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Introdução a Moral

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Se são verdadeiras as críticas feitas ao socialismo real e ao capitalismo real, é preciso
 reinventar a política. Se, como disse Bobbio, o capitalismo é o estado da injustiça e o
socialismo, o da não-liberdade, é preciso agora descobrir a maneira de conciliar a igualdade de oportunidades com a
liberdade, ou seja, unir socialismo e democra cia.
 Há quem considere tratar -se de empresa impossível, argumentando serem incompativeis a economia socialista e a
política democrática. Segundo alguns críticos,
a implantação do socialismo exige a estatização, o centralismo da economia planejada, donde decorre a burocracia e
consequentemente a hierarquia e a perda de procedimentos
democráticos. Quanto mais existe planejamento central, mais próximo fica o autoritarismo e
/ou o totalitarismo. Portanto, o stalinismo não teria sido apenas "desvio"
de rota, mas ocaminho inevitável do socialismo.
 Para outros, no entanto, o que existe é apenas a constataçao de que o "socialismo real" não soube fazer a conciliação
com a democracia, e seria bom que essa
experiência ajudasse a experimentar novos camin hos.
 A saída estaria na economia mista, reunindo empresas estatais e particulares a fim de conjugar a economia de
planejamento com a economia de mercado. Afinal,
entre os extremos do laissez-aire e e do estatismo, devem existir fórmulas as mais var iadas e inteligentes de controle da
economia.
 Para o funcionamento adequado desta, seriam necessários mecanismos políticos para garantir o prevalecimento de
valores coletivos sobre os individuais. Os
abusos, tanto do Estado como dos grupos privados , seriam controlados pelo estado de direito e por organizações da
sociedade civil que pudessem garantir a co -participação
na formação das vontades e decisões.
Nesse sentido, o reconhecimento do fracasso da economia de planos pode significar não o retorno p uro e simples à
economia de mercado, mas a exigência de
novas estruturas políticas, sociais e econômicas que permitam a gestão do patrimônio público e privado de
maneira a impedir privilégios ou exploração e garantir iguais oportunidades de trabalho e de a cesso aos bens produzidos
pela sociedade.
Exercícios
 1. Pesquise a etimologia da palavra utopia. Explique como esse conceito pode ser interpretado tanto de uma forma
pejorativa como pode significar algo positivo
e necessário para o ser humano.
 2. Tendo em vista o que foi discutido neste capitulo (e na Unidade também), faça
uma dissertação fundamentando com argumentos seu ponto de vista a respeito de um dos seguintes assuntos:
 a) Entre o liberalismo e o socialismo, defendo...
 b) Entre o liberalismo e o socialismo hão defendo nenhum deles, mas...
*****
### UNIDADE V - A MORAL
(Gravura)
Cada pessoa responde sozinha pelo que faz, diante de sua própria consciência moral. Contudo o ato moral nunca é s olitário
e sim solidário, porque traz a exigência
do respeito e do compromisso com os outros. Daí a imoralidade de todo preconceito, denunciada no cartaz: "Racismo -
Perigo - Vivamos
juntos com nossas diferenças".
##CAPÍTULO 27
INTRODUÇÃO À MORAL
A verdadeira moral zomba da moral.
(Pascal)
1. Os valores
 Diante de pessoas e coisas, estamos constantemente fazendo juízos de valor. Esta canetaé ruim, pois falha muito. Esta
moçaéatraente. Este vaso pode não ser
bonito, mas foi presente de alguém que estimo bastante, por isso, cuidado para não quebrá -lo! Gosto tanto de dia chuvoso,
quando não preciso sair de casa! Acho que
João agiu mal não ajudando voce.
Isso significa que fazemos juízos de realidade, dizendo que esta caneta, esta mo ça, este paso existem, mas também
emitimos juízos de valor quando o mesmo conteúdo
mobiliza nossa atração ou repulsa. Nos exemplos, eferimo -nos, entre outros, a valores que encarnam a utilidade, a beleza, a
bondade.
 Mas o que são valores? Embora a preocupação com os valores seja tão antiga como a humanidade, só no século XIX
surge uma disciplina específica, a teoria
dos valores ou axiologia (do grego axios, "valor"). A axiologia não se ocupa dos seres, mas das relações que se
estabelecem entre os seres e o sujeito que os aprecia.
