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C A P Í T U L O 2 RAÇA, ETNIA, NAÇÃO 1 Os debates do século XIX Aborda r u m a reflexão sobre a etnicidade po r u m a apresentação das idéias do século passado não advém, aqui, de um exercício acadê- mico ou de u m a reverencia obrigatória aos Pais Fundadores . Trata-se antes de ver o m o d o como, desde sua criação no inicio do século XIX, a noção de etnia se encont ra mesclada a outras noções conexas, as de povo, de raça ou de nação, com as quais m a n t é m relações ambí- guas cujo rastro encon t r amos nos debates con temporâneos . De um m o d o ou de outTo, os autores do século XIX tentam responder à m e s m a questão: c o m o abranger princípios sobre os quais se f u n d a m a atração e a separação das populações? E para responder a esta questão q u e Vacher de Lapouge introduz nas ciências sociais a noção de etnia, sem atribuir-lhe, por sua vez, u m a grande importância . Para este defensor inf lamado da "escola selecionista", a raça, def inida c o m o o c o n j u n t o dos indivíduos q u e possuem em c o m u m um de te rminado tipo hereditário, é o fa- tor fundamen ta l da história. Zoologista antes de mais nada, c o m o 34 PHIUPPE POUTIGNAT E JOCELYNH STREIFFFENART ele própr io sc definiu, Vacher de Lapouge considera o h o m e m não como um ser à parre mas como um primata cuja característi- ca de espécie é a de estar submet ido mais à seleção social q u e à se- leção natural. E, então, o m o d o pelo qual , sob o efeito das seleções sociais, os elementos antropológicos superiores e infe- riores se combinam em uma população que determina as vicissitu- des da história, isto é, "a vida e a morte, o crescimento e o declínio das nações". Se Vacher de Lapouge inventa o vocábulo etnia, é, afirma ele, para prevenir um "erro" que consiste cm contundir a raça - que ele identifica pela associação de características morfológi- cas (altura, índice cefálico etc.) e qualidades psicológicas com um m o d o de agrupamento fo rmado a partir de laços, intelectuais, como a cultura ou a língua. Tais grupos sociais (que ele define si- mul taneamente como "naturais e factícios") não podem, segundo ele, confundir-se com a raça, e até mesmo lhe são "mais ou me- nos opostos", dado que se trata de agrupamentos que resultam da reunião de elementos de raças distintas que se encontram submis- sos, sob o efeito de acontecimentos históricos, a instituições, a uma organização politica, a costumes ou idéias comuns . T a m b é m n ã o se pode confundi-los com as nações, visto que a solidariedade assim constituída subsiste para além da fragmentação do grupo q u e a produziu. U m a vez q u e este desaparece c o m o entidade so- ciopolitica, permanece sempre "uma certa atração entre as partes disjuntas e uma antipatia particular para com os grupos sociais de outras origens" (Vacher de Lapouge, 1896, p.lO). E, então, para dar conta de uma solidariedade de grupo particular, simultanea- mente diferente daquela produzida pela organização politica e da- quela produzida pela semelhança antropológica, que o termo etnia foi introduzido na língua francesa.1 1 Esta p r ime i r a de f in ição "negat iva" de etnia pe rmanece rá d u r a n t e m u i t o t e m p o in f luen te na concepção d o s g rupos é tn icos ; reencont ramo- la especia lmente na def in ição q u e lhe dá Francis: " U m g r u p o é tn ico n ã o é u m a raça se d e f i n i r m o s a raça n o s en t ido an t ropo lóg ico c o m o u m g r u p o d e pessoas t e n d o características fisicas c o m u n s . Ele n ã o const i tu i igua lmente u m a nação se e n t e n d e r m o s por nação u m a sociedade unif icada p o r u m governo c o m u m o u u m a agregação d e ind iv íduos u n i d o s p o r laços políticos, u m a l íngua c o m u m , um terr i tório c o m u m . . . " (Francis , 1947) . TEORIAS DA ETNICIDADE 35 A oposição entre laços biológicos e laços intelectuais é o que reencon t ramos em Renan , mas sua importância respectiva é exata- men te inversa à q u e lhes atribuía Vacher de Lapouge. T o d a a argu- mentação de seu famoso ensaio "Qu'est-ce q u ' u n e nation?" l " 0 que é u m a nação?"], apo iado sobre u m a e n o r m e erudição, consiste em desqualificar os pr imeiros em prol dos segundos c o m o fatores da formação das nações. A emprei tada, mani fes tamente inspirada pela questão efervescente da Alsácia-Lorena, visa substituir os funda- mentos a t r ibuídos ou he rdados de pertença, impondo-seao h o m e m c o m o u m a fatalidade, por u m a busca voluntarista de adesão que faz da existência da nação " u m plebiscito de todos os dias" (Renan, 1887, p .307) . Renan procede a u m a refutação minuciosa dos crité- rios objet ivos de per tença nac ional (tais c o m o se poderia procurá- los nos fatores etnográfico, geográfico ou lingüístico) em prol de cri- térios subjetivos: o desejo, a vontade e o consent imento . Para além de seu objetivo normat ivo, o texto apresenta, com relação à nação, u m a ques tão teórica f u n d a m e n t a l q u e Vacher de Lapouge teria po- d ido se colocar em relação à etnia (mas que pouco interessava aos teóricos do da rwin i smo social): qua l é a força q u e inspira nos indiví- d u o s esse dese jo de viver em c o n j u n t o e essa vontade de permanecer un idos no q u a d r o nacional? Cer tamente , não é pelo interesse indi- vidual em aderir (como o encon t r amos no dito popular voltaireano: ubi bene ibi patria), mas ao contrár io um sent imento (o a m o r pela pá- tria) no qua l se incluem em grande parte o sacrifício, o luto e o sofri- m e n t o compar t i lhado no passado, e cuja memór ia se t ransmite pelo culto aos ancestrais, pela lembrança dos grandes h o m e n s e suas ações heróicas." Mas . e n isso reside a idéia central do texto de 2 F r e q ü e n t e m e n t e d e s t a c a m o s no texto de R e n a n u m a c o n t r a d i ç ã o e n t r e a argu- m e n t a ç ã o desenvo lv ida p o r e le s o b r e a c o n c e p ç ã o da nação-cont ra to e as últi- m a s pág ina s d o texto q u e a t r i b u e m a o p a s s a d o c o m u m toda sua i m p o r t â n c i a e i n v o c a m o " r ico legado de l e m b r a n ç a s e a h e r a n ç a ances t ra l" . Parece-nos toda- via q u e seria t o t a l m e n t e e n g a n o s o in te rp re ta r a exal tação do cul to d o s ances- trais c o m o u m a c o n c e s s ã o à c o n c e p ç ã o "é tn ica" da nação . N a d a indica (ou antes , t u d o indica o cont rár io) q u e os ancestrais de q u e aqui se trata es te jam liga- d o s aos c idadãos da nação atual por u m a f i l iação biológica. A relação q u e se esta- belece e n t r e os vivos e os mor tos , en t re o pa s s a do e o presen te , ê de o r d e m espiri- tual . Ela n ã o p ro ibe de m o d o a lgum, m a s ao con t rá r io f u n d a a poss ib i l idade de 36 PHIUPPE P O U T I G N A T E JOCELYNE STREIFF-FENART Renan, esse passado c o m u m que constitui a história de um povo não deve ser con tund ido com uma história real das populações. Pas- sado histórico de u m a nação n ã o é u m a realidade q u e se impõe