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Mateus Castro INTERNATO UNIFAMAZ – Cínica Cirúrgica I VIAS BILIARES • Anatomia das vias biliares Ducto hepático comum: formado pela confluência do ducto hepático direito com o ducto hepático esquerdo. Colédoco: formado pela união do ducto hepático comum com o ducto cístico. Ducto hepático esquerdo: drena a bile produzida nos segmentos II, III e IV. Ducto hepático direito: drena a bile produzida nos segmentos V, VI e VIII. Ampola de Vater: formada pela união do ducto pancreático com o colédoco. A vascularização da vesícula biliar é feita por meio da artéria cística, geralmente ramo da artéria hepática direita. Mas, a vascularização da vesícula tem muitas variações anatômicas. A fixação da vesícula no fígado se faz numa depressão na face interna do fígado chamada de fossa da vesícula biliar – serve como marco anatômico divisório do lobo esquerdo e direito do fígado. • Anatomia vascular →O segmento I refere-se ao lobo caudado. →O lobo esquerdo, que é suprido pela veia porta E, compõe os segmentos II, III, IV. O lobo esquerdo é subdividido posteriormente pelo ligamento falciforme, que separa os segmentos II e III. →Segmentos II e III são supridos pela ramificação lateral da veia portal esquerda, com o segmento II acima da passagem da veia portal e o segmento III abaixo. Segmento IV é suprido pela ramificação medial da veia porta esquerda e é subdividido em IVA, acima e IVB abaixo da veia porta segmentar. Segmento V é suprido pela distribuição inferior da ramificação anterior da veia porta direita e o segmento VIII recebe o fluxo da distribuição superior desta ramificação. Igualmente, a respeito da ramificação posterior da veia porta direita, o segmento VI encontra-se inferior a veia porta enquanto o segmento VII encontra-se superior. Mateus Castro INTERNATO UNIFAMAZ – Cínica Cirúrgica I COLELITÍASE • Os cálculos Cálculos de colesterol (amarelos): Representam a maioria dos casos e costumam ser mistos (colesterol, sais de cálcio, sais biliares, proteínas e fosfolipídeos). Cálculos de cálcio e bilirrubina (pigmentados): São subdivididos em cálculos castanhos e pretos. →Cálculos pretos: formados na vesícula e consistem basicamente de bilirrubinato de cálcio. São relacionados à hemólise crônica – a cirrose pode provocar esses cálculos. →Cálculos castanhos: formados por bilirrubinato de cálcio, alternado por camadas de colesterol. Na maioria das vezes esses cálculos são formados no colédoco, anos após uma colecistectomia. • Fatores de risco →Predisposição genética. →Dismotilidade vesicular: a estase é um dos elementos mais importantes para a formação do cálculo. A hipertrigliceridemia reduz a motilidade da vesícula – aumentando ainda mais o risco. Pacientes pós vagotomia troncular perdem a inervação da vesícula, facilitando a estase. Além desses, pacientes em nutrição parenteral total, lesão de medula espinhal, diabéticos e gestantes são grupos de risco. →Fatores ambientais e dieta. →Estrogênio e progesterona: o estrogênio estimula a síntese de colesterol e a progesterona reduz a contratibilidade da vesícula. →Idade. →Obesidade: o emagrecimento significativo e rápido pode aumentar o risco, uma vez que mobiliza grande estoque de colesterol, que acabam sendo excretados em altas concentrações na bile. →Ressecção ileal e doença de crohn. →Anemia hemolítica. →Cirrose: geralmente os cálculos são pigmentares pretos e parecem resultar de uma conjugação deficiente de bilirrubina pelo hepatócito. →Infecções. • Quadro clínico Principal sintoma: Dor aguda contínua, localizada em hipocôndrio direito e/ou epigástrio, podendo irradiar para escápula. A intensidade é maior no período de 30 min – 5h do início, com melhora gradual ao longo de 24h. Associado à dor em cólica, náuseas e vômitos podem estar presentes. A dor é relacionada após refeições com alimentos gordurosos ou de grande volume. • Exames complementares RX simples: pode observar os cálculos radiopacos, mas não é o melhor exame. Ultrassonografia: deve ser o primeiro exame a ser solicitado. A USG é boa para visualizar a vesícula (cálculos de até 3mm podem ser visualizados), mas não pega bem o colédoco. TC: a TC é melhor que a USG para avaliar o colédoco, mas em relação à vesícula, a USG é superior na investigação. Colangiorressonância: alta especificidade e sensibilidade no estudo da árvore biliar. US Endoscópica: