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O EFEITO DA DEMOCRACIA PARA A APROXIMAÇÃO ENTRE BRASIL E ARGENTINA NA DÉCADA DE 1980

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O EFEITO DA DEMOCRACIA PARA A APROXIMAÇÃO ENTRE BRASIL E 
ARGENTINA NA DÉCADA DE 1980 
 
GABRIELLA LENZA CREMA1 
 
RESUMO 
 
Objetivou-se neste trabalho averiguar se o estabelecimento da democracia na Argentina e no 
Brasil, nos anos 1980, influenciou a harmonização de suas relações, caracterizadas por grande 
tensão durante seusregimes militares.Para isto, foram feitas reflexões em torno da teoria da 
paz democrática, a qual se baseia na ideia de que democracias não entram em guerra entre si. 
Deste modo, realizou-seum exame da adequação das variáveis-chave de tal teoria, quais 
sejam: os constrangimentos institucionais, as normas democráticas e as percepções mútuas, ao 
caso considerado. Assim, verificou-se que embora a democracia tenha exercido influência, 
outros fatores devem ser considerados quando se trata da reaproximação entre os vizinhos sul-
americanos. 
Palavras-Chave:Brasil, Argentina, paz democrática. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa 
Catarina. 
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1. INTRODUÇÃO 
Desde suas independências, como destaca Candeas (2010), Brasil e Argentina tiveram 
um relacionamento que se alternou entre hostilidade e aproximação, mediante seus interesses 
internacionais e regionais particulares. No entanto para Klaveren (1990), os momentos de 
tensão excederam aqueles em que a coordenação era viabilizada, ainda que, assim como os 
períodos de coordenação sempre enfrentaram obstáculos frente a receios mútuos, as crises 
entre os dois países tradicionalmente estiveram circundadas a limites. 
Entretanto, de acordo com Bandeira (2010), na década de 1970, e em especial, durante os 
governos seus governos ditatoriais, a rivalidade geopolítica entre as duas nações adquire uma 
força maior, tanto pelas contendas em torno da Bacia do Prata, como por disparidades de 
prosperidade econômica que os atingia, de forma que, como indicado por Viola (2008), a 
hipótese de um conflito armado se torna real. 
Já no fim da década de 1970, iniciativasvisando a criação de relações mais prósperas são 
consolidadas, como a assinatura do Acordo Tripartide(1979) e diversos acordos bilaterais de 
cooperação foram inaugurados por ocasião da visita do presidente brasileiro Figueiredo 
(1979-1985) a Buenos Aires em 1980 (GIARDINI, 2006). 
Porém, é só em 1985, quando a democracia é instaurada no Brasil, tendo ocorrido o 
mesmo 2 anos antes na Argentina, com a eleição de RaúlAlfonsin (1983-1989), que as 
rivalidades são sucumbidas. Afinal, os dois Estados assinam, naquele ano, a Declaração de 
Iguaçu e estabelecem compromissos de cooperação nuclear pacífica, atitudes que sinalizavam 
como a associação entre eles seria atributo essencial de seus interesses nacionais (CANDEAS, 
2010). 
Diante disso, este trabalho fará uso da teoria paz democrática, a qual, como mostrado por 
Layne (1994), afirma que democracias não vão à guerra umas com as outras devido à 
existência de constrangimentos institucionais e normas e culturas democráticas, mas 
principalmente pelo que Owen (1994) caracterizou sobre a percepção mútua entre dois países 
como democracias liberais. Portanto, à luz das fundamentações sobre a paz democrática, a 
pesquisa objetiva identificar se a consolidação da democracia no Brasil e na Argentina 
contribuiu para frear a escalada de tensões existentese construção de relações prósperas. 
