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MÓDULO 2 CURSO E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO SAÚDE MENTAL ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Presidente: Ministro José Antonio Dias Toffoli Corregedor Nacional de Justiça: Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins Conselheiros: Aloysio Corrêa da Veiga Maria Iracema Martins do Vale Márcio Schiefler Fontes Daldice Maria Santana de Almeida Fernando César Baptista de Mattos Valtércio Ronaldo de Oliveira Francisco Luciano de Azevedo Frota Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior André Luis Guimarães Godinho Valdetário Andrade Monteiro Maria Tereza Uille Gomes Henrique de Almeida Ávila Secretário-Geral: Carlos Vieira von Adamek Diretor-Geral: Johaness Eck Secretário Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica: Richard Pae Kim SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL Secretário de Comunicação Social: Rodrigo Farhat Projeto gráfico: Eron Castro Revisão: Carmem Menezes 2019 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA SEPN Quadra 514 norte, lote 9, Bloco D, Brasília-DF Endereço eletrônico: www.cnj.jus.br http://www.cnj.jus.br http://www.cnj.jus.br http://www.cnj.jus.br Conteúdos deste módulo 4 Objetivos de aprendizagem 5 Apresentação Unidade I 6 O processo do adoecer Unidade II 9 Conceitos de normalidade e patologia na saúde mental Unidade III 12 Principais transtornos e reações emocionais frente aos processos de adoecimento Unidade IV 15 Adoecimento psíquico secundário à doença 17 Referências bibliográficas 3 Objetivos de aprendizagem » Identificar quais os fatores envolvidos na normalidade e no adoecimento; » Entender os tipos de reações emocionais existentes em face do adoecimento; » Identificar processos de adoecimento mental como fatores de risco e de proteção nesse contexto; » Compreender os condicionantes relacionados ao sofrimento psíquico. 4 Apresentação Bem-vindo ao módulo 2 do curso! Neste módulo, trataremos dos processos de adoecimento e sofrimento psíquico, com ênfase no ambiente organizacional. Serão apresentados conceitos múltiplos do adoecimento, assim como o que é estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), abrangendo, ainda, questões relacionadas a fatores de risco e de proteção no contexto da Saúde Mental. Serão apresentados, a partir do histórico desse processo de adoecimento, algumas variáveis que explicam a pouca atenção dada a esse tipo de doença, e para tanto, o aumento considerável de doenças mentais em nossa sociedade. Vamos trabalhar! 5 Unidade I O processo do adoecer “Em última análise, precisamos amar para não adoecer.” (Sigmund Freud) COMPREENSÃO DO ADOECER Compreender o processo de adoecimento e sofri- mento mental na atualidade é assumir uma proposta de ir contracultura. Quase diariamente somos bombardeados com estímulos que pre- gam o produzir, o ter, o consumir como objetivos de vida e, por outro lado, na busca por esses processos, muitas vezes negligenciamos o ser humano por trás desses objetivos. O conceito de Saúde, em sua trajetória sócio-his- tórico-cultural, vem se ampliando em termos de considerar saudável campos da vida biológica, psíquica e social do sujeito. Quando pensamos em processos de adoecimento, esses campos também são relevantes. Desse modo, o cuidado de uma enfermidade física é tão importante quanto o cuidado de uma enfermidade psico- lógica. Para se ter uma ideia da relevância de vari- áveis que dizem respeito a fatores psicológi- cos e sociais, atualmente, o isolamento social atua como fator de risco na vida da população, podendo ser tão danoso quanto outros fato- res de risco como o tabagismo (HOLT-LUNSTAD e SMITH, 2012), a obesidade (HOLT-LUNSTAD, SMITH e LAYTON, 2010) e o alcoolismo. Acredita-se que nutrir boas relações contribui para a saúde inte- gral do ser humano. Esse dado assume maior peso no contexto organizacional, em que passa- mos boa parte de nosso tempo de vida. 6 Sobre a importância de bons relacionamentos na prevenção do adoecimento