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CAPÍTULO 5 A AvAliAção no Processo dA Aquisição dA leiturA e escritA do Aluno deficiente intelectuAl A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Identificar a avaliação como movimento de ação de reflexão. 3 Compreender que avaliar é respeitar o aluno em sua individualidade, estimulando seus progressos em relação a si próprios, dentro do seu ritmo de aprendizagem. 96 Práticas de Ensino para a Deficiência Intelectual: Matemática, Leitura e Escrita 97 A AvAliAção no Processo dA Aquisição dA leiturA e escritA do Aluno deficiente intelectuAl Capítulo 5 contextuAlizAção O entendimento da leitura e escrita se faz necessário para formar um cidadão letrado, mas avaliar esse saber é, sem dúvida, uma tarefa bastante complexa, principalmente se tratando da avaliação com o deficiente intelectual. Diante dessa complexidade, é necessário acreditar que somos nós, educadores, também os responsáveis pela inclusão dos alunos no espaço escolar. O processo de avaliação poderá ser alvo de exclusão ou inclusão, pois está relacionado à autoestima do aluno. Se haverá realmente a aceitação e socialização desses alunos dependerá da compreensão de todos os envolvidos: alunos, professores, pais e colaboradores. Não se trata de simplesmente inserir o aluno no espaço, mas de fazê-lo sentir-se parte desse ambiente educativo, reconhecendo-se capaz de aprender. Somos desafiados a abrir caminho para que haja uma verdadeira inclusão, em prol de uma escola realmente para todos. Nesse contexto, se espera que a avaliação venha para permitir que o aluno reconheça suas potencialidades e aprenda a lidar com suas limitações de forma natural. o quê é e Por que AvAliAr o deficiente intelectuAl? A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitem como sou - eu não as aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que usa válvulas, que olha o relógio, Que compra pão às 6 horas da tarde, Que vai lá fora, que aponta o lápis, que vê a uva etc., etc. Perdoai Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. Manoel de Barros 98 Práticas de Ensino para a Deficiência Intelectual: Matemática, Leitura e Escrita Partimos do pressuposto de que somos todos capazes de aprender, de progredir, de superar obstáculos, cada um dentro do seu tempo e da sua maneira de interpretar o mundo. Nesse sentido, a escola deve favorecer um ambiente propulsor do conhecimento, respeitando o saber prévio de cada aluno. Mas, para que isso ocorra, é preciso dinamizar práticas educativas no sentido de valorizar a inclusão, a colaboração e a solidariedade entre todos os envolvidos. Para compreendermos o processo da avaliação com o Deficiente Intelectual, é necessário entendermos como ocorre a aprendizagem. Mas o que é aprendizagem? Há diferentes estudos e pesquisas científicas que respondem essa pergunta e que foram se manifestando com base em teorias. Segundo estudos de Campos (2011), de forma geral a aprendizagem representa: A associação entre um fato estimulador e a resposta, conforme a teoria conexionista da aprendizagem. A adaptação do sujeito ao meio em que vive, conforme a teoria funcionalista. O reforço do comportamento, segundo teoria do sistema dedutivo-hipotético desenvolvida por Hull. O condicionamento de reações, conforme teoria de Guthrie e Skinner. Um processo perceptivo de mudança nas estruturas cognitivas, segundo teorias gestaltistas. Estudos de Vygotsky e Piaget convergem ao demonstrarem que o desenvolvimento cognitivo está fortemente relacionado às experiências da ação sobre o meio. No entanto, na perspectiva de Vygotsky, este desenvolvimento por meio das ações está ligado às relações pessoais e à influência cultural, enquanto que, para Piaget, está relacionado apenas aos estímulos que o ambiente oferece. 