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A LITERATURA NA REPRESENTAÇÃO DA HISTÓRIA LUSO-BRASILEIRA: TEMAS E REFLEXÕES

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UNVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL
CAMPUS CENTRAL – PORTO ALEGRE
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS: HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
 
JOÃO BATISTA DA SILVA GOULART
A LITERATURA NA REPRESENTAÇÃO DA HISTÓRIA LUSO-BRASILEIRA: TEMAS E REFLEXÕES
PORTO ALEGRE
2019
JOÃO BATISTA DA SILVA GOULART
A LITERATURA NA REPRESENTAÇÃO DA HISTÓRIA LUSO-BRASILEIRA: TEMAS E REFLEXÕES
Texto apresentado como requisito parcial para obtenção de aprovação no componente curricular Fundamentos históricos da literatura luso-brasileira, ministrado pelo Prof. Me. Gilmar de Azevedo, na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.
PORTO ALEGRE
2019
A INFLUÊNCIA DA IGREJA CATÓLICA NA IDADE MÉDIA E MODERNA NA ESTEREOTIPAGEM DO SER HUMANO; EM SUASSUNA, A CRÍTICA AO PODER CONSTITUÍDO EM RELAÇÃO AO NORDESTINO (BRASILEIRO)
Literatura, ou, mais especificamente, Literatura luso-brasileira é o tema deste breve colóquio. FARACO e MOURA (1999, p.44), definem que:[1: Nesse sentido, podemos inferir que quem produz o texto literário é o escritor. Logo, o texto é sempre uma combinação subjetiva, pessoal das palavras, que revela o modo particular como cada escritor recria e interpreta a realidade, entretanto permitindo mais de uma interpretação. Assim sendo, os autores entendem que dependendo do leitor, pode haver diversas interpretações de um mesmo texto literário: um romance, um conto, um poema. Já o texto jornalístico, por exemplo, não pode ser visto do mesmo modo, pois, de característica peculiar, não pode dar margem a interpretações diversas, eis que tem o objetivo de informar.  FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto. Língua e literatura:volume único. São Paulo: Editora Ática, 1999.]
“ (...) literatura é ficção; é a recriação de uma realidade, através de palavras. Estas palavras são combinadas de maneira pessoal, subjetiva. A combinação revela a maneira individual de cada escritor interpretar a realidade.”
Assim, com este propósito que começamos a trilhar os caminhos da literatura luso-brasileira, ou seja, entendendo que o texto literário permite mais de uma interpretação, ao contrario do texto histórico, científico ou jornalístico, pois esses textos têm como objetivo informar. Entretanto, podemos afirmar que a produção literária luso-brasileira não tergiversou com os fatos históricos da pátria-mãe e do filho-gentil. Pelo contrário, implicou em repensar os caminhos da narrativa histórica e suas relações com a literatura, igualar os campos da história e da literatura, porém os considerando diferentes nas formas de apreensão de dimensões igualmente diferentes da realidade. Enfim, não se trata, portanto, de separar na literatura seus aspectos de verdade e de mentira ou de nela buscar dados objetivos, mas sim, mais do que respostas, é encontrar nela as perguntas de uma época. 
Nesse sentido, passemos a uma pequena introdução histórica das literaturas portuguesa e brasileira, conforme foi-nos apresentada em sala de aula. A primeira literatura produzida em Portugal era constituída por cantigas de amor e a primeira obra desse estilo foi a Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós, no final do século XII. Esse período ficou conhecido como Trovadorismo. 
A partir daí, a literatura portuguesa floresceu com diversos movimentos literários e com suas riquezas específicas. Em ordem cronológica, podemos citar: o Humanismo, o Classicismo, o Barroco, o Arcadismo, o Romantismo, o Realismo, o Naturalismo, o Simbolismo e o Modernismo (1ª e 2ª fase). Podemos ainda citar os principais autores portugueses como Gil Vicente, Camões, Padre Antonio Vieira, Bocage, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, entre tantos outros.
Por seu turno, a literatura produzida no Brasil iniciou no século XVI e teve como marco a Carta de Pero Vaz de Caminha a qual relatava a descoberta de um “novo mundo”. Igual a Portugal, o Brasil também possui uma ampla e rica literatura, dividida em períodos ou movimentos literários, os quais apresentamos em ordem cronológica: Literatura de Informação, Barroco, Arcadismo, Romantismo (1ª, 2ª e 3ª geração de escritores), Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo, Pré-Modernismo e Modernismo (1ª, 2ª e 3ª fase). Citamos alguns dos principais autores brasileiros tais como: Gregório de Matos, Tomás Antonio Gonzaga, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves, José de Alencar, Aluísio Azevedo, Machado de Assis, Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Monteiro Lobato, Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, entre outros autores brasileiros.
Como já citado anteriormente, igualar os campos da história e da literatura, mas também os considerando diferentes nas formas de apreensão de dimensões e de realidade é relacionar estes campos ao comportamento humano. Roland Barthes, em seu livro “A aula”, afirma que em determinado momento de nossas vidas é permitido o desejo de “esquecer e desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas e das crenças que atravessamos”, ou seja, que seja possível a nós, homo sapiens, chegar a um saber, já esquecido devido ao nosso comportamento instável, com um pouco de sabedoria e o máximo de sabor em aprender lendo, tornando-nos – permito-me pensar – homo literatus. Assim, pensar história, literatura e comportamento é a mise em place que fará despertar nosso apetite com os saberes e o sabor, na paráfrase de Barthes (1977).[2: BARTHES, Roland; A aula. São Paulo: Cultrix, s/d. Aula pronunciada na França, em 7 de janeiro de 1977. p.21.][3: Mise en place é uma expressão em francês, que significa literalmente "posta no lugar". Ou seja, é simplesmente deixar todos os ingredientes e elementos da receita prontos a fim de que possa ser executada a receita corretamente.]
Nesse sentido, mantendo o tom da conversa, misturando à tríade proposta os sabores e saberes luso-brasileiros, elidimos, primeiramente, na obra O Auto da Compadecida, de Suassuna, a qual tem  muitas  referências às comédias medievais e renascentistas, como o Auto da  Barca do  Inferno,  de  Gil Vicente, poeta português  do século 16. [4: Literatura, história e comportamento.]
De acordo com Saraiva e Lopes, os textos teatrais, na obra gilvicentina, são diferenciados alguns gêneros teatrais, a saber: [5: SARAIVA, Antônio José; LOPES, Oscar. História da literatura portuguesa. 17ª ed. Porto: Porto Editora, 2000.]
Os autos pastoris: Monólogos ou diálogos de pastores à maneira de Juan del Encina;
Os autos de moralidade: Nascimento ressurreição de Cristo que foram diretamente inspirados da Bíblia.
Os autos cavalheirescos: Cenas de episódios sentimentais cavalheirescos, ao gosto da corte.
As farsas: é criado a partir de um flagrante de uma vida típica de uma pessoa, ou sucessão de quadros cômicos que são sem ligação. Ex.: A farsa de Inês Pereira e O Velho da Horta.
As alegorias de tema profano ou fantasias alegóricas: envolvia cenas de farsas, romance e canções.
 Dessa maneira, Gil Vicente usou  a mesma  estrutura dos autos religiosos para  fazer  sua  crítica ao comportamento da sociedade portuguesa à época. Em suas obras, religiosos libertinos, corregedores e procuradores corruptos, fidalgos falidos, cafetinas e comerciantes falidos eram ilustres presenças, lógico, entre outros não tão ilustres – só para ilustrar o parvo e o sapateiro -. [6: Auto da  Barca do  Inferno.]
Apesar da crítica  que fazia ao clero, o dramaturgo lusitano  não questionava os dogmas religiosos, mas sim, a  administração e patrimônio da instituição igreja católica adquirido pela venda de indulgências e, enfim, denunciava  o relacionamento libertino que alguns religiosos mantinham com  mulheres.
Na obra  de Ariano Suassuna – O Auto da Compadecida -, podemos identificar muitas semelhanças às personagens dos autos vicentinos:  os religiosos, o comerciante e a esposaadúltera, o  palhaço (aqui uma referência ao teatro mambembe ou Saltimbancos Medievais nos quais o palhaço servia como mestre  de cerimônias antes da peça), os  parvos (personagens Chicó e  João Grilo), os  personagens  mítico-religiosos (o Emanuel, a Compadecida e o Diabo). Nesse sentido, a crítica social – tríade: história, literatura e comportamento - é presente na obra, pois João Grilo e  Chicó enganam o cangaceiro Severino com a  falsa  promessa de  encontrar  o Padre Cícero no Paraíso; o descaso com o que o padeiro Eurico trata os  seus  empregados remete à ausência de relações trabalhistas;  a venda de favores divinos devido aos cargos eclesiásticos em troca de dinheiro cometido pelo padre João e pelo  bispo; a mulher adúltera que se diz santa – Dorinha, mulher do padeiro – que assim como seu cônjuge, é muito avarenta e, por fim, o preconceito racial, cujas  alusões  são presentes na surpresa de  João Grilo ao se deparar com  o Emanuel – Jesus Cristo - negro. Destarte, os dogmas  católicos  não são questionados tanto no auto de Vicentino - Cavaleiros Cruzados, pois lutaram pelo triunfo da fé cristã e morreram em poder dos mouros, assim julgados, perdoados e conduzidos à Barca da Glória – quanto na tradição de  que  Maria – a Compadecida - é a intercessora dos necessitados se torna reforçada  por Suassuna. 
Assim sendo, com a mise em place literária pronta, resta aos confrades literatus saborear com sabedoria a comédia, produzida pelos – chefs -autores num desenlace feliz e otimista. Gil Vicente e Ariano Suassuna conduzem o público a solidarizarem-se com o desenrolar da trama, produzindo uma espécie de catarse não catártica, já que não implica em piedade e terror, entretanto empatia e alteridade. Dessa maneira, o riso se torna cúmplice do reconhecimento das próprias falhas, provocando um repensar, uma reconstrução dos valores e costumes; utilizando-se, enfim, da linguagem literária, os autores aproximam, entre outros elementos comuns em sociedade, o ponto chave do ato de se colocar, leitor e personagem, no lugar do próximo, no lugar do Outro.