psíquico veja: https:// www.ted.com/talks/robert_waldinger_what_ makes_a_good_life_lessons_from_the_longest_ study_on_happiness?language=pt-BR#t-688. Um aspecto a ser considerado no campo do sofrimento psíquico, que muitas vezes contri- bui de forma negativa no que diz respeito ao seu enfrentamento, é o fato de negligenciarmos o adoecimento emocional em relação ao físico. Em termos culturais, brincamos com transtornos psíquicos e naturalizamos terminologias utili- zadas na área. Como exemplo, em uma busca rápida nas mídias virtuais, encontramos vários grupos que fazem trocadilhos com a palavra depressão. Sinalizando o quanto observamos e lidamos de modo diverso com cada tipo de adoecimento. Nesse sentido, o fato de não levarmos esse tipo de prejuízo a sério, de alguma forma contribui para sua propagação. Segundo a OMS, 1 em cada 4 pessoas sofrerá com algum transtorno men- tal em algum período da vida. Sobre o quanto Saúde Mental ainda é um tabu na atualidade, veja: https://www.youtube.com/watch?v=UwyE_ XIQ7DA. ADOECIMENTO NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL No contexto organizacional, ou seja, no ambiente formal de trabalho, a saúde mental versus o sofrimento psíquico são preocupações que estão diretamente relacionadas à vida do principal agente desse ambiente: o sujeito trabalhador. Dejours (2004) ressalta que trabalhar não é só produzir, mas trabalhar é viver junto. Nesse sen- tido, mais do que as atividades fins desenvolvi- das por esse sujeito em seu ambiente de traba- lho, associadas a tais demandas, ele vive nesse ambiente cerca de 20% do seu tempo total de vida, sem contabilizar seu deslocamento entre a casa e o local de trabalho (IBGE, 2005). Daí a importância de não só trabalhar, mas viver de forma saudável o tempo dentro do ambiente de trabalho. Por si só, a atividade laboral pode trazer sentido à vida do ser humano trabalhador, principal- mente quando se acredita, em termos de valo- res, naquilo que se produz. Contudo, um tempo de qualidade que é capaz de produzir saúde não se contabiliza só por qual atividade é realizada, mas sim de como ela está sendo realizada. Por exemplo, não basta trabalhar com produtos sus- tentáveis que fazem sentido aos valores de vida do trabalhador, mas, se este mesmo trabalhador, tem de lidar com metas irreais e insustentáveis, ele poderá adoecer da mesma forma. Desta feita, ao ressaltar o viver junto, Dejours (2004) nos chama atenção a como está ocor- rendo toda essa vida no ambiente de trabalho, ou seja, como gastamos nossas horas, como nos relacionamos, quais os momentos de lazer e de CURSO SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2 7 https://www.youtube.com/watch?v=UwyE_XIQ7DA https://www.youtube.com/watch?v=UwyE_XIQ7DA confraternização vivenciamos ali. Resumindo, se a vida vivida dentro das organizações é ou não é (e tudo bem se a resposta nesse momento for negativa) uma vida que vale a pena ser vivida. Para saber mais sobre saúde mental e sofri- mento psíquico no trabalho, veja: https://www. youtube.com/watch?v=DW8zUM3M8z0. Alguns fatores podem contribuir para o sofri- mento mental no trabalho. Entre eles, estão as cobranças excessivas, demissões inesperadas em períodos de crise, carga horária exagerada, baixos salários com remunerações incoeren- tes com o mínimo necessário para sobreviver, ambientes insalubres que podem abrir mar- gem para a ocorrência de acidentes, pressões constantes por metas e produtividade. Todos esses fatores podem afetar as representações do sujeito sobre si mesmo, e, com isso, gerar repercussão em sua vida pessoal provocando mudanças de comportamento e mudanças de humor. Processos como os descritos acima se iniciam gradativamente e podem, até mesmo, em um grau maior de intensidade, desencadear um transtorno ou uma síndrome. Como exemplo, cita-se a Síndrome de Burnout. Em contrapartida, repertórios como promover uma comunicaçãoaberta entre os diversos funcionários da insti- tuição, demonstrar apreço e reconhecimento em cada trabalho realizado, investir em relações de