 Diante dos seres (sejam eles coisas inertes, ou seres vivos, ou idéias etc.) somos mobilizados pela afetividade, somos
afetados de
alguma forma por eles,
porque nos atraem ou provocam nossa repulsa. Portanto, algo po ssui valor quando não permite que permaneçamos
indiferentes.
É nesse sentido que Garcia Morente diz:
"Os valores não são, mas valem.
Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que vale, não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que
não é indiferente. A não-indiferença constitui
esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao ser. A não -indiferença é a essência do valer".
 Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós.
 O mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de tal modo que aprendemos desde cedo
como nos comportar à mesa, na rua, diante
de estranhos, como, quando e quanto falar em determinadas circunstâncias: como andar, correr, brincar; como cobrir o
corpo e quando
desnudálo; qual o padrão de beleza;
que direitos e deveres temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os comportamentos são avaliados como
bons ou maus.
 A partir da valoração, as pessoas nos recriminam por não termos seguido as formas da boa educação ao não ter
cedido lugar à pessoa mais velha; ou nos elogiam
por sabermos escolher as cores mais bonitas para a decoração de um
ambiente; ou nos admoestam por termos faltado com a verdade. Nós próprios nos alegramos ou nos
arrependemos ou até sentimos remorsos dependendo da ação praticada. Isso quer dizer que o resultado de nossos atos
está sujeito à sanção, ou seja, ao elogio ou à
reprimenda, à recompensa ou à punição, nas mais diversas intensidades, desde "aquele" olhar da mãe,
a crítica de um amigo, a indignação ou até a coerção física (isto é, a repressão pelo uso da força).
 Embora haja diversos tipos de valores (econômicos, vitais, lógicos, éticos, estéticos, religiosos), consideramos neste
capítulo apenas os valores éticos
ou morais.
2. A moral
 Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com freqUência usados como sínônimos. Aliás, a
etimologia dos termos é semelhante: moral vem
do latim mos, moris, que significa "maneira de se comportar regulada pelo uso", daí "costume", e de
moralis, morale, adjetivo referente ao que é "relativo aos costumes".
Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de "costu me".
 Em sentido bem amplo, a moral é o conjunto das regras de conduta admitidas em determinada épo ca ou por um
grupo de homens. Nesse sentido, o homem moral é
aquele que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as regras do grupo.
 A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e pr incípios que
fundamentam a vida moral. Essa reflexão
pode seguir as mais diversas direções, dependendo da concepção de homem que se toma como ponto de partida.
 Então. à pergunta "O que é o bem e o mal?", respondemos diferentemente, caso o fundamen to da moral esteja na
ordem cósmica, na vontade de Deus ou em nenhuma
ordem exterior à própria consciência humana. Podemos perguntar ainda: Há uma hierarquia de valores?
Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer? É a utilidade?
 Por outro lado, é possível questionar: Os valores são essências? Têm conteúdo determinado, universal, válido em
todos os tempos e lugares? Ou, ao contrário,
são relativos: "verdade aquém, erro além dos Pireneus", como dizia Pascal? Ou, ainda, haveria possibilidade de superação
das duas posições
contraditóriias do universalismo
e do relativismo?
 As respostas a essas e outras questões nos darão asdiversas concepções de vida moral elaboradas pelos filósofos
através dos tempos (ver próximo capítulo).
3. Caráter histórico e social da moral
 A fim de garantir a sobrevivência, o homem submete a natureza por meio do trabalho. Para que a ação coletiva se
torne possível, surge a moral, com a finalidade
de organizar as relações entre os individuos.
 Inicialmente, consideremos a moral como o conjunto de regras que determinam o comportamento dos individuos em
um grupo social.
 É de tal importância a existência do mundo moral que se torna impossível imaginar um povo sem qualquer conjunto de
regras. Uma das características fundamentais
do homem é ser capaz de produzir interdições (proibições). Segundo o antropólogo francês
Lévi-Strauss, a passagem do reino animal ao reino humano, ou seja, a passagem
da natureza à cultura, é produzida pela in stauração da lei, por meio da proibição do incesto.
