de maneiracontingente, 
c o m o o faz Ban ton , subes t ima, s e g u n d o W a d e , a cons t rução so-
cial e histórica da própria idéia de q u e existem diferenças físicas 
significativas e daqui lo que é t ipicamente pensado c o m o variação 
fenotipica. Disto resulta que o d o m í n i o das pesquisas sobre as re-
lações sociais é inseparável da história de um discurso especifica-
mente ocidental e de suas t ransformações. 
Para Neuwir th (1969), a dist inção entre relações raciais e rela-
ções étnicas, tradicional nas ciências sociais anglo-saxõnicas, indi-
ca apenas q u e os sociólogos aceitam de m o d o acrítico a terminolo-
gia corrente, segundo a qual o termo "racial" possui conotações 
emotivas mais poderosas do q u e o te rmo "étnico". Segundo 
Gui l l aumin , a for tuna da palavra "etnia" nas ciências sociais fran-
cesas liga-se precisamente ao fato de permitir q u e se evite o mal-
estar suscitado pela conotação biológica da palavra raça, o que 
TEORIAS DA ETNICIDADE 43 
abso lu tamen te n ã o a impede de acarretar implici tamente as mes-
mas significações (p.58).7 O termo "etnia" não seria senão uma vã 
tentativa de fugir a uma forma de p e n s a m e n t o biologizante que se 
acha, de fato, restabelecida nas utilizações cotidianas, através de 
expressões c o m o "prob lemas étnicos" ou "minor ias étnicas". Tal 
t e rmo eufcmist ico chegou por isso, c o m o sempre nesses casos, a 
ser recoberto pela conotação pejorativa que procurava evitar. O 
t e rmo "etnia" possui má fama a tua lmente na França, precisamen-
te po r não poder mais ser pensado de ou t ro m o d o a não ser 
c o m o subst i tuto da palavra "raça". Pode-se ver um exemplo recen-
te desta con t inu idade de sent ido entre as duas noções nesta passa-
gem do relatório da Comis são da Nacional idade: "A teoria do 
direito do sangue ' pu ro ' c o n f u n d e a pertença ã nação com a per-
tença a uma etnia. Ela esquece q u e a incidência da filiação sobre a 
nacional idade sc justifica mais pela educação parental que pela 
procriação" (cit. in Schnapper , 1991, p.349). 
Esta superposição da raça e da etnia impõe-se tanto mais facil-
men te aqui, já q u e se faz em referência ao terceiro t e rmo que é a na-
ção. A etnia de q u e se trata neste contexto é o referente que desde 
os debates do século XIX denota a concepção "naturalista", "deter-
minis ta" ou "organicista" da nação, aquela de Herder e de Burke, 
contra a qual sc levantaram Renan, Miche le tou Fustel de Coulan-
ges. Nesta acepção, a etnia combina os aspectos biológicos e cultu-
rais. Ela é s imul taneamente c o m u n i d a d e de sangue, de cultura e de 
língua. A oposição aqui per t inente n ã o está, como para os sociólo-
gos das minor ias , entre traços biológicos (raciais) e traços sociocul-
7 É v e r d a d e q u e a ca rac te r ização de um t i p o de re lações c o m o inter-raciais ou 
i n t e r é t n i c a s (até m e s m o d e m o d o a i n d a ma i s eu femis t i co c o m o in tercul tura is ) 
d e p e n d e , an te s d e t u d o , d o c o n t e x t o d e f i n i d o pelas t radições nac iona i s : n a 
G r ã - B r e t a n h a , os t e r m o s coloureii e black têm di re i to de c idadan ia , e as relações 
e n t r e os i m i g r a d o s d e f i n i d o s c o m o tal e os a u t ó c t o n e s são p e n s a d a s c o m o rela-
ções rac ia is , j u s t i f i c a n d o a ex i s t ênc i a de u m a C o m i s s ã o p a r a a I g u a l d a d e Ra-
cia l . Na França , falar-se-ã fac i lmente de rac i smo, m a s de relações in tercul tura is 
e n ã o inter-raciais . De m o d o a inda ma i s eu femis t i co , o s m e s m o s acon tec imen-
tos q u e são desc r i tos pe los m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o c o m o " t u m u l t o s raciais" n a 
Ing la te r ra se rão t r a t a d o s c o m o "revol tas d a s per i fer ias" na França (Body-Gen-
d r o t , 1993) . 
44 PHIUPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART 
turais (étnicos), mas en t re a nação c o m o c o m u n i d a d e politica e a 
nação c o m o c o m u n i d a d e e tnocul tura l . 