imparcialidade, confiança e respeito mútuo nas organizações, podem ser contextos que priorizam a saúde em detrimento do sofrimento mental. Para que isso ocorra, é necessário que toda a comunidade inserida no ambiente do trabalho defenda e se comporte de modo coerente com esses valores. Lembrando que cada funcionário e seu fazer são importantes nesses processos como um todo. Para saber mais sobre a fatores de estresse no ambiente de trabalho, veja: https://www.you- tube.com/watch?v=LfmbOiPS_vc. CURSO SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2 8 https://www.youtube.com/watch?v=DW8zUM3M8z0 https://www.youtube.com/watch?v=DW8zUM3M8z0 https://www.youtube.com/watch?v=LfmbOiPS_vc https://www.youtube.com/watch?v=LfmbOiPS_vc Unidade II Conceitos de normalidade e patologia na saúde mental “Nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura.” (Aristóteles) O conceito de normalidade e patologia no campo da saúde mental é palco de grandes discus- sões. Sobre esta temática, Dalgalarrondo (2008) afirma que, em casos mais extremos, em que é mais fácil delimitar essa diferenciação entre o normal e o patológico, isso não seria grande pre- ocupação. Um exemplo seria um caso de um paciente com transtorno mental mais grave em que ocorre a tentativa de autoextermínio e este passa a se comportar com o objetivo de cometer suicídio. É fácil observar, em quadro clínico como esse, que estamos lidando com sintomas de um quadro psicopatológico, que este paciente precisa de ajuda e que provavelmente será necessário acompanhamento mais próximo por parte de familiares e diversos profissionais da área da saúde (psiquiatra, psicólogo). Contudo, em casos limítrofes, em que as diferen- ças não são tão acentuadas, é possível encon- 9 trar dificuldades em se diagnosticar o que foge daquilo que é considerado aceitável para a vida em sociedade. Muitas vezes, situações de sofri- mento psíquico podem se agravar em função da não identificação e consequente intervenção/ tratamento. Um exemplo seria um estado de tristeza contínuo por parte de um funcionário mais reservado de determinada empresa. Os colegas de trabalho começam a diagnosticá-lo como depressivo, contudo, em um contato mais próximo, ficam sabendo que houve a perda recente de um ente querido, e que estar triste por alguns dias, para aquela condição, é extremamente coerente com a experiência atual do colaborador. No entanto, no campo da saúde mental, nem sempre a situação é tão simples de ser compreen- dida e avaliada. Para falarmos de sofrimento psí- quico, precisamos inicialmente pensar em saúde mental e as diversas formas de se defini-la. Para saber mais sobre os conceitos de normali- dade versus psicopatológico, veja: https://www. youtube.com/watch?v=PQgaIu16010. Ao abordarmos os conceitos de normal versus patológico em psicopatologia, estamos também falando sobre as diversas definições em relação à saúde e doença mental, consideradas em cada área específica (DALGALARRONDO, 2008). Segundo o autor, alguns critérios de normali- dade em psicopatologia são: normalidade como ausência de doença (critério bastante confuso e negativo, pois considera o normal a partir do que ele não é), normalidade ideal (estabelece utopicamente uma forma ideal do sadio e evolu- ído), normalidade estatística (o normal é aquilo que ocorre com mais frequência), normalidade como bem-estar (normalidade como completo bem-estar físico, mental e social), normalidade funcional (se é patológico e produz sofrimento para o indivíduo, se trata de disfuncional), nor- malidade operacional (critério abstrato com fina- lidades pragmáticas explícitas). Sobre A loucura de ser normal, assista o vídeo do psiquiatra Marcelo Veras: https://www.youtube. com/watch?v=ruqr8TjUC8g. A partir dos critérios delimitados previamente a uma análise, é possível observar que existe variação em relação a quais fenômenos espe- cíficos podem contribuir para determinado diagnóstico. Nesse sentido, em alguns casos, é possível fazer uso de mais de um critério para avaliar determinado aspecto. Sendo