por si mesma, mas u m a construção cont inua que repousa no olvido e no erro histórico: "a essência de uma nação reside no fato de todos os indivíduos terem muitas coisas em c o m u m , e igualmente que to- dos t enham esquecido bem as coisas" (p.286). A memória fundado- ra da un idade nacional é, ao mesmo t empo e necessariamente, esquecimento das condições de produção desta unidade: a violência e o arbitrário originais e a multiplicidade das origens étnicas. A atualidade do texto de Renan está cm seu anticsscncialismo: na base de formação das nações, encontra-se uma série de fatos con- tingentes, de divisões artificiais, de acasos de conquistas, e de m o d o algum um principio necessário ou natural. U m a nação não pode mais valcr-sc de fronteiras geográficas naturais, mas reivindicar po-pulações q u e lhe pertenceriam pela comunidade lingüística ou pa- rentesco racial. Renan não discute a existência das raças, mas a ficção da pureza racial. N ã o existem grupos racialmente puros, mas populações que esqueceram o fato de serem originárias de uma fu- são, e, c o m o vimos, tal esquecimento é essencial para fundar o senti- men to de pertença c o m u m . Para Renan, a nação e n q u a n t o ent idade politica constrói-se, então, não a partir do grupo racial ou étnico mas f reqüentemente contra ele: é po rque não podem mais dizer que são burgondes , alains, taifales ou visigodos que os habitantes da França podem ser cidadãos franceses. Deve-se notar que no texto de Renan (publicado alguns anos antes do de Vacher de Lapouge) os elemen- tos raciais e étnicos não estão claramente distintos c são evocados in- diferentemente para desvalorizar o "critério etnográfico", q u e remete, nos termos da época, à identificação das populações segun- do os dados da antropologia física.' q u e es t range i ros "na tu ra l i zados" t o r n e m seu o passado heró ico , os g randes h o m e n s , e a glória da nação à qua l o p t a r a m p o r ader i r . Longe de ser u m a con- t radição, essas d u a s facetas do p e n s a m e n t o de R e n a n são pe r fe i t amente con- g ruen tes c o m sua dialética da m e m ó r i a e do e s q u e c i m e n t o e pe rmi t em fazer da idéia da naçào-cont ra to ou t r a coisa além de um pr inc ip io metaf ís ico. 3 A c o n f u s ã o d o s t e r m o s raça e e tn ia ou raça e t r ibo é po r t an to coisa co r r en t e e c o n t i n u a r á ass im d u r a n t e t o d o o pe r íodo co lon ia l . Reencont ramo- la , p o r TEORIAS DA ETN1CIDADE 37 Weber , no capitulo q u e consagra, em Economie e Societé, às re- lações comuni tár ias ctnicas, dist ingue mais c laramente as três enti- dades q u e são a raça, a etnia e a nação. O q u e dist ingue a pertença racial da pertença étnica é q u e a primeira é "realmente" fundada na c o m u n i d a d e de origem, ao passo q u e o q u e funda o grupo étnico é a crença subjetiva na comun idade de origem. Q u a n t o ã nação", ela é, c o m o o g rupo étnico, baseada na crença da vida cm c o m u m , mas se dis t ingue deste úl t imo pela paixão (pathos) ligada à reivindicação de um poder io politico. O q u e são, por tanto, para W e b e r os grupos étnicos? São "esses g rupos q u e a l imentam uma crença subjetiva em uma comun idade de origem f u n d a d a nas semelhanças de aparência externa ou dos cosnimes, ou dos dois , ou nas lembranças da colonização ou da mi- gração, de m o d o que esta crença torna-se impor tan te para a propa- gação da comunalização, pouco i m p o r t a n d o q u e uma comun idade de sangue exista ou n ã o objet ivamente" (Weber , [1921] 1971, p.416). A raça, e n q u a n t o de te rmina uma "aparência exterior" herdada e transmissível pela hereditariedade, n ã o interessa por si mesma ao sociólogo. Ela só adqui re uma importância sociológica q u a n d o en- tra na explicação do c o m p o r t a m e n t o significativo dos h o m e n s uns em relação aos outros , ou seja, q u a n d o ela é sent ida subjet ivamente c o m o u m a característica c o m u m e constitui por isso uma fonte da atividade comuni tár ia . E, m e s m o nesse caso, n ã o são apenas o sim- ples parentesco ou a s imples diferença antropológicos (sempre no sent ido da antropologia física) q u e f u n d a m a atração ou a repulsa mútuas , mas a tomada em consideração deles como socialmente condic ionada pelo estabelecimento de relações de dominação. 4 Do e x e m p l o , s o b a p e n a de lord Lugard , a d m i n i s t r a d o r colonial na Áfr ica , c i tado p o r Merc i e r : " U m a div isão desse t i p o c o n o t a u m a d i fe rença ma i s p r o f u n d a e m a i s real q u e aque la d a s afinidades raciais, po i s os c a s a m e n t o s mi s to s e os con- c u b i n a t o s c o m escravos e cat ivos e s t r ange i ros t e n d e m a obl i te rar as característi- cas tribais" (Merc ie r , 1 9 6 1 , grifo nosso) . 4 Em seu c o m e n t á r i o s o b r e a c o n f e r ê n c i a do D r . PIoe t : s o b r e " A s n o ç õ e s de raça e de s o c i e d a d e " ( 1 9 1 0 ) , W e b e r reagiu i n t e n s a m e n t e às ten ta t ivas l o s so- c i o d a n v i n i s t a s de reduzi r os fatos sociológicos a qua l idades ina tas ou heredi tá- r ias . A i , ele d e m o n s t r a e s p e c i a l m e n t e c o m o o mi t ico " c h e i r o de n e g r o " , q u e ali- 38 PHIUPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART pon to de vista da sociologia compreensiva não existe portanto dis- tinção fundamenta l a operar entre as disposições raciais (heredita- r iamente transmissíveis) e as disposições adquir idas pelos hábitos de vida ( transmitidas pela tradição), já q u e tanto umas c o m o as ou- tras dão lugar a u m a comunidade de relações sociais. A raça (o pa- t r imônio hereditário) não deve então ser situada, cm Weber , no m e s m o nível que o grupo étnico, mas no mesmo nível que o costu- me (o pa t r imônio cultural), como uma das forças possíveis da for- mação das comunidades : "Grandes diferenças nos 'costumes' d e s e m p e n h a m um papel equivalente ao da aparência exterior he- reditária na formação dos sent imentos de comunidade étnica" (p.419). Assim como não pressupõem u m a real comunidade de ori- gem, os grupos étnicos t ambém não pressupõem uma real ativida- de comunitár ia . Eles existem apenas pela crença subjetiva que têm seus m e m b r o s de formar uma comunidade e pelo sent imento de honra social compar t i lhado por todos os que al imentam tal crença. A pertença étnica determina, assim, um tipo particular de grau so- cial que se al imenta de características distintivas e de oposições de estilos de vida, utilizadas para avaliar a honra e o prestígio segundo um sistema de divisões sociais verticais. Mas essas características distintivas só têm eficácia na formação dos grupos étnicos q u a n d o induzem a crer q u e existe, entre os grupos que as exibem, um pa- rentesco ou uma estranheza de origem. Sobre o que se fundamenta esta crença? C o m o Renan o faz em relação ã nação, Webe r faz uma revisão dos fatores que atuam na formação das comunidades étni- cas. A língua e a