3 Nação e etnicidade: 
novas questões e novas perplexidades 
Ao Estado-nação c o m o tipo particular de insti tuição política 
q u e foi d i f u n d i d o a p o n t o de aplicar-se ao c o n j u n t o dos estados ter-
ritoriais sobe ranos (cons t i tu indo "A Sociedade das Nações" ou as 
"Nações U n i d a s " ) aplica-se a af i rmação vo lun ta r iamente tautológi-
ca de H o b s b a w m (1992a): "A característica f u n d a m e n t a l da nação 
m o d e r n a e de t u d o q u e a ela se liga é jus tamente sua m o d e r n i d a d e " 
(p.25). S e g u n d o este autor , as tentativas de def in i r a nação po r 
meio de critérios objetivos estão des t inadas ao fracasso. Em primei-
ro lugar, po rque , qua lque r q u e seja o critério ou a combinação de 
critérios (l íngua, etnia, cultura, história c o m u m , território, religião 
etc.), estes são tão f lu tuantes q u a n t o ao q u e p rocu ram definir . Em 
s e g u n d o lugar, p o r q u e é s e m p r e possível encon t ra r exceções: ou 
p o r q u e os cand ida tos eleitos pela def inição n ã o mani fes tem aspira-
ções nacionais , ou p o r q u e "nações" efetivas não c o r r e s p o n d a m aos 
critérios: " C o m o poder ia ser diferente, na medida em q u e ten-
tamos fazer en t r a r em um q u a d r o p e r m a n e n t e e universal enti-
dades his tor icamente novas, q u e estão apenas emergindo, q u e mu-
dam....7" (p. 15). As tentativas de def inições subjetivas pelo critério 
da consciência de per tença são, po r sua vez, tautológicas e a posterio-
ri. D e p e n d e n t e s d o s discursos de af i rmação nacional , elas correm o 
risco de tomá-los por descrições da realidade. Para Ge l lne r (1989), 
a idéia de q u e a nação seja essencia lmente um g r u p o q u e quer per-
sistir c o m o c o m u n i d a d e , deveria conduzi r à inclusão de todas as es-
pécies dc c o m u n i d a d e s q u e têm pouco a ver com as nações; esta 
def inição voluntar is ta "parece sedutora porque , na época m o d e r n a , 
nacionalista , as un idades nacionais são os objetos de identificação 
e de adesão voluntár ia q u e captam o favor e a preferência. E tão fá-
cil, a tua lmente , esquecer os ou t ros tipos de grupos" (p.84). A me-
n o s q u e se faça do s e n t i m e n t o nacional o correlato de u m a 
TEORIAS DA ETNICIDADE 45 
disposição psicológica ligada a um ún ico t ipo dc g rupo que , ao 
m e s m o t e m p o q u e ela se inscreve na história, é con tudo por si mes-
ma subtra ída à história. 
Ass im, para C o n n o r (1978, 1993), o fator-chave da existência 
das nações é exa tamente a consciência de si do grupo, q u e o separa 
de todos os outros , mas ele liga esta af i rmação a uma definição pré-
via do t ipo dc g rupo em questão: a nação é o g rupo mais a m p l o ao 
qual as pessoas crêem estar ligadas por uma fil iação ancestral. Tal 
crença subjetiva em um parentesco f i c t í c io n ã o tem n e n h u m a 
necessidade de co r re sponder â realidade para contr ibuir para a 
def inição da realidade, d e t e r m i n a n d o os sen t imentos poderosos e 
a-racionais q u e cons t i tuem o cent ro essencial da ident idade nacio-
nal. A etnicidade, então, refere-se aos grupos , ou mais exatamente 
aos povos, q u e são nações potenciais, situadas em um estágio 
p re l iminar da fo rmação da consciência nacional . Neste estágio, a 
sol idar iedade étnica manifesta-se no c o n f r o n t o com e lementos es-
t rangeiros c origina-se na xenofobia , sem por isso consti tuir u m a 
per tença consciente de si própr ia e do tada de uma significação po-
sitiva. Um grupo étnico é en tão "s implesmente" u m a categoria des-
critiva c objetiva, discernivcl pelo observador externo (e, por tanto , 
o ant ropólogo) . A nação pressupõe, por sua vez, u m a consciência 
subjetiva especifica de povo. O engano c o m u m a muitas pesquisas 
sobre a nação e o naciona l i smo seria, então, segundo C o n n o r , 
acreditar q u e a nação seja u m a "real idade tangível" e de, assim, tê-la 
associada ao Estado. Para esse autor , a g rande maioria dos Estados-
nações n e m verdadei ramente o são. 
Só se c o m p r e e n d e tal af i rmação porque C o n n o r definiu pre-
v iamente a essência da nação - a convicção q u e têm seus m e m b r o s 
de f o r m a r um m e s m o povo, t e n d o u m a origem c o m u m e um "mes-
mo sangue" - , s egundo a qual ele pode avaliar "nações autênticas". 