assim, fre- quentemente, a ciência da Psicopatologia exige dos profissionais que lidam com a Saúde Mental uma postura menos rígida, mais crítica e refle- xiva, que demande um olhar para singularidade de cada sujeito. No ambiente de trabalho, no entanto, ainda é mais complicado de possibilitar auxílio para cola- boradores em sofrimento psíquico. Isso ocorre principalmente por dois motivos: o ambiente em si pode ser um fator de aquisição e de manu- tenção dos processos de adoecimento ou as demandas em termos de atividades para os colaboradores de cada área da empresa podem mascarar sintomas e dificultar um diagnóstico. Muitas vezes, colaboradores recorrem a superio- res ou serviços médicos das empresas quando já estão bastante afetados pelas dificuldades vivenciadas que contribuíram para produção do sofrimento mental. CURSO SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2 10 https://www.youtube.com/watch?v=PQgaIu16010 https://www.youtube.com/watch?v=PQgaIu16010 https://www.youtube.com/watch?v=ruqr8TjUC8g https://www.youtube.com/watch?v=ruqr8TjUC8g Sobre a história do contexto organizacional e suas funções, assista o vídeo de Roger Koeppl, “O tra- balho não precisa ser uma tortura”: https://www. youtube.com/watch?v=ooP7-INanVA. Fonte: https://vivasaude.digisa.com.br/bem-estar/doencas-ocu- pacionais-saiba-quando-o-trabalho-faz-adoecer/5753/ CURSO SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2 11 https://www.youtube.com/watch?v=ooP7-INanVA https://www.youtube.com/watch?v=ooP7-INanVA https://vivasaude.digisa.com.br/bem-estar/doencas-ocupacionais-saiba-quando-o-trabalho-faz-adoecer/5753/ https://vivasaude.digisa.com.br/bem-estar/doencas-ocupacionais-saiba-quando-o-trabalho-faz-adoecer/5753/ Unidade III Principais transtornos e reações emocionais frente aos processos de adoecimento 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa 3.ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. Adoecer, segundo o dicionário Aurélio, significa “1. Ficar doente; 2. Tornar-se doentio”.1 Isto é, pas- sar de uma condição de não doente (saudável) para a condição de doente. Onde queremos chegar com estas quase obviedades? Simples: ao adoecer (processo de adoecimento), ocorre uma ruptura, uma quebra, uma mudança que vai muito além da mudança de status (saudável x doente). Normalmente não nos damos conta disto. Quanto menor a gravidade da doença, menos nos damos conta. Mas, vejamos: pensemos em numa gripe, processo tão comum – não estamos falando do resfriado, que é um quadro bem mais leve. A gripe vem acompanhada de febre, queda do estado geral, dores no corpo etc. Dificilmente não nos afastará das nossas atividades habitu- ais, sejam elas acadêmicas, laborais ou outras. 12 Mas, e se você tiver prova da faculdade nestes dias? E se for a prova de um concurso? Se você estiver escalado para uma reunião importante, uma viagem, uma palestra? Veja como uma “simples” gripe afeta nossa vida. Mas, e quando é algo mais? Uma febre prolon- gada de origem desconhecida? Sintomas persis- tentes para os quais não se encontra a causa? Um diagnóstico de tuberculose? Um nódulo a esclarecer (tumor benigno? maligno?). Podemos colocar aqui virtualmente qualquer doença conhecida pela Medicina, inclusive as raras, e até alguma ainda não descrita. Mas o objetivo deste texto não é apavorar nin- guém com a perspectiva de adoecer e, sim, cons- cientizar para os modos de cada um para lidar com o processo de adoecimento. Adoecer é, portanto, uma quebra na nossa rotina. Podemos falar mesmo em crise. E, even-tualmente, até uma mudança na curva de vida, à qual podemos nos adaptar, claro. Como reagimos ao adoecimento? Isto, naturalmente, tem a ver com uma série de fatores: e, provavelmente, o primeiro deles não é a gravidade real da doença. Há pessoas que se apavoram ao primeiro sinal de febre. Então, quais fatores importam? Além da gravidade e inten- sidade da doença, importa a nossa cultura, a nossa criação, a nossa estrutura psicológica etc. Assim, algumas culturas valorizam mais a doença que outras. Por outro