É assim que se estabelecem as relações de parentesco e de aliança sobre
as quais é construído o mundo humano, que é simbólico.
 Exterior e anterior ao indivíduo, há portanto a moral constituída, qu e orienta seu comportamento por meio de normas.
Em função da adequação ou não à norma
estabelecida, o ato será considerado moral ou imoral.
 O comportamento moral varia de acordo com o tempo e o lugar, conforme as exigências das condições nas quais os
homens se organizam ao estabelecerem as formas
efetivas e práticas de trabalho. Cada vez que as re lações de produção são alteradas, sobrevêm modificações nas exigências
das normas de comportamento coletivo.
 Por exemplo, a Idade Média se caracte riza pelo regime feudal, baseado na rígida hierarquia de suseranos, vassalos e
servos. O trabalho é garantido pelos
servos, possibilitando aos nobres uma vida de ócio e de guerra. A moral cavalheiresca que daí deriva reside no pressuposto
da superioridade da classe dos nobres,
exaltando a virtude da lealdade e da fidelidade - suporte do sistema de suserania - bem como a coragem do guerreiro. Em
contraposição, o trabalho é desvalorizado
e restrito aos servos. Essa situação se altera com o aparecimento da burg uesia, a qual, formada pela classe de
trabalhadores oriunda da liberação dos servos, estabelece
novas relações de trabalho e faz surgir novos valores, como a valorização do trabalho e a crítica à ociosidade.
***
(Quino, Toda Mafalda, São Paulo, ft4artins Fontes, 1991.)
4. Caráter pessoal da moral
 No entanto, a moral não se reduz à herança dos valores recebidos pela tradição. À medida que a criança se aproxima
da adolescência, aprimorando o pensamento
abstrato e a reflexão crítica, ela tende a colocar em questão os valores herdados. Algo semelhante acontece nas sociedades
primitivas, quando os grupos tribais abandonam
a abrangéncia da consciência mítica e desenvolvem o questionamento racional.
 A ampliaçao do grau de consciência e de liberdade, e portanto de responsabilidade pessoal no comportamento moral,
introduz um elemento contraditorio
que
irá, o tempo todo, angustiar o homem: a moral, ao mesmo tempo que é o
conjunto de regras que determina como deve ser o comportamento dos indiv íduos do grupo, é também
a livre e consciente aceitação das normas.
 Isso significa que o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da aceitaçao
pessoal da norma. À exterioridade da moral contrapõe -se à necessidade da interioridade, da adesão mais íntima.
 Portanto, o homem, ao mesmo tempo que é herdeiro
Portanto, o homem, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador de cultura, e só terá
vida autenticamente moral se, diante da moral constituída, for capaz de propor a moral
constituinte, aquela que é feita dolorosamente por meio das experiências vividas.
 Nessa perspectiva, a vida moral se funda numa ambigUidade fundamental, justamente a que determina o seu caráter
histórico. Toda moral está situada no tempo
e reflete o mundo em que a nossa liberdade se acha situada. Diante do passado que condiciona nossos atos, podemos nos
colocar à distância para reassumilo ou recusá -lo.
A historicidade do homem não reside na mera continuidade no tempo, mas constitui a consciência ativa do futuro, que t orna
possível a criação original por meio de
um projeto de ação que tudo muda.
 Cada um sabe, por experiência pessoal, como isso é penoso, pois supôe a descoberta deque as normas, adequadas
em determinado momento, tornam-se caducas e
obsoletas em outro e devem ser mudadas. As contradições entre o velho e o novo são vividas quando as relações
estabelecidas entre os homens, aQ produzirem sua existência
por meio do trabalho, exigem um novo código de conduta.
 Mesmo quando queremos manter as ant igas normas, há situações críticas enfrentadas devido à especificidade de cada
acontecimento. Por isso a cisão também
pode ocorrer a partir do enredo de cada drama pessoal: a singularidade do ato moral nos coloca em situações originais em
que só e indivíduo livre e responsável é
capaz de decidir. Há certas "situações -limite", tão destacadas pelo existencialismo, em que regra alguma é capaz de orientar
a ação. Por isso é difícil, para as
pessoas que estão "do lado de fora", fazer a avaliaçào do que dever ia ou
não ser feito.