99 A AvAliAção no Processo dA Aquisição dA leiturA e escritA do Aluno deficiente intelectuAl Capítulo 5 Avaliar um aluno com dificuldades é criar a base do modo de como incluí-lo dentro do círculo da aprendizagem; o diagnóstico permite a decisão de direcionar ou redirecionar aquilo ou aquele que está precisando de ajuda (LUCKESI, 2010, p. 173). Uma das contribuições de Vygotsky para compreensão do processo de aprendizagem são os estudos que denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD). O autor aponta que a ZPD corresponde às competências que o sujeito poderá desenvolver, caso seja mediado por alguém mais experiente. A partir desta ideia, elaborou dois conceitos-chave que explicam o percurso desse processo, que chamou de nível de desenvolvimento real e nível de desenvolvimento potencial. No primeiro, o sujeito demostra habilidades que consegue já compreender ou executar por si só, enquanto que o nível potencial se refere à necessidade de ter alguém próximo para conduzi-lo ao entendimento. Como você pode ter visto, a aprendizagem não ocorre isoladamente, e não é um processo passivo. Ela depende de fatores internos e externos. Na escola, alerta Campos (2011), a aprendizagem do aluno perpassa pela relação entre os colegas, professores, livros, conteúdos e ambiente social da escola, como um processo dinâmico. A avaliação, diferentemente de verificação, envolve um ato que ultrapassa a obtenção da configuração do objeto, exigindo decisão do que fazer ante ou com ele. A verificação é uma ação que “congela” o objeto; a avaliação, por sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação (LUCKESI, 2010, p.93). Nessa perspectiva, queremos que você reflita que a avaliação também não é um processo isolado, pelo contrário, necessita de um conjunto de análises e observações. Luckesi (2010) compara a avaliação com um ato amoroso, pois lida com atitudes que acolhem, que interagem e que incluem. “Avaliar um aluno com dificuldades é criar a base do modo de como incluí-lo dentro do círculo da aprendizagem; o diagnóstico permite a decisão de direcionar ou redirecionar aquilo ou aquele que está precisando de ajuda” (LUCKESI, 2010, p. 173). Um exemplo de uma prática que valoriza a inclusão vem demonstrando que é possível um trabalho para todos. É a Escola da Ponte, localizada em Portugal, de entidade estadual. Essa instituição de ensino possui uma dinâmica que envolve o educando como gestor de seu processo de aprendizagem e, o mais interessante, de seu processo de avaliação. Adotam muitas atividades que facilitam ao aluno a percepção de seu progresso e a identificação do momento em que está seguro para ser avaliado pelo professor. Para tornar mais claro, acompanhe abaixo os instrumentos de avaliação e instrumentos pedagógicos desta escola; ambos estão inter-relacionados. 100 Práticas de Ensino para a Deficiência Intelectual: Matemática, Leitura e Escrita Figura 32 - Instrumentos pedagógicos e avaliativos da Escola da Ponte Fonte: Elaborado pela autora (OFFIAL, 2012) com base no projeto educativo da escola. Esses instrumentos de avaliação são meios do professor perceber e acompanhar o desenvolvimento do aluno, como também do próprio educando envolver-se como atuante de seu processo de conhecimento. Vejam que os instrumentos pedagógicos expressam o quanto o aluno é importante nesse meio, pois permitem expor seus sentimentos, ideias, promovem a responsabilidade e respeito com seus direitos e deveres. Essa prática favorece uma avaliação mais próxima possível da realidade do aluno, pois valoriza a inteireza, a complexidade do ser humano, e o mais importante, busca uma consciência crítica sobre si e seu entorno. Para saber mais: Site da escola da Ponte: http://www.escoladaponte.com.pt/html2/portug/projecto/instrume/direitos.htm. Entrevista sobre a escola da Ponte http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/jose- pacheco-escola-ponte-479055.shtml. 101 A AvAliAção no Processo dA Aquisição dA leiturA e escritA do Aluno deficiente intelectuAl Capítulo 5 O papel da escola frente ao processo avaliativo deve ser de fortalecer a autoestima do aluno, orientando e motivando a novos desafios. Avaliar não é classificar, mas observar, acompanhar e interagir, enfocando no desenvolvimento do aluno e não apenas no conteúdo. Aqui no Brasil essa prática de avaliação também é possível. Cabe explicar que nossa intenção não é repetir modelos, mas adaptar o que existe de melhor na educação, e ressignificar a nossa realidade. Veja um exemplo de uma excelente prática com avaliação aqui no Brasil. NO TRABALHO DE MARIA DE LOURDES, A AVALIAÇÃO VISA À MELHORIA DA APRENDIZAGEM, PORQUE... • A professora compartilha os objetivos do trabalho com a turma; • Os alunos avaliam a si próprios e aos colegas, analisam os próprios progressos, sentem-se motivados a avançar e veem limitações como algo a ser superado, não punido; • A professora observa o aluno sob vários aspectos, temperamento, expectativas, experiências de vida, identificando necessidades e não “problemas” de