pode realizar biópsia e analisar a ressecabilidade de lesões possivelmente neoplásicas. Cintilografia biliar: melhor método para confirmação de colecistite aguda. É administrado tecnécio EV que é captado pelo fígado e vias biliares – geralmente a vesícula é visualizada nos primeiros 60min, a não visualização após 1h indica a presença de colecistite. Colangiografia trans-hepática percutânea: punção percutânea direta de um ducto biliar intra-hepático por Mateus Castro INTERNATO UNIFAMAZ – Cínica Cirúrgica I agulha no 8°-8° espaço intercostal direito. Bom método para estudo de via biliar, em especial quando o paciente tem icterícia obstrutiva e dilatação das vias biliares intra-hepáticas visualizadas por USG ou TC. Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE): Passagem de cateter através da ampola de Vater, com visualização das vias biliares e ducto pancreático principal. O contraste enche de forma retrógrada o colédoco, o ducto cístico, a vesícula e as vias biliares intra-hepáticas. A CPRE pode ser terapêutica ao realizar papilotomia – retirada de cálculos impactados na papila. A principal complicação de CPRE é a pancreatite (migração do cálculo). • Complicações As principais complicações: →Colecistite aguda. →Coledocolitíase. →Pancreatite aguda. →Colangite aguda (e abscesso hepático). →Vesícula em porcelana: é a calcificação difusa da parede da vesícula e é fator de risco para CA de vesícula biliar. →Íleo biliar: é a formação de uma fístula colecistojejunal, com passagem de cálculo biliar que ficará impactado na porção mais distal do íleo, gerando quadro de obstrução intestinal. • Tratamento Tratamento sintomático da cólica biliar: AINEs, opioides em casos refratários. O único tratamento definitivo é o cirúrgico. Indicações de cirurgia: →Paciente sintomático. →História de complicação prévia da doença calculosa, independente do estado sintomático atual (colecistite, pancreatite, coledocolitíase). Colecistectomia profilática: é recomendada em todos os pacientes com episódios recorrentes de dor, em que, ao menos 2x, tenha conseguido documentar a presença de lama biliar durante o episódio álgico. Abordagem cirúrgica em pacientes assintomáticos: →Cálculos >3cm. →Pólipos de vesícula biliar. →Vesícula em porcelana. →Anomalia congênita da vesícula biliar (vesícula dupla). →Microesferocitose hereditária com litíase comprovada. →Pacientes que serão submetidos a cirurgia bariátrica ou transplante cardíaco. Primeiramente o paciente deve receber controle do episódio agudo e ser preparado para o procedimento cirúrgico eletivo. • Colecistectomia laparoscópica →Deve ser realizada anestesia geral – é contraindicação à cirurgia a incapacidade do paciente de tolerar a anestesia geral. Outra contraindicação é doença hepática terminal com hipertensão portal, impedindo a dissecção portal segura e coagulopatias. →Contraindicações relativas: DPOC, com baixa capacidade para trocasgasosas e insuficiência cardíaca. É utilizado sonda nasogástrica para descomprimir o estômago e auxiliar na exposição do abdome superior. O acesso à cavidade peritoneal e à criação do pneumoperitônio podem ser realizadas pela técnica aberta ou fechada. Mateus Castro INTERNATO UNIFAMAZ – Cínica Cirúrgica I Técnica aberta: faz-se pequena incisão na cicatriz umbilical, seccionando-a internamente em direção à fáscia da parede abdominal, incisando o peritônio diretamente, e inserindo um trocarte rombo (cânula de Hasson). Técnica fechada: faz-se uma incisão e uma agulha é inserida no interior da cavidade peritoneal para insuflar o abdome antes do posicionamento de qualquer trocarte. Após estabilização do pneumoperitônio com CO2, é realizada uma breve exploração e são adicionadas portas adicionais de 5mm que são colocadas na linha axilar anterior direita, linha hemiclavicular e subxifoide. A porta lateral a linha axilar anterior é usada para elevar o fundo da vesícula para cima em direção ao ombro direito. Essa retração fornece exposição do infundíbulo e da porta hepatis. O trocarte na linha hemiclavicular é usado para pinçar o infundíbulo da vesícula, retraindo-o inferolateralmente para expor o triângulo de Calot. Tracionando a bolsa de Hartmann lateralmente, o ducto cístico não se localiza mais paralelamente ao ducto hepático comum. Mateus Castro INTERNATO UNIFAMAZ – Cínica Cirúrgica I A dissecção é direcionada ao longo do infundíbulo nas