Neste sentido, partindo da hipótese de que democracia foi um dos elementos 
determinantes da consolidação de relações mais pacíficas entre os dois países sul-americanos, 
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o trabalho, que se apoia em revisão bibliográfica, foi dividido em três seções. Na primeira, há 
uma exposição das origens e dasprincipais premissas da teoria da paz democrática, além de 
algumas críticas que a ela foram direcionadas. Na segunda, foi feito um exame das iniciativas 
e marcos da relação bilateral entre a década de 1970 - momento de acirramento das tensões 
entre eles - até a conformação do Mercosul na década de 1990. Já a última seção foi destinada 
a delinear de que modos a democracia teve impacto sobre a harmonização das relações entre 
Brasil e Argentina e, assim, testar a adequação das proposições da teoria da paz democrática 
ao caso em questão. 
2. A Teoria da Paz Democrática: origens, premissas e críticas 
 
 A teoria liberal das Relações Internacionais se apoia na concepção de que as relações 
entre o Estado e a sociedade doméstica e transnacional, reverberam no comportamento estatal. 
Afinal, impactam em suas preferências, as quais são consideradas nos cálculos estratégicos 
governamentais (MORAVISCK, 1997). 
 Moravisck (1997) elencou três variantes desta teoria: o liberalismo ideológico, o 
liberalismo comercial e o liberalismo republicano. Respectivamente, os dois primeiros tratam 
de demandas relacionadas à aspectos de identidade e de interesses econômicos, enquanto o 
terceiro se refere ao modo como tais demandas são impressas nas políticas estatais por meio 
das instituições e práticas domésticas. Assim sendo, a variável chave dessa vertente é a 
natureza da representação política doméstica (MORAVISCK, 1997). 
 Neste sentido, considerando a existência de uma representação interna justa com a 
população votante, o liberalismo republicano é capaz de elucidar panoramas como a paz 
democrática. Isto porque uma guerra de larga escala provoca custos rigorosos na sociedade 
doméstica, assim, o governo que a representa evitará guerras (MORAVISCK, 1997). 
 A origem da teoria da paz democrática, baseada na ideia de que democracias não vão à 
guerra entre si, remonta a obra de Kant (1976), que defende a consolidação de uma paz 
perpétua mediante a aquiescência de três artigos definitivos. O primeiro propõe uma 
constituição republicana aos Estados, através de uma economia orientada para o mercado e 
pela propriedade privada no âmbito privado e uma liberdade jurídica sustentada por um 
governo com separação de poderes no âmbito público (KANT, 1970 apud DOYLE, 1986). 
 Essa liberdade jurídica estaria embebida em uma representação política doméstica que 
assegura o respeito aos direitos individuais e que os cidadãos exerçam certo controle sobre as 
leis formuladas. Assim, a decisão de ir à guerra em um Estado Republicanodependeria do 
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consentimento popular, o qual é difícil de ser alcançado, pois um conflito provoca custos às 
vidas e propriedades da população.Já em um regime não-republicano, no qualos indivíduos 
não influenciam as leis, as guerras podem ser travadas pelos interesses agressivos dos líderes 
(KANT, 1970 apud DOYLE, 1986). 
 O Segundo Artigo se relaciona à construção de uma federação pacífica através do 
aumento gradativo de nações republicanas, que, conscientes do compromisso que cada uma 
possui com instituições e normas, trataria de seus desentendimentos pelo respeito mútuo 
(KANT, 1970 apud DOYLE, 1986). 
 Já o Terceiro Artigo refere-se ao estabelecimento de um Direito Cosmopolita 
garantidor de hospitalidade para estrangeiros em territórios alheios, que cria um ambiente 
factível para que o comércio se espalhe entre as nações. Assim, é desencadeada uma 
interdependência econômica que auxilia a consolidação de acomodação mútua, de forma que 
a paz seja objetivada de modo geral entre os Estados (ibid.) 
 Para Doyle (1986), A Paz Perpétua de Kant elucida os legados do liberalismo 
moderno, ou seja, a construção de uma paz entre Estados liberais desde o século XVIII e a 
existência de guerras entre regimes liberais e não-liberais. No entanto, como afirma Russett 
(1993), à época de Kant poucas evidências empíricas corroboravam a existência de um mundo 
de nações democráticas, na realidade, tratava-se mais de uma expectativa. 