Se a critica dc H o b s b a w m , v i sando as definições subjetivas, n ã o 
pode atingir a a rgumen tação primordial is ta8 de C o n n o r em sua 
coerência interna, u m a vez q u e ela subtrai a natureza do l iame na-
cional ã história, t a m b é m o t raba lho de C o n n o r fornece uma boa 
8 Q u a n t o ao s e n t i d o de s sa palavra e à d i s c u s s ã o d a s c o n c e p ç õ e s "p r imord ia l i s -
tas" da etnicidade, ver infra, p.87 ss. 
46 PHILIPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART 
ilustração de seu alcance. Este autor parece, com efeito, mergulha-
do em um t rabalho tautológico e a posteriori, uma vez que, para fun-
damen ta r seus a rgumentos , ele se apóia nos discursos dos lideres 
nacionalistas alçados à categoria de sábios da nação: " Igno rando 
ou n e g a n d o a conotação de parentesco que penetra a nação, os pes-
quisadores ficaram cegos ao q u e foi to ta lmente claro para os chefes 
nacionalistas" (1993, p.377). 
C o m p l e t a m e n t e ao contrár io , para Gellner , o discurso nacio-
nalista mascara sua realidade sociológica: "O nacional ismo n ã o é o 
q u e parece ser e sobre tudo n ã o é o q u e parece ser para si mesmo" . 
A idéia de um desper tar das nacionalidades, de u m a tomada de 
consciência pelos povos de sua própr ia cultura ancestral encont ra 
apoio na realidade incontornável q u e a nação é u m a ent idade si-
mu l t aneamen te cultural e politica. Assim, T o d o r o v (1989), que ca-
racteriza a nação nesses termos, considera q u e " p o r um lado 
per tencemos todos a comun idades q u e praticam a mesma língua, 
hab i tam o m e s m o território, possuem u m a certa memór ia c o m u m , 
têm os m e s m o s cos tumes (é nesse sent ido q u e os antropólogos em-
pregam a palavra 'cultura ' , fazendo-a assim, s inôn ima de 'etnia'); e 
po r ou t ro lado há comun idades que nos garantem direitos e nos 
i m p õ e m deveres.. ." (p.237). A inovação da nação residiria em sua 
con junção . Para Gel lner , é através de um efeito de ocultação, q u e 
reforça o própr io nacional ismo, q u e sc é levado a crer q u e no Esta-
do nacional haveria a fusão de dois tipos de pertenças, exist indo 
i n d e p e n d e n t e m e n t e da evolução histórica q u e leva a fazer do prin-
cipio de sua fusão a no rma . Precisamente a n o r m a , que , no dis-
curso nacionalista, serve para fazê-las surgir respectivamente 
des t inadas u m a à outra . Esta ocultação não pode ser identificada 
ou revelada a n ã o ser q u e se diferencie cultura e estrutura social 
(como o faz Radcliffe-Brown) e que se as o p o n h a como as aparências 
à realidade (Gellner, 1991). O q u e é ocultado, na verdade, é uma 
propr iedade da estrutura e das condições da o rdem social, corres-
p o n d e n t e a um estádio da divisão do t rabalho q u e confere à cultura 
um papel inédi to na integração das sociedades. Um modelo teórico 
das seqüências historiais , con t ras tando dois tipos de estrutura, a 
da sociedade tradicional agrária e a da sociedade industrial , permite 
q u e se diferenciem as funções diversas atribuídas aos sistemas de 
TEORIAS DA ETNICIDADE 47 
comunicações e de emblemas q u e consti tuem as culturas: "A cultu-
ra reflete a estrutura - mas n e m sempre da mesma forma" (1991, 
p .240) . 
No pr imeiro t ipo encont ra remos sociedades complexas e estra-
tificadas (e não as sociedades tradicionais segmentarias com a soli-
dar iedade mecânica de Durkheim) , compostas, em sua base, de 
comunidades rurais concentradas sobre elas mesmas e, no topo, de 
uma elite governante politico-clerical claramente apartada delas. 
Tais sociedades conhecem uma divisão social do trabalho já esgota-
da, na qual o recrutamento se efetua através do nascimento e o en-
s ino das competências, localmente e sobre a massa; o controle 
politico estabelece-se com mais freqüência por meio da conquista; 
o território da un idade politica abrange necessariamente um gran-
de n ú m e r o de comunidades descont ínuas q u e se diferenciam em 
meio a uma rede intrincada de nuanças culturais e lingüísticas. 