aprendizagem; • Os alunos sentem-se incluídos no grupo, têm diminuído seu sentimento de frustração por não acompanhar as atividades e passam a participar mais das aulas. Fonte: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/ planejamento-e-avaliacao/avaliacao/avaliar-ensinar- melhor-424538.shtml>. Acesso em: 20 out. 2012. Acreditamos que o professor que se compromete em estimular as potencialidades de seu aluno, estudando a melhor forma de chegar até ele, estará contribuindo para desenvolver sua autoconfiança e consequentemente favorecerá a aprendizagem. Avaliar não é classificar, mas observar, acompanhar e interagir, enfocando no desenvolvimento do aluno e não apenas no conteúdo. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, na Resolução CNE/CP nº. 02/2001, salientam a importância da avaliação como forma de contribuir para a percepção das necessidades de cada aluno. Nesta esteira, a forma de entender a avaliação deve ser vista como uma aliada do aluno, que auxilia a refletir sobre seus erros e acertos, tornando o aluno confiante para prosseguir. O papel da escola frente ao processo avaliativo deve ser de fortalecer a autoestima do aluno, orientando e motivando a novos desafios. Nesse aspecto, sugere Hoffmann (2009, p.19): 102 Práticas de Ensino para a Deficiência Intelectual: Matemática, Leitura e Escrita A avaliação deixa de ser um momento terminal do processo educativo (como hoje é concebida) para se transformar na busca incessante de compreensão das dificuldades do educando e na dinamização de novas oportunidades de conhecimento. Diante dessas considerações, o erro, as dúvidas e os questionamentos dos alunos devem ser compreendidos como veículos para a construção de sua aprendizagem. Temos que ter consciência de que avaliar processos de leitura e escrita não é algo tão simples como parece, ainda mais em se tratando do deficiente Intelectual. Por isso, iremos abordar algumas questões que lhe ajudarão a entender os pontos relevantes para a avaliação no trabalho com a alfabetização. a) Avaliação da leitura e escrita Traremos resumidamente de alguns aspectos importantes que devem ser considerados ao avaliar o deficiente intelectual em fase de alfabetização, segundo Referencial sobre Avaliação da Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual (2008). • Língua oral: – Observar situações em que o aluno utiliza a fala; – Identificar se a fala, a escuta e a prática de leitura e de escrita estão ampliando o vocabulário do aluno; – Perceber se as narrativas do aluno estabelecem relação com temporalidade e causalidade; – Verificar se a comunicação entre os colegas está desenvolvendo sua fala; – Observar em quais situações de leitura o aluno demonstra independência frente à exploração de livros e outras formas de texto. 103 A AvAliAção no Processo dA Aquisição dA leiturA e escritA do Aluno deficiente intelectuAl Capítulo 5 Antes de realizar qualquer intervenção no processo de leitura e escrita do aluno, sugere-se que identifique inicialmente em que nível de compreensão se encontra o aluno. • Língua escrita: – Avaliar o tipo de representação gráfica utilizada pelo aluno; – Identificar a intencionalidade das representações gráficas do aluno; – Descrever como o aluno se comporta diante das leituras feitas por adultos e por crianças; – Avaliar em quais situações de registros gráficos o apoio permanente de outras pessoas pode favorecer seu desenvolvimento; – Reconhecer a intensidade do apoio nas circunstâncias de reconhecimento do nome pela criança; – Verificar em quais situações de escrita o aluno desenvolveu independência; – Perceber se o aluno faz uso oral de palavras que envolvam noções de espaço, forma e distância dos objetos em sala de aula ou se essas noções ocorrem por meio da orientação da professora. b) Níveis de aquisição da escrita Antes de realizar qualquer intervenção no processo de leitura e escrita do aluno, sugere-se que identifique inicialmente em que nível de compreensão se encontra o aluno. Segundo estudos de Ferreiro e Teberosky (1979), apresentaremos os níveis de aquisição da escrita, conforme a figura abaixo: Figura 33 – Níveis de aquisição da escrita Fonte: Adaptado pelas autoras. Para compreender a diferenças entre os níveis, observe os exemplos a seguir de cada um dos níveis: • Nível Pré-silábico: não existe nenhuma relação sonora com letra correspondente a palavra: 104 Práticas de Ensino para a