 Porém, ao final do século XIX, diversos casos de democracias que estiveram à beira 
de um conflito e evitaram a guerra motivaram o desenvolvimentodo argumento central da 
teoria da paz democrática. Entretanto, no século XX, com o fracasso da Liga das Nações em 
evitar a Segunda Guerra Mundial, o idealismo wilsoniano, que dava vazão à Liga e era 
permeado pela ideia de que democracias eram fundamentadas na opinião pública, e portanto, 
contrárias à guerra, foi descreditado (RUSSETT, 1993). 
 Sequencialmente, a teoria da paz democrática também perdeu força pela existência de 
poucas democracias no mundo, tendo recebido pouca atenção durante a Guerra Fria. Este 
quadro muda nos anos 1970, pois a quantidade de democracias na comunidade internacional 
se eleva e a paz democrática atinge áreas para além do Atlântico Norte e de nações 
industrializadas (RUSSETT, 1993). Isso permite uma assimilação gradativa da teoria por 
acadêmicos das Relações Internacionais na década de 1980, principalmente após as obras de 
Rummel (1983) e Doyle (1983; 1986), que tinham enfoque na conexão entre guerras e 
arranjos políticos domésticos (ELMAN, 2001). 
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 Em essência, a teoria da paz democrática foi sendo consolidada mediante a ideia de 
que democracias nunca guerreiam entre si, e que em circunstâncias conflituosas com outras 
democracias, optam por não utilizar a violência devido à natureza do regime político 
democrático (LAYNE, 1994). 
 Dixon (1994) aponta que as democracias, ao contrário de outros regimes, contam com 
instrumentos que lhes equipam adequadamente para a resolução de disputas em seu estágio 
inicial. Em contrapartida, a teoria liberal pressupõe que nações democráticas podem fazer uso 
da guerracomo resposta a ameaças de Estados fracos e de países periféricos despojados dos 
requisitos para comércio elucro (MORAVISCK, 1998). Também, de acordo com Russet 
(1993), o relacionamento pacífico que se vê entre duas democracias não é esperado para uma 
democracia e uma autocracia.Argumentos como estes foram produzidos a partir de um longo 
empenho da literatura em explanar os mecanismos causais imbuídos na lógica de que 
democracias não vão à guerra entre si (DIXON, 1994). 
 De acordo com os diferentes mecanismosapurados, a teoria da paz democrática foi 
dividida entre normativa e estrutural. A primeira se refere ao fato de que democracias 
compartilham valores e ideias, assim, respeito à liberdade individual, compromisso e 
cooperação fazem com que estes regimes julguem ser injusto e imprudente uma guerra entre 
eles. Já a vertente estrutural trata dos constrangimentos institucionais típicos do sistema 
político democrático(MESQUITAet al., 1999; OWEN, 1994). 
 Para a vertente normativa, as democracias reproduzem no ambiente externo suas 
práticas internas, em particular, a disputa política. Tal disputa implica o compromisso e o 
respeito, e não a subjugação dos partidos perdedores. Externalizando esses métodos, as 
democracias, que passam a ter uma percepção mútua positiva entre si de que buscarão 
resultados como negociação e status quo, resolverão suas controvérsias por normas e 
compromissos (MAOZ et al., 1993; LAYNE, 2994). 
Porém, diante de um confronto com autocracias, nas quais a contestação pelo poder 
pode se dar pela violência, as democracias necessitam se adaptar ao padrão de comportamento 
deste Estado não-democráticopara evitar serem subjugadas, e tendo em vista que estas nações 
não compartilham seus valores e normas, as democracias aceitama instância do conflito 
violento(MAOZet al.,1993; MESQUITAet al., 1999). 
Por sua vez, a vertente estrutural traz a questão dos checksand balances da política 
doméstica mediante três elementos dos regimes democráticos: competição política, 
pluralismo da tomada de decisão da política externa e um Executivo que se reporta a um 
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corpo de seleção (LAYNE, 1994). Por esses elementos, a opinião pública, o Poder 
Legislativo, as burocracias políticas e grupos de interesse influenciam a ação internacional, o 
que torna difícil a decisão de ir à guerra (MAOZ et al., 1993). 
