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III Bienal da SBM - IME/UFG - 2006 Um pouco de Geometria Hiperbólica Laurindo Daniel Silva da Rocha (danielmalamen@yahoo.com.br) Orientador: Prof. Dr. Daniel Vendrúscolo (daniel@dm.ufscar.br) Resumo O Postulado V de Euclides, durante muito tempo, causou certa descon- fiança nos matemáticos, que acreditavam que este poderia ser provado pelos axiomas da chamada ”Geometria Neutra”. O próprio Euclides não estava muito certo de que este era realmente um axioma; isto é mostrado pelo fato de que ele adiou o uso deste postulado em suas provas, utilizando-o pela primeira vez apenas na sua 29a proposição. Por cerca de 2000 anos matemáticos famosos tentaram, sem sucesso, provar tal Postulado. Foi apenas no século XIX, por volta de 1829, que ocorreu a descoberta de uma geometria autoconsistente, diferente da Geometria Euclidiana. A descoberta desta geometria é devida a Carl Friedrich Gauss, János Bolyai e Nikolai Ivanovich Lobachevsky. Tal geometria é conhecida como Geometria Hiperbólica. Neste trabalho estamos interessados em apresentar alguns importantes resultados desta geometria, além de alguns modelos da mesma. Apre- sentaremos de forma especial o Modelo do Disco de Poincaré, já que qualquer outro modelo para esta geometria nada mais é do que um isomorfismo deste. Objetivo O objetivo deste trabalho é estudar alguns resultados importantes da Geometria Hiperbólica e demonstrar sua consistência apresentando modelos onde todos os seus resultados são válidos. O que é a Geometria Hiperbólica? Por definição, Geometria Hiperbólica é a geometria constrúıda assumindo-se todos os axiomas da chamada Geometria Neutra e substi- tuindo o postulado das paralelas de Hilbert por sua negação, o chamado Axioma Hiperbólico. Axioma Hiperbólico: Existe uma reta r e um ponto P fora de r tal que ao menos duas retas paralelas distintas a r passam por P . Proposição 1: Retângulos não existem. Teorema Hiperbólico Universal: Por toda reta r e todo ponto P fora de r passam ao menos duas retas distintas paralelas a r. Uma conseqüência imediata e muito importante deste teorema é que por toda reta r e todo ponto P fora de r, existem infinitas retas paraleas a r passando por P . No que diz respeito a soma dos ângulos de um triângulo, o seguinte resultado é fundamental na Geometria Hiperbólica. Teorema 1: Todos os triângulos têm soma dos ângulos menor do que 180o. Um fato muito interessante na Geometria Hiperbólica é que é posśıvel demonstrar que se dois triângulos são semelhantes, então eles são con- gruentes. Em outras palavras, o critério AAA para semelhança de triângulos na Geometria Euclidiana é um critério válido para con- gruência de triângulos na Geometria Hiperbólica. A Consistência da Geometria Hiperbólica Os seguintes resultados mostram a consistência da Geometria Hiperbólica: Teorema Matemático: Se a Geometria Euclidiana é consis- tente, assim também é a Geometria Hiperbólica. Corolário: Se a Geometria Euclidiana é consistente, então nen- huma prova ou refutação do postulado das paralelas pelo resto dos axiomas de Hilbert será encontrada, isto é, o postulado das parale- las é independente dos outros postulados. O Modelo do Disco de Poincaré Fixado um ćırculo γ no plano Euclidiano. Se O é o centro de γ e OR é um raio, o interior de γ, por definição, consiste de todos os pontos X tal que OX < OP . No modelo de Poincaré os pontos no interior de γ representam pontos do plano hiperbólico. Por este modelo a representação de retas é dada da seguinte forma: 1. Todas as cordas abertas que passam pelo centro O de γ, isto é, todos os diâmetros abertos r de γ. 2. Todos os arcos abertos de ćırculos ortogonais a γ. Em outras palavras, seja δ um ćırculo ortogonal a γ (em cada um dos pon- tos de intersecção de γ e δ os raios de γ e δ são perpendiculares naqueles pontos). Então intersectando δ com o interior de γ temos um arco aberto s, que por definição representa uma reta hiperbólica no modelo de Poincaré. A noção de um ponto ”estar sobre” uma reta no plano hiperbólico tem seu sentido Euclidiano usual. Semelhantemente, a noção de ”estar entre” tem sua interpretação Euclidiana usual, ou seja, dados A, B e C sobre um arco aberto contido num ćırculo ortogonal δ com centro P , B está entre A e C se → PB está entre → PA e → PC. Uma grande vantagem do modelo de Poincaré sobre outros modelos é que a Congruência de Ângulos tem o sentido Euclidiano usual, ou seja, se dois arcos se intersectam num ponto A, a medida (em graus) do ângulo formado por eles é, por definição, a medida (em graus) do ângulo formado entre as semi-retas tangentes a cada um dos arcos em A. No entanto, se um arco intersecta uma semi-reta ordinária em A, a medida (em graus) do ângulo entre