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Problema 5 – Eu desintoxico, a fábrica desintoxica... até quando? Identificar os sinais e sintomas das intoxicações agudas e crônicas; Estudar a toxicocinética e a toxicodinâmica do chumbo no organismo. EXPOSIÇÃO O chumbo é um metal tóxico ubíquo detectável em praticamente todo o ambiente e em todos os sistemas biológicos. A exposição ao chumbo em crianças ainda constitui um grave problema de saúde. Uma das maiores fontes ambientais de chumbo é a transferência do metal presente em lascas de tinta e na poeira do chão de casas mais antigas pelo hábito de levar as mãos à boca. Também vir de fora da residência (p. ex., do solo). A principal rota de exposição para a população em geral é por meio do alimento e da água. A ingestão de chumbo tem diminuído bastante nos últimos anos. Outras fontes potenciais de exposição ao metal são a prática recreativa de tiro, o carregamento manual de munição, a solda, a fabricação de joias, de cerâmica, de armas, o polimento de vidro, a pintura e a fabricação de vidros coloridos. TOXIDADE O chumbo pode induzir uma série de efeitos adversos em humanos dependendo da dose e da duração da exposição. Os efeitos tóxicos variam da inibição de enzimas à produção de patologias graves ou morte. As crianças são mais sensíveis aos efeitos no sistema nervoso central, enquanto a neuropatia periférica, a nefropatia crônica e a hipertensão são preocupações em adultos. Outros tecidos-alvo incluem os sistemas digestório, imune, esquelético e reprodutivo. Os efeitos na biossíntese do heme fornecem um indicador bioquímico sensível, mesmo na ausência de outros efeitos detectáveis. MECANISMO DE TOXICIDADE A toxicidade multissistêmica do chumbo é mediada por diversos mecanismos, incluindo inativação ou alteração de enzimas e outras macromoléculas, que são ligadas aos radicais sulfidrila, fosfato ou carboxila, e interação com cátions essenciais, principalmente cálcio, zinco e ferro. Poderão ocorrer alterações patológicas nas membranas celulares e mitocondriais, na síntese e na função de neurotransmissores, na síntese do heme, no estado redox da célula e no metabolismo de nucleotídeos. Esses mecanismos terão impactos adversos sobre os sistemas nervoso, renal, GI, hematopoiético, reprodutor e cardiovascular. TOXICOCINÉTICA A inalação de vapor de chumbo ou de outras partículas finas solúveis leva à absorção pulmonar rápida e extensa, representando a principal via de exposição na indústria. A exposição não industrial ocorre principalmente por ingestão, particularmente em crianças, que absorvem 45 a 50% do chumbo solúvel, comparados com cerca de 10 a 15% absorvidos pelos adultos. Após a absorção, o chumbo é distribuído pelo sangue (onde 99% ficam ligados aos eritrócitos) aos diversos tecidos, incluindo o transporte transplacentário para o feto e o transporte para o SNC por meio da barreira hematencefálica. Mais de 90% da carga de chumbo em adultos e mais de dois terços da carga em crianças jovens ocorrem no esqueleto. A redistribuição lenta do chumbo dos ossos para os tecidos moles pode elevar a sua concentração sanguínea por meses a anos após um paciente com exposição crônica a altas doses ter sido retirado de fontes externas. A depuração do chumbo pelo corpo segue um modelo cinético multicompartimental, com compartimentos “rápidos” no sangue e nos tecidos moles (meia-vida de 1 a 2 meses) e compartimentos lentos nos ossos (meia-vida de anos a décadas). Aproximadamente 70% da excreção do chumbo ocorre pela urina, com quantidades menores sendo eliminadas pelas fezes, e quantidades mínimas, pelos cabelos, pelas unhas e pelo suor. Meia vida: O metal tem meia-vida de 37 dias no sangue, 40 dias nos tecidos moles e 27 anos nos ossos. TOXICODINÂMICA Os efeitos tóxicos são resultado da interferência com o funcionamento adequado das membranas celulares e das enzimas, causadas pela formação de complexos de chumbo e ligações contendo enxofre, fósforo, nitrogênio e oxigênio. Uma das mais importantes interferências resulta no bloqueio das enzimas necessárias à formação das hemácias. Haverá também alteração na função de