Deficiência Intelectual: Matemática, Leitura e Escrita ELEFANTE • Nível Silábico: Começam a aparecer a relação sonora com as letras, algumas vezes apresentam para cada sílaba uma letra. ELEFANTE • Nível Silábico-alfabético: Já evoluem para maior relação entre letras e fonemas correspondentes. ELEFANTE • Nível Alfabético: Apresenta a escrita com valor sonoro convencional. ELEFANTE Mas pode ocorrer ainda a ausência de uma letra: ELEFANTE 105 A AvAliAção no Processo dA Aquisição dA leiturA e escritA do Aluno deficiente intelectuAl Capítulo 5 Em se tratando do deficienteintelectual, a passagem de um nível ao outro tem um tempo diferente dosdemais alunos, e por isso precisa continuar a receber apoio do professor,colegas e família para poder se desenvolver-se com autoconfiança. Ao perceber em qual nível o aluno se encontra, o professor deve intervir com intuito de estimulá-lo a avançar, e nesse caso a avaliação favorece a verificação e atuação em favor do educando. Em se tratando do deficiente intelectual, a passagem de um nível ao outro tem um tempo diferente dos demais alunos, e por isso precisa continuar a receber apoio do professor, colegas e família para poder se desenvolver-se com autoconfiança. Se você quiser conhecer mais sobre avaliação, existem bons livros sobre este assunto. CANO, Manuel Sanches; BONAL Joan: Avaliação Psicopedagógica. Artmed. Porto Alegre. 2010 VASCONCELOS, Celso dos Santos. Avaliação da Aprendizagem: Práticas de mudanças-por uma práxis transformadora. São Paulo: Lib, 2010. Atividade de Estudos: 1) Procure apontar, por meio de um mapa conceitual, os principais objetivos da avaliação, respondendo: por que avaliar o deficiente Intelectual? ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ 106 Práticas de Ensino para a Deficiência Intelectual: Matemática, Leitura e Escrita AlgumAs considerAções Segundo Vascolcellos (2020, p.140): A avaliação deveria ser uma mediação para a qualificação da prática educativa escolar. No entanto, não é isso que vem ocorrendo, dado que, quando surgem dificuldades em sala, procura-se resolver pela pressão da nota, e as questões pedagógicas fundamentais não são devidamente enfocadas. Nessas circunstâncias, elaboramos não uma receita, mas alguns eixos norteadores para ajudar o docente no processo avaliativo com o deficiente intelectual. • Motivação: fazer o aluno reconhecer que seu erro faz parte de sua construção, que erramos para aprender. • Confiança: elogiá-lo sempre que apresentar conquistas, para fortalecer sua autoestima. • Atenção: a disponibilidade de tempo ao aluno é importante, pois o deficiente intelectual demonstra muita carência afetiva, e o fato do professor lhe atender com carinho é um canal que se abre mais facilmente para aprendizagem. • Paciência: é fundamental em qualquer ação com o deficiente intelectual, é necessário compreender suas limitações e respeitá-las. Esperamos que você usufrua deste caderno com sabedoria em prol da formação integral do aluno. referênciAs CANO, Manuel Sanches; BONAL Joan: Avaliação Psicopedagógica. Artmed. Porto Alegre. 2010. LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e preposições. São Paulo: Cortez 2010. ESCOLA DA PONTE. Fazer a Ponte: Projeto Educativo. Maio de 2003. Disponível em: <http://escoladaponte.com.pt/documen/concursos/projecto. pdf>. Acesso em: 22 set. 2012. 107 A AvAliAção no Processo dA Aquisição dA leiturA e escritA do Aluno deficiente intelectuAl Capítulo 5 HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito e desafio uma perspectiva construtivista. Porto Alegre: Mediação, 2009. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. REVISTA ESCOLA: Planejamento e Avaliação: Avaliar para ensinar melhor. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/planejamento-e-avaliacao/ avaliacao/avaliar-ensinar-melhor-424538.shtml>. Acesso em: 12 set. 2012. ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação dialógica: desafios e perspectivas. São Paulo Cortez: Instituto Paulo Freire. 2009. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Referencial sobre Avaliação da Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME / DOT, 2008. Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf>. Acesso em: 20 out. 2012. VASCONCELLOS, Celso dos Santos: Avaliação da Aprendizagem: Práticas de mudança- por uma práxis transformadora. 11ª Ed. São Paulo: Libertad.
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