superfícies anterior e posterior para expor a base da vesícula. Essa dissecção eventualmente vai retirar todo o tecido fibrogorduroso do triângulo de Calot. A tração do infundíbulo permite a identificação de 2 estruturas entrando na vesícula – o ducto cístico e a artéria cística. Um ponto de referência para localizar a artéria cística é um linfonodo sobrejacente – linfonodo de Calot. A visão do leito hepático através do espaço entro o cístico e a artéria cística e acima dela é conhecida como visão crítica de segurança – minimiza o risco de lesão iatrogênica do ducto biliar. Após dissecção adequada, são colocados clipes no cístico e na artéria cística. Se for realizada colangiografia, o cístico é apenas clipado junto à vesícula, e então, é incisado na parte posterior, por onde vai ser introduzido o cateter para realização da colangiografia por introdução de contraste na árvore biliar. Caso a colangiografia for normal, ou se não for realizada, o ducto cístico é clipado duplamente e seccionado entre os clipes. A artéria cística previamente clipada é também seccionada e a vesícula é dissecada do leito hepático com o eletrocautério. SOS: Como a drenagem venosa da vesícula se faz diretamente para o fígado por meio de vênulas, deve ser obtida uma rigorosa hemostasia durante esse tempo cirúrgico. Os clipes do cístico e da artéria cística são examinados minunciosamente antes da completa dissecção do fundo, porque a tração superior do fundo proporciona a exposição da porta e do triângulo de Calot. Assim, a vesícula é então mobilizada para a retirada da cavidade abdominal através do portal umbilical. Nos casos de uma colecistite aguda ou quando a vesícula é acidentalmente aberta durante a dissecção, uma bolsa plástica deve ser usada para recuperação e qualquer cálculo desprendido deve ser recuperado. Indicações de colangiografia: →Dor inexplicada no pré-op da colecistectomia. →Qualquer suspeita de coledocolitíase prévia ou atual. →Paciente sem estudo ductal prévio. →Qualquer dúvida sobre a delineação anatômica durante a colecistectomia. →Dosagem pré-operatória elevada de enzimas hepáticas. →Colédoco dilatado nos exames de imagem pré- operatórios. →Suspeita de lesão biliar intraoperatória. • Colecistectomia aberta Situações preferíveis de cirurgia aberta: →Reserva cardiopulmonar ruim (DPOC avançado, ICC com FE < 20%). →CA de vesícula suspeito ou confirmado. →Cirrose com hipertensão portal (ascite). →Gravidez no 3° trimestre. →Procedimentos combinados. Principais preditores de conversão de laparoscopia para técnica aberta: →Idade > 60 anos. →Cirurgia no contexto de colecistite aguda, especialmente nas apresentações tardias (> 48h). →Sexo masculino. →Paciente em mau estado geral. →Obesidade. →Vesícula biliar com paredes espessadas (> 4mm). Mateus Castro INTERNATO UNIFAMAZ – Cínica Cirúrgica I A colecistectomia aberta geralmente é realizada seguindo a conversão de técnica laparoscópica ou como etapa durante outra cirurgia (duodenopancreatectomia). A colecistectomia pode ser realizada através de incisão subcostal tipo Kocher ou paramediana interna direita. A tração do segmento IV fornece exposição ao ducto e artéria cística. Com tração inferolateral similar ao infundíbulo da vesícula, o ducto cístico é desviado do seu alinhamento com o ducto comum, para sua identificação e secção. A identificação e ligadura prévia da artéria cística impedem a perda de sangue durante a cirurgia mas pode ser difícil quando presente inflamação. Outra abordagem do infundíbulo da vesícula pode ser feita a partir da liberação do fígado seguindo o curso fundo-cístico. Nessa abordagem, as fixações da vesícula são seccionadas, possibilitando a tração inferolateral de toda a vesícula → amplia o triângulo de Calot e identifica o ducto apropriado e a artéria. Quando realizada em colecistite grave, a liberação da vesícula do seu leito pode se associar com grande perda sanguínea, mas com a remoção da vesícula infectada e o isolamento da área com compressas, o sangramento geralmente é controlado. • Síndromes pós colecistectomia Lesão do ducto biliar A lesão pode ser identificada no intraoperatório, mas geralmente se apresenta no pós-operatório. Extravasamento de bile na cavidade peritoneal, com consequente peritonite biliar, tende a se apresentar mais precocemente do que a estenose do ducto biliar que está associado com icterícia. Em casos de