Tal dinâmica não ocorre em Estados autoritários, pois neles não há necessidade de se 
manter uma base de apoio, o que leva a ações individuais por parte dos líderes. Assim, diante 
de uma contenda com um regime não democrático, a resolução das hostilidades não é 
conduzida por constrangimentos estruturais, portanto, governantes democráticos são levados a 
desviar do padrão político interno e ingressar o conflito, sendo até mesmo forçados pelo país 
em disputa a angariar respaldo popular para a guerra (MAOZ et al., 1993). 
Owen (1994) aponta que ambas as vertentes são problemáticas, pois estruturas 
democráticas podiam ser propensas à guerra e, em termos normativos, não foi concebido que 
Estados tidos na academia como democráticos podem não ter sido assim considerados por 
outras democracias. 
Nesse sentido, para Owen (1994), ideias liberais, ou seja, que os indivíduos são iguais 
e visam a autopreservação, o bem-estar material e a liberdade, seriam o mecanismo para que 
as democracias evitassem guerra entre si. Porém, para ele, isto só ocorreriacaso uma nação 
democrática liberal percebesse outro país como também democrático liberal, pois, por serem 
conduzidos pelas aspirações de seus cidadãos, são considerados razoáveis, previsíveis e 
confiáveis. 
Owen (1994) afirma que Estados não-liberais, por sua vez, são percebidos como 
imprevisíveis e perigosos, já que possuem fins que não são as demandas de seus cidadãos, o 
que abriria espaço para que democracias liberais entrassem em conflito com outros regimes. 
Ademais, Owen (1994) acrescenta que percepções dos democratas liberais quanto à 
outras nações não se modificarão em meio a crises entre eles, e que, a partir do momento em 
que uma democracia liberal percebe que um Estado está se consolidando como democrático 
liberal, a confiança entre eles se elevará e relações mais pacíficas serão possíveis. Além disso, 
elites liberais destes Estados tendem a buscar apoio popular contra a entrada em guerras, 
apoio este que pode servir também como pressão contra a conduta não-pacífica de líderes não 
liberais. 
Assim como Owen (1994) ofereceu novos entendimentos para compreensão da paz 
democrática, Mesquitaet al. (1999, p. 1) apontam que, à medida que os estudos acadêmicos 
foram sendo destinados a testar empiricamente as premissas desta teoria, novas informações 
foram sendo adicionadas ao argumento de que democracias não se enfrentam. São os casos 
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das seguintes ideias: democracias iniciam mais guerras contra autocracias do que o contrário e 
tendem a ganhar as guerras nas quais se engajam e pagar menos custos por elas; igualmente, 
democracias em transição são menos estáveis do que as consolidadas e grandes democracias 
são menos propensas à guerra que democracias menores. 
Embora a teoria da paz democrática tenha se tornado mais complexa e, portanto, 
apresente certo progresso, críticas lhe foram direcionadas. Spiro (1994) pontuou que os 
defensores desta teoria teriam ignorado que não-democracias enfrentam pressões 
governamentais e que as democracias contam com certo grau de autonomia, o que esbarraria 
no argumento de que constrangimentos políticos democráticos evitam guerras entre 
democracias; além disso, tais regimes possuem líderes capazes de angariar apoio popular 
frente a guerras que almejam ingressar. 
Já Layne (1994), argumentou que a teoria da paz democrática priorizou instituições 
domésticas em detrimento de constrangimentos externos. Para ele,sob uma perspectiva 
realista, o sistema internacional influencia o comportamento estatal e seu sistema político, 
assim, em um ambiente de ameaças, um Estado tende a ser menos democrático, já que se 
engaja mais em guerras em prol de sua segurança nacional, caso não considerado pelos 
teóricos da paz democrática. Similarmente, o autor pontuou que muitas vezes a opinião 
pública não influencia a decisão sobre a guerra ou que também pode ser a favor. 
Diante de tais críticas, é notável que contribuições baseadas emestudos empíricos 
testando a teoria em questão são bem-vindas como forma de expor sua validade prática. É 
neste sentido que as próximas seções serão estruturas para o caso da aproximação Brasil-
Argentina. 