religião desempenham um papel importante, tal- vez po rque elas autorizam a comunidade de compreensão entre aqueles q u e compart i lham um código lingüístico comum ou um mesmo sistema de regulamentação ritual da vida. Mas, assim c o m o Renan, W e b e r observa que grandes diferenças dialetais ou religio- sas podem ocorrer entre pessoas que, contudo, percebem-se subje- m e n t a o s s e n t i m e n t o s d e repulsa d o s b r ancos d o s Estados U n i d o s para com o s neg ros , é na ve rdade " u m a invenção d o s Es tados do nor t e , de s t i nada a explicar seu recente ' d i s t a n c i a m e n t o ' d o s negros" (cit. in G u i l l a u m i n &. Poliakov, 1974) . TEORIAS DA ETN1CIDADE 39 t ivamente c o m o m e m b r o s dc um m e s m o grupo. As diferenças culturais, assim c o m o as diferenças antropológicas (o critério etno- gráfico em Renan) , intervêm igualmente em inúmeros casos, mas W e b e r acentua q u e a crença no parentesco clânico pode existir ape- sar dc grandes divergências nos t ipos antropológicos ou nos costu- mes. É o q u e acontece especialmente q u a n d o esta crença é baseada na lembrança de um passado c o m u m entre g rupos que divergiram do fato da colonização ou da migração. O interesse c o m u m ao qual Renan dedica apenas a lgumas l inhas ("un ZoIIvcrcin n'est pcis une patrie") adquire , pelo contrár io , em W e b e r toda a sua importância. As relações comerciais entre a pátria dc origem c a colónia são as- sim, s egundo ele, um dos fatores decisivos da subsistência de um sen t imen to comuni tá r io entreos colonos e seus compatr iotas de origem, apesar da divergência dos pa t r imônios culturais c dos tipos hereditários. C o n t u d o , para Webe r , o fator decisivo cont inua sen- do a c o m u n i d a d e politica. Ela cor responde ao q u e ele designa c o m o a forma "mais artificial" de or igem da crença no parentesco étnico, aquela pela qual u m a associação racional (tal c o m o uma ati- vidade c o m u m de defesa do terri tório ou de conquis ta , ou m e s m o uma simples subdivisão administrativa) transforma-se cm comuna- lização étnica, a t ra indo um s imbol i smo da comun idade de sangue e favorecendo a emergência de uma consciência tribal ou a eclosão de um sen t imen to de dever moral ligado â defesa da pátria. Ao final desse exame, impõe-se a conclusão: "o con teúdo da a t ividade dc c o m u n i d a d e possível sobre u m a base étnica cont inua inde te rminado" (p.420) a tal p o n t o q u e o conceito de etnia surge c o m o um p a n o de chão inurilizável, própr io para "se jogar fora" (p.423). A irritação de W e b e r d iante desse conceito de comunida- de étnica q u e "se volatiliza assim q u e se tenta limitá-lo com preci- são" n ã o deve, con tudo , masa i ra r os dados essenciais dc sua contr ibuição, e s t r anhamente pouco comentada na bibliografia so- bre a etnicidade.5 V a m o s resumir-lhes os aspectos essenciais: • Ao def in i r o grupo étnico a partir da crença subjetiva na origem c o m u m , W e b e r subl inha que não é na posse de traços, quais- 5 E x c o t u a n d o sc H e c h t c r (1976) , N c u w i r t h (1969 ) c J ackson (1983) . 40 PHIUPPE P O U T I G N A T E JOCELYNE STREIFF-FENART quer q u e se jam, q u e é conveniente procurar a fonte da etnicida- de, mas na atividade de produção, de manu tenção e de a p r o f u n d a m e n t o de diferenças cu jo peso objetivo não pode ser avaliado i ndependen t emen te da significação q u e lhes a t r ibuem os indivíduos no decorrer de suas relações sociais. C o m o o acentua corre tamente Hcchte r (1976), o g rupo étnico para W e b e r é c laramente u m a const rução social cuja existência é sempre problemática. • A ident idade étnica (a crença na vida em c o m u m étnica) cons- trói-se a partir da diferença. A atração entre aqueles q u e se sen- tem c o m o de uma mesma espécie é indissociável da repulsa d iante daqueles q u e são percebidos c o m o estrangeiros. Esta idéia implica q u e não é o i solamento q u e cria a consciência de pertença, mas, ao contrário, a comunicação das diferenças das quais os indivíduos sc apropr iam para estabelecer fronteiras étnicas. • O con teúdo da c o m u n i d a d e étnica é a crença cm u m a honra es- pecífica: a honra étnica pela qual os estilos de vida particulares sc encarregam de valores sobre os quais se f u n d a m as preten- sões à d ignidade daqueles q u e os praticam, e o desprezo por aqueles q u e praticam cos tumes estrangeiros/ ' C o m o Renan, W e b e r acentua o papel do olvido neste processo de convencio- nalização, no decorrer do qual o fortuito c o aleatório tornam-se o essencial. 2 Raça e etnia: confusões persistentes Entre os teóricos mode rnos , os te rmos "etnia" ou "étnico" abrangem, assim, de uma só vez, sentidos diversos e se encon t r am articulados de maneira diferente com as noções de raça e de nação. Para Renan , o e lemento étnico está do lado do objetivo e da fatali- 6 A n o ç ã o d c h o n r a é tn ica c m W e b e r esta m u i t o p r ó x i m a d o q u e S u m n e r (1906 ) d e f i n i u c o m o "o c t n o c e n t r i s m o " , ou seja, a conv icção da excelência de seus p r ó p r i o s c o s t u m e s e da i n f e r i o r i dade d o s o u t r o s . TEORIAS DA ETNICIDADE 41 dade c se situa cm oposição à subjetividade e ã vontade, fatores de- cisivos para a fo rmação das nações. Já do p o n t o de vista dc Webe r , a etnia, c o m o a nação, fica do lado da crença do sen t imento e da re- presentação coletiva, con t ra r iamente â raça, q u e fica do lado do pa- rentesco biológico efetivo. N ã o se tem certeza de q u e as confusões inerentes à noção de etnia, c especialmente aquelas referentes â relação ambígua que ela m a n t é m com a noção de raça, estejam realmente dissipadas. C o n t r a r i a m e n t e aos teóricos do século XIX, os pesquisadores c o n t e m p o r â n e o s não t o m a m a raça c o m o um fator explicativo do social, c o m o o fazia Vacher de Lapouge, e a antropologia física n ã o mais desfruta do crédito q u e lhe a t r ibuíam os pesquisadores da época anter ior (como foi o caso de Renan, ao pedir polidamen- te a esta "ciência de raro interesse" q u e n ã o se misturasse a ques- tões politicas!). N e m por isso o t e rmo raça desapareceu do vocabulár io das ciências sociais. A Brirish Library e a Biblioteca do Congre s so Amer icano utilizam-no c o m o índice dc classifica- ção, e múlt iplas revistas de língua inglesa fazem-no figurar em seus rinilos (Race, t r ans fo rmada em Race and Class, Eihnic and Racial Studies etc.). E verdade que , em sua acepção contemporâ- nea, o t e r m o "raça" (ou o qualificativo "racial") n ã o mais denota a heredi tar iedade biossomárica, mas a percepção das diferenças físi- cas, no fato de elas terem u m a incidência sobre os estatutos dos grupos c dos indivíduos e as relações sociais. Na sociologia anglo- saxônica, admite-se, de m o d o explícito ou implícito, q u e os gru- pos raciais diferem dos grupos étnicos pelo fato de serem defini- dos n ã o em termos de diferenças socioculturais, mas