5. Caráter social e pessoal da moral
Como vimos, a análise dos fatos morais nos coloca diante de dois pólos
contraditórios:
de um lado, o caráter social da moral, de outro, a intimidade do sujeito.
 Se aceitarmos unicamente o caráter social da moral, sucumbimos ao dogmatismo e ao legalismo. Isto é, ao
caracterizar o ato moral como aquele que se adapta
à norma estabelecida, privilegiamos os regulamentos, os valores dados e não discutidos. Nessa perspectiva, a educação
moral visa apenas inculcar nas pessoas o medo
às conseqUências da não-observância da lei.
 Trata-se, no entanto, de vivência moral empobrecida, conhecida como
farisaísmo:
numa passagem bíblica, um fariseu (membro de uma seita religiosa) louva o seu pr óprio comportamento, agradecendo a
Deus por não ser "como os outros" que transgridem
as normas. Tal formalismo muitas vezes está ligado a pretensão e à hipocrisia.
 Por outro lado, se aceitarmos como predominante a interrogação do indivíduo que põe em dúvida a regra, corremos o
risco de destruir a moral, pois, quando
ela depende exclusivamente da sanção pessoal, recai no individualismo, na "tirania da intimidade" e,
consequentemente, no amoralismo, na ausência de princípios.
Ora, o homem não é um ser solitário, um Robinson Crusoé na ilha deserta, mas "con -vive" com pessoas, e qualquer ato seu
compromete os que o cercam.
 Portanto, é preciso considerar os dois pólos contraditórios do pessoal e do social numa relação dialética, ou seja, numa
relação que estabeleça o tempo todo
a implicação recíproca entre determinismo e liberdade, entre adaptação e desadaptação à norma, aceitação e recusa da
interdição.
 Para tanto, o aspecto social é considerado sob dois pontos de vista. Em primeiro lu gar, significa apenas a herança dos
valores do grupo, mas, depois de passar
pelo crivo da dimensão pessoal, o social readquire a perspectiva humana e madura que destaca a ênfase na
intersubjetividade essencial da moral. Isto é, quando criamos
valores, não o fazemos para nós mesmos, mas enquanto seres sociais que se relacionam com os outros.
 Essa questão é importante sobretudo nos tempos atuais, quando nos encontramos no extremo oposto das sociedades
primitivas ou tradicionais, nas quais persiste
a homogeneidade de pensamento e valores. Hoje, nas cidades cosmopolitas, há múltiplas expressões de
 moralidade, e a sabedoria consiste na aceitação tolerante dos valores dos grupos
diferentes, evitando o moralismo, que consiste na tentação de impor nosso ponto de vista aos outros.
 Isso não deve ser interpretado como defesa do extremo relativismo em que todas as formas de condutasão aceitas
indistintamente. O professor José Arthur
 expressa: "Os direitos do homem, tais como em geral t êm sido enunciados a partir do
século XVIII, estipulam condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um
não deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver com outras,
reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vi sta. E com isto está obedecendo à sua
própria moral de uma maneira especialíssima, tornando os imperativos categóricos dela como
 um momento particular do exercício humano de julgar moralmente. Desse modo, a moral
 do bandido e a do ladrão to rnam-se repreensíveis do ponto de vista da moralidade pública,
 pois violam o princípio da tolerância e atingem direitos humanos
fundamentais"2.
***
2 José Arthur Gianotti, Moralidade pública e moralidade privada, in Adauto Novaes (org.), Ética, p. 245.
6. O ato moral
Estrutura do ato moral
 A instauração do mundo moral exige do homem a consciência crítica, que chamamos de consciência moral. Trata -se
do conjunto de exigências e das prescrições
que reconhecemos como válidas para ori entar a nossa escolha: é a consciencia que discerne o valor moral dos nossos atos.
 O ato moral é portanto constituído de dois aspectos: o normativo e o fatual.
 O normativo são as normas ou regras de ação e os imperativos que enunciam o "dever ser -
 O normativo são as normas ou regras de ação e os imperativos que enunciam o "dever ser
 Ofatual são os atos humanos enquanto se realizam efetivamente.