fístula biliar, os pacientes podem se apresentar com febre, aumento de dor abdominal, icterícia ou drenagem de bile pela incisão. Tratamento no intraoperatório A conversão para procedimento convencional + colangiografia ajudam no manejo. Os objetivos do tratamento imediato da lesão do ducto biliar incluem manutenção do tamanho do ducto, eliminação de extravasamento de bile e realização de reparo sem tensão. Diagnóstico e tratamento após colecistectomia Geralmente paciente se encontra com icterícia, nível elevado de fosfatase alcalina ou com fístula do ducto lesionado – a fístula pode se manifestar com drenagem biliosa por um dreno posicionado no leito sub-hepático na cirurgia ou drenagem de bile na incisão cirúrgica. Quando não drena externamente, a drenagem de bile se apresenta como um bilioma ou com ascite biliar. Sintomas de dor no ombro, dor pós-prandial, febre, mal-estar tendem a aparecer após alguns dias. Queixas que persistem ou aumentem com o tempo devem elevar a suspeita de lesão do ducto biliar Após a suspeita, paciente deve realizar exames de imagem →USG e TC. A terapia é baseada em 3 objetivos – ATB de amplo espectro, descompressão da árvore biliar e drenagem de qualquer coleção líquida. Um 2° objetivo do tratamento é o conhecimento preciso e completo da anatomia biliar por meio da colangiografia. Mateus Castro INTERNATO UNIFAMAZ – Cínica Cirúrgica I O 3° objetivo é restabelecer adrenagem bilioentérica duradoura. Cálculos perdidos Fatores de risco para perfuração intraoperatória da vesícula: →Colecistite. →Presença de cálculos pigmentados. →Número de cálculos (> 15). A perda de cálculos durante a cirurgia pode ter consequências, especialmente tardias, como abscesso crônico, fístula, infecção da ferida e obstrução intestinal. Dor pós-colecistectomia Dor similar à cólica biliar pode ocorrer no pós- operatório, devendo ser feita investigação completa da árvore biliar. A recidiva da dor, se associada a outros achados como icterícia, febre ou calafrios dias e/ou semanas após a cirurgia, aumenta a suspeita de coledocolitíase residual ou fístula biliar. Outros problemas da árvore biliar produzem quadro similar, tais como disfunção do esfíncter de Oddi. Cálculos biliares residuais Cálculos residuais do colédoco, ou cálculos secundários do ducto comum, podem ser identificados por até 2 anos após a cirurgia. Os cálculos secundários do ducto comum, se originam na vesícula e migram pro colédoco e frequentemente se tornam sintomáticos semanas após a colecistecctomia. Os pacientes se queixarão de dor no QSD, com icterícia. A febre completando a tríade de Charcot é comum. A remoção endoscópica desses cálculos via esfincterotomia generosa é na maioria das vezes bem- sucedida. Fístula biliar Febre, calafrios, dor no quadrante superior direito, icterícia, drenagem de bile pela incisão cirúrgica e/ou por um dreno, ou anorexia persistente ou distensão devem aumentar a suspeita de uma fístula biliar. Embora possa ser visto após qualquer colecistectomia, aquelas realizadas por colecistite aguda envolvem um risco maior. Geralmente os pacientes apresentarão sintomas 1 semanas após a cirurgia em decorrência da bile extravasada. Deve-se solicitar TC com o objetivo de identificar a presença de líquido no QSD compatível com bilioma. Uma colangiografia endoscópica deve ser realizada, com drenagem percutânea de qualquer coleção líquida. A reexploração é reservada para pacientes com evidência de choque séptico ou àqueles nos quais a drenagem percutânea não está acessível. Se a drenagem percutânea não for factível devido ao intestino sobrejacente, ou a coleção líquida não for localizada e, por isso, não for acessível para drenagem percutânea, deve ser considerada uma lavagem laparoscópica do abdome e colocação de dreno sub- hepático. Nenhuma tentativa deve ser feita para reparar a fístula, porque qualquer intervenção é quase sempre malsucedida e aumenta o risco de lesão adicional da árvore biliar. A persistência da fístula biliar por mais de 6 semanas deve aumentar a suspeita de lesão do ducto biliar não reconhecida, deste modo é mandatório uma colangiografia completa por MRCP e repetir a CPRE. Similar às lesões do ducto biliar comum, o tratamento cirúrgico de uma fístula ductal é mais satisfatório, uma vez que o processo inflamatório já esteja resolvido. Anotações:
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