DA VIAGEM DE VASCO DA GAMA À CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA: O MITO EDÊNICO DO “ACHAMENTO DO BRASIL” E AS IM(PLÍCITAS)PRESSÕES DAS DESCOBERTAS LUSITANAS
Orlandi (2003), ao estudar o caráter edênico da dinâmica ritualística - responsável pela formação dos fatos que criam a história e a cultura – infere que não existem rituais sem falhas. Todo o discurso fundador, para existir, deve aproveitar-se das falhas fragmentadas desses rituais para desautorizar o antigo e promover a novidade, ou seja, desautoriza-se a paráfrase para, por meio dela, instituir-se uma realidade polifônica, o discurso fundador. Assim, surge uma nova tradição, uma nova memória a partir da ruptura que promoverá a instalação de um discurso inédito. Nesse sentido, faz parte, logo, do discurso fundador de todas as nações “achadas” pelos lusitanos – tanto no continente africano quanto do Brasil - esse caráter messiânico (algo simbólico, atemporal), que torna a idéia de exploração menos arbitrária (é mais fácil fundar-se no mito a fim de para dar status, algo que escamoteável, pois chama menos a atenção). Portanto, independente da terra achada ou descoberta – e aqui, especificamente fundado no mito edênico o qual foi criado há muito -, tal local será conhecido como o paraíso, que se retroalimenta por mais de uma espécie de lendas, e o qual se confirma com a “descoberta(chamento)” do Brasil. [7: ORLANDI, Eni Puccinelli, (org.). Discurso fundador: a construção do país e a construção da identidade nacional. 3a ed. Campinas: Pontes, 2003, pp. 11-25.]
Refletir sobre o “achamento” do Brasil certamente contribui para que possamos localizar em que lugar social ocupamos em meio às intrincadas relações internacionais nesse mundo mais que globalizado, economicamente falando. Nesse sentido, por mais que falar em globalização pareça ser, por vezes, tocar faces políticas e arrastar correntes ideológicas do que chamaríamos de imperialismo, existe, de fato, uma realidade que atualmente dá esse nome a um mundo cujo princípio, tanto início quanto preceito, significa um universo de possibilidades com fronteiras e demarcações necessariamente deslocadas.
Mas, voltemos meio século atrás e, nos termos dos relatos didáticos dos livros de história, vislumbremos a nova situação portuguesa da idade medieval. Com efeito, as navegações atraíram a cobiça de reis, príncipes, embaixadores de todos os países europeus, tanto fosse pela grandeza do feito admirado, quanto pela implicação material da riqueza por eles a ser alcançada. Didaticamente, há toda uma idealização do suposto passado heroico, fonte de enaltecimento e de orgulho nacional português. 
Nesse sentido, não há obra que mais encha o povo português de orgulho do que Os Lusíadas, de Camões. A obra retrata a epopeia do navegador Vasco da Gama, o heroico português que lutou bravamente contra as forças sobrenaturais do deus Baco o qual tentava, com uma série de artifícios, impedi-lo de chegar ao Oriente. Todavia, com o providencial auxílio da deusa Vênus, a esquadra lusitana sobrevive ilesa às intempéries e artimanhas do filho de Júpiter e de Sêmele. Narrando sua história ao rei de Melinde - Canto III, estrofes 6 a 20 – Vasco da Gama relata que quando as naus se despediam do porto de Belém, um ancião, o Velho do Restelo, elevando a voz, manifestou sua oposição à expedição, maldizendo a esquadra. Ao contrário do que sugerira o ancião, as naus comandadas pelo navegador lusitano foram capazes de feitos jamais antes vistos em terras lusitanas. 
Outro ponto marcante da aventura é o aparecimento do Gigante Adamastor – Canto V -, uma figura simbólica criada por Camões para retratar os perigos e desafios enfrentados pelas embarcações portuguesas quando passavam perto do Cabo das Tormentas (também conhecido como Cabo da Boa Esperança), região localizada no extremo sul do continente africano. Depois desses e outros perigos, Vasco da Gama finalmente chega às Índias validando que todo esforço e toda bravura valeram a pena. 
E se valeu a pena chegar às Índias, porque não arriscar um pouco mais? Claro que não deve pertencer aos livros didáticos de história narrar, mas sim a literatura fatos verossímeis. Acredito que em algum momento, Vasco da Gama aconselhou a Pedro Alvares Cabral evitar as calmarias do Golfo de Guiné e os ventos alísios de sudeste e “engolfar-se” no Atlântico Sul a fim de “achar” o Brasil. 
Das quatro primeiras expedições portuguesas à índia, a começar pela de Álvares Cabral, fazendo claras alusões ao “achamento” do Brasil, um tópico missivo faz referência ao descobrimento do Brasil pela segunda armada da índia, com o seguinte teor: 
"Neste ano de 1500 no dia 8 de março partiram do pôrto de Lisboa para ir negociar especiarias e drogas na parte da Índia... Da dita armada foi capitão-mor Pedro Álvares Cabral. Navegando passado o Cabo Verde descobriram novamente uma terra... a qual puzeram o nome de terra de Santa Cruz: isso porque na praia fizeram levantar uma altíssima cruz: outros a chamam Terra Nova ou mais certo Mundo Novo".[8: T. O. MARCONDES DE SOUZA. Da Sociedade de Estudos Históricos de São Paulo e da Société des Américanistes de Paris. A DIVULGAÇÃO PELA IMPRENSA DA NOTICIA DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL POR ÁLVARES CABRAL. Disponível em: www.revistas.usp.br/revhistoria/article/download/122689/119185/ Texto do artigo-230257-1-10-20161108 (1).pdf . Acesso em: 27 de maio de 2019.]
Sobre o “achamento” e o lugar desempenhado pelos portugueses perante os povos “achados”, utiliza-se a categoria de “missão educadora” ou “catequizadora”, mediante a qual se justificavam dominar e ter a tutela de povos incultos considerados pelos cultos descobridores como incapazes de se governar de maneira autônoma. Cabral teve mais sorte que seu antecessor, pois os índios não tinham um Rei, como em Melinde, e o navegador não precisou-se queixar de anciões praguejadores nem de gigantes revoltos, pois os bons ventos que não deixaram adernar as naus – sugestão deVasco da Gama – os empurram para longe, além dos objetivos, mas a bonança veio mesmo sem tempestades.
Assim, retomando o início do tópico, o texto didático, sobre o tema, dirá que o “achamento” do Brasil não foi a máxima proeza da “empresa estatal” de navegação portuguesa. Estas proezas míticas ficariam para a viagem de Vasco da Gama, tão bem cantada por Camões. O processo de “achamento” do Brasil se distinguiria de maneira singular de colonização: uma conquista fruto de persuasão com níveis extremos de coerção, talvez cordial. Seria um prenúncio da globalização medieval adentrando às terras de Pindorama? 
Nesse sentido, a fim de entendermos um pouco o teor implícito da “Carta” de Pero Vaz de Caminha, conforme Braga (2009), na época das grandes navegações, era comum os viajantes relatarem os feitos de suas viagens por intermédio de cartas. Da pena do missivista lusitano, nasceu o principal documento - algo semelhante a uma certidão de nascimento -, que se refere ao descobrimento do Brasil. Fruto das anotações feitas por Caminha ao longo de 54 dias, a Carta – com valor de obra – teve inicio de sua redação datada no dia 9 de março de 1500, ocasião n qual a esquadra de Cabral, composta de 13 navios, partiu do porto do Restelo, em Lisboa. No dia 2 de maio do mesmo ano, já finalizada, ela foi enviada a Portugal juntamente com vários outros relatos remetidos ao rei. [9: Braga, Fabio William Lopes A Carta de Caminha e o conceito de literatura na historiografia literária brasileira / Fabio William Lopes Braga. Assis, 2009 105 f. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/94012/braga_fwl_me_assis.pdf. Acesso em: 20 de junho de 2019.][10: Ibidem.]
Na Carta, o contraste cultural é claramente visível, abordando ora os portugueses, homens civilizados e cristãos, ora os indígenas, habitantes de uma terra dotada de uma natureza exuberante e rica que os acolhe. Para os primeiros, o interesse era o ouro e a mão-de-obra indígena, enquanto que para os segundos, o que os fazia satisfeitos era uma conta de colar ou um guizo, ou seja, o escambo de objetos que poderia ser feita com os portugueses – mas, isso é um critério implícito na Carta, portanto, trataremos mais a frente -.
A partir de uma leitura atenta, pode-se perceber que Pero Vaz de Caminha mescla descrições dos aspectos físicos e culturais dos primeiros habitantes do Brasil com suas impressões acerca da nova terra. Existe harmonia entre o homem e a natureza e esta relação é preponderante na obra, pois parece que um faz parte do outro e os elementos da natureza são intrínsecos à constituição dos índios. Entretanto, ao passo que enfatiza toda essa diversidade existente na natureza em que vivem os silvícolas, também acaba contabilizando, quantificando animais, plantas e rios. Enfim, essa preocupação com os números é compreensível, pois estando numa posição de submissão ao rei, como escrivão de uma esquadra, devia informá-lo de maneira precisa dos recursos (leia-se: aquilo que poderemos extrair) e homens (leia-se: aqueles que poderemos catequizar, humanizar e escravizar) encontrados na nova terra (leia-se: aquela que iremos explorar).