 Pertencem ao âmbito do normativo regras como: "Cumpra a su a obrigação de estudar"; "Não minta"; "Não mate". O
campo do fatual é a efetivação ou não da norma
na experiência vivida. Os dois pólos são distintos, mas inseparáveis. A norma só tem sentido se
orientada para a prática, e o fatual só adquire contorno mora l quando se refere à norma.
 O ato efetivo será moralou imoral, conforme esteja de acordo ou
não com a norma estabelecida. Por exemplo, diante da norma "Não minta", o ato de mentir será
considerado imoral. Convém lembrar aqui a discussão estabelecid a anteriormente a respeito do social e do pessoal na moral.
Nesse caso estamos considerando que o
ato só pode ser moral ou imoral se o indivíduo introjetou a norma e a tornou sua, livre e conscientemente.
 Considera-se amoral o ato realizado à margem de qualquer consideração a respeito das normas. Trata -se da redução
ao fatual, negando o normativo. O homem
"sem princípios" quer pautar sua conduta a partir de situações do presente e ao sabor das decisões momentâneas, sem
nenhuma referência a valores.
É a negação da moral.
 Convém distinguir a postura amoral da não -moral, quando usamos outros critérios de avaliação que não são os da
moral. Por
exemplo, quando é feita a avaliação
estética de um livro, a postura do crítico é não -moral; isso não significa que ele próprio não tenha
princípios morais nem que a própria obra não possa ser imoral, mas o que está sendo observado é
o valor da obra como arte. As discussões a respeito do que é ou não é uma obra pornográfica se encontram muitas vezes
prejudicadas devido à intromissão da moral em campos onde não foi chamada, o que muitas vezes tem
justificado indevidamente a ação da censura.
O ato voluntário
 Se o que caracteriza fundamentalmente o agir humano é a capacidade de antecipação ideal do resul tado a ser
alcançado, concluímos que é isso que torna o ato
moral propriamente voluntário, ou seja, um ato de vontade que decide pela busca do fim proposto.
 Nesse sentido, é importante não confundir desejo e vontade. O desejo surge em nós com toda a sua força e exige a
realização; é algo que se impõe e, portanto,
não resulta de escolha. Já a vontade consiste no poder de parada que exercemos diante do desejo.
Seguir o impulso do desejo sempre que ele se manifesta é a negação da moral e da
possibilidade de qualquer vida em sociedade.
Aliás, não é essa a aprendizagem da criança,
que, a partir da tirania do desejo, deve chegar
ao controle do desejo? Observe que não estamos dizendo repressão do desejo, pois a repressão é uma força externa que
coage, enquanto
o controle supõe a autonomia
do sujeito que escolhe entre os seus desejos, os prioriza e diz: "Este fica para depois"; "Aquele não devo realizar nunca";
"Este realizo agora com muito gosto"...
O ato responsável
 A complexidade do ato moral es tá no fato de que ele provoca efeitos não só na pessoa que age, mas naqueles que a
cercam e na
própria sociedade como um todo.
 Portanto, para que um ato seja considerado moral, ele deve ser livre, consciente, intencional, mas também é preciso
que não seja
um ato solitário e sim solidário. O ato moral supõe a solidariedade, a reciprocidade com aqueles com os quais nos
comprometemos. E o compromisso não deve ser entendido
como algo superficial e exterior, mas como o ato que deriva do ser total do home m, como uma
"promessa" pela qual ele se encontra vinculado à comunidade.
O comportamento moral é consciente, livre e responsável. É também obrigatório, cria um dever. Mas a natureza da
obrigatoriedade moral não reside na exterioridade:
é moral justamente porque deriva do próprio sujeitoque se impõe a necessidade do cumprimento da norma. Pode parecer
paradoxal, mas a obediência à lei livremente
escolhida não é prisão; ao contrário, é liberdade.
 A consciência moral, como juiz interno, avalia a situação, consulta as normas estabelecidas, as interioríza como suas
ou não, toma decisões e julga seus
próprios atos. O compromisso humano que daí deriva é a obediência à decísao.