vários neurotransmissores (colinérgicos, noradrenérgicos e dopaminérgicos). O vaso espasmo e a ação tóxica direta do chumbo muitas das manifestações clínicas. DOSE TÓXICA A absorção dérmica do chumbo inorgânico é mínima, a não ser em casos de compostos de chumbo orgânicos, que também poderão causar irritação cutânea. Ingestão A absorção dos compostos de chumbo é diretamente proporcional à solubilidade e inversamente proporcional ao tamanho da partícula. A absorção GI de chumbo é aumentada pela deficiência de ferro e pelo baixo teor de cálcio na alimentação. Poderá aumentar substancialmente em um estado de jejum. A intoxicação sintomática aguda é rara após uma exposição isolada, porém poderá ocorrer em horas após a ingestão de alguns gramas de compostos solúveis de chumbo ou dias após a retenção GI de objetos de chumbo deglutido. APRESENTAÇÃO CLÍNICA A toxicidade multissistêmica do chumbo oscila entre intoxicação visível potencialmente fatal aos efeitos subclínicos súbitos. A ingestão aguda de quantidades muito grandes de chumbo (gramas) pode causar dor abdominal, anemia (geralmente hemolítica), hepatite tóxica e encefalopatia. A exposição subaguda ou crônica é mais comum do que a intoxicação aguda. Efeitos constitucionais incluem fadiga, mal-estar, irritabilidade, anorexia, insônia, perda de peso, redução da libido, artralgias e mialgias. Efeitos gastrintestinais incluem dor abdominal espasmódica (cólica do chumbo), náuseas, constipação ou (raro) diarreia. Manifestações do sistema nervoso central oscilam desde comprometimento da concentração, dor de cabeça, coordenação visuomotora reduzida e tremor até encefalopatia visível (delirium agitado ou letargia, ataxia, convulsões e coma). A exposição crônica de bebês e crianças a baixos níveis pode levar à diminuição da inteligência e ao comprometimento do desenvolvimento neurocomportamental, crescimento reduzido e acuidade auditiva reduzida. Efeitos cardiovasculares da exposição crônica ao chumbo incluem elevação da pressão sanguínea e risco elevado de hipertensão. A neuropatia motora periférica, que afeta principalmente as extremidades superiores, pode causar intensa fraqueza do músculo extensor. Efeitos hematológicos incluem anemia normocrômica ou microcítica. A hemólise poderá ocorrer após exposição aguda ou subaguda a altas doses. Efeitos nefrotóxicos incluem disfunção tubular aguda reversível e fibrose intersticial crônica. Poderão ocorrer hiperuricemia e gota. Prognósticos reprodutivos adversos podem incluir produção reduzida ou aberrante de esperma, aumento na taxa de aborto, parto prematuro, idade gestacional reduzida, baixo peso ao nascimento e desenvolvimento neurológico comprometido. Inalação repetida e intencional de gasolina com chumbo levou a ataxia, espasmo mioclônico, hiper-reflexia, delirium e convulsões. EFEITOS NEUROLÓGICOS, COMPORTAMENTAIS E DE DESENVOLVIMENTO Sintomas de encefalopatia pelo chumbo têm início com letargia, vómito, irritabilidade, perda do apetite e tonturas, progredindo para ataxia e um nível reduzido de consciência, que pode levar ao coma e à morte. A recuperação é acompanhada de sequelas Epilepsia, retardo mental e neuropatia óptica e cegueira. Os indicadores mais sensíveis dos resultados neurológicos adversos são os testes psicomotores ou os índices de desenvolvimento mental e medições de QI. O chumbo pode agir como um substituto para o cálcio e interromper a homeostase do mineral. O estímulo da proteína C quinase pode resultar na alteração da barreira hematencefálica. O chumbo afeta todo o sistema neurotransmissor no cérebro, incluindo os sistemas glutamatérgico, dopaminérgico e colinérgico. Esses sistemas têm função importante na plasticidade sináptica e nos mecanismos celulares para a função cognitiva, a aprendizagem e a memória. EFEITOS NEUROLÓGICOS EM ADULTOS Os adultos com exposição ocupacional podem apresentaranormalidades em uma série de medidas neurocomportamentais. A neuropatia periférica é uma manifestação clássica da toxicidade do chumbo em adultos. É caracterizada pela desmielinização segmental e degeneração axonal. EFEITOS HEMATOLÓGICOS O chumbo apresenta