Alia-se ã diversidade das comun idades rurais a das classes e dos es-
tatutos hereditários. N e n h u m fator tende para a homogeneidade 
cultural, mui to ao contrário, a diversidade cultural e lingüística é 
usada para significar c garantir as distâncias sociais. A escrita é mo-
nopolizada pela hierarquia clerical, e a língua escrita, prat icamente 
minori tária, é diferente dos dialetos falados na vida cotidiana pelos 
grupos consti tuintes desta sociedade. As altas culturas eruditas que 
se desenvolvem nessas condições, qualquer que seja a influência 
que possam ter sobre as populações, separam estas dos letrados e 
só se impõem m a n t e n d o sua aura de mistério. Enf im, elas não defi-
n e m os limites de uma unidade politica. 
O ripo de estrutura social p rópr io da era industrial conduz, ao 
contrário, grandes massas de população, pertencentes a culturas in-
feriores descont inuas , em direção às altas culturas normalizadas, 
homogêneas , secularizadas, t ransmitidas não somente pelas elites, 
mas por instituições educativas especializadas sustentadas pelo po-
der central. C o m efeito, o processo de industrialização implica a 
mobi l idade profissional, a articulação de empregos e de competên-
cias diversas, que por si próprias p resumem a possibilidade de uma 
comunicação elaborada e não estri tamente dependen te do contex-
to entre os diferentes setores da estrutura social. Estas característi-
cas, q u e estão associadas a u m a igualdade formal segundo a qual há 
48 PHIUPPE P O U T I G N A T E JOCELYNE STREIFF-FENART 
apenas h ierarquia relativa e ligada a tarefas, p r e s u m e m , e t o r n a m 
necessário, q u e sejam realizadas u m a alfabetização e u m a educação 
universal e, assim, a h o m o g e n e i d a d e e a con t inu idade cultural. 
Os h o m e n s das sociedades tradicionais veneravam os deuses e 
sua cultura, mas n ã o sua própr ia cultura, acentua Gel lner , e nin-
guém ve rdade i ramen te se preocupava c o m "sua" cultura, já q u e ela 
"aparentava-se ou t ro ra ao ar q u e se respirava". C o m o advento da 
industrialização, acontece exa tamente o contrár io: por meio da ex-
periência da migração e da impor tânc ia assumida pelos empregos 
q u e exigem u m a fo rmação s imu l t aneamen te genérica e especializa-
da, o c a m p o n ê s , para q u e m n ã o t inha sent ido perguntar-se se ama-
va sua cultura, n ã o d e m o r a a descobri-la com seus limites, q u e são 
os de suas "possibi l idades de consegui r emprego, de seu m u n d o e 
de sua c idadania mora l" . Então , ele descobre de uma só vez q u e ela 
é seu b e m mais precioso, "sua s e n h a para participação social". 
C o n t u d o , a cul tura q u e está em ques t ão n ã o é aquela em q u e ele vi-
via "out rora" , n e m a dos devaneios românt icos . Trata-se de u m a 
alta cultura q u e requer para sua d i fusão e sua generalização " u m 
teto polit ico" e, s o b este teto, em pr imei r í ss imo lugar, a escola e a 
univers idade. A part ir disso, n ã o são todas as cul turas q u e estão 
des t inadas a ser o f u n d a m e n t o de um proje to politico de Estado na-
cional, mas t an to altas cul turas modern izadas e secularizadas quan-
to cul turas inferiores conseguem sua t rans formação em altas 
culturas. A teoria de Ge l lne r fornece um q u a d ro teórico do "nacio-
na l i smo em geral" q u e explica " p o r q u e o nac ional i smo e n q u a n t o 
tal d o m i n a r á inevi tavelmente mas n ã o um nac iona l i smo em parti-
cular. N ó s s abemos q u e as cul turas bastante homogêneas , possuin-
do cada u m a seu teto politico e seu serviço de en t re ten imento , irão 
tomar-se a n o r m a ... mas é-nos impossível prever quais serão as cul-
turas vi toriosas" (1989, p.73). C o n t u d o , ela oferece u m a t ipologia 
dos nac iona l i smos q u e permi te a caracterização dos conflitos étni-
cos e nacional is tas . 
Ge l lne r concebe a e tn ic idade de fo rma ins t rumenta l . 9 Sua fun-
ção m u d a to ta lmente s e g u n d o o t ipo estrutural agrário ou indus-
9 Para u m a d i s c u s s ã o d a s c o n c e p ç õ e s " i n sc rumen tn l i s t a s " da e t n i c i d a d e , ve r in-
fra, p . 9 5 ss. 