a partir de diferenças percebidas no fenót ipo. Se a raça possui uma validade c o m o noção sociológica é po rque é, segundo os te rmos de Ban- ton (1971), um "signo dc papel". N ã o é, então, a raça e n q u a n t o tal, mas as relações raciais q u e const i tuem um obje to para a socio- logia. Mas isto não redunda , no f inal das contas, na "naturaliza- ção" das características físicas sob forma cie atributos q u e tenha, po r natureza, a propr iedade de f u n d a r um t ipo particular de rela- ções sociais? Colet te Gu i l l aumin havia, não sem pertinência, des- tacado esta ambigü idade das ciências sociais que , recusando-se a atr ibuir à raça da antropologia física u m a incidência causal sobre 42 PHIUPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART os compor tamen tos , c o n t u d o conferiam aos caracteres físicos u m a realidade e n q u a n t o fontes de percepção das diferenças. " T u d o se passa c o m o se os pesquisadores, por sua vez, não acre- d i t ando na raça, supusessem q u e ela é concretamente real para os grupos q u e produzem as condutas racistas" (Gui l laumin, 1972, p.62). No m e s m o sent ido, W a d e (1993) estima q u e as ciências so- ciais não conduzem a um b o m te rmo a crítica da noção de raça. Fazendo da "raça" uma const rução inteiramente cultural, elas são levadas a abordar a variação fenotipica c o m o elemento "simples- men te natural" , neu t ro c não es t ruturado em si próprio, e cuja utilização permite dist inguir as classificações raciais de outras clas- sificações (étnicas), desprezando o fato de que as variações fenoti- picas são, elas próprias, socialmente construídas. Para Wade , n ã o são, sejam quais forem, as variações fenotipicas q u e se to rnaram racializadas, mas sim aquelas q u e sc salientaram na história da ex- pansão colonial européia na África, na Ásia, no Or ien te Méd io é na Austrál ia. N ã o levar isso em consideração é aceitar como evi- den te q u e os atr ibutos fenotípicos :designados c o m o "raciais" constituem-se, na tura lmente , b o n s indicadores para a categoriza- ção social (em oposição à altura, à cor dos olhos etc.). Precisar q u e as pessoas n ã o percebem as diferenças raciais, mas somente diferenças fenotipicas de cor, de cabelos, de ossatura etc., e que estas foram escolhidas s implesmente de maneiracontingente, c o m o o faz Ban ton , subes t ima, s e g u n d o W a d e , a cons t rução so- cial e histórica da própria idéia de q u e existem diferenças físicas significativas e daqui lo que é t ipicamente pensado c o m o variação fenotipica. Disto resulta que o d o m í n i o das pesquisas sobre as re- lações sociais é inseparável da história de um discurso especifica- mente ocidental e de suas t ransformações. Para Neuwir th (1969), a dist inção entre relações raciais e rela- ções étnicas, tradicional nas ciências sociais anglo-saxõnicas, indi- ca apenas q u e os sociólogos aceitam de m o d o acrítico a terminolo- gia corrente, segundo a qual o termo "racial" possui conotações emotivas mais poderosas do q u e o te rmo "étnico". Segundo Gui l l aumin , a for tuna da palavra "etnia" nas ciências sociais fran- cesas liga-se precisamente ao fato de permitir q u e se evite o mal- estar suscitado pela conotação biológica da palavra raça, o que TEORIAS DA ETNICIDADE 43 abso lu tamen te n ã o a impede de acarretar implici tamente as mes- mas significações (p.58).7 O termo "etnia" não seria senão uma vã tentativa de fugir a uma forma de p e n s a m e n t o biologizante que se acha, de fato, restabelecida nas utilizações cotidianas, através de expressões c o m o "prob lemas étnicos" ou "minor ias étnicas". Tal t e rmo eufcmist ico chegou por isso, c o m o sempre nesses casos, a ser recoberto pela conotação pejorativa que procurava evitar. O t e rmo "etnia" possui má fama a tua lmente na França, precisamen- te po r não poder mais ser pensado de ou t ro m o d o a não ser c o m o subst i tuto da palavra "raça". Pode-se ver um exemplo recen- te desta con t inu idade de sent ido entre as duas noções nesta passa- gem do relatório da Comis são da Nacional idade: "A teoria do direito do sangue ' pu ro ' c o n f u n d e a pertença ã nação com a per- tença a uma etnia. Ela esquece q u e a incidência da filiação sobre a nacional idade sc justifica mais pela educação parental que pela procriação" (cit. in Schnapper , 1991, p.349). Esta superposição da raça e da etnia impõe-se tanto mais facil- men te aqui, já q u e se faz em referência ao terceiro t e rmo que é a na- ção. A etnia de q u e se trata neste contexto é o referente que desde os debates do século XIX denota a concepção "naturalista", "deter- minis ta" ou "organicista" da nação, aquela de Herder e de Burke, contra a qual sc levantaram Renan, Miche le tou Fustel de Coulan- ges. Nesta acepção, a etnia combina os aspectos biológicos e cultu- rais. Ela é s imul taneamente c o m u n i d a d e de sangue, de cultura e de língua. A oposição aqui per t inente n ã o está, como para os sociólo- gos das minor ias , entre traços biológicos (raciais) e traços sociocul- 7 É v e r d a d e q u e a ca rac te r ização de um t i p o de re lações c o m o inter-raciais ou i n t e r é t n i c a s (até m e s m o d e m o d o a i n d a ma i s eu femis t i co c o m o in tercul tura is ) d e p e n d e , an te s d e t u d o , d o c o n t e x t o d e f i n i d o pelas t radições nac iona i s : n a G r ã - B r e t a n h a , os t e r m o s coloureii e black têm di re i to de c idadan ia , e as relações e n t r e os i m i g r a d o s d e f i n i d o s c o m o tal e os a u t ó c t o n e s são p e n s a d a s c o m o rela- ções rac ia is , j u s t i f i c a n d o a ex i s t ênc i a de u m a C o m i s s ã o p a r a a I g u a l d a d e Ra- cia l . Na França , falar-se-ã fac i lmente de rac i smo, m a s de relações in tercul tura is e n ã o inter-raciais . De m o d o a inda ma i s eu femis t i co , o s m e s m o s acon tec imen- tos q u e são desc r i tos pe los m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o c o m o " t u m u l t o s raciais" n a Ing la te r ra se rão t r a t a d o s c o m o "revol tas d a s per i fer ias" na França (Body-Gen- d r o t , 1993) . 44 PHIUPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART turais (étnicos), mas en t re a nação c o m o c o m u n i d a d e politica e a nação c o m o c o m u n i d a d e e tnocul tura l . 