elas é, por definição, a medida (em graus) do ângulo formado entre a semi-reta tangente e a semi-reta ordinária. Tendo estabelecido interpretações para todos os termos indefinidos de Geometria Hiperbólica no modelo de Poincaré, temos (por substituição) as interpretações de todos os termos definidos. Além disso, todos os Axiomas da Geometria Hiperbólica são afirmações posśıveis de serem demonstradas na Geometria Euclidiana. Desta forma, o modelo de Poincaré é um outro modo de se provar que se a Geometria Euclidiana é consistente, então a Geometria Hiperbólica também será. A figura abaixo mostra as semi-retas limitantes paralelas no modelo de Poincaré. Nela podemos observar que estas semi-retas aproximam- se assintoticamente de r quando ela se aproxima dos pontos ideais representados por A e B. A próxima figura ilustra duas paralelas (no sentido do modelo de Poincaré) com uma perpendicular em comum. Pelo diagrama é posśıvel visualizar como s diverge de r sobre os lados da perpendicular comum. Congruência no Modelo de Poincaré Para que possamos definir congruência no modelo de Poincaré e veri- ficar os axiomas de congruência, precisamos falar sobre a operação de inversão num ćırculo Euclidiano. Com esta operação poderemos inter- pretar a reflexão sobre uma reta no plano hiperbólico. Definição: Seja γ um ćırculo de raio r e centro O. Para todo ponto P 6= O, o inverso P ′ de P em relação a γ é o único ponto P ′ sobre a semi-reta → OP tal que (ŌP )( ¯OP ′) = r2 (onde ŌP denota o compri- mento do segmento OP em relação a uma unidade de medida fixada). Para que a congruência de segmentos seja definida neste modelo neces- sitamos da seguinte definição: Definição: Seja A e B pontos dentro de γ, e seja P e Q os extremos das retas de Poincaré passando por A e B. Definimos razão-cruzada (AB, PQ) por: (AB, PQ) = (ĀP )(B̄Q) (B̄P )(ĀQ) (onde, por exemplo, ĀP é o comprimento Euclidiano do segmento Euclidiano AP ). Definimos então o comprimento de Poincaré d(AB) por d(AB) = |log(AB, PQ)| . Com esta definição, dizemos que dois segmentos AB e CD de Poincaré como congruentes se d(BA) = d(CD). É posśıvel mostrar que a inversão no ćırculo preserva a razão-cruzada. Além disso, temos os seguintes resultados: Teorema 2: Se d(OB) = d, então ŌB = r(ed − 1)/(ed + 1), onde e é a base do logaŕıtmo natural e r é o raio de γ. Teorema 3: Dois triângulos no modelo de Poincaré são congru- entes se, e somente se eles podem ser mapeados um sobre o outro por uma sucessão de inversão em ćırculos ortogonais a γ e/ou re- flexões no diâmetro de γ. Teorema 4: No modelo de Poincaré a fórmula para o ângulo de paralelismo é e−d = tg[Π(d)/2]. Nesta fórmula e é a base do logaŕıtmo natural. A função trigonométrica tangente é definida analiticamente como sen/cos, onde o seno e o cosseno são funções definidas por expansões das séries de Taylor. Observação: A tangente não é interpretada como a razão entre o cateto oposto e o adjacente no plano hiperbólico. Conclusões Vimos que, assim como a Geometria Euclidiana, a Geometria Hiperbólica é consistente. Podemosentão nos perguntar qual delas representa melhor o espaço f́ısico em que vivemos. Esta questão é motivo de muitas discussões filosóficas. É fato que a Geometria Euclid- iana é muito útil quando se está trabalhando com distâncias não muito grandes. Entretanto, quando se está trabalhando com distâncias muito grandes a Geometria Euclidiana é menos satisfatótia que a Geometria Hiperbólica. Por exemplo, quando se trabalha medindo distâncias entre duas estrelas. Se quisermos verificar, experimentalmente, se o Universo é Euclidiano vamos conseguir provar apenas que ele é não-Euclidiano. Há quem diga que o Universo é Hiperbólico e que os defectivos dos triângulos terrestres são muito pequenos. Porém estas são discussões filosóficas e a única coisa que de fato podemos afirmar é que, como disse Poincaré, nenhuma geometria pode ser mais verdadeira do que a outra: ela pode ser apenas mais conveniente. Referências [1] GANS, D. An Introdution to Non-Euclidean Geometry, ACA- DEMIC PRESS, INC., London,(1973). [2] GREENBERG, M. J. Euclidean and Non-Euclidean Geometries: Development and History, 3a ed., W.H. Freeman and Company, New York, (1993). [3] EVES, H. Introdução à História da Matemática, 2a ed., Editora da UNICAMP,(1994). [4] MARTIN,G. E. The Foundations of Geometry and the Non- Euclidean Plane, Springer-Verlag, New York (1982). [5] ROSENFELD, B. A. A History of Non-Euclidean Geometry: Evolution of the Concept of a Geometric Space, Springer-Verlag, New York,(1988). [6] RYAN,J. P. Euclidean and Non-Euclidean Geometry: An Ana- lytic Approach, CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS, (1986) Apoios
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