3. A construção de um relacionamento mais próspero entre Brasil e Argentina 
 
Em 1973, Brasil e Paraguai assinaram o Tratado de Aproveitamento Hidrelétrico do Rio 
Paraná visando a construção da Hidrelétrica de Itaipu. Diante disso, a Argentina se 
opôsargumentando que, ao modificar o curso do rio, seus projetos, como a Hidrelétrica de 
Corpus, seriam prejudicados e temia-se que Itaipu pudesse provocar uma assimetria de poder 
econômico e geoestratégico a favor do Brasil na Bacia do Prata (CANDEAS, 2010; 
GARDINI, 2006) 
Em 1976 um golpe militar torna Rafael Videla (1976-1981) chefe de governo 
argentino.Naquele momento o Brasil também contava com um militar no poder, Ernesto 
Geisel (1974-1979). Trata-se de um período permeado por tensões significativas entre os dois 
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países (BANDEIRA, 2003). Afinal, a Argentina paralisou as usinas de São Pedro e Roncador 
alegando que forneciam maiores vantagens ao Brasil, questionou a validade do Tratado de 
Paz, Amizade, Comércio e Navegação (1856), o que indispôs o Brasil, já que a navegação 
pelo Rio da Prata era relevante para si. Ademais, uma certa preponderância regional brasileira 
diante de seu milagre econômico, que divergia da instabilidade política e econômica 
argentina, fomentava rivalidades e desconfianças (BANDEIRA, 2003; CANDEAS, 2010). 
Além disso, reconhecendo que havia uma assimetria de poder entre Brasil e Argentina, o 
chanceler de Geisel, Azeredo da Silveira, via a possibilidade de que aspirações regionais do 
país se realizassem. Assim, buscou impedir que o vizinho continuasse como parceiro central 
de Bolívia, Colômbia e Paraguai, promovendo a revisão de acordos que consideravam 
injustos, oferta de crédito e cooperação tecnológica com estes países, o que foi visto 
negativamente pela Argentina (SPEKTOR, 2002). 
Da mesma forma, embora tenha havido tentativas de negociação, o diálogo entre os dois 
países não foi retomado. O Brasil rejeitou a proposta argentina de conformação de uma 
Comissão Tripartite com o Paraguai acerca de Itaipu e Corpus e não se posicionou sobre a 
proposta de reunião bilateral para tratar destas questões, tendo ressaltado que demandava de 
imediato um parecer argentino sobre a navegação na Bacia do Prata. A hostilidade alcançou 
seu nível mais alto quando a Argentina interditou o túnel Cuevas-Carcoles, no qual 
transitavam mercadorias brasileiras ao Chile, o que teve como retaliação o bloqueio brasileiro 
de suas fronteiras para grande parte da frota de caminhões argentina (BANDEIRA, 2003). 
Entretanto, haviam outras controvérsias a serem solucionadas. Internacionalmente, os 
EUA e a União Europeia empregavam um protecionismo que exigia a diversificação de 
mercados por parte de Brasil e Argentina. Os EUA também paravam de auxiliar regimes 
ditatoriais e usavam uma retórica de direitos humanos e democracia, bem como de não-
proliferação, criticando assim os programas nucleares de ambos os países, o que se tornou um 
fator de união entre eles. Igualmente, o Brasil demandava melhor abastecimento energético, 
principalmente frente à crise do petróleo em 1974; assim, uma negociação para energia 
hidrelétrica com a Argentina seria imprescindível (GARDINI, 2006). 
Regionalmente, em 1978,a Argentina se encontrava em uma disputa com o Chile sobre a 
posse de três ilhas que davam acesso aos Oceanos Atlântico e Pacífico, as quais por 
arbitragem britânica, foram concedidas ao Chile. Diante disso, era imprescindível que se 
apaziguassem os embaraços com o Brasil para que ela não fosse submetida a dois fronts de 
disputas. Por outro lado, a política de apoio paraguaio, que variava entre Brasil e Argentina, 
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relativa à problemática de Itaipu, ascendia um anseio brasileiro em resolver o impasse com 
Buenos Aires (GARDINI, 2006). 