Nesses discursos implícitos, os portugueses empreenderam, sob a bandeira do Cristianismo – aqui servindo de camuflagem para os verdadeiros interesses da nação portuguesa: econômicos, comerciais e civilizatórios - um êxito extraordinário na tipografia, nas letras, nas ciências e nos descobrimentos marítimos. Em virtude disso, para manter tal “status” na comunidade européia medieval, Portugal precisava de colônias que pudessem proporcionar o dinheiro necessário para isso. Portanto, não é difícil notar que, ao desembarcarem no Brasil, os lusitanos estavam menos preocupados com o estado espiritual dos índios do que com o que estes poderiam oferecer à nação portuguesa. De fato, o que importava para os lusitanos era a posse da terra e dos primitivos habitantes. 
Tudo isso dá uma idéia do sentimento de superioridade do português em relação àquilo que seja diferente do que ele conhece e do discurso colonizador que aparece de forma implícita e camuflada na Carta de Caminha. O intuito de submeter os índios à coroa fica bem claro no final do relato: “[...] se Vossa alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa alteza [...]” (BRAGA apud CORTESÃO, 2009, p.33).[11: É interessante notar também que os portugueses não pensam no fato de que aquela região e os diversos locais que a constituem poderiam já ter sido nomeados pelos índios que ali habitavam. Quando os europeus atravessam os mares, intencionam submeter o desconhecido ao seu domínio civilizador. Dessa forma, ao chegarem aqui, dão nome a tudo o que encontram, visto que a nomeação indica a posse da região que agora entra na esfera da língua portuguesa; mas não sem agressão, uma agressão sutil que visa à anulação da cultura autóctone.]
Enfim, de quinhentos anos atrás até o momento, nenhuma deusa mítica veio em nosso auxílio – quanto pau-brasil, açúcar, petróleo, dinheiro, moral e almas já levadas - e até hoje - mesmo que o senso comum diga que Deus é brasileiro - só podemos contar com nossa força e nosso suor para fazer os milagres, sem dinheiro público e sem conchavos, claro, para os reles mortais. Ah, não poderia deixar de citar os políticos, mas estes deixemos para o Vieira – nosso bom Padre – orientar com seus sermões. Mas isso fica para o próximo título.
O ATEMPORAL “SERMÃO DO BOM LADRÃO” E A MATRIZ CULTURAL E HISTÓRICA DOS DESVIOS ECONÔMICOS E CULTURAIS BRASILEIROS
: 
Não são só os ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendamos exercícios e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam. (VIEIRA, 2009, p.110)
No Sermão do bom ladrão, Padre Antônio Vieira questionava em consonância com a sua vivência cotidiana os desmandos reais, inflamando seus discursos mostrando ao povo português como funcionava a roubalheira no Brasil-colônia. Sua indignação com escândalos no governo lusitano, riquezas ilícitas, gestões fraudulentas e, desproporcionalidade das punições – lógico que com a exceção óbvia dos mandatários -, Padre Vieira, usou o púlpito da igreja para admoestar os reis quanto ao pecado de uma infeliz característica binominal atemporal do serviço público: corrupção passivo-ativa e cumplicidade do silêncio permissivo. [12: VIEIRA, Antônio. Sermões do Padre Antônio Vieira, Porto Alegre, RS, L&PM, 2009.]
Nesse sentido, os ensinamentos de Padre Antônio Vieira são de uma atualidade espantosa. Seu sermão profético trilha uma lógica que demonstra o seu profundo entendimento sobre a problemática brasileira daqueles que se valem da máquina pública visando o enriquecimento ilícito. Nesse contexto, é interessante inferir que o Padre Vieira apresenta uma visão crítica sobre o comportamento imoral da nobreza à época – não é igual ao que ocorre hoje no Brasil?-; portanto, literalmente atemporal.
 À guisa das óbvias coincidências que lastreiam nossa atualidade, vejamos algumas curiosidades do período surrupial – quero dizer, colonial -. D. João VI - também conhecido por sua tara gastronômica por coxas de galinha -, segundo Cavalcanti (1991), consultou o padre Vieira sobre a divisão do Maranhão e do Pará em dois governos. O padre respondeu ao Rei que era melhor deixar as coisas como estavam, porque “um ladrão num cargo público é um mal menor que dois” (CAVALCANTI, 1991, p. 27). Em sua denúncia à Majestade, o Padre ainda acrescenta: “alguns ministros de sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, vêm cá buscar os nossos bens” (CAVALCANTI, 1991, p. 21). Assim, eledeixa clara sua denúncia das práticas corruptas que assolavam o Brasil no período colonial.
Ainda nessa perspectiva, o fenômeno da corrupção à época, deve-se em grande parte à confusão de leis, à morosidade e aos caprichos das instâncias do poder, à justaposição de funções administrativas e suas remunerações desniveladas, à acumulação de cargos pelos mesmos oficiais e às contradições no teor dos códigos legais, gerando, assim, todo esse cenário de desordem. Grosso modo, somente para dar visibilidade, o Direito utilizado em Portugal, tinha como influência o Direito Romano. Nesse sentido, da mesma forma que ele era aplicado na metrópole, migrou para a colônia, a fim de servir como ordem jurídica, e, isso foi crucial para o Brasil, uma vez que as relações sociais daquela época não se assemelhavam às relações de Portugal, exigindo normas próprias e não cópias. 
A ordenação jurídica vigente em Portugal era uma compilação dos costumes e leis, a qual mudava de acordo com as sucessões de reinado e, além das Ordenações, as fontes normativas utilizadas pelo judiciário da época. Entretanto, quando entraram em vigência na colônia, muitas normas perderam seu sentido e muitas lacunas apareceram, visto que as normas utilizadas na metrópole não foram adequadas à realidade colonial. Assim, para os casos em que existiam opacidades legais ou omissão de lei foram criadas Leis Extravagantes as quais disciplinavam várias matérias, principalmente sobre o direito comercial. [13: Carrilo (1997) aponta que as três grandes compilações formavam a estrutura jurídica portuguesa. O primeiro a ordenar uma codificação foi D. João I, que reinou de 1385 a 1433. A elaboração atravessou o reinado de D. Duarte, a regência de D. Leonor, sendo promulgadas pelo recém-coroado Afonso V, que, apesar de nada ter contribuído para a obra, deu-lhe nome: Ordenações Afonsinas, que vigoraram de 1446 a 1521, ano em que D. Manoel promulgou a que levou seu nome: Ordenações Manoelinas, fruto da revisão das Afonsinas e da recompilação das leis extravagantes. Depois das Manoelinas, Duarte Nunes de Leão recompilou novas leis extravagantes, até 1569, publicação muito conhecida por Código Sebastiânico, apesar de não ter havido participação ativa de D. Sebastião. Uma nova revisão das Ordenações foi encomendada pelo rei Filipe II a grupo de juristas chefiado por Damião de Aguiar, que as apresentou e obteve aprovação, em 1595, somente impressa e entrada em vigor em 1605 com o nome de Ordenações Filipinas. - CARRILLO, Carlos Alberto. Memória da Justiça Brasileira. Salvador: Tribunal de Justiça, 1997, p. 37-38.][14: Lex Romana Wisigothorum – direito comum dos povos germânicos; Privilégios – direitos assegurados aos nobres pelos reis; Forais – leis particulares locais, asseguradas pelos reis; Com a expansão do reino pela reconquista do território da península ibérica aos mouros, e a uniformização das normas legais, consolidadas nas Ordenações do Reino (Afonsinas de 1480, Manoelinas de 1520 e Filipinas de 1603), foram surgindo outras figuras para exercerem a função judicante e aplicarem as diversas formas normativas: Juízes da Terra (ou juízes ordinários) – eleitos pela comunidade, não sendo letrados, que apreciavam as causas em que se aplicavam os forais, isto é, o direito local, e cuja jurisdição era simbolizada pelo bastão vermelho que empunhavam (2 por cidade). Juízes de Fora (figura criada em 1352) – nomeados pelo rei dentre bacharéis letrados, com a finalidade de serem o suporte do rei nas localidades, garantindo a aplicação das ordenações gerais do Reino. Juízes de Órfãos – com a função de serem guardiões dos órfãos e das heranças, solucionando as questões sucessórias a eles ligados. Provedores – colocados acima dos juízes de órfãos, para o cuidado  geral dos órfãos, instituições de caridade (hospitais e irmandades) e legitimação de testamentos (feitos, naquela época, verbalmente, o que gerava muitos problemas). Corregedores – nomeados pelo rei, com função primordialmente investigatória e recursal, inspecionando, em visitas às cidades e vilas que integravam sua comarca, como se dava a administração da Justiça, julgando as causas em que os próprios juízes estivessem implicados. Desembargadores - magistrados de 2ª instância, que apreciavam as apelações e os recursos de suplicação (para obter a clemência real). Recebiam tal nome porque despachavam ("desembargavam") diretamente com o rei as petições formuladas pelos particulares em questões de graça e de justiça, preparando e executando as deciões régias. Aos poucos, os reis foram lhes conferindo autoridade para tomar, em seu nome, as decisões sobre tais matérias, passando a constituir o Desembargo do Paço. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução Histórica da Estrutura Judiciária Brasileira. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 5, set. 1999. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_05/evol_historica.htm>. Acesso em 22 de nov. de 2009. Acesso em 21 de junho de 2019.]
Nessa esteira, e sem adentrar na seara do Direito, pois não é o foco deste ensaio, mas, enfim, é de se notar – e impossível deixar que passe despercebido aos olhos mais atentos – que a burocracia, aliada a um sistema arcaico e lento, está no âmago da Justiça brasileira desde o seu nascimento. Logo, o papel que o sistema jurídico teve nos primeiros séculos, serviu tão somente como instrumento de manutenção do poder imperial português; onde não havia uma justiça plena e igualitária como a que “conhecemos” nos dias modernos (ou pelos menos como pretendemos que ela seja).
Retomando Vieira, encontramos no Sermão do bom ladrão a influência do Barroco e como características desse movimento, ele apresenta o uso de contínuas antíteses, comparações, hipérboles etc. O texto é essencialmente persuasivo e, enquanto tal, os jogos de palavras obedecem a uma finalidade prática, isto é, a retórica em função de seu discurso crítico. Padre Vieira colocou-se contra o uso da palavra num sentido apenas lúdico, para provocar prazer estético, pois ele preocupava-se com temas de caráter social e de dimensão política evidenciando assim sua crítica aos valores morais e sua visão ideológica.