inúmeros efeitos hematológicos, variando do aumento de porfirinas urinárias, coproporfirinas, ácido ô-aminolevulínico (ALA) e zinco-proto-porfirina, até anemia. O efeito mais sensível do metal é a inibição do ácido ô-aminolevulínico desidratase (ALAD) e da ferroquelatase. O ALAD catalisa a condensação de duas unidades de ALA para formar porfobilinogênio (PBG). A inibição do ALAD resulta no acúmulo de ALA. A ferroquelatase catalisa a inserção de ferro no anel da protoporfirina para formar o heme. A inibição da ferroquelatase resulta no acúmulo da protoporfirina IX, que substitui o heme na molécula de hemoglobina, e, quando os eritrócitos contendo protoporfirina IX circulam, o zinco é quelado no local geralmente ocupado pelo ferro. A anemia ocorre somente em casos muito acentuados. TOXIDADE RENAL Ocorre disfunção tubular proximal que pode ser revertida por tratamento com agentes quelantes. A nefrotoxicidade crônica pelo metal consiste em fibrose intersticial e perda progressiva dos néfrons, azotemia e falência renal. Nos rins, a nefrotoxicidade do chumbo afeta a síntese renal das enzimas contendo heme, tais como a hidroxilase contendo heme envolvida no metabolismo da vitamina D, causando efeitos nos ossos. A hiperuricemia com gota ocorre com mais frequência na presença de nefropatias pelo chumbo. Vaso-espasmo das arteríolas renais aferentes Alteração da parede vascular + ativação do sistema RAA Hipóxia renal + elevação da pressão arterial Dano tubular proximal + degeneração dos glomérulos Nefro-angioesclerose Redução do transporte ativo, reabsorção e excreção de solutos, gota e insuficiência renal. EFEITOS NO SISTEMA CARDIOVASCULAR A patogênese da hipertensão induzida pelo chumbo é multifatorial, envolvendo: (I) Inativação do óxido nítrico endógeno e GMPc, por meio de espécies reativas de oxigênio induzidas pelo chumbo. (2) Mudanças no sistema renina-angiotensina-aldosterona e aumento da atividade simpática, que são importantes componentes humorais da hipertensão. (3) Alterações nas funções ativadas pelo cálcio das células musculares lisas vasculares, incluindo a contratilidade ao diminuir a atividade /K+-ATPase e o estímulo da bomba de troca de Na + /Ca2+. (4) Aumento na endotelina e no tromboxano. OUTROS EFEITOS TÓXICOS O chumbo pode afetar a pressão sanguínea por meio de mudança na renina plasmática e na calicreína urinária, além de provocar alterações nas funções ativadas por cálcio nas células musculares lisas vasculares e mudanças na resposta às catecolaminas. Como um agente imunossupressor, o metal diminui as imunoglobulinas, os linfócitos B periféricos e outros componentes do sistema imune. A retenção e a mobilização do chumbo nos ossos ocorrem por meio dos mesmos mecanismos envolvidos na regulação da entrada e da saída de cálcio. O chumbo também compete com o cálcio na absorção gastrointestinal. O metal afeta os osteoblastos, osteoclastos e condrócitos, e tem sido associado com a osteoporose e a demora no reparo de fraturas. A toxicidade do chumbo tem sido relacionada com a esterilidade e com mortes neonatais em humanos. O chumbo, um carcinógeno do grupo 2B, induz tumores dos sistemas respiratório e digestório. DIAGNÓSTICO Embora a encefalopatia manifesta ou a cólica abdominal associada a uma atividade suspeita possa sugerir imediatamente o diagnóstico de intoxicação grave por chumbo, os sintomas inespecíficos e sinais multissistêmicos associados a intoxicações branda ou moderada poderão ser confundidos com uma doença viral ou com outro distúrbio. Considerar a intoxicação por chumbo em qualquer paciente com achados multissistêmicos que incluam dor abdominal, dor de cabeça, anemia e, menos comumente, neuropatia motora, gota e insuficiência renal. Considerar a encefalopatia por chumbo em qualquer criança ou adulto com delirium ou convulsões (com anemia simultânea) e intoxicação crônica por chumbo em qualquer criança com déficits neurocomportamentais ou retardos de desenvolvimento. O nível de chumbo no sangue total é o indicador mais útil da exposição ao chumbo. As relações entre os níveis sanguíneos de chumbo e os achados clínicos têm sido normalmente