lado, existe a cultura da nossa casa, o meio no qual fomos criados. Entre pessoas posi- tivas, otimistas, ou entre pessoas pessimistas?, que ao primeiro sintoma já pensam em algo grave, ou que tomam remédio por qualquer coisa. A maioria de nós tem alguém assim na família, não é mesmo? Ademais, naturalmente, a nossa estrutura psí- quica tem grande importância. E aqui entramos propriamente nos tipos de rea- ções emocionais ante o adoecimento. Falamos em Reações Vivenciais Normais e Rea- ções Vivenciais Anormais. Segundo Schneider, “Uma reação vivencial é a resposta emocional, motivada por um sentido, a uma vivência. Tristeza com, arrependimento por, medo de...” As reações vivenciais anormais distinguem-se das normais sobretudo devido à sua intensidade (bem maior), desproporção ou duração. Assim, podemos imaginar uma escala entre as Reações normais e as anormais, com uma zona de transição entre umas e outras difícil de delimitar. Ademais, esta avaliação também depende de quem observa: por exemplo, para algumas pessoas é difícil entender como outras vivem verdadeiro luto pela perda de seu bichinho de estimação. Para as que têm relações parecidas com os animais isso seria muito natural. Assim, por exemplo, podemos reagir de maneira ansiosa, de maneira depressiva, reagir com medo, com raiva, etc. Podemos ainda reagir com negação – meca- nismo muito comum entre alcoolistas, por exem- plo, que passam a vida dizendo que, quando CURSO SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2 13 quiserem, param, mas isso nunca vem, a des- peito dos inúmeros prejuízos: físicos, financeiros sociofamiliares etc. Podemos reagir de maneira explosiva etc. Quanto aos modos de reagir a uma doença grave, são clássicos, por exemplo, os estudos de dra. Elizabeth Kluber Ross, sobre as reações dos pacientes ao diagnóstico. Assim, ela descreveu cinco tipos (na verdade, fases) após receberem o diagnóstico: em um primeiro momento, a nega- ção (a pessoa continua agindo como se não estivesse doente); passado um tempo, em que já não é mais possível negar, a raiva (“Por que comigo?”, às vezes mesclado com sentimentos de inveja – de quem está saudável), em seguida, a barganha (tentativa de ganhar tempo), seguida pela depressão, e, finalmente, a aceitação. Seja qual for o tipo e a gravidade da doença, importante é, sempre, estarmos atentos ao nosso modo de reagir, percebendo este funciona- mento e procurando entendê-lo, particularmente nas reações vivenciais anormais, por exemplo, quando de nossas respostas desproporcionais. CURSO SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2 14 Unidade IV Adoecimento psíquico secundário à doença 2 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) (Coord.). Classificação de transtorno mentais e de comportamento da CID 10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. A OMS dedica quase um capítulo inteiro, na Classificação de Transtornos Mentais e de Com- portamento (a CID 10),2 aos chamados “Transtor- nos relacionados ao estresse e somatoformes”. E assim se refere a eles: “Associação de uma substancial (embora incerta) proporção desses transtornos à causação psicológica”. A isso chamamos de Transtorno Psicogênico ou Doença Psicogênica, isto é, cuja gênese (origem) está aliada a um fator psicológico. Na unidade anterior, falamos das Reações Viven- ciais Normais e das Anormais e dos diferentes modos de reagir frente aos processos de adoe- cimento. Muitas vezes, este modo de reagir pode atingir intensidade e/ou duração tal que, para além de uma reação vivencial anormal, isto pode se transformar num Transtorno. Assim, temos, por exemplo, a Depressão Reativa: um quadro de Depressão, que se instalou após evento importante – no nosso caso aqui, uma doença – por isto, Reativa, isto é, como reação ao evento estressor, ao adoecimento (seja seu, seja de um ente querido). É fácil entender a reação a algum tipo de perda que, de modo amplo, implica uma reação de luto. Entretanto, se este quadro tiver duração ou intensidade maior, pode estar presente não mais um luto