A persuasão em Vieira, consubstanciada pelo modelo do pregador, alimenta-se da ironia, da sátira, do ataque (sutil ou explícito) contra vícios morais e administrativos dos representantes do rei na Colônia do Brasil. O suporte alegórico do bom ladrão é a demonstração pouco corrente, escolhida pelo pregador para testemunhar melhor dos erros de sua época, dos crimes de superiores e nobres e de colonizadores reles, distantes da justiça dos homens e da divina.
Assim sendo, em todo o tempo – antiga e hodiernamente -, as grandes figuras financeiras do país crescem à sombra da influência e da proteção que lhes dispensam o governo, resultando na corrupção que gangrena o serviço público e atinge o privado. A conexão maléfica existente entre políticos e economia privada é uma das maiores fontes donde brotam as práticas corruptas alicerçadas por meio de alianças que têm a finalidade de movimentar grandes empreendimentos em benefício de poucos e prejuízo de muitos. Enfim, fato é que as denúncias do Padre Antonio Vieira são tão vivas atualmente quanto há 519 anos. 
"Principes ejus in medio illius, quasi lupi rapientes praedam” (Ezequiel, 22:27).[15: “Príncipes, em vez de tomarem conta do povo como pastores, roubam-os como lobos.”]
A propósito, o Direito, tão falado nesse tópico, aproxima-se ou não da Literatura, principalmente na sua relação em inferir ou constatar algo de podre no Brasil colonial e, lógico, atualmente também. Concluo, parafraseando Streck e Karam (2013), pois “da realidade da ficção à ficção da realidade" os aspectos políticos, sociais e jurídicos foram, são e continuarão a ser sempre abordados pelo universo ficcional, e, nisso, nossos poetas inconfidentes – da Escola Mineira - souberam bem espraiar.[16: Onde o Direito e a Literatura se encontram. Disponível em : https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-direito/onde-o-direito-e-a-literatura-se-encontram-b2yn714yocf2hz62cladr6p1q/acesso em 23 de junho de 2019.]
A INCONFIDÊNCIA MINEIRA (1789) E A PARTICIPAÇÃO DOS POETAS NO EVENTO.
(...) "Pretende, Doroteu, o nosso chefe Mostrar um grande zelo nas cobranças Do imenso cabedal que todo o povo Aos cofres do monarca está devendo. Envia bons soldados às comarcas, E manda-lhes que cobrem, ou que metam, A quantos não pagarem, nas cadeias. Não quero, Doroteu, lembrar-me agora Das leis do nosso augusto; estou cansado De confrontar os fatos deste chefe Com as disposições do são direito; Por isso pintarei, prezado amigo, Somente a confusão e a grã desordem Em que a todos nos pôs tão nova idéia. Entraram nas comarcas os soldados, E entraram a gemer os tristes povos. Uns tiram os brinquinhos das orelhas Das filhas e mulheres; outros vendem As escravas, já velhas, que os criaram, Por menos duas partes de seu preço. Aquele que não tem cativo ou jóia, Satisfaz com papéis, e o soldadinho Estas dívidas cobra, mais violento Do que cobra a justiça uma parcela Que tem executivo aparelhado, Por sábia ordenação do nosso reino(...)." Retrato da Derrama - Trecho de Cartas Chilena s- 8ª Carta[17: Em que o poeta Critilo (Tomás Antônio Gonzaga) conta a Doroteu (Cláudio Manoel da Costa) os fatos de Fanfarrão Minésio, governador de Chile. Os Poetas da Inconfidência. José Lino Grünewald, Organização e Seleção. Fundação Biblioteca Nacional e Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1989. Contém seleção de poemas de Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa e Alvarenga Peixoto. 219 págs.]
Poucos brasileiros de qualquer época, assim como os poetas da Escola Mineira – chamados assim por experenciarem com sua expertise literária, em Vila Rica, no final do século 18, o conturbado período de conflitos e ambiguidades - estiveram tão sintonizados com as ideias universais e iluministas das liberdades, desempenhando o papel de precursores no campo artístico e político na transição entre o Brasil colônia e o amanhecer de uma nação independente.
Os livros de História, ao adentrarem no período, caracterizam-no como sendo aquele em que, devido ao espírito das oscilações que regeu o século XVIII, foi tecido na contradição entre indivíduo e o Estado, o absolutismo e as aspirações igualitárias, o racionalismo científico e o irracionalismo pré-romântico. Nesse sentido, foi o século de duas grandes revoluções: uma delas, de caráter tecnológico, científico e industrial, emergiu na Inglaterra; a outra, de cunho político e ideológico, que eclodiu na França, ainda que ambas tenham desencadeado o surgimento de uma nova organização social burguesa de bases internacionais. Assim, este surto transformador também penetra as fronteiras portuguesas, embora diverso do que ocorreu na França e Inglaterra. Logo, Portugal começa a considerar a questão sob os moldes do despotismo esclarecido, ou seja, uma forma de modernizar sem perder as completas rédeas de um poder estatal conservador. 
No Brasil colônia não deveria ser diferente; então, sob a égide do Primeiro-Ministro empossado por D. José, Marques de Pombal - Sebastião de Carvalho e Melo - conde de Oeiras e futuro marquês de Pombal - para ocupar o cargo de primeiro-ministro. Desse modo, começava ali uma nova fase da história do Brasil. Pombal ficou conhecido pelo, ora “pombalismo”, um conjunto de reformas centralizadoras realizadas tanto na metrópole quanto nas colônias portuguesas. 
Já dá para entender que não demorou muito, diante das reformas e do despotismo declarado, até que o Brasil colônia começasse a entender o significado do termo anterior e suas consequências – se já não tinha entendido -, ou pelo menos a comunidade letrada da época – aquela elite de brasileiros abastados que saía de Minas Gerais para estudar em Coimbra, tendo lá contato com as idéias mais avançadas da época -. Ora, a equação era simples: com a queda da arrecadação em Vila Rica, justificada pelos brasileiros pela exaustão das minas, mas interpretada pela coroa portuguesa como sonegação, foi o motivo material da derrama que deflagraria a conspiração liderada por Tiradentes. 
Nessa esteira, ao estudar a História Brasileira – período da Inconfidência Mineira – relacionando-se com a produção literária da ocasião, temos notícia de Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto e outros. Logo, parece-nos que caso Tiradentes e seus companheiros de conjuração não a tivessem intentado, certo seria que seu lugar e tudo o que representou para a História da Literatura Brasileira não seria menor. E o motivo é óbvio, pois caso não houvesse prisões e deportações decorrentes de suas condições como inconfidentes, a influência literária seria mais ampla. 
Literariamente, antes de falarmos nas Cartas Chilenas, não podemos deixar de citar a publicação das poesias de Cláudio Manoel da Costa, em 1768, marco inicial do Arcadismo no Brasil que, como corrente literária, se estenderia, em três fases distintas, até 1836, quando principia o Romantismo. Assim, o Arcadismo do qual os poetas mineiros foram os pioneiros no país, representou um período de passagem entre o Barroco e o Romantismo, retomando temas da Antigüidade, à forma que se designou como neoclássica. Desta maneira, os poetas deste período expressaram-se de muitas formas, sendo a poesia lírica sua melhor vertente. Mas também se destaca a poesia épica e a poesia satírica, em estilo herói-cômico.[18: Segundo Massaud Moisés (História da Literatura Brasileira; Cultrix, 2001.]
Embora os sonetos de Cláudio Manoel da Costa sejam indicados pelos críticos literários como cânones da época, Tomás Antônio Gonzaga destaca-se com duas obras - as mais conhecidas, ao menos de nome - neste período. Em Marília de Dirceu, seus versos têm a força criadora do primeiro casal mítico da literatura brasileira - Dirceu e Marília -. O primeiro é um pastor de ovelhas que trocaria todo seu rebanho pelo amor de Marília. Aqui, cabe um parênteses para ilustrar a máxima: da realidade da ficção à ficção da realidade. Pois Tomás Antônio Gonzaga, ouvidor-geral de Vila Rica, faz-se de Dirceu e imortaliza Marília, que representa na vida real Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, uma adolescente por quem se apaixonara o poeta, e cujos pais não consentiam com tal namoro.
Entretanto, embora existam polêmicas quanto à autoria, porém, aparentemente superadas, Cartas Chilenas é a obra satírica de Tomás Antônio Gonzaga considerada como a principal expressão satírica da literatura colonial do século XVIII. Na mesma trilha dos caminhos abertos pelo Boca do Inferno - Gregório de Matos -, Tomás Antônio Gonzaga dá continuidade à tradição satírica de nossa literatura, oferecendo à História da Literatura Brasileira um painel social e político da Inconfidência Mineira. O texto tem marcas dos ideais Iluministas à moda portuguesa. O emissor das Cartas é a personagem Critilo, que as escreve a um amigo denominado Doroteu. As Cartas têm em Cunha Menezes – o Fanfarrão Minésio - o seu protagonista. Alhures o viés satírico, a obra se constitui em um interessante painel dos costumes da sociedade colonial brasileira da época e um registro literário dos actantes da corrupção no Brasil naquele período. Assim, temas como a tirania e abuso de poder perpretado e orquestrado pelo do governador Fanfarrão Minésio, dialogam com a sua falta de decoro, prepotência e, sobretudo, desrespeito à lei, versando em temas muito atuais. [19: Publicadas em volume somente em 1845, as Cartas chilenas circularam por meio de versões manuscritas em 1789, meses antes do episódio da Conjuração Mineira, que levaria Tomás Antônio Gonzaga primeiro à prisão e, anos depois, ao degredo em Moçambique. As Cartas Marruecas saíram no mesmo ano de 1789, ainda incompletas, no Correo de Madri, já postumamente, tendo seu autor, José de Cadalso, falecido durante o serviço militar em consequência de um bombardeio britânico no sul do seu país, em 1782. Ambos os textos participam de uma linhagem literária epistolar disseminada durante o século XVIII conhecida também como as Cartas pseudo-orientalizantes, que tem seu principal marco nas CartasPersas, de Montesquieu. LIMA. M. F.; NASCIMENTO, N. A.. As Cartas Chilenas e as Cartas Marruecas: entre o apelo iluminista e a tradição ibérica. Acta Scientiarum. Language and Culture, vol. 39, núm. 3, 2017. Universidade Estadual de Maringá]
Destarte, dizem que a veemência da qual as sátiras gozam perde-se com o passar do tempo, porque se referem a assuntos de momento. Contudo, esses versos Tomísticos-gonzaguinos possuem valor histórico e hodierno, pois retratam o clima de indignação que levou à Inconfidência e, porque não, um clima de indignação contemporâneo que restou em: Diretas Já, Fora Collor, Mensalões, Impeachments e uma recente cruzada religiosa, todas buscando heróis e pseudo-heróis, todavia, carentes de caráter, dignos de macular a imagem sem caráter de Macunaima. Enfim, os poetas inconfidentes, cultos e influentes, inquietos e atentos deixaram-nos um legado de não olvidar de suas ideias políticas e filosóficas que revolucionaram o mundo de seu tempo e poderão revolucionar o nosso, porque não, pela sátira, já que a realidade nos é tão dolorida.