 No entanto, o compromisso não exclui a não -obediência, o que determinará justamente o caráter moral ou imoral do
nosso ato. Por isso o filósofo existencialista
Gabriel Marcel diz: "O homem livre é o homem que pode prometer e pode
trair", Isso significa que, para sermos realmente livres, devemos ter a possibilidade sem pre aberta
da transgressão da norma, mesmo daquela que nós mesmos escolhemos.
 Para entendermos melhor, consideremos as noções de heteronomia e autonomia.
 A palavra heteronomia (hetero. "diferente", e nomos, "lei") significa a aceitação da n orma que não é nossa, que vem
de fora, quando nos submetemos aos valores
da tradição e obedecemos passivamente aos costumes por conformismo ou por temor à reprovação da sociedade ou dos
deuses.
É característica do mundo infantil viver na heteronomia. A autonomia (auto, "próprio") não nega
a influência externa e os determinismos, mas recoloca no homem a capacidade de refletir sobre as limitações que lhe
são impostas, a partir das quais orienta a sua ação para superar os condicionamentos. Portanto, q uando decide pelo dever
de cumprir uma norma, o centro da decisão
é ele mesmo, a sua própria consciência moral. Autonomia é auto -determinação.
A virtude
 Etimologicamente, virtude vem da palavra latina vir, que designa o homem, o varão. Virtus é "poder", "potência" (ou
possibilidade de passar ao "ato). Virilidade
está ligada à idéia de força, de poder. Virtuose é aquele capaz de exercer uma atividade em nível de
excelência, como, por exemplo, um virtuose do violino.
 Em todos esses sentidos persiste a idéia de força, de capacidade. Em
moral, a virtude do homem é a força com a qual ele se aplica ao dever e o realiza. A
virtude é a permanente disposição para querer o bem, o que supôe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar
os obstáculos que dificultam a ação.
 Uma vida autenticamente moral não se resume a um ato moral, mas é a repetição e continuidade do agir moral.
Aristóteles afirmava que
"uma andorinha, só,
não faz verão" para dizer que o agir virtuoso não é ocasional e fortuito, mas deve se tornar um hábito, fundado
no desejo de continuidade e na capacidade de perseverar
no bem. Ouseja, a verdadeira vida moral se condensa na vida virtuosa.
7. Conclusão
 O delicado tecido da moral diz respeito ao indiv íduo no mais fundo de seu "foro íntimo", ao mesmo tempo que o
vincula aos homens com os quais convive.
 Embora a ética não se confunda com a política, cada uma tendo seu campo específico, elas se relacionam
necessariamente. Por um lado, a política, ao estender
a justiça social a todos, permite a melhor formação moral dos indivíduos. Por outro lado, as
exigências éticas não se separam da ação dos governantes, que não devem
interpor seus interesses pessoais aos coletivos.
 Estabelecer a dialética entre o privado e o público é tarefa das mais difíceis e exige
aprendizagem e têmpera. É assim que se forja o caráter das pessoas.
Exercícios
 1. O que significa dizer que a não -indiferença é a essência do
"valor"?
 2. Explique esta afirmação: O homem, diferentemente do animaL é capaz de produzir interp dições.
 3. Em que consiste o caráter histórico -social da moral? E o caráter pessoal?
 4. Ao explicar a superação dos dois pólos c ontraditórios da moral (o social e o
pessoal), analise a citação de Pascal que consta da epigrafe do capítulo:
"A Verdadeira moral zomba da moral".
 5. Por que, mesmo considerando a tolerância um valor máximo da convivência humana, não aceita mos a
moral de grupos como a Mafia, a Klu -Klux-Klan ou grupos neonazistas?
 6. O que determina que um ato seja considerado moral ou imoral?
7. O que é um ato amoral? E o não -moral?
 8. Todo ato moral deve ser julgado em função dos moti vos, fins, meios, resultados. Explique como esses aspectos se
inter-relacionam.
 9. Explique: "Mão há moral do desejo; só é moral o ato
voluntário".
10. O que é heteronomia? E autonomia?
 11. O que significa progresso mor al? Por que não pode ser identificado com mudança moral?
12. Explique: No mundo contemporâneo, muitas pessoas não têm condição de vida
autenticamente moral.