e, sim, uma depressão. Todo qua- 15 dro reativo depende muito de fatores individuais, como já vimos, e, por isso, falamos que o estres- sor deve ser importante o suficiente para aquela pessoa, naquele momento de sua vida. Entre os quadros mais comuns, estão a Reação ao Estresse Grave e o Transtorno de Ajustamento. Em face da doença, algumas reações tomam conta do indivíduo. Na Reação ao Estresse Grave, ante um fator estressor intenso – por exemplo, sentir que a doença lhe ameaça gravemente – o indivíduo reage de maneira mal adaptada. Assim, sinto- mas como ansiedade, dificuldade de concentra- ção e alteração do sono são comuns. Também sinais e sintomas físicos, como taquicardia, sudorese e rubor. Tal quadro costuma ser breve – poucos dias. Já no Transtorno de Ajustamento, os sintomas podem demorar um pouco mais a surgir e, por outro lado, tendem a permanecer por mais tempo. Às vezes podem evoluir para um quadro de Depressão Reativa. No Transtorno de Ajustamento, os sintomas são mais variados, atingindo mais esferas do psi- quismo. Assim, podem estar presentes, além do citado na condição anterior, humor deprimido, incapacidade maior para as tarefas diárias, e outros. Outra forma de adoecimento psíquico habitual em face de doenças é a chamada somatização – hoje já bem conhecida. Em uma explicação bem sumária, seria a trans- formação do sofrimento psíquico em um sintoma físico. Processos de somatização típicos (não quer dizer que sempre são somatizados): epigastralgia (dor no estômago), alguns processos respiratórios, como bronquite, por exemplo, e muitas derma- toses (doenças de pele). Esses processos, em geral, são autolimitados e não costumam ser graves. Todo quadro reativo deve cessar uma vez cessada a causa. Eventual- mente, quando o comprometimento é maior, seja pela ansiedade, seja pela redução da concentra- ção, pode ensejar rápido afastamento do traba- lho. Invariavelmente não requerem medicação. Muitas vezes, um aconselhamento psicológico ou uma psicoterapia bastam. Como dito no texto anterior, o importante é se observar, estar atento a suas reações e senti- mentos. O autoconhecimento é fundamental para uma boa saúde mental. E a psicoterapia é excelente caminho para se chegar lá. PARA SABER MAIS: Vídeos: https://www.ted.com/talks/robert_waldinger_ what_makes_a_good_life_lessons_from_the_lon- gest_study_on_happiness?language=pt-BR#t-688 https://www.youtube.com/watch?v=UwyE_XIQ7DA https://www.youtube.com/watch?v=DW8zUM3 M8z0 https://www.youtube.com/watch?v=LfmbOiPS_vc. CURSO SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2 16 https://www.youtube.com/watch?v=UwyE_XIQ7DA https://www.youtube.com/watch?v=DW8zUM3M8z0 https://www.youtube.com/watch?v=DW8zUM3M8z0 https://www.youtube.com/watch?v=LfmbOiPS_vc Referências bibliográficas DEJOURS, Christophe. Subjetividade, trabalho e ação. Production, vol. 14, n. 3, p. 27-34, 2004. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132004000300004>. HOLT-LUNSTAD, J.; SMITH, T. B. Social Relationships and Mortality. Social and Personality Psychology Compass, vol. 6, n. 1, p. 41-53, 2012. doi: 10.1111/j.1751-9004.2011.00406.x HOLT-LUNSTAD, J.; SMITH, T. B.; LAYTON, J. B. Social Relationshipsand Mortality Risk: A Meta-analytic Review. PLoS Medicine, vol. 7, n. 7, 2010. e1000316. doi:10.1371/journal.pmed.1000316 SOARES, C.; SABOIA, A. L. Tempo, trabalho e afazeres domésticos: um estudo com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001 e 2005. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <encurtador.com.br/ilpE3>. CURSO SAÚDE MENTAL E TRABALHO NO PODER JUDICIÁRIO ADOECIMENTO E SOFRIMENTO MENTAL Módulo 2 17 https://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132004000300004 http://encurtador.com.br/ilpE3 Objetivos de aprendizagem Apresentação Unidade I O processo do adoecer Unidade II Conceitos de normalidade e patologia na saúde mental Unidade III Principais transtornos e reações emocionais frente aos processos de adoecimento Unidade IV Adoecimento psíquico secundário à doença Referências bibliográficas