A FORMAÇÃO DA “RAÇA BRASILEIRA” COM A CONQUISTA DOS PORTUGUESES E A PARÓDIA MODERNA NA CONSTITUIÇÃO DA “GENTE” BRASILEIRA ATRAVÉS DO “HERÓI SEM NENHUM CARÁTER”. AFINAL, BRASILEIROS, QUEM SOIS VÓS?
Historicamente, foi à época da Independência, que cresce no Brasil independente o sentimento de nacionalismo, pois se busca o passado histórico, exalta-se a natureza da pátria; na realidade, características já cultivadas na Europa e que se encaixavam perfeitamente à necessidade brasileira de ofuscar profundas crises sociais, financeiras e econômicas. De 1823 a 1831, o Brasil viveu um período conturbado como reflexo do autoritarismo de D. Pedro I: a dissolução da Assembléia Constituinte; a Constituição outorgada; a Confederação do Equador; a luta pelo trono português contra seu irmão D. Miguel; a acusação de ter mandado assassinar Líbero Badaró e, finalmente, a abdicação. Segue-se o período regencial e a maioridade prematura de Pedro II. É neste ambiente confuso e inseguro que surge o romantismo brasileiro, carregado de uma fobia aos lusitanos, e, principalmente, de nacionalismo.
É nesse contexto que a discussão sobre brasilidade – e suas variantes, identidade nacional, caráter nacional brasileiro – primeiro se impôs. No terreno dos debates econômicos, políticos e sociais, a questão racial assumiu dimensões decisivas, vindo à tona, contudo, em sua completude, somente com a geração seguinte à do romantismo. Entretanto, para que possamos identificar nossa formação, há de se verificar como alguns dos expoentes românticos lidaram com a questão, principalmente José de Alencar – com a heroína América (ops, anagrama errado, Iracema) – e Mário de Andrade – com o mítico Macunaíma, negação do herói Alencariano -. 
Na literatura, o índio encontra seu lugar como parte do passado essencial da nacionalidade. Desse recorte literário, surgiu uma imensurável onda poética indianista. Nelson Werneck Sodré ao investigar as “razões do indianismo”, recorreu à história social e vislumbrou o quanto as fontes do pensamento romântico acerca dos índios se encontram intrínsecas às descobertas (ascensões) ultramarinas (burguesas). A literatura tanto utópica quanto de crônicas de viagens ofereceram um farto material. O mito da bondade natural do índio irá contrapor-se com a idéia de paraíso. Os interesses eram outros em terras silvícolas e a gravidade atraía fortemente os colonizadores à ambição de lucro e, consequentemente, ao surto ascensional da burguesia. Nesse sentido, quando a ascensão burguesa entra na sua fase decisiva, é que a idéia da bondade natural do índio vai constituir o próprio fundamento dos grandes trabalhos políticos e filosóficos. Nos livros de viagens, em várias línguas, acrescenta-se as obras: a literatura dos Jesuítas, de larga penetração; Montesquieu (em “O espírito das leis”) sintetizando liberdade, igualdade e fraternidade no estado natural do índio; Diderot (Ensaio sobre o caráter do homem selvagem); e, Rousseau (Emílio, O contrato social), com o mito do bom selvagem. 
Desse breve retrospecto, conclui Sodré que é necessário mais do que um simples exame para encontrar em nossa própria literatura, antes do romantismo, o tema, pois somente tema ou herói, o índio, na literatura brasileira de então nem sequer era um fantasma. Tratava-se de mera imagem idealizada, portanto, inofensiva, de um selvagem que seria motivo de justificativa para que uma nação coloniza-se uma terra sem donos, fundasse uma nação infante, estabelecesse uma sociedade escravocrata e oligárquica, que fora resumida em livros de História como período colonial.
Assim, ao indígena real, de carne e osso, homem e mulher, o que ocorreu não foi a ascensão ao status quo de mito, mas sim, de algo a ser exterminado de maneira rápida, total e implacável. E nesse sentido aconteceu o extermínio, e, com o este, o esmagamento cultural que destruiu todos os valores que o indígena havia conseguido elaborar em milhares de anos.
Entretanto, a moda indianista à qual aponta Sodré, surge três décadas depois da Independência e se constitui de uma manutenção às relações sociais existentes ao tempo do regime colonial e à integração da economia brasileira no quadro da economia internacional. Nesse sentido, tudo isso corroborou para a coroação e triunfo da sociedade burguesa (sustentação das áreas coloniais, derrocada do sistema de clausura e do monopólio comercial). 
Portanto, se a valorização do índio, na Europa representava uma idéia cara à ascensão da burguesia, na novel sociedade brasileira correspondia inteiramente ao quadro das relações sociais dominantes. Como assim? Já explico. Para Sodré, o índio era uma criatura livre, com ânsia nativista e um traço de valorização histórica a mais: foi adversário do português colonizador. Dessa maneira, não seria possível valorizar o trabalho indígena numa sociedade escravocrata e latifundiária, em que a diferença estava, justamente, na situação superior dos que não trabalhavam, mas usufruíam. E, a partir daí, vamos começar a entender o emudecimento romântico do negro, pois diante das relações existentes à época, este fornecia o trabalho e colocava-se no extremo inferior da escala social. 
Dos nossos românticos, o emblemático José de Alencar é sui generis: era deputado e escravocrata. Pensemos em Iracema, em que a diferença cultural indígena é aparentemente louvada. Todavia, louvada no quê, e de que forma? Em um projeto político-cultural fortemente determinado à manutenção da ordem, à construção de um Estado-Nação, à submissão às orientações do colonizador europeu e à aceitação do Cristianismo. Nesse sentido, o processo colonizador no Brasil se deu a partir da negação, pelo menos no contexto ficcional – na literatura ou nos ensaios -, de maneira encoberta e adocicada, da diferença nativa. 
Assim, no plano do nativismo dominante, o português, que era o colonizador, deveria receber alguns impactos, e, embora os tenha recebido – muito menos do que se esperava -, isto se de fato o tal nativismo fosse fermento do indianismo. Logo, a personagem portuguesa colocada na ficção é, naturalmente, recrutada entre os senhores de terras ou vêm “as pencas” nas naus lusitanas e, portanto, torna-se o verdadeiro herói das narrativas indianistas, nas quais o indígena é louvado tão-somente quando o segue a reboque, servindo-o dicotomicamente: o índio bom, aquele que se sacrifica e o índio mau é aquele que resiste à destruição e à morte. E morre. 
Então, diante do exposto temos um paradoxo: O que representava, no fundo, a adoção do índio como símbolo nacional na fase histórica da sociedade brasileira correspondente ao auge do Império e do romantismo? Certamente, um belo investimento ideológico na política, nas artes plásticas, no romance, na poesia visando à criação do Estado Nacional brasileiro pelos senhores escravagistas. 
Nesse contexto, Iracema assume e legitima o Estado Nacional implantado pela classe dominante, que de fato marcou a tessitura crítica ufanista à obra naliteratura brasileira: Nem portugueses nem indígenas, mas sim filhos de fidalgos portugueses e indígenas heróicos. Em suma, na obra Iracema, são ressaltados atributos de nobreza de caráter, fidalguia e lealdade daqueles que seriam a gênese da raça brasileira e que apontam, e aí valemo-nos da História, para o status da classe dominante local, possuidora de uma história positiva e a qual lhe dá legitimação no poder. Repetição de padrões europeus? Não sei. Mas é visível uma necessidade de legitimação ideológica por parte da classe dominante local brasileira. 
Dessa maneira, não surpreende a ausência do negro no conceito de formação da identidade nacional nesse momento histórico-literário. Há certo comportamento catequético colonial na conduta dos românticos, nesse aspecto, pois assistiam às maiores torpezas da escravidão e do tráfico negreiro e em nada se manifestavam. Logo, o negro seria mantido nas sombras da consciência ideológica da ‘Nação’. 
Mas, para continuarmos nossa reflexão acerca da identidade, é necessário um passo antropofágico em direção ao modernismo e, mais amiúde, Macunaíma de Mário de Andrade. Na verdade, dentro do nosso processo de reflexão, cabe-nos apontar para a necessidade de se indagar hoje, após várias décadas, se o movimento modernista, e vou me ater à primeira fase – só para constar: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira entre outros - de fato, promoveu profundas mudanças na identidade nacional. 