Portanto, os militares argentinos empenharam-se em dissolver os dilemas que permeavam 
as relações bilaterais e Azeredo da Silveira tomou uma postura conciliatória, resultando no 
reconhecimento argentino de que a construção de Corpus não era prioridade, e sim 
tecnicamente e economicamente inviável (GARDINI, 2006). Assim, em 1979, é assinado o 
Tratado Tripartite entre os dois países e o Paraguai, que estabelecia os termos consensuais 
sobre a construção de Itaipu, e inaugurava uma fase de acomodação entre os tradicionais 
rivais sul-americanos (CANDEAS, 2010). 
Em 1980, o presidente João Figueiredo visita a Argentina, firmando o Acordo de 
Cooperação para o Desenvolvimento e Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear. 
Três outras visitas entre ele e Videla são registradas no período, todas elas em torno da 
cooperação no campo nuclear e tecnológico, do aproveitamento dos recursos hídricos dos rios 
compartilhados entre os países, da interconexão de seus sistemas elétricos, da criação de 
comissões para tratamento de assuntos bilaterais, da articulação de uma ponte no Rio Iguaçu e 
de questões de tributação e evasão fiscais (ESPOSITO NETO, 2013). 
Este novo espírito positivo permeando o relacionamento bilateral foi visto até mesmo no 
contexto da Guerra das Malvinas. Como forma de reduzir a importância do Canal Beagle e 
atenuar pressões internas que colocavam em risco a estabilidade das Forças Armadas no 
poder argentino, a Argentina reivindica as Ilhas Malvinas por meio de uma invasão, o que é 
repreendido pela Grã-Bretanha em guerra. O Brasil, ainda que adotando uma retórica de 
neutralidade, defendeu o direito argentino sobre as ilhas, forneceu apoio material e 
diplomático e viabilizou o escoamento em seus portos de mercadorias do vizinho diante do 
embargo comercial por ele sofrido, promovido por Inglaterra e EUA (BANDEIRA, 2003; 
CANDEAS, 2010). 
Com a derrota argentina na guerra, e as pressões que já vinha sofrendo pela calamidade 
econômica do país e pelas atrocidades de seu programa anti-subsversão, a Junta Militar 
Argentina sai do poder em 1983, quando Raul Alfonsín é eleito democraticamente. Já o 
Brasil, nesse período, passava por um processo de redemocratização que culminou na 
negociação de Tancredo Neves para a presidência, a qual foi de fato ocupada por seu vice, 
José Sarney, em virtude do falecimento de Neves (BANDEIRA, 2003). 
Os dois presidentesse depararam com situações econômicase políticas problemáticas. O 
Brasil enfrentava crise econômica e dívida externa e a Argentina vivia os resultados da 
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desastrosa condução econômica ditatorial e do isolamento internacional engendrado pela 
guerra. Diante disso, novos anseios permearam o relacionamento entre os dois, quais sejam: 
robustecer a democracia, angariar autonomia frente aos EUA, e articular uma agenda política 
e econômica comum(ESPOSITO NETO, 2013).Frente a estes anseios, as relações entre os 
dois Estados passa a se dar através da formulação de acordos para a integração bilateral. 
Assim, por iniciativa argentina, os dois chefes de Estado decidiram dar início à integração 
econômica entre os países. Em 1985, Sarney e Alfonsín reúnem-se em Foz do Iguaçu, 
assinando a Declaração de Iguaçu, quetratava da cooperação cientifica e tecnológica dos dois 
países, do fortalecimento de suas capacidades negociadorase da busca por gradual 
desenvolvimento econômico como forma de sanar suas baixas disponibilidades de insumos e 
bens de capital (BUENOet al., 2014; CANDEAS, 2010). 
Noano seguinte, visitas entre Alfonsín e Sarney ocorreram buscandointegrar seus 
Estados,tendo em vista seus interesses nacionais, o aumento do comércio bilateral e o 
fortalecimento da democracia(HIRST, 1988). Nesse sentido, foi assinado, naquele ano, a Ata 
para Integração Brasil-Argentinae protocolos relacionados à integração e a setores produtivos 
específicos, o que culminou na articulação do Programa de Integração e CooperaçãoEconômica Brasil-Argentina, designado para estimular o desenvolvimento econômico e a 
inserção internacional das duas nações (VARGAS, 1997). 