 13. Leia o texto complementar I, "O crime Elegante", e responda às questões:
a) Quais são os tipos de violência analisados no texto?
b) Explique como numa sociedade dividida em classes há, ao lado da violência física aparente, um
outro tipo de violência que é velada (que não se revela à primeira vista).
c) Explique como a ênfase dada à vi olência física de rua denota uma postura individualista.
d) Indique outros tipos de distorção semelhantes na avaliação dos atos de violência.
e).Interprete o texto usando os conceitos aprendidos no Capítulo 5 - Ideologia.
 14. Leia o texto complementar II, "Interdição e transgressão", e responda:
 a) O que significa "um tipo de transgressão que não suprima as interdições, mas as mamenha transgredidas"?
 b) Qual é a diferença entre a transgressão autêntica e a pseu dotransgressão?
 15. Leia o texto III, "Diante da Lei", e interprete -o usando os conceitos aprendidos. Seguem algumas sugestões:
 a) O camponês "esquece -se dos outros". "retorna á infância", "enfraquece -se". "diminui de tamanho", "morre":
qual é a conotação dessas expressões
se considerarmos o comportamento moral do camponês? O que significa "morrer" nesse contexto?
 b) Explique o significado do guarda na porta da Lei, recorrendo aos conceitos de
heteronomia e autonomia.
 c) Interprete a última frase do texto a partir do aspecto pessoal da moral.
 d) Relacione o texto de Kafka com o anterior, "Interdição e transgressão", explicando qual foi o principal erro do
camponês.
Textos complementares
1
O crime "elegante"
 Os temas da violência urbana são importantes, mas estão permitindo que se tire de foco outra
violência cujas conseqUências são muito mais sérias para a sociedade como um todo: a dos criminosos de paletó e gravata.
 Essa desfocagem é gravíssima. O grupo social está consciente do perigo do "trombadinha". Tem raiva do ladrão. São
muitos os que proclamam as vantagens da
pena de morte para assassinos e estupradores. Todavia, encara com indiferença e até com desalentad a passividade que o
grande golpista tios dólares, o despudorado
ladrão de ações, o cínico criminoso das empresas públicas, o impiedoso manipulador do mercado imobiliário fiquem
impunes.
 Essa é uma atitude irracional e primária. Entretanto, aparent emente, inevitável. O canalha
colunável que se sustenta em sucessivos golpes, ao preço da infelicidade
e do patrimônio alheio, muitas vezes levando famílias inteiras à ruína, é encarado como aventureiro ousado e, às vezes, até
mesmo como provido de um certo charme.
O "trombadinha", ainda que menor de idade, ao tirar uma carteira e sair em disparada, sempre encontra quem o queira
linchar. Sobre ele se abate, com facilidade,
a baba do ódio que está alojada nos sentimentos do povo.
 A causa aparente do absurdo está na indiferença ante o grande dano coletivo e a fúria cada vez mais agravada contra
a ofensa individual. O mundo inteiro
é evidente que sob o impacto de cobertura maciça da imprensa escrita e da televisão - se sensibilizou até as lágrimas com o
caso dos reféns americanos. Todavia, são
muito poucos os que se afligem com as dezenas de crianças que diariamente morrem de inanição neste nosso Brasil. Do
ponto de vista do direito essa atitude repercute
em leis que tendem a ser cada vez mais rigorosas com o pequeno criminoso individual, ainda
que brutal e impiedoso, e cada vez mais generosas com os "assaltantes" que ouvem
Bach, que distinguem Picasso de Miró, a um primeiro olhar, ou que, simplesmente,
tendo amealhado fortuna, sentem-se desobrigados de qualquer gesto de respeito pelo patrimônio alheio ou pela dignidade.
 A lei, pelo tratamento benévolo que dá a esses delitos, incentiva -os. Isto, sem falar em sua proverbial impunidade.
Tende a lei a não ser alterada, porque
o grupo social não consegue sensibilizar-se para a imensa fonte de danos que tais delitos provocam. Diversamente portanto
do que acontece com os crimes individuais
geralmente praticados pelo maloqueiro e pelo favelado, e, por isso, juridicamente
"pequenos".