O seu principal herói, Macunaíma, não seria uma imagem dos heróis do romantismo, somente refletido pela necessidade de rejeitar o passado? Não seria Macunaíma um malandro, um ser antropomórfico que normalmente agrega valor a um corpo medíocre com a sua astúcia e humor subversivo, quebrando tabus, rompendo limites e criando culturas? Ou uma personagem que, apesar da irreverência, representa a mesma temática das apresentadas anteriormente? 
De fato, Macunaíma transita pelo estilo anti-herói modernista, com algo de novo, entretanto, tendo como novidade um vocabulário que nega a erudição e a comportamentos de desacato. Mário de Andrade constrói uma personagem que tem como função o puro exercício do divertimento e da ironia que vai sendo tecida por meio da paródia. Na verdade, podemos até dizer que a obra é um escárnio, uma vez que o herói "sem caráter" é constituído como fruto da miscigenação que o movimento do modernismo consegue nos arremeter. 
Afinal, ele não é o herói que nasce preto, filho do medo da noite, eivado de preguiça e de artimanhas, e, que depois irá se transformar em branco? É banhado em uma água encantada e nesse rito mágico se transforma em branco (louro e de olhos azuis)? E o tom satírico de Andrade não para por aí em transitar por nossa identidade. Jiguê e Maanape, irmãos de nosso anti-herói, conseguem se transformar parcialmente - Jiguê em bronze e Maanape em vermelho -, pois Macunaíma usa tanta água que ela praticamente acaba. Seria esse o desbotamento causado pela purificação da água ou o alvejamento da nação brasileira?
A diferença está justamente no ritual. Ou seja, a ritualidade de Macunaíma é mágica e é orquestrada pelo encanto das águas. Ela é não se explica, simplesmente acontece; não se historiciza, pois se realiza de forma sobrenatural; é crítica da incompetência histórica brasileira porque consegue ser mordaz ao mostrar que até então, à época, a literatura não havia resgatado, criado ou provido o passado, o presente e o futuro de heróis simbólicos. Na sua metamorfose - operada de maneira meticulosa - não podemos deixar de pensar em como tem relevância, na narrativa, entre aquelas personagens que, de uma maneira ou de outra, pode-se analisar a identidade do país. 
Assim, se no romantismo brasileiro, duas constantes compõem o programa nacionalista daquela geração – a celebração de uma abstração indígena e a da natureza tropical; se aliança mítico-ideológica entre portugueses e nativos era a composição ideal da essência do ser brasileiro – o binômio amor à liberdade e apego à terra – tudo isso mascarado pelo fato lamentável e trágico da escravidão; com o modernismo de Mario de Andrade, verificamos uma mudança drástica de perspectivas. Algo que antropofágico, que transfigurasse a cultura, a composição de essência que se tinha, principalmente a europeia, conferindo o caráter nacional brasileiro, identitário. 
Nesse sentido, questiono por que Macunaíma seria o “herói de nossa gente”? Sendo ele um “herói sem nenhum caráter”, ou seja, cruzamento de variáveis e divergentes, onde somente duas dominantes possuía: a sua preguiça - que é afirmada e reafirmada ao longo de toda a narrativa – e sua sensualidade - (ou sexualidade, que é aguçada e atrevida -. Será assim o povo brasileiro, preguiçoso e sensual? 
O texto de Mário direciona a leitura da história segundo lentes bem problemáticas, sob o viés de uma síntese multicultural e bem brasileira. Sua versão paródia da idealização de nação brasileira de José de Alencar é uma sentença de morte decretada ao povo brasileiro, afinal, a tribo (povo brasileiro) toda desaparece. Em Iracema, morre o indígena; em Macunaíma, o negro; resta, pois, a enseada dos papagaios, em Iracema, e, o papagaio narrador em Macunaíma. Brancos? Quem? Narrador? Autor? Ideologia? O quê? E as inquietações não terão fim nem respostas.[20: Para uma leitura com olhos de hoje, quer dizer, olhos críticos postos no mal-estar da modernização capitalista, veja-se: BUENO, André. “Macunaíma em movimento ou Entre a selva e a cidade, o brilho inútil das estrelas”. In: Formas da crise: estudos de literatura, cultura e sociedade. Rio de Janeiro, Graphia, 2002. Veja-se, também: FISCHER, Luís Augusto. “Alguns custos da radicalidade: o romance modernista no Brasil”. In: DACANAL, José Hildebrando; FISCHER, Luis Augusto; WEBER, João Hernesto. O romance modernista. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1990. ]
O TEMPO DO REI D.JOÃO VI NO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO DO “JEITINHO BRASILEIRO” ATRAVÉS DOS PODERES “DELEGADOS” NA MALANDRAGEM CULTURAL E NA IMPUNIDADE INSTITUÍDA COMO “NORMA” PARA A VIDA COTIDIANA EM NOSSA PÁTRIA.
Na obra “Memórias de um Sargento de Milícias” - escrita por MANOEL ANTÔNIO DE ALMEIDA -, a qual retrata a época do Rio de Janeiro de D. João VI (1808 a 1821) é o primeiro romance da literatura brasileira a focalizar as camadas populares com cenas reais em que a narrativa escapa da visão romântica. Na obra, tem-se uma amostra do funcionamento das forças repressivas – do Estado - à época, momento em que a Justiça para uma determinada classe de pessoas era encarnada na pessoa de um militar: [21: ALMEIDA, Antônio de Almeida. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Klick Editora, p. 26.]
“O Major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação da sentenças que dava, fazia o que queria, e ninguém lhe tomava contas.”
Nessa narrativa, de costumes, não se trata somente do retrato da corrupção e da pessoalidade das autoridades. Percebe-se também que essa força repressiva arbitrária se volta para essas camadas mais baixas do Rio de Janeiro, no caso uma camada que não chega a ser escrava, mas está longe do status de proprietária. Nesse ambiente, vê-se o surgimento do primeiro “malandro” da literatura nacional, encarnado no personagem Leonardo, que aprende a sobreviver nesse universo, tendo como desfecho o momento em que o Major Vidigal concede a baixa da tropa de linha da personagem Leonardo, nomeando-o como sargento de milícias, para que o este pudesse casar. Tudo em troca de Maria-Regalada aceitar morar com ele (ALMEIDA, 2010, p. 156-157).
 Nesse sentido, a partir desta breve introdução e conclusão, já podemos entender que a corrupção no pensamento brasileiro tem como marco inicial a colonizaçãoportuguesa. Gilberto Freyre, na obra “Casa-grande & senzala” , propõe-se a explicar a formação da família brasileira sob a economia patriarcal. Assim, o livro descreve as características da colonização portuguesa, na formação de uma sociedade agrária e escravocrata, descendo até a vida cotidiana. [22: FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 1990, passim.]
A ideia central da obra é de que há algo de singular na cultura brasileira, devidamente alicerçada em Portugal, berço de nossa herança ibérica. São descritas, de forma bem idealizada, as raças formadoras do povo brasileiro, desde o indígena, passando pelo português colonizador, até chegar ao negro. O livro marca o início do culturalismo brasileiro e da criação de um “mito nacional” encarnado no mestiço. Desse modo, a conclusão é de que a mestiçagem, o hibridismo e a suposta plasticidade cultural da convivência entre contrários são uma vantagem do Brasil. 
Nessa esteira, apenas três anos depois da publicação de Casa-grande & senzala SÉRGIO BUARQUE escreve sua obra-prima intitulada “Raízes do Brasil” . A obra é marco inaugural que determina a forma pela qual a sociedade brasileira se compreende até hoje. [23: BUARQUE, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 106-10]
É no Capítulo V que Sérgio Buarque formula sua análise da experiência brasileira no aspecto histórico, social e psicológico, descrevendo o “homem cordial”:
“A lhaneza no trato, a hospitalidade, e generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo –ela pode exprimir-se em mandamentos e sentenças. (BUARQUE, 2001, p.106-107)”
SÉRGIO BUARQUE adota a mesma ideia culturalista de GILBERTO FREYRE, de uma civilização singular surgida no Brasil, mas, para ele, isso é negativo. O tipo humano brasileiro do “homem cordial” é, na verdade, ao contrário de nossa maior virtude, nosso maior problema social e político. Na verdade, esse cordialismo remete à nossa essência patrimonialista, caráter patrimonialista do Estado e, por extensão, de toda a sociedade brasileira. Isto posto, tem base consistente na falta de democracia, no particularismo e nos privilégios, que sempre teriam marcado o exercício do poder político no Brasil. 
Tais argumentos, conforme as obras, encontram raízes que vão até a formação do Estado português no remoto século XII. Nesse sentido, o Brasil teria herdado a forma do exercício do poder político de Portugal. A origem do patrimonialismo brasileiro estaria no fato dos reis de Portugal, após a retomada do território dos mouros, considerarem-se proprietários do país e da nação. De fato, tal enraizamento teria atravessado o Atlântico e os vários séculos e se alastrado como “erva daninha” no Brasil e naquilo que compreendemos como Estado soberano. 
E o jeitinho brasileiro? Bem, em 1979, ROBERTO DAMATTA publica “Carnavais, malandros e heróis”, e com novidades na abordagem, conduz sua pauta nesse culturalismo brasileiro. Na obra, ele adentra esse universo das relações do brasileiro dominadas pela pessoalidade, para cunhar o conceito do “jeitinho”: [24: DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 218. ]
“É como se tivéssemos duas bases por meio das quais pensássemos o nosso sistema. No caso das leis gerais e da repressão, seguimos sempre o código burocrático ou a vertente impessoal e universalizante, igualitária, do sistema. Mas, no caso das situações concretas, daquelas que a ‘vida’ nos apresenta, seguimos sempre o código das relações e da moralidade pessoal, tomando a vertente do ‘jeitinho’, da ‘malandragem’ e da solidariedade como eixo de ação. Na primeira escolha, nossa unidade é o indivíduo; na segunda, a pessoa.” (DAMATTA, 1997, p.218)
DAMATTA segue descrevendo uma outra faceta dessas relações que envolvem o “jeitinho”, tal como o famoso: “Você sabe com quem está falando?”. Esse ritual “desagradável”- porque verbaliza o que não deveria ser dito para ser eficaz, quebrando assim o pacto silencioso e cordial de uma sociedade em que cada um efetivamente deve conhecer o “seu lugar”– pune a tentativa de fazer cumprir a lei ou a ideia de que vivemos num universo realmente igualitário. 