TEORIAS DA ETNICIDADE 49 
trial dc sociedade. No caso da sociedade tradicional, ela serve de 
supor te para a dis t inção d o s estatutos e das classes, permite q u e se 
reduzam as ambigü idades e f u n d a m e n t a a legitimidade dos grupos 
d o m i n a n t e s ou , ao contrár io , serve para garant i r a estigmatização e 
a neutralização de g rupos sociais encarregados dc tarefas q u e os tor-
n a m potenc ia lmente perigosos para a o r d e m politica. No per íodo 
m o d e r n o , e m b o r a o nac iona l i smo n ã o seja o desper tar de uma 
força latente de g rupos étnicos e culturais míticos, n ã o é m e n o s ver-
d a d e q u e ele sc utiliza das heranças d o m a d a s das culturas preexis-
tentes, e isso ocorre n u m a si tuação em q u e as desigualdades no 
r i tmo da industrialização á medida q u e as c o m u n i d a d e s "cr iam 
dispar idades tan to mais sensíveis (se apo iam) em diferenças cultu-
rais, genéticas ou de t ipo seme lhan te deixadas pelo m u n d o agrá-
rio". A este pr imei ro t ipo de conf l i to vêm juntar-se aqueles que , 
nos estádios mais tardios do processo de industrialização, tornam-
se obstáculos para a homogeneização c a igualdade (a entropia) pró-
prias das sociedades m o d e r n a s . Tais confli tos, qual if icados por 
Ge l lne r c o m o confl i tos de identificação, originam-se da divisão de-
sigualitária (contra-entrópica) de u m a categoria da população e de 
sua fácil identif icação c o m o minor ia (o exemplo de Gel lner refere-
se a u m a população "azul"). Além do caso dos caracteres transmiti-
dos gener icamente , Gel lner p ropõe c o m o candida tos ao confl i to de 
identificação "os háb i tos religiosos e culturais p r o f u n d a m e n t e 
enraizados (que têm) um vigor e u m a tenacidade suscetíveis de 
igualá-los àqueles q u e são ancorados em nossa consti tuição gené-
tica". A. D. Smi th (1984) parece ter razão ao acentuar q u e o ins-
t rumen ta l i smo de Gel lner identifica-se com a preexistência de 
g rupos é tnicos e que , conseqüen temen te , sua teoria do "nacionalis-
mo e n q u a n t o tal" deixa a porta aberta para u m a teoria da etnicidade 
e n q u a n t o ml. 
Os p rob lemas q u e os confl i tos de identificação (ou de assimila-
ção) colocam para o Estado-nação e para o desenvolv imento da so-
ciedade baseada na mobi l idade, no anon ima to , na educação c na 
igualdade q u e se supõe corresponder- lhe podem, parece-nos, ser 
igua lmente encarados de um p o n t o dc vista mais especifico q u e o 
adorado po r Gel lner . E o caso das teorias q u e p rocuram levar em 
con ta , por um lado, processos de insti tucionalização da ident idade 
50 PHIUPPE P O U T 1 C N A T E JOCELYNE STREIFFFENART 
nacional e , por ourro, processos de identif icação p r o p r i a m e n t e 
di to: aqueles q u e são pressupos tos pela criação de u m a comun ida -
de nacional q u e o Estado-nação c o m o f o r m a histórica de institui-
ção politica representa e na qua l apóia sua legi t imidade. C o m o o 
destaca Or io l , o Es tado n ã o pode fundar-se tão-somente em um 
cont ra to , mas supõe igualmente u m q u a d r o an t ropo log icamente 
definivel de identificações: "A nação é pressupos ta pelo Es tado 
c o m o c o n j u n t o de con t eúdos geográficos, históricos, l ingüísticos, 
'cul turais ' no sen t ido estrito da palavra, q u e t o r n a m possível a defi-
n ição da expressão da von t ade geral" (Oriol , 1984, p.46). 