 Alguns exemplos ilustram o que quero dizer. O cidadão que, por culpa, provoque poluição de uma fonte de água
potável sujeita-se a detenção de seis meses
a dois anos, embora ponha em risco a vida e a saúde de muita gente, como se
tem visto em casos repetidos. Aquele que corrompa, adultere ou falsifique substância
alimentícia destinada ao consumo público sujeita -se a uma pena máxima de seis anos. Ou seja, dois anos mais que a do
autor de apropriação indébita de uma caneta -tinteiro.
Todavia, dois anos menos que o criminos o do furto qualificado, ainda que o produto seja de umas poucas centenas de
cruzeiros.
 O funcionário público, prevaricador - tanto o pequeno quanto o grande potentado do serviço público -, que retarde ou
deixe de praticar indevidamente ato
de ofício, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, corre o risco máximo - rarissimamente aplicado - de um ano de
detenção, seja qual for a relevância social
do ato praticado.
 A formulação da lei tem um defeito de origem, como se demonstraria com mais outros
exemplos, se fossem necessários. Os que aí ficaram são, porém, suficientes
para evidenciar outro aspecto relevante: é a elite que faz a lei. Escreve -a a seu gosto, voltada para seus principais
interesses. Os únicos, aliás, de que tem compreensã o
adequada. Só assim é possível entender que a fraude no comércio, consistente em enganar intencionalmente o adquirente
ou o consumidor, vendendo mercadoria falsificada
ou deteriorada como se fosse verdadeira, merece apenas detenção de seis meses a dois a nos, pouco importando qual o
prejuízo causado ou quais sejam os enganados.
Porém, para o rufião, queexplora uma prostituta, a pena é de reclusão de uma quatro anos. O pequeno
comerciante, porém. pode até ser levado a ajoelhar -se diante
do juiz, como aconteceu há pouco3. É a punição que recebe por ser pequeno...
 A óptica social está errada. A atitude da sociedade é burra, quando fecha os olhos para o
criminoso de punhos de seda, cuja conduta tem um terrível subproduto
ainda insuficientemente avaliado. Subproduto consistente na contribuição para o agravamento das condições sócio -
econômicas da maioria do povo, geradores principais
das agressões urbanas. E, paradoxo dos paradoxos: algumas das vozes mais calorosas do combate à violência assustadora
mas nascida no submundo da metrópole certamente
seriam caladas se fosse possível punir a grande e desumana violência dos criminosos
de paletó e gravata. Isso porque algumas dessas vozes pertencem a eles. Essa
é uma realidade que ainda não atingiu a consciênc ia do povo.
(WalterCeneviva. in Folha de S. Paulo, 6.2.1981)
***
3. O autor se refere a um caso noticiado nos jornais: por questões pessoais, o juiz de direito de uma cidade do interior do
Estado de São Paulo humilhou um padeiro, obrigando -o a ajoelhar-se e pedir perdão.
II
Interdição e transgressão
 O homem é o ser que produz interdições. (,.) A vida social, com as suas normas e as suas hierarquizações, as suas
instituições e os seus sistemas
simbólicos,
exige necessariamente uma rede de inter dições que assinalam os lugares de ruptura entre o homem e o animal.
 Mas o que define o homem é a transgressão. Não quer isto dizer que se pretenda um regresso à natureza, mas sim
um tipo de transgressão que não suprima as
interdições, mas as mantenha transgredidas. Existe, assim, "uma cumplicidade profunda da lei e de sua
violação".* (á A transgressão é o rasgar das normas, é a subversão
de uma ordem. Existem inúmeras formas de existência inautêntica, que são aquelas que nos indicam as diversas fig uras da
alienação. A existência autêntica
é a que se lança na exploração do possível rumo ao impossível que lhe acena e a obceca, lugar absoluto da ação, limiar da
loucura.
 A existência inautêntica pode subordinar -se à Lei, reificá-la nas formas instituidas da alienação, projetá-la nos
instrumentos opressivos do capitalismo:
teremos o universo modelar do catecismo e da "moralina", das boas ações e dos bons sentimentos, dos discursos de
inauguração e dos artigos de fundo, do adocicado
e viscoso da palavra virtuosa, da mediocridade resignada e quase feliz no seu destino dócil, dos mitos da autoridade e da
identidade, do comportamento íntegro que
não oferece dúvidas.

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