Desse modo, o dilema brasileiro reside numa trágica oscilação entre um esqueleto nacional feito de leis universais cujo sujeito é indivíduo e age conforme situações onde cada qual se salva como pode, utilizando para isso o seu sistema de relações pessoais. Um verdadeiro combate entre leis que devem valer para todos e relações que evidentemente só podem funcionar para quem as têm. Logo, a idealização contínua do patrimonialismo de Portugal, perpretado por D. João VI, de maneira secular e dilatado, o que faz com que o exercício da dominação tradicional pressuponha sempre a existência de um quadro administrativo que se caracterizará pela mistura de tradicionalismo e discricionariedade pessoal do governante. 
Assim, pensando de forma utópica, um país supostamente sem corrupção, sem “jeitinhos” criados a partir de relações pessoais privilegiadas, seria um exemplo de igualdade social. Porém, quem detém capital econômico também deteria, quase sempre, capital social, ou seja, aquilo que DaMatta define como “jeitinho” ou “relações privilegiadas”. Logo, além do capital econômico e do capital social existe o “capital cultural”, refletindo a extraordinária importância do acesso ao “conhecimento” no capitalismo moderno. Enfim, em última análise, somos assim porque tivemos péssimas “escolas” naus e péssimos “professores” colonizadores. O Brasil como país do “jeitinho”, esconde, na realidade, as verdadeiras causas do privilégio injusto. E isto é questão de comportamento e cultura ligada intrinsecamente à moral e à Ética. Aristóteles e Platão, só para citar os dois gregos, devem rolar até hoje em suas tumbas...de rir.
A TRAJETÓRIA DE D.PEDRO I NO BRASIL E EM PORTUGAL E NA HISTÓRIA DA CONSTITUIÇÃO DO COMPORTAMENTO “FRÁGIL” DO BRASILEIRO “LUSITANO”.
José Roberto Torero, em seu livro de estreia, “dá voz” ao amigo do imperador D. Pedro I – aquele do Primeiro Império brasileiro - Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, seu secretário particular e de alcova. A personagem histórica do Chalaça deteve grande poder político no Brasil, porém sua imagem foi rejeitada pela história oficial, que o esqueceu ou rebaixou ao mero posto de alcoviteiro real. [25: TORERO, J. R. Galantes memórias e admiráveis aventuras do virtuoso Conselheiro Gomes, o Chalaça.São Paulo: Companhia das Letras, 1994.]
No início da obra, nosso “heroi” se encontra na França, por volta de 1833, ainda agregado a D. Pedro por uma “bolsa” anual que recebia dele. Impedido de dar o “golpe do baú” em uma senhora da alta sociedade francesa, aceita o pedido de seu amo para que retornasse a Portugal, de onde havia se distanciado devido à guerra. Enfrentavam-se, naquele conflito, os constitucionalistas que apoiavam D. Pedro e os que apoiavam seu irmão D. Miguel, absolutista e tido como o usurpador do trono que pertenceria à filha daquele, Maria da Glória. 
Nesse sentido, apresenta, de início, como conhecera Dom Pedro em um bar, sendo que no capítulo seguinte dessa suposta autobiografia, resgata a sua função junto ao então Príncipe, como seu secretário pessoal e de alcova (TORERO, 1994, p. 65). Relata também sua vida particular, seus relacionamentos casuais e os benefícios de frequentar a corte e estar próximo da realeza, além das regalias sociais que lhe eram proporcionadas (capítulo 21 e 23 – TORERO, 1994, p. 74-76; 82-84). A consistência do romance, bem como o modo como a história surge, depende, sobretudo, da estruturaadotada, no caso intercalando as duas linhas narrativas. A organização dos textos se dá como se atendesse ao tempo da enunciação, ou seja, estariam apresentadas como foram escritas, o que também auxilia em certo diálogo entre elas; o narrador de cada uma das narrativas fala a partir do mesmo local e tempo de enunciação, durante o período em que escreve seu diário, ele também está escrevendo sua autobiografia. 
Na narrativa do diário, logo após o início da autobiografia, ou seja, a partir do capítulo 17, fala-se das reuniões de guerra e, depois, da vinda a Portugal de Dona Maria e de Dona Amélia, respectivamente a filha e a esposa de D. Pedro, agora Duque de Bragança, sendo narrada também a festa de recepção para as duas. Chalaça conta sobre suas investidas amorosas, do agravamento da saúde de D. Pedro e do receio que ele morresse e Caetano Gamito ascendesse politicamente, pois sendo secreto opositor da Monarquia seria, claramente, contrário ao grupo do Chalaça, agregados do regime. A guerra civil pende para a derrota de D. Miguel e consolida-se aos poucos a ideia de que Gamito ansiava por afastar D. Pedro do governo, bem como, se ele morresse, desposar Dona Amélia. Sugere-se também certa atração do Chalaça por ela e chega-se, enfim, ao término da guerra civil, o que nos indica se tratar do ano de 1834. Após, aumenta-se o receio de Francisco Gomes e seus colegas frente a mudanças políticas que poderiam advir com a morte de D. Pedro, o qual, mesmo com a vitória, decide por um armistício com seu irmão, o que desagrada o povo. Em sua ida ao teatro, a indignação dos populares se faz mais evidente e, ao discursar, ele acaba se enfurecendo e passa mal. Piora sua saúde e, certo da morte próxima, D. Pedro pede para que o Chalaça e Amélia selem a amizade em sua memória. 
No que tange à autobiografia, Chalaça retoma o período de sua estadia no Brasil, iniciado em 1808, e relata sua proximidade com o então Príncipe, angariada em festas e por intermediar suas aventuras sexuais. Os eventos que narra englobam ao longo dos capítulos, por exemplo, uma importante viagem do Príncipe e sua comitiva a São Paulo, para averiguar um possível levante contra o governo e apaziguar humores exaltados. Lá, D. Pedro conhece Domitila de Castro Canto e Melo, que viria a se tornar sua amante favorita. A comitiva resolve por descer a Santos para visitar parentes de José Bonifácio e revisar algumas fortificações. Na volta, além de sofrer problemas intestinais, Pedro recebe uma carta das cortes de Lisboa destituindo-o do posto de Príncipe Regente e ameaçando-o, fator que faz com que proclame a independência do Brasil. (TORERO, 1994, p. 106). 
Nos capítulos seguintes da autobiografia são narrados os eventos ligados à convocação da Assembleia Constituinte para o novo país, bem como sua subsequente dissolução pelo imperador, alegando que desejavam limitar seus poderes políticos. Tropas são mandadas para destituir os líderes da Assembleia e, em seguida, o Chalaça é incumbido de redigir a nova constituição, baseada em modelos europeus. 
Ao compor-se enquanto narrativa de extração histórica, o romance entrecruza fatos ficcionais e históricos, mesclando em um mesmo evento a faceta documentável e a ficcional. Isso pode ocorrer pela opção de uma perspectiva diferente daquela tomada pela historiografia, privilegiando uma visão carnavalizada dos acontecimentos, pela omissão de determinados períodos ou direcionando-se segundo uma interpretação particular de determinadas situações, explorando lacunas e opiniões sobre como se deu esse ou aquele evento. 
A personagem histórica de Chalaça, apesar de todo o prestígio conseguido no Brasil Império, teve muito do seu sucesso e apelo por acompanhar o membro da família real por entre situações tidas por pouco edificantes, como festejos em bares e bordéis. Este teria sido o possível motivo de ter-se obliterado sua imagem dos registros oficiais, repelido como mero alcoviteiro por receio de que manchasse as construções heroicas pretendidas nos discursos, apesar de ele ter sido detentor de vasta cultura e grande conhecedor de línguas. 
O romance de Torero apodera-se dessa imagem do Francisco Gomes da Silva histórico como personagem às margens dos discursos hegemônicos e põe em marcha um suposto processo de escritura engendrado por si próprio, projetando um aspecto da história no âmbito da ficção. Nesse intento subjaz sua reinserção nos grandes eventos da história, dos quais fora deixado de lado, movimento de reafirmação que se dá pela via textual, visando a enobrecer sua figura e possibilitando diferentes perspectivas, por baixo e por dentro, de eventos amplamente conhecidos da história brasileira.
A POESIA COMO TEMATIZAÇÃO DAS LUTAS SOCIAIS NO BRASIL; NA MITIFICAÇÃO LUSITANA (ULISSES) E NA EXISTENCIALIDADE AFRICANA.
Neste mundo é mais rico o que mais rapa: Quem mais limpo se faz, tem mais carepa. Com sua língua, ao nobre o vil decepa: O velhaco maior sempre tem capa.Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. A flor baixa se inculca por Tulipa; Bengala hoje na mão, ontem garlopa: Mais isento se mostra o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazo a tripa, E mais não digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa. (MATOS, 2002. p.124).
O poema, de autoria do Boca do Inferno, acima se nos apresenta como uma crítica severa à sociedade de seu tempo, no qual, tanto os nobres como os burgueses são criticados. Por meio da antítese entre o ser e o parecer, o eu lírico ataca uma burguesia que quer tomar um lugar que não lhe corresponde na sociedade e uma aristocracia que, à medida que, de alguma forma, vende seus títulos de nobreza, deixa-se corromper. No primeiro quarteto, a voz do poema aponta o “vil” – habitante da vila – como aquele que tenta destruir o nobre, na tentativa de ascender à sua posição. Por isso mesmo, o “velhaco maior” – que nos parece ser o burguês –“sempre tem capa”, peça que fazia parte da indumentária da nobreza e que a representa, metonimicamente, no caso do poema. [26: MATOS, Gregório de. Antologia. Porto Alegre: L&PM Editores, 2002.]