baseados na exposição subaguda ou crônica, e não em altos valores transitórios, que podem surgir imediatamente após a exposição aguda. Poderá ocorrer considerável variabilidade individual. Elevações na protoporfirina eritrocítica livre (FEP) ou da zinco protoporfirina (ZPP) refletem a inibição da síntese de heme induzida pelo chumbo. Como apenas os eritrócitos que se encontram em formação ativa, e não os maduros, são afetados, as elevações seguem a exposição ao chumbo em poucas semanas. Altos níveis sanguíneos de chumbo na presença de um nível normal de FEP ou ZPP sugere uma exposição muito recente. A elevação da protoporfirina não é específica do chumbo e também poderá ocorrer em caso de deficiência de ferro. A excreção urinária de chumbo aumenta e diminui mais rapidamente do que o chumbo sanguíneo. A avaliação do chumbo nos ossos pelo exame não invasivo in vivo de fluorescência de raio X, um teste em geral disponível nos laboratórios de pesquisa, poderá fornecer o melhor índice da exposição cumulativa de chumbo a longo prazo e de sua carga corporal total. TRATAMENTO Emergência e medidas de apoio Tratar convulsão e coma. Fornecer fluidos adequados para manter o fluxo urinário, porém evitar super-hidratação, que poderá agravar o edema cerebral. Fármacos e antídotos O tratamento com agentes queladores reduz as concentrações sanguíneas de chumbo e aumenta a sua excreção urinária. Descontaminação Carvão ativado, irrigação intestinal total ou remoção endoscópica/cirúrgica. Exposição ocupacional Os trabalhadores deverão ser removidos da exposição caso uma única medida do nível sanguíneo de chumbo exceda 60 g/dL ou se a média de três medições consecutivas exceder 50 g/dL. No caso de trabalhadores de construções, será necessária a remoção caso uma única medição exceda 50 g/dL. Os trabalhadores não deverão voltar ao trabalho até que o nível sanguíneo de chumbo tenha retornado a 40 g/dL e quaisquer manifestações clínicas de toxicidade tenham sido resolvidas. A quelação profilática é proibida. Identificar os valores referenciais para chumbo em sangue no organismo humano em população exposta ocupacionalmente ao metal e não exposta; Conhecer a legislação que regulamenta o controle da exposição ao chumbo inorgânico (NR7) e a importância da notificação dos acidentes de trabalho. VALORES REFERENCIAIS IBMP - Índice Biológico Máximo Permitido: é o valor máximo do indicador biológico para o qual se supõe que a maioria das pessoas ocupacionalmente expostas não corre risco de danos à saúde. Chumbo inorgânico 60ug/100 ml ou 10mg/g creat. Chumbo tetraetila 100ug/g creat. VR - Valor de Referência da Normalidade: é o valor possível de ser encontrado em populações não-expostas ocupacionalmente. Chumbo inorgânico Até 40ug/100 ml ou até 4,5 mg/g creat. Chumbo tetraetila Até 50ug/g creat. NR7 A NR7 trata de forma específica das regras que as empresas devem seguir para preservar a saúde dos trabalhadores, sobretudo no que se refere aos problemas que podem ser provocados devido a determinadas atividades profissionais. O objetivo dessa norma regulamentadora é estabelecer um padrão a ser seguido para prevenir doenças ocupacionais e formas de controle por parte da empresa, fazendo que todas as funções sejam exercidas apenas por pessoas com plena capacidade física e mental para executá-las. A Norma Regulamentadora NR7 define como parâmetros para controle biológico da exposição ocupacional ao chumbo os exames de sangue para a dosagem de chumbo e zinco-proto porfirina e de urina para a dosagem de ácido deltaamino-levulínico. As atividades consideradas insalubres são regidas pela NR15, na qual se inclui a exposição ocupacional ao Pb. Ela estabelece que o valor teto de exposição ao chumbo é de 0,1 mg/m3 para jornadas de trabalho até 48 horas semanais e que exposições que atinjam este teto caracterizam grau de insalubridade máximo. Toda intoxicação ocupacional por chumbo deve ser obrigatoriamente notificada pelo SUS. A comunicação à Previdência Social deve ser realizada por meio de abertura de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
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