Balibar (1988) destaca q u e a nação deve constituir-se em comu-
n idade ou em povo q u e se reconhece previamente na inst i tuição es-
tatal. A fabricação - incluindo-se o caso das "antigas nações" - d o s 
mi tos de or igem e de um s e n t i m e n t o de con t inu idade histórica pro-
picia q u e se veja no Estado a expressão de u m a ident idade preexis-
tente q u e consti tui u m a fo rma ideológica efetiva sem a qual o apelo 
do pat r io t ismo seria "dir igido a n i n g u é m " . " N e n h u m a nação mo-
d e r n a possui u m a base 'é tnica ' d ada ... o p r o b l e m a f u n d a m e n t a l é 
po r t an to o de produzir o povo: ou , m e l h o r d izendo, é q u e o povo, 
ele mesmo, se produza em pe rmanênc ia c o m o c o m u n i d a d e nacio-
nal" (p . l 27). M a s o m o d e l o de sua u n i d a d e deve antecipar esta 
consti tuição.1 0 Os indiv íduos de or igens múl t ip las q u e chegarem a 
perceber-se c o m o m e m b r o s de u m a m e s m a nação devem ser insti-
tu ídos c o m o homo nationalis po r meio de u m a rede de insti tuições e 
de práticas q u e os socialize, f ixando "os s en t imen tos de a m o r e 
ó d i o e de representação de 's i" ' para q u e a di ferenciação in te rna 
d o s g rupos sociais seja relativizada em relação à d i ferença s imbólica 
en t re " n ó s e os estrangeiros".1 1 Para Balibar este é um "processo de 
10 S o b r e esta q u e s t ã o , e n c a r a d a a pa r t i r de p r e m i s s a s d i f e ren te s , A n d e r s o n 
( 1 9 9 1 ) f o r n e c e e l e m e n t o s p a r t i c u l a r m e n t e p e r t i n e n t e s . Ele e x a m i n a o es t i lo da 
i m a g i n a ç ã o nac iona l i s t a pa ra iden t i f i ca r a s p r é - c o n d i ç õ e s o u o s e s q u e m a s d a 
f o r m a ideológica da u n i d a d e n a c i o n a l . M o s t r a e s p e c i a l m e n t e c o m o a univer -
sal ização do e s p a ç o c do t e m p o e as prá t icas t o m a d a s poss íveis p e l o capital-
i s m o da i m p r e n s a , tal c o m o a le i tura d o s j o r n a i s , p r o p i c i a r a m a s i n c r o n i z a ç ã o 
d a t e m p o r a l i d a d e d o s m e m b r o s d a n a ç ã o . 
1 1 S c h n a p p e r f o r m u l a s o b o m o d o d a c o n s t a t a ç ã o d c u m p r o c e s s o a c a b a d o o 
q u e 6 p r o b l e m a t i z a d o c o m o p r o c e s s o c o n t í n u o c m Bal ibar . Ela des t aca q u e 
TEORIAS DA ETNICIDADE 51 
etnização fictício" no qual o fictício designa o fato dc ela resultar de 
u m a fabricação, mas n ã o q u e ela n ã o t enha influencia no real. Ha-
veria duas manei ras dc fabricar a etnicidade. Pr imeiramente a lín-
gua: a escola pr imária e a família são as principais instituições q u e 
p roduzem a etnicidade c o m o c o m u n i d a d e lingüística. C o n t u d o , a 
" c o m u n i d a d e de língua não basta para a p rodução da etnicidade". 
Ela n ã o tem cm si m e s m a um pr inc ip io de clausura: "ela assimila 
seja q u e m for ou qua lque r um e n ã o prende n inguém" . Dai o 
s e g u n d o p roced imen to dc fabricação: a raça, principio de fecha-
m e n t o e de exclusão, cujo e squema é a genealogia voltada imagina-
riamente para o l imiar da sociedade. 
Mas o problema levantado po r Smith em relação a Gel lner 
persiste. As visões " ins t rumenta l i s tas" da etnicidade e "modernis-
tas" do nac iona l i smo deveriam levar em conta o recurso em q u e se 
const i tuem a etnicidade c sua disponibi l idade, e nada representa o 
fato de ela n ã o ser um recurso p e r m a n e n t e e antigo. N ã o arriscaria-
mos , en tão , a dar c o m o realizadaa missão, chegando a p o n t o de 
af i rmar , com a peren idade da etnicidade, seu caráter primordial.7 
Essa questão, q u e será deta lhada mais adiante sob seus aspectos 
teóricos, merece ser aqui evocada p o r q u e autores q u e t rabalham so-
bre a nação c o nac iona l i smo t en tam resolver a quadra tura deste 
circulo. 
E, especialmente, o caso de A r m s t r o n g (1982), em um livro so-
bre cu jo título (As nações antes do nacionalismo) A. D. Smi th (1984) 
quest iona-se se é bem a d e q u a d o a seu objeto. A d o t a n d o um traba-
lho histórico e sintético, A r m s t r o n g tenta anal isar a emergência das 
ident idades nacionais , t r a t ando verdadei ramente das identidades 
étnicas pré-modernas na cr is tandade do Or i en t e e do Ociden te e a 
civilização islâmica. Seu projeto n ã o visa a b r a n g e r a persistência de 
existe, n o c a s o d a s an t iga s nações e u r o p é i a s , pe lo m e n o s , u m a d i m e n s ã o pro-
p r i a m e n t e c o m u n i t á r i a q u e s e deve a seu e n r a i z a m e n t o em um p a s s a d o dis-
t a n t e e em sécu los de r iva l idades q u e a c o n s t r u ç ã o nac iona l r e fo rçou a i n d a 
m a i s no sécu lo XIX. Ao t é r m i n o d e s s e p r o c e s s o o laço nac iona l é o equiva-
l e n t e d o laço é tn i co , n ã o p o r q u e ele s e a p o i e e m laços é t n i c o s preexis tentes , 
m a s p o r q u e n a E u r o p a "a s n a ç õ e s o c i d e n t a i s s ã o t a m b é m c o m u n i d a d e s étni 
cas" ( S c h n a p p e r , 1 9 9 1 , p . 3 2 0 ) . 