No começo do segundo quarteto, é a vez de a nobreza ser atacada. Essa, como já foi dito, de distintas maneiras se corrompia, ao vender seus títulos e abdicar de seus valores. Por isso, o “patife” (aristocrata) “mostra o mapa da nobreza”. Ora, isso aponta para uma possibilidade de ascensão social que, para a aristocracia da Idade Média, não existia. O eu lírico fecha esta estrofe com uma dura crítica ao valor que o “vil metal” vinha tomando na sociedade de seu tempo, já que “Quem dinheiro tiver pode ser Papa”. 
Como se vê, nem mesmo a Igreja escapa ao seu julgamento! No primeiro terceto, por meio das metáforas “flor baixa” (burguês) e “Tulipa” (nobre), nova-mente a burguesia é atacada, uma vez que a primeira se quer transformar, de algum modo, na segunda. Continuando, o eu lírico aponta-nos dois vocábulos –“bengala” e “garlopa” – que representam, metonimicamente, a aristocracia e a burguesia: o primeiro, por ser um acessório da vestimenta dos nobres; o segundo, por estar ligado à idéia do trabalho, valor máximo da ideologia burguesa. 
O último verso deste terceto recorre, uma vez mais, à antítese entre o ser e o parecer. No segundo terceto, já nem sequer suportando seu ódio pela figura do burguês ascendente e pela do nobre decadente, a voz do poema extravasa seus sentimentos, baixando seu registro ao nível da grosseria: “Para a tropa do trapo vaso a tripa”. Seu tormento é tamanho, que sua Musa empaca, perdendo o eu lírico a inspiração da escrita. Todo o conteúdo semântico do poema é esvaziado, restando-lhe apenas a forma em que foi produzida sua composição: “apa”, “epa”, “ipa”, “opa”, “upa”, rimas com as quais construiu o soneto.
Ao referenciar a mítica lusitana de Ulisses, o uso estético da mitologia seria, por exemplo, uma forma de os poetas neoclássicos instruírem a sociedade a amar racional e objetivamente. Esta estética, como sesabe, tinha por objetivo apresentar o sentimento do amor como sendo a essência do ser humano – nascia-se para amar.
Por isso, não haveria razão alguma para que o mesmo se apresentasse como motivo de conflitos, nem de angústias existenciais. Ora, referir-se ao mito para motivar aquilo que se deveria fazer, ou para rechaçar aquilo que não se deveria fazer fora uma estratégia, herdada da tradição aristocrática, que os árcades exploraram com freqüência. 
Apresentar e comentar a estreita relação existente entre gregos antigos e portugueses é, mais especificamente, focar na relação entre a história de Ulisses/Odisseu e a dos lusos, partindo do mito que aproxima as narrativas coletivas de ambos os povos. Nesse sentido, a literatura portuguesa absorveu o herói da Odisseia, tomando-o como personagem de enorme importância para a formação da nação lusitana.
Tomando o herói como patrimônio cultural português, resgata o mito da fundação de Lisboa, narrativa que acaba por explicar muito do modo lusitano de viver e ver o mundo, em seu fascínio pelo épico, pelo que é grandioso, em sua história de exaltação a destemidos desbravadores de mares e terras. A nação que tem como símbolo o sentimentalismo e a saudade, o cantar dos feitos de outrora, muito se faz valer desse bem-vindo mito originário, que lhe confere “um estatuto singular, [de] uma cidade real criada pela personagem de um livro, contaminada, portanto, pela literatura, pelo mundo da ficção e das histórias contadas. 
Entretanto, pensar em mitos é pensar em escravidão, pois onde dominante há o dominado. Assim, presente em diversas civilizações ao longo da história, a escravidão é uma das modalidades mais antigas de exploração do homem pelo homem. 
No Egito dos faraós, na Grécia Clássica ou no Império Romano, boa parte das atividades produtivas era desenvolvida através do uso de escravos, normalmente obtidos a partir da detenção de inimigos de guerra. Com o passar dos anos, o trabalho escravo pôde ser observado em tantas outras sociedades, adquirindo características específicas de seu tempo.
No continente africano, principal fornecedor de escravos do período, aprisionar os inimigos derrotados e explorá-los no cativeiro era prática amplamente utilizada pelas tribos vitoriosas em conflitos locais. A partir de então, muitos desses cativos eram vendidos a comerciantes estrangeiros, sobretudo europeus, gerando um lucrativo tráfico de escravos entre a África e o resto do mundo, criando ou suprimindo a existencialidade desta nação.
AUTOBIOGRAFIA, MEMÓRIA, TESTEMUNHA, FICCIONALIZAÇÃO DA HISTÓRIA, O ESTADO NOVO NA ESCRITA EXPERENCIADA POR INTELECTUAL BRASILEIRO NAS “MEMÓRIAS DO CÁRCERE” . [27: AMORIM, Marcelo da Silva. AUTOBIOGRAFIA E AUTODIDATISMO: GRACILIANO RAMOS E O SIGNIFICADO DE SUA OBRA. A dissertation submitted to the faculty of the University of North Carolina at Chapel Hill in partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy in the Department of Romance Languages (Portuguese). Chapel Hill. 2007 -197 p]
Outubro de 1938. Já haviam transcorrido quase dois anos desde que Graciliano Ramos fora posto em liberdade, após passar mais de dez meses nas prisões do Rio de Janeiro, sem que pesasse contra ele nenhuma acusação formal. Em sua nova vida na então capital do país, sem emprego fixo e a enfrentar difícil situação financeira, o escritor publica contos em jornais e revistas como meio de subsistência. 
Em 1945 – em pleno Estado Novo - , vários desses contos são reunidos e publicados em forma de livro, sob o título Infância. Infância ambienta a história de um menino sem nome no Sertão e na Zona da Mata do Nordeste, em um Brasil recém-saído do regime monárquico. É final do século dezenove. A escravidão acabara de ser abolida, e, após um golpe de estado, Deodoro da Fonseca proclamara a República. Nas cidades, já havia a luz elétrica, o bonde, as novas profissões, as fábricas; os imigrantes continuavam a chegar; a ferrovia expandia-se. A sociedade, ainda organizada em torno de um sistema patriarcal extremamente hierarquizado, passava por mudanças significativas. Ficava cada vez mais difícil para os patriarcas exercerem o domínio total sobre seus clãs. Dos rincões do Brasil, os senhores de engenho mudavam-se para os palacetes dos centros urbanos, onde se tornariam capitalistas, e onde se instalaria apenas pequena parte da antiga e grande família de parentes, amigos, ex-escravos, compadres e agregados. No sertão, a estiagem já castigava. Deste ponto em diante, farei referência a Graciliano Ramos usando seu nome completo ou apenas pelo primeiro nome, seguindo a tradição dos trabalhos publicados no Brasil quando o autor referenciado faz parte do próprio objeto de estudo. 
Ele conta sua experiência de machucamento e dor, medo e humilhações, tortura e rejeição, ou simplesmente indiferença, no meio familiar rigoroso e muitas vezes agressivo, em que os castigos tomavam as formas mais requintadas. Porém, ao mesmo tempo, sua história é o relato de uma trajetória, um percurso de dificuldades — entre avanços e retrocessos — relacionadas à sua mundivivência, ao modo como ele percebe o mundo ao seu redor e interage com ele. 
No meio das experiências de infortúnio e dos momentos raros de ludismo, surge a narrativa da aprendizagem, que se impõe definitivamente como parte do sistema social autoritário e decadente. Em uma prosa apurada e clara, econômica e irretocável, um narrador-protagonista revela seu primeiro contato com o alfabeto, nas lições tomadas ao pai, professor inábil e brutal, mas que, contraditoriamente, teria sido o primeiro a propiciar as condições para que o menino se deixasse seduzir pela literatura. Ele falará das leituras deficientes de uma mãe irascível e mesquinha, de sua avareza afetiva; da proteção a que se prestou a excelente prima nas horas de cólera paterna; de professores semi-analfabetos, leigos, em escolas ordinárias do interior. 
Entretanto, tais cenas serão apenas um início modesto de uma trajetória, longa e árdua, trilhada e relatada por Graciliano. Ele efetua seu deslocamento cultural, quando poderia ter permanecido confortavelmente instalado na ideologia de consumo da letra enquanto um expediente utilitarista como, de resto, era o pensamento corrente em seu meio. A sugestão de uma resposta — além dos momentos de maravilhamento com a literatura e o desvio da realidade dura que ela proporciona — inclui uma atitude autodidata que, no presente do narrador, recupera-se por meio da narrativa autobiográfica. 
A autobiografia é considerada como a reflexão indispensável que o autodidata faria de sua vida e de sua escritura, a certificação “final” de sua trajetória, na qual os significados do passado atualizam-se pela necessidade do presente. Embora essa não seja uma verdade que se possa estender indiscriminadamente a todos os autodidatas das letras, ela parece especialmente aplicável a Graciliano, que faz com que haja vários pontos de contato entre os trajetos do autobiógrafo e do autodidata. Como o percurso do autodidata compreende contar sua experiência de acesso ao saber, Infância despontará como o relato em si mais importante para este trabalho, porque é ali que o narrador participará aos leitores as experiências ocorridas em sua fase de apropriação da linguagem escrita. Entretanto, para considerar tal narrativa como uma parte especial da certificação da trajetória do autodidata Graciliano, primeiro será necessário considerar Infância como relato autobiográfico, o que nunca foi ponto pacífico na história da crítica literária brasileira.
A conclusão acerca de um Graciliano que, de leitor, transita à outra extremidade da relação com o livro: ele se torna escritor, ou seja, ele passa a ser lido. De leitor a escritor, Graciliano faz refletir, em sua escrita, as experiências de vários letramentos acumulados, valorizando formalmente o capital oral herdado diretamente de seu meio original. Além disso, é a reflexão de um indivíduo que se tornou escritor e oportunizou sua trajetória autodidata em uma autobiografia

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