3 Nação e etnicidade: novas questões e novas perplexidades Ao Estado-nação c o m o tipo particular de insti tuição política q u e foi d i f u n d i d o a p o n t o de aplicar-se ao c o n j u n t o dos estados ter- ritoriais sobe ranos (cons t i tu indo "A Sociedade das Nações" ou as "Nações U n i d a s " ) aplica-se a af i rmação vo lun ta r iamente tautológi- ca de H o b s b a w m (1992a): "A característica f u n d a m e n t a l da nação m o d e r n a e de t u d o q u e a ela se liga é jus tamente sua m o d e r n i d a d e " (p.25). S e g u n d o este autor , as tentativas de def in i r a nação po r meio de critérios objetivos estão des t inadas ao fracasso. Em primei- ro lugar, po rque , qua lque r q u e seja o critério ou a combinação de critérios (l íngua, etnia, cultura, história c o m u m , território, religião etc.), estes são tão f lu tuantes q u a n t o ao q u e p rocu ram definir . Em s e g u n d o lugar, p o r q u e é s e m p r e possível encon t ra r exceções: ou p o r q u e os cand ida tos eleitos pela def inição n ã o mani fes tem aspira- ções nacionais , ou p o r q u e "nações" efetivas não c o r r e s p o n d a m aos critérios: " C o m o poder ia ser diferente, na medida em q u e ten- tamos fazer en t r a r em um q u a d r o p e r m a n e n t e e universal enti- dades his tor icamente novas, q u e estão apenas emergindo, q u e mu- dam....7" (p. 15). As tentativas de def inições subjetivas pelo critério da consciência de per tença são, po r sua vez, tautológicas e a posterio- ri. D e p e n d e n t e s d o s discursos de af i rmação nacional , elas correm o risco de tomá-los por descrições da realidade. Para Ge l lne r (1989), a idéia de q u e a nação seja essencia lmente um g r u p o q u e quer per- sistir c o m o c o m u n i d a d e , deveria conduzi r à inclusão de todas as es- pécies dc c o m u n i d a d e s q u e têm pouco a ver com as nações; esta def inição voluntar is ta "parece sedutora porque , na época m o d e r n a , nacionalista , as un idades nacionais são os objetos de identificação e de adesão voluntár ia q u e captam o favor e a preferência. E tão fá- cil, a tua lmente , esquecer os ou t ros tipos de grupos" (p.84). A me- n o s q u e se faça do s e n t i m e n t o nacional o correlato de u m a TEORIAS DA ETNICIDADE 45 disposição psicológica ligada a um ún ico t ipo dc g rupo que , ao m e s m o t e m p o q u e ela se inscreve na história, é con tudo por si mes- ma subtra ída à história. Ass im, para C o n n o r (1978, 1993), o fator-chave da existência das nações é exa tamente a consciência de si do grupo, q u e o separa de todos os outros , mas ele liga esta af i rmação a uma definição pré- via do t ipo dc g rupo em questão: a nação é o g rupo mais a m p l o ao qual as pessoas crêem estar ligadas por uma fil iação ancestral. Tal crença subjetiva em um parentesco f i c t í c io n ã o tem n e n h u m a necessidade de co r re sponder â realidade para contr ibuir para a def inição da realidade, d e t e r m i n a n d o os sen t imentos poderosos e a-racionais q u e cons t i tuem o cent ro essencial da ident idade nacio- nal. A etnicidade, então, refere-se aos grupos , ou mais exatamente aos povos, q u e são nações potenciais, situadas em um estágio p re l iminar da fo rmação da consciência nacional . Neste estágio, a sol idar iedade étnica manifesta-se no c o n f r o n t o com e lementos es- t rangeiros c origina-se na xenofobia , sem por isso consti tuir u m a per tença consciente de si própr ia e do tada de uma significação po- sitiva. Um grupo étnico é en tão "s implesmente" u m a categoria des- critiva c objetiva, discernivcl pelo observador externo (e, por tanto , o ant ropólogo) . A nação pressupõe, por sua vez, u m a consciência subjetiva especifica de povo. O engano c o m u m a muitas pesquisas sobre a nação e o naciona l i smo seria, então, segundo C o n n o r , acreditar q u e a nação seja u m a "real idade tangível" e de, assim, tê-la associada ao Estado. Para esse autor , a g rande maioria dos Estados- nações n e m verdadei ramente o são. Só se c o m p r e e n d e tal af i rmação porque C o n n o r definiu pre- v iamente a essência da nação - a convicção q u e têm seus m e m b r o s de f o r m a r um m e s m o povo, t e n d o u m a origem c o m u m e um "mes- mo sangue" - , s egundo a qual ele pode avaliar "nações autênticas". Se a critica dc H o b s b a w m , v i sando as definições subjetivas, n ã o pode atingir a a rgumen tação primordial is ta8 de C o n n o r em sua coerência interna, u m a vez q u e ela subtrai a natureza do l iame na- cional ã história, t a m b é m o t raba lho de C o n n o r fornece uma boa 8 Q u a n t o ao s e n t i d o de s sa palavra e à d i s c u s s ã o d a s c o n c e p ç õ e s "p r imord ia l i s - tas" da etnicidade, ver infra, p.87 ss. 46 PHILIPPE POUTIGNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART ilustração de seu alcance. Este autor parece, com efeito, mergulha- do em um t rabalho tautológico e a posteriori, uma vez que, para fun- damen ta r seus a rgumentos , ele se apóia nos discursos dos lideres nacionalistas alçados à categoria de sábios da nação: " Igno rando ou n e g a n d o a conotação de parentesco que penetra a nação, os pes- quisadores ficaram cegos ao q u e foi to ta lmente claro para os chefes nacionalistas" (1993, p.377). C o m p l e t a m e n t e ao contrár io , para Gellner , o discurso nacio- nalista mascara sua realidade sociológica: "O nacional ismo n ã o é o q u e parece ser e sobre tudo n ã o é o q u e parece ser para si mesmo" . A idéia de um desper tar das nacionalidades, de u m a tomada de consciência pelos povos de sua própr ia cultura ancestral encont ra apoio na realidade incontornável q u e a nação é u m a ent idade si- mu l t aneamen te cultural e politica. Assim, T o d o r o v (1989), que ca- racteriza a nação nesses termos, considera q u e " p o r um lado per tencemos todos a comun idades q u e praticam a mesma língua, hab i tam o m e s m o território, possuem u m a certa memór ia c o m u m , têm os m e s m o s cos tumes (é nesse sent ido q u e os antropólogos em- pregam a palavra 'cultura ' , fazendo-a assim, s inôn ima de 'etnia'); e po r ou t ro lado há comun idades que nos garantem direitos e nos i m p õ e m deveres.. ." (p.237). A inovação da nação residiria em sua con junção . Para Gel lner , é através de um efeito de ocultação, q u e reforça o própr io nacional ismo, q u e sc é levado a crer q u e no Esta- do nacional haveria a fusão de dois tipos de pertenças, exist indo i n d e p e n d e n t e m e n t e da evolução histórica q u e leva a fazer do prin- cipio de sua fusão a no rma . Precisamente a n o r m a , que , no dis- curso nacionalista, serve para fazê-las surgir respectivamente des t inadas u m a à outra . Esta ocultação não pode ser identificada ou revelada a n ã o ser q u e se diferencie cultura e estrutura social (como o faz Radcliffe-Brown) e que se as o p o n h a como as aparências à realidade (Gellner, 1991). O q u e é ocultado, na verdade, é uma propr iedade da estrutura e das condições da o rdem social, corres- p o n d e n t e a um estádio da divisão do t rabalho q u e confere à cultura um papel inédi to na integração das sociedades. Um modelo teórico das seqüências historiais , con t ras tando dois tipos de estrutura, a da sociedade tradicional agrária e a da sociedade industrial , permite q u e se diferenciem as funções diversas atribuídas aos sistemas de TEORIAS DA ETNICIDADE 47 comunicações e de emblemas q u e consti tuem as culturas: "A cultu- ra reflete a estrutura - mas n e m sempre da mesma forma" (1991, p .240) . No pr imeiro t ipo encont ra remos sociedades complexas e estra- tificadas (e não as sociedades tradicionais segmentarias com a soli- dar iedade