52 PHIUPPE POUT1GNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART 
grupos étnicos territorializados particulares. Ele trabalha essencial-
mente a etnicidade c o m o um sen t imento ou uma atitude, t endo 
um efeito diferenciador, ligado à percepção de fronteiras por si 
mesmas mutantes . A etnicidade pode então corresponder a identi-
dades coletivas de todos os tipos: religiosas, associadas a estilos de 
vida ou a classes econômicas, un idades politicas e t c , suscetíveis de 
se sobrepor e dc se fundi r umas nas outras. O pon to importante 
está cm q u e tais atitudes sc expr imam por meio dos símbolos e dos 
mitos q u e const i tuem espécies de "guarda dc alfândega" e que n ã o 
são, em n e n h u m caso, perdidos por todos. Assim, o mito mesopo-
tâmico q u e t ransforma u m a unidade politica no reflexo da ordem 
celeste foi reutilizado com o consent imento das igrejas cristãs. E a 
história f lutuante desses s ímbolos e mitos étnicos e os fatores de 
sua persistência que interessam a Arms t rong - dos mais gerais, 
aqueles ligados aos modos de vida contrastados que opõem a Euro-
pa ao Or ien te Médio, aos mais particulares, os associados ãs cida-
des, e especialmente aos Impérios. O p o n t o que Armst rong busca 
estabelecer é, evidentemente, que as nações modernas , se são "fa-
bricadas", n ã o surgem do nada, mas inscrevem-se em uma história 
de longa duração. 
A. D. Smith (1986, 1992) procura demons t ra r a mesma coisa, 
mas, d i ferentemente de Armst rong, centra sua pesquisa na conti-
nu idade de etnias particulares. Determinadas etnias, apesar de suas 
mudanças e dos acontecimentos traumáticos q u e as afetam, como a 
conquista, a escravidão, a dispersão, a conversão religiosa, man têm 
um senso de sua própria cont inuidade. Etnia e nação são duas no-
ções distintas, e Smith reconhece a modernidade da nação; contu-
do , elas possuem um e lemento c o m u m , a capacidade de sustentar 
o senso de uma história e de uma cultura comuns . 
Em Smith , portanto, o foco é posto nas particularidades q u e as 
etnias tiram do fato de serem comunidades dotadas de solidarieda-
de, mais q u e na percepção de fronteiras e na oposição aos outros 
grupos. Daí, as nações não o são sem precedente, po rque as etnias 
desenvolveram antes delas o senso de uma herança cultural e o de 
um des t ino histórico compart i lhado. Elas desenvolveram um sim-
bol ismo e mitos q u e garantem a seus membros a convicção de ser, 
através da sucessão das gerações, um sõ e mesmo povo. As nações 
i! com ci 
TEORIAS DA ETNICIDADE 53 
assim utilizam as mesmas fe r ramentas e, f reqüentemente , recupe-
ram as antigas q u e propiciaram a sobrevivência das comun idades 
pré-nacionais d u r a n t e longos per íodos; é, especialmente, o caso 
dos mi tos de eleição (os mitos do "povo eleito") reutilizados pelas 
nações a fim dc garantir o s enso de sua própr ia con t inu idade . 
No final dessa anál ise de várias teorias sobre nação e nacionalis-
m o , q u e cons t an t emen te a p r o x i m a r a m estes dois conceitos dos de 
etnia c e tn ic idade para diferenciá-los, é preciso q u e vol temos às ob-
servações feitas cm relação a C o n n o r , concernentes ao perigo, para 
a pesquisa , dc sc referir ao d iscurso nacionalista. Elas devem ser, 
c o m efeito, matizadas. Se a nação n ã o pode ser def inida de m o d o ob-
jetivo, n ã o é en t ão a b s u r d o pensar q u e ela existe apenas , cm certo 
sent ido, c o m o representação e ob je to de discurso. O perigo em rela-
ção ao d iscurso nacionalista reside an tes no risco q u e se corre dc se 
envolver c o m ele ou se fazer envolver por ele, ac red i tando atingir 
u m a def inição q u e captaria a própr ia essência da nação e q u e pode-
ria abster-se das condições históricas e dos lances ideológicos nos 
quais qua lque r tentativa de def inição da nação con t inua atada. 