mecânica de Durkheim) , compostas, em sua base, de comunidades rurais concentradas sobre elas mesmas e, no topo, de uma elite governante politico-clerical claramente apartada delas. Tais sociedades conhecem uma divisão social do trabalho já esgota- da, na qual o recrutamento se efetua através do nascimento e o en- s ino das competências, localmente e sobre a massa; o controle politico estabelece-se com mais freqüência por meio da conquista; o território da un idade politica abrange necessariamente um gran- de n ú m e r o de comunidades descont ínuas q u e se diferenciam em meio a uma rede intrincada de nuanças culturais e lingüísticas. Alia-se ã diversidade das comun idades rurais a das classes e dos es- tatutos hereditários. N e n h u m fator tende para a homogeneidade cultural, mui to ao contrário, a diversidade cultural e lingüística é usada para significar c garantir as distâncias sociais. A escrita é mo- nopolizada pela hierarquia clerical, e a língua escrita, prat icamente minori tária, é diferente dos dialetos falados na vida cotidiana pelos grupos consti tuintes desta sociedade. As altas culturas eruditas que se desenvolvem nessas condições, qualquer que seja a influência que possam ter sobre as populações, separam estas dos letrados e só se impõem m a n t e n d o sua aura de mistério. Enf im, elas não defi- n e m os limites de uma unidade politica. O ripo de estrutura social p rópr io da era industrial conduz, ao contrário, grandes massas de população, pertencentes a culturas in- feriores descont inuas , em direção às altas culturas normalizadas, homogêneas , secularizadas, t ransmitidas não somente pelas elites, mas por instituições educativas especializadas sustentadas pelo po- der central. C o m efeito, o processo de industrialização implica a mobi l idade profissional, a articulação de empregos e de competên- cias diversas, que por si próprias p resumem a possibilidade de uma comunicação elaborada e não estri tamente dependen te do contex- to entre os diferentes setores da estrutura social. Estas característi- cas, q u e estão associadas a u m a igualdade formal segundo a qual há 48 PHIUPPE P O U T I G N A T E JOCELYNE STREIFF-FENART apenas h ierarquia relativa e ligada a tarefas, p r e s u m e m , e t o r n a m necessário, q u e sejam realizadas u m a alfabetização e u m a educação universal e, assim, a h o m o g e n e i d a d e e a con t inu idade cultural. Os h o m e n s das sociedades tradicionais veneravam os deuses e sua cultura, mas n ã o sua própr ia cultura, acentua Gel lner , e nin- guém ve rdade i ramen te se preocupava c o m "sua" cultura, já q u e ela "aparentava-se ou t ro ra ao ar q u e se respirava". C o m o advento da industrialização, acontece exa tamente o contrár io: por meio da ex- periência da migração e da impor tânc ia assumida pelos empregos q u e exigem u m a fo rmação s imu l t aneamen te genérica e especializa- da, o c a m p o n ê s , para q u e m n ã o t inha sent ido perguntar-se se ama- va sua cultura, n ã o d e m o r a a descobri-la com seus limites, q u e são os de suas "possibi l idades de consegui r emprego, de seu m u n d o e de sua c idadania mora l" . Então , ele descobre de uma só vez q u e ela é seu b e m mais precioso, "sua s e n h a para participação social". C o n t u d o , a cul tura q u e está em ques t ão n ã o é aquela em q u e ele vi- via "out rora" , n e m a dos devaneios românt icos . Trata-se de u m a alta cultura q u e requer para sua d i fusão e sua generalização " u m teto polit ico" e, s o b este teto, em pr imei r í ss imo lugar, a escola e a univers idade. A part ir disso, n ã o são todas as cul turas q u e estão des t inadas a ser o f u n d a m e n t o de um proje to politico de Estado na- cional, mas t an to altas cul turas modern izadas e secularizadas quan- to cul turas inferiores conseguem sua t rans formação em altas culturas. A teoria de Ge l lne r fornece um q u a d ro teórico do "nacio- na l i smo em geral" q u e explica " p o r q u e o nac ional i smo e n q u a n t o tal d o m i n a r á inevi tavelmente mas n ã o um nac iona l i smo em parti- cular. N ó s s abemos q u e as cul turas bastante homogêneas , possuin- do cada u m a seu teto politico e seu serviço de en t re ten imento , irão tomar-se a n o r m a ... mas é-nos impossível prever quais serão as cul- turas vi toriosas" (1989, p.73). C o n t u d o , ela oferece u m a t ipologia dos nac iona l i smos q u e permi te a caracterização dos conflitos étni- cos e nacional is tas . Ge l lne r concebe a e tn ic idade de fo rma ins t rumenta l . 9 Sua fun- ção m u d a to ta lmente s e g u n d o o t ipo estrutural agrário ou indus- 9 Para u m a d i s c u s s ã o d a s c o n c e p ç õ e s " i n sc rumen tn l i s t a s " da e t n i c i d a d e , ve r in- fra, p . 9 5 ss. TEORIAS DA ETNICIDADE 49 trial dc sociedade. No caso da sociedade tradicional, ela serve de supor te para a dis t inção d o s estatutos e das classes, permite q u e se reduzam as ambigü idades e f u n d a m e n t a a legitimidade dos grupos d o m i n a n t e s ou , ao contrár io , serve para garant i r a estigmatização e a neutralização de g rupos sociais encarregados dc tarefas q u e os tor- n a m potenc ia lmente perigosos para a o r d e m politica. No per íodo m o d e r n o , e m b o r a o nac iona l i smo n ã o seja o desper tar de uma força latente de g rupos étnicos e culturais míticos, n ã o é m e n o s ver- d a d e q u e ele sc utiliza das heranças d o m a d a s das culturas preexis- tentes, e isso ocorre n u m a si tuação em q u e as desigualdades no r i tmo da industrialização á medida q u e as c o m u n i d a d e s "cr iam dispar idades tan to mais sensíveis (se apo iam) em diferenças cultu- rais, genéticas ou de t ipo seme lhan te deixadas pelo m u n d o agrá- rio". A este pr imei ro t ipo de conf l i to vêm juntar-se aqueles que , nos estádios mais tardios do processo de industrialização, tornam- se obstáculos para a homogeneização c a igualdade (a entropia) pró- prias das sociedades m o d e r n a s . Tais confli tos, qual if icados por Ge l lne r c o m o confl i tos de identificação, originam-se da divisão de- sigualitária (contra-entrópica) de u m a categoria da população e de sua fácil identif icação c o m o minor ia (o exemplo de Gel lner refere- se a u m a população "azul"). Além do caso dos caracteres transmiti- dos gener icamente , Gel lner p ropõe c o m o candida tos ao confl i to de identificação "os háb i tos religiosos e culturais p r o f u n d a m e n t e enraizados (que têm) um vigor e u m a tenacidade suscetíveis de igualá-los àqueles q u e são ancorados em nossa consti tuição gené- tica". A. D. Smi th (1984) parece ter razão ao acentuar q u e o ins- t rumen ta l i smo de Gel lner identifica-se com a preexistência de g rupos é tnicos e que , conseqüen temen te , sua teoria do "nacionalis- mo e n q u a n t o tal" deixa a porta aberta para u m a teoria da etnicidade e n q u a n t o ml. Os p rob lemas q u e os confl i tos de identificação (ou de assimila- ção) colocam para o Estado-nação e para o desenvolv imento da so- ciedade baseada na mobi l idade, no anon ima to , na educação c na igualdade q u e se supõe corresponder- lhe podem, parece-nos, ser igua lmente encarados de um p o n t o dc vista mais especifico q u e o adorado po r Gel lner . E o caso das teorias q u e p rocuram levar em con ta , por um lado, processos de insti tucionalização da ident idade 50 PHIUPPE P O U T 1 C N A T E JOCELYNE STREIFFFENART nacional e , por ourro, processos de identif icação p r o p r i a m e n t e di to: aqueles q u e são pressupos tos pela criação de u m a comun ida - de nacional q u e o Estado-nação c o m o f o r m a histórica de institui- ção politica representa e na qua l apóia sua legi t imidade. C o m o o destaca Or io l , o Es tado n ã o pode fundar-se tão-somente em um cont ra to , mas supõe igualmente u m q u a d r o an t ropo log icamente definivel de identificações: "A nação é pressupos ta pelo Es tado c o m o c o n j u n t o de con t eúdos geográficos, históricos, l ingüísticos, 'cul turais ' no sen t ido estrito da palavra, q u e t o r n a m possível a defi- n ição da expressão da von t ade geral" (Oriol , 1984, p.46). Balibar (1988) destaca q u e a nação deve constituir-se em comu- n idade ou em povo q u e se reconhece previamente na inst i tuição es- tatal. A fabricação - incluindo-se o caso das "antigas nações" - d o s mi tos de or igem e de um s e n t i m e n t o de con t inu idade histórica pro- picia q u e se veja no Estado a expressão de u m a ident idade preexis- tente q u e consti tui u m a fo rma ideológica efetiva sem a qual o apelo do pat r io t ismo seria "dir igido a n i n g u é m " . " N e n h u m a nação mo- d e r n a possui u m a base 'é tnica ' d ada ... o p r o b l e m a f u n d a m e n t a l é po r t an to o de produzir o povo: ou , m e l h o r d izendo, é q u e o povo, ele mesmo, se produza em pe rmanênc ia c o m o c o m u n i d a d e nacio- nal" (p . l 27). M a s o m o d e l o de sua u n i d a d e deve antecipar esta consti tuição.1 0 Os indiv íduos de or igens múl t ip las q u e chegarem a perceber-se c o m o m e m b r o s de u m a m e s m a nação devem ser insti- tu ídos c o m o homo nationalis po r meio de u m a rede de insti tuições e de práticas q u e os socialize, f ixando "os s en t imen tos de a m o r e ó d i o e de representação de 's i" ' para q u e a di ferenciação in te rna d o s g rupos sociais seja relativizada em relação à d i ferença s imbólica en t re " n ó s e os estrangeiros".1 1 Para Balibar este é um "processo de 10 S o b r e esta q u e s t ã o , e n c a r a d a a pa r t i r de p r e m i s s a s d i f e ren te s , A n d e r s o n ( 1 9 9 1 ) f o r n e c e e l e m e n t o s p a r t i c u l a r m e n t e p e r t i n e n t e s . Ele e x a m i n a o es t i lo da i m a g i n a ç ã o nac iona l i s t a pa ra iden t i f i ca r a s p r é - c o n d i ç õ e s o u o s e s q u e m a s d a f o r m a ideológica da u n i d a d e n a c i o n a l . M o s t r a e s p e c i a l m e n t e c o m o a univer - sal ização do e s p a ç o c do t e m p o e as prá t icas t o m a d a s poss íveis p e l o capital- i s m o da i m p r e n s a , tal c o m o a le i tura d o s j o r n a i s , p r o p i c i a r a m a s i n c r o n i z a ç ã o d a t e m p o r a l i d a d e d o s m e m b r o s d a n a ç ã o . 1 1 S c h n a p p e r f o r m u l a s o b o m o d o d a c o n s t a t a ç ã o d c u m p r o c e s s o a c a b a d o o q u e 6 p r o b l e m a t i z a d o c o m o p r o c e s s o c o n t í n u o c m Bal ibar . Ela des t aca q u e TEORIAS DA ETNICIDADE 51 etnização fictício" no qual o fictício designa o fato dc ela resultar de u m a fabricação, mas n ã o q u e ela n ã o t enha influencia no real. Ha- veria duas manei ras dc fabricar a etnicidade. Pr imeiramente a lín- gua: a escola pr imária e a família são as principais instituições q u e p roduzem a etnicidade c o m o c o m u n i d a d e lingüística. C o n t u d o , a " c o m u n i d a d e de língua não basta para a p rodução da etnicidade". Ela n ã o tem cm si m e s m a um pr inc ip io de clausura: "ela assimila seja q u e m for ou qua lque r um e n ã o prende n inguém" . Dai o s e g u n d o p roced imen to dc fabricação: a raça, principio de fecha- m e n t o e de exclusão, cujo e squema é a genealogia voltada imagina- riamente para o l imiar da sociedade. Mas o problema levantado po r Smith em relação a Gel lner persiste. As visões " ins t rumenta l i s tas" da etnicidade e "modernis- tas" do nac iona l i smo deveriam levar em conta o recurso em q u e se const i tuem a etnicidade c sua disponibi l idade, e nada representa o fato de ela n ã o ser um recurso p e r m a n e n t e e antigo. N ã o arriscaria- mos , en tão , a dar c o m o realizadaa missão, chegando a p o n t o de af i rmar , com a peren idade da etnicidade, seu caráter primordial.7 Essa questão, q u e será deta lhada mais adiante sob seus aspectos teóricos, merece ser aqui evocada p o r q u e autores q u e t rabalham so- bre a nação c o nac iona l i smo t en tam resolver a quadra tura deste circulo. E, especialmente, o caso de A r m s t r o n g (1982), em um livro so- bre cu jo título (As nações antes do nacionalismo) A. D. Smi th (1984) quest iona-se se é bem a d e q u a d o a seu objeto. A d o t a n d o um traba- lho histórico e sintético, A r m s t r o n g tenta anal isar a emergência das ident idades nacionais , t r a t ando verdadei ramente das identidades étnicas pré-modernas na cr is tandade do Or i en t e e do Ociden te e a civilização islâmica. Seu projeto n ã o visa a b r a n g e r a persistência de existe, n o c a s o d a s an t iga s nações e u r o p é i a s , pe lo m e n o s , u m a d i m e n s ã o pro- p r i a m e n t e c o m u n i t á r i a q u e s e deve a seu e n r a i z a m e n t o em um p a s s a d o dis- t a n t e e em sécu los de r iva l idades q u e a c o n s t r u ç ã o nac iona l r e fo rçou a i n d a m a i s no sécu lo XIX. Ao t é r m i n o d e s s e p r o c e s s o o laço nac iona l é o equiva- l e n t e d o laço é tn i co , n ã o p o r q u e ele s e a p o i e e m laços é t n i c o s preexis tentes , m a s p o r q u e n a E u r o p a "a s n a ç õ e s o c i d e n t a i s s ã o t a m b é m c o m u n i d a d e s étni cas" ( S c h n a p p e r , 1 9 9 1 , p . 3 2 0 ) . 