Pode-se en t ão avaliar, pautando-se po r H o b s b a w m , q u e o es tudo da 
nação deve necessar iamente incluir o da evolução e o da t ransforma-
ção de um concei to "h is tor icamente m u i t o jovem". Este conceito é 
politico e o sent ido q u e se lhe atribui é sempre u m a forma de resol-
ver a equação Estado = nação = povo ( H o b s b a w m , p.31,35) . En-
q u a n t o na concepção democrática-revolucionária o povo era d a d o e 
ident i f icado ao Estado para const i tuir a Nação, um m o d o q u e se im-
pôs a part i r de 1830, sob a d e n o m i n a ç ã o de "pr inc ip io das naciona-
lidades",12 separa s imul t aneamen te a nacional idade - tratada c o m o 
um dado , c o m o u m a c o m u n i d a d e preexistente - , c o Estado, para li-
gá-los de n o v o em te rmos de aspiração e de programa politico. A 
ques t ão da def inição c dos. critérios da nação tornou-se en tão um 
lance de impor tânc ia c foi de m o d o crescente in terpre tado em ter-
m o s "etnocul turais" , ' 1 com u m a predileção pelo critério lingüístico. 
1 2 "Pa ra cada n a ç ã o u m E s t a d o e u m s ó Es t ado pa ra cada N a ç ã o " (Mazzini) . 
1 3 B r u b a k e r ( 1 9 9 3 ) ass ina la q u e foi s o m e n t e n a s e c u n d a m e t a d e d o sécu lo XIX 
q u e na F r a n ç a se c o m e ç o u a falar de n a c i o n a i s e dc n a c i o n a l i d a d e f r ancesa . A 
n a c i o n a l i d a d e teve d e s d e o in ic io um " h a l o " de s e n t i d o e t n o c u l t u r a l , e sua utili-
54 PHIUPPE P O U T 1 G N A T E JOCELYNE STREIFF-FENART 
O nac iona l i smo c o m o u m a das elaborações ideológicas da 
"idéia de nação" é, desta fo rma, indiscut ivelmente o p r o m o t o r da 
e tnic idade. Mas, pergunta-se H o b s b a w m , po r que , en tão , haver 
d u a s palavras? Porque o nac iona l i smo é jus t amen te um programa 
polit ico e po rque a e tnicidade, seja ela o q u e for, n ã o é p o r s u a vez 
um concei to politico e não tem c o n t e ú d o programát ico . Para Hobs-
b a w m ela não faz par te da teoria politica, mas da ant ropologia ou 
da sociologia. C e r t a m e n t e ela p o d e ser utilizada poli t icamente, m a s 
a politica da e tnicidade n ã o tem ligação necessária com o naciona-
l i smo e pode ser comple t amen te indi ferente aos objetivos dos 
p rogramas nacionalistas. N ã o é m e n o s ve rdade q u e o nacionalis-
mo , para realizar seu programa, procura identificar-se com a etnici-
dade, já q u e ela lhe permite q u e f u n d ea nação em u m a 
con t inu idade histórica e lhe forneça um sen t ido do "nós" , de u m a 
iden t idade q u e lhe fe i ta na exata m e d i d a em q u e ela é u m a criação 
recente: "A e tnic idade é u m a das fo rmas de p reencher os espaços 
vazios do nac iona l i smo" (1992b , p.4). Ass im, a e tnicidade faz parte 
daqu i lo q u e H o b s b a w m c h a m a de "p ro tonac iona l i smo popular" . 
Esta noção n ã o implica q u e se possa invocar u m a con t inu idade 
real en t r e ela e o s en t imen to nac ional ou o "pa t r io t i smo nacional" , 
e n e m q u e se possa invocar sua ident idade na natureza universal 
do sen t imen to q u e leva a diferenciar os m e m b r o s de seu g r u p o dos 
estrangeiros. A nação é ju s t amen te um g r u p o incomparável ; n ã o 
tem precedente: "A nação m o d e r n a c o m o Estado ou c o m o conjun-
to de pessoas q u e asp i ram à fo rmação de um d e t e r m i n a d o Estado 
difere em n ú m e r o , em extensão e em natureza, das c o m u n i d a d e s às 
quais as pessoas se ident if icaram no decorrer do t e m p o histórico" 
(1992a , p.63). 
zação pa ra d e s i g n a r a p e n e n ç a f o r m a l a um E s t a d o "a t e s t a u m a p r o p e n s ã o a 
r e iv ind ica r pa ra o E s t a d o u m f u n d a m e n t o ú l t i m o , idea l , d e o r d e m e tnocu l tu r a l " 
(p .15 ) . C o n t u d o , trata-se, para este a u t o r , de u m a e tn ização relativa c u j a em-
p re sa p r e se rvou a p r e d o m i n â n c i a de u m a c o n c e p ç ã o ass imi lac ion is ta pela q u a l 
se r f r ancês "joga-se cm t e r m o s sociais e po l í t i cos e n ã o é t n i c o s " .