52 PHIUPPE POUT1GNAT E JOCELYNE STREIFF-FENART grupos étnicos territorializados particulares. Ele trabalha essencial- mente a etnicidade c o m o um sen t imento ou uma atitude, t endo um efeito diferenciador, ligado à percepção de fronteiras por si mesmas mutantes . A etnicidade pode então corresponder a identi- dades coletivas de todos os tipos: religiosas, associadas a estilos de vida ou a classes econômicas, un idades politicas e t c , suscetíveis de se sobrepor e dc se fundi r umas nas outras. O pon to importante está cm q u e tais atitudes sc expr imam por meio dos símbolos e dos mitos q u e const i tuem espécies de "guarda dc alfândega" e que n ã o são, em n e n h u m caso, perdidos por todos. Assim, o mito mesopo- tâmico q u e t ransforma u m a unidade politica no reflexo da ordem celeste foi reutilizado com o consent imento das igrejas cristãs. E a história f lutuante desses s ímbolos e mitos étnicos e os fatores de sua persistência que interessam a Arms t rong - dos mais gerais, aqueles ligados aos modos de vida contrastados que opõem a Euro- pa ao Or ien te Médio, aos mais particulares, os associados ãs cida- des, e especialmente aos Impérios. O p o n t o que Armst rong busca estabelecer é, evidentemente, que as nações modernas , se são "fa- bricadas", n ã o surgem do nada, mas inscrevem-se em uma história de longa duração. A. D. Smith (1986, 1992) procura demons t ra r a mesma coisa, mas, d i ferentemente de Armst rong, centra sua pesquisa na conti- nu idade de etnias particulares. Determinadas etnias, apesar de suas mudanças e dos acontecimentos traumáticos q u e as afetam, como a conquista, a escravidão, a dispersão, a conversão religiosa, man têm um senso de sua própria cont inuidade. Etnia e nação são duas no- ções distintas, e Smith reconhece a modernidade da nação; contu- do , elas possuem um e lemento c o m u m , a capacidade de sustentar o senso de uma história e de uma cultura comuns . Em Smith , portanto, o foco é posto nas particularidades q u e as etnias tiram do fato de serem comunidades dotadas de solidarieda- de, mais q u e na percepção de fronteiras e na oposição aos outros grupos. Daí, as nações não o são sem precedente, po rque as etnias desenvolveram antes delas o senso de uma herança cultural e o de um des t ino histórico compart i lhado. Elas desenvolveram um sim- bol ismo e mitos q u e garantem a seus membros a convicção de ser, através da sucessão das gerações, um sõ e mesmo povo. As nações i! com ci TEORIAS DA ETNICIDADE 53 assim utilizam as mesmas fe r ramentas e, f reqüentemente , recupe- ram as antigas q u e propiciaram a sobrevivência das comun idades pré-nacionais d u r a n t e longos per íodos; é, especialmente, o caso dos mi tos de eleição (os mitos do "povo eleito") reutilizados pelas nações a fim dc garantir o s enso de sua própr ia con t inu idade . No final dessa anál ise de várias teorias sobre nação e nacionalis- m o , q u e cons t an t emen te a p r o x i m a r a m estes dois conceitos dos de etnia c e tn ic idade para diferenciá-los, é preciso q u e vol temos às ob- servações feitas cm relação a C o n n o r , concernentes ao perigo, para a pesquisa , dc sc referir ao d iscurso nacionalista. Elas devem ser, c o m efeito, matizadas. Se a nação n ã o pode ser def inida de m o d o ob- jetivo, n ã o é en t ão a b s u r d o pensar q u e ela existe apenas , cm certo sent ido, c o m o representação e ob je to de discurso. O perigo em rela- ção ao d iscurso nacionalista reside an tes no risco q u e se corre dc se envolver c o m ele ou se fazer envolver por ele, ac red i tando atingir u m a def inição q u e captaria a própr ia essência da nação e q u e pode- ria abster-se das condições históricas e dos lances ideológicos nos quais qua lque r tentativa de def inição da nação con t inua atada. Pode-se en t ão avaliar, pautando-se po r H o b s b a w m , q u e o es tudo da nação deve necessar iamente incluir o da evolução e o da t ransforma- ção de um concei to "h is tor icamente m u i t o jovem". Este conceito é politico e o sent ido q u e se lhe atribui é sempre u m a forma de resol- ver a equação Estado = nação = povo ( H o b s b a w m , p.31,35) . En- q u a n t o na concepção democrática-revolucionária o povo era d a d o e ident i f icado ao Estado para const i tuir a Nação, um m o d o q u e se im- pôs a part i r de 1830, sob a d e n o m i n a ç ã o de "pr inc ip io das naciona- lidades",12 separa s imul t aneamen te a nacional idade - tratada c o m o um dado , c o m o u m a c o m u n i d a d e preexistente - , c o Estado, para li- gá-los de n o v o em te rmos de aspiração e de programa politico. A ques t ão da def inição c dos. critérios da nação tornou-se en tão um lance de impor tânc ia c foi de m o d o crescente in terpre tado em ter- m o s "etnocul turais" , ' 1 com u m a predileção pelo critério lingüístico. 1 2 "Pa ra cada n a ç ã o u m E s t a d o e u m s ó Es t ado pa ra cada N a ç ã o " (Mazzini) . 1 3 B r u b a k e r ( 1 9 9 3 ) ass ina la q u e foi s o m e n t e n a s e c u n d a m e t a d e d o sécu lo XIX q u e na F r a n ç a se c o m e ç o u a falar de n a c i o n a i s e dc n a c i o n a l i d a d e f r ancesa . A n a c i o n a l i d a d e teve d e s d e o in ic io um " h a l o " de s e n t i d o e t n o c u l t u r a l , e sua utili- 54 PHIUPPE P O U T 1 G N A T E JOCELYNE STREIFF-FENART O nac iona l i smo c o m o u m a das elaborações ideológicas da "idéia de nação" é, desta fo rma, indiscut ivelmente o p r o m o t o r da e tnic idade. Mas, pergunta-se H o b s b a w m , po r que , en tão , haver d u a s palavras? Porque o nac iona l i smo é jus t amen te um programa polit ico e po rque a e tnicidade, seja ela o q u e for, n ã o é p o r s u a vez um concei to politico e não tem c o n t e ú d o programát ico . Para Hobs- b a w m ela não faz par te da teoria politica, mas da ant ropologia ou da sociologia. C e r t a m e n t e ela p o d e ser utilizada poli t icamente, m a s a politica da e tnicidade n ã o tem ligação necessária com o naciona- l i smo e pode ser comple t amen te indi ferente aos objetivos dos p rogramas nacionalistas. N ã o é m e n o s ve rdade q u e o nacionalis- mo , para realizar seu programa, procura identificar-se com a etnici- dade, já q u e ela lhe permite q u e f u n d ea nação em u m a con t inu idade histórica e lhe forneça um sen t ido do "nós" , de u m a iden t idade q u e lhe fe i ta na exata m e d i d a em q u e ela é u m a criação recente: "A e tnic idade é u m a das fo rmas de p reencher os espaços vazios do nac iona l i smo" (1992b , p.4). Ass im, a e tnicidade faz parte daqu i lo q u e H o b s b a w m c h a m a de "p ro tonac iona l i smo popular" . Esta noção n ã o implica q u e se possa invocar u m a con t inu idade real en t r e ela e o s en t imen to nac ional ou o "pa t r io t i smo nacional" , e n e m q u e se possa invocar sua ident idade na natureza universal do sen t imen to q u e leva a diferenciar os m e m b r o s de seu g r u p o dos estrangeiros. A nação é ju s t amen te um g r u p o incomparável ; n ã o tem precedente: "A nação m o d e r n a c o m o Estado ou c o m o conjun- to de pessoas q u e asp i ram à fo rmação de um d e t e r m i n a d o Estado difere em n ú m e r o , em extensão e em natureza, das c o m u n i d a d e s às quais as pessoas se ident if icaram no decorrer do t e m p o histórico" (1992a , p.63). zação pa ra d e s i g n a r a p e n e n ç a f o r m a l a um E s t a d o "a t e s t a u m a p r o p e n s ã o a r e iv ind ica r pa ra o E s t a d o u m f u n d a m e n t o ú l t i m o , idea l , d e o r d e m e tnocu l tu r a l " (p .15 ) . C o n t u d o , trata-se, para este a u t o r , de u m a e tn ização relativa c u j a em- p re sa p r e se rvou a p r e d o m i n â n c i a de u m a c o n c e p ç ã o ass imi lac ion is ta pela q u a l se r f r ancês "joga-se cm t e r m o s sociais e po l í t i cos e n ã o é t n i c o s " .