Já em 1988, com o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, a integração 
bilateral é avançada, pois determinava o compromisso de seus países com a harmonização de 
suas políticas e a criação de uma zona econômica comum, no prazo de 10 anos, através da 
gradual eliminação de barreiras ao comércio (BANDEIRA, 2003). 
Todas essas iniciativas foram concebidas em direção ao desenvolvimento e ao fomento da 
capacidade competitiva de seus países. Porém, em 1989, os presidentes que sucederam 
Alfonsín e Collor na Argentina e no Brasil – Carlos Menem (1989-1999) e Fernando Collor 
(1990-1992), respectivamente -, administram seus países dentro da lógica neoliberal que 
permeava o meio internacional. Com efeito, o relacionamento bilateral foi reordenado a partir 
da dimensão da abertura dos mercados (ESPOSITO NETO, 2010; VIGEVANIet al., 2009). 
Dentro dessa nova orientação, em 1990, Menem e Collor assinam a Ata de Buenos Aires, 
que reduzia em cinco anos o prazo para a construção de uma área econômica comum. No ano 
posterior, firmam o Tratado de Assunção, determinando as bases para o Mercosul, que tem 
sua estrutura institucional estabelecida no Protocolo de Ouro Preto,em 1994, no qualse inicia 
a fase de União Aduaneira do bloco(CANDEAS, 2010). 
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Da mesma forma, deram vazão à edificação da confiança no âmbito nuclear entre 
Argentina e Brasil, tendo sido assinados a Declaração sobre Política Nuclear Comum, o 
Acordo Bilateral para Usos Exclusivamente Pacíficos da Energia Nuclear, o Acordo 
Quadripartitee o Acordo para a Proibição Completa das Armas Químicas e Bacteriológicas 
(CANDEAS, 2010; VARGAS, 1997). 
Posteriormente os dois países seguiram, em maior ou menor medida, um caminho de 
coordenação mútua, o qual tem suas bases quando ambos se democratizavam. Assim, a 
próxima seção tratará de investigar o papel da democracia dentro dessa aproximação. 
4. A democracia na aproximação brasileira e argentina 
 
No campo da segurança internacional, analistas afirmaram que a rivalidade geopolítica 
entre Brasil e Argentina, na década de 1970, era similar à existenteentre Índia e Paquistão, de 
modo que a possibilidade de guerra era real (VIOLA, 2006, p. 19). Isto demonstra a 
dimensão da hostilidade bilateral daquele momento, o qual se deu precisamente durante os 
governos ditatoriais. 
Entretanto essa realidade vai se dissipando conforme a democracia vai sendo consolidada 
nestes países e a cooperação entre os dois vai ganhando força. Assim, a democracia parece 
ter exercido um papel importante. 
Dante Caputo, Ministro das Relações Exteriores de Alfonsín afirmou que a existência da 
democracia no Cone Sul elencava oportunidades para o processo de integração, o qual foi 
originado pela aproximação entre Brasil e Argentina (GARDINI, 2005). Sob o signo da paz 
democrática, essas oportunidades podem ser expressadas quando se considera que, como 
defendido por Owen (1994), as democracias partilham dos mesmos fins; isto é, as aspirações 
de seus cidadãos, e assim, são vistas como previsíveis e razoáveis, dignas de confiança, 
elemento que catalisa a queda de hostilidades e a cooperação. 
Gardini (2005) destaca que, embora passos iniciais para a coordenação bilateral tenham 
sido dados quando o Brasil ainda era autoritário e a Argentina democrática, tratava-se de um 
momento em que o Itamaraty não poderia engendrar grandes compromissos. Assim, com a 
chegada da democracia no Brasil, a cooperação se torna um produto dos valores e aspirações 
políticas e econômicas comuns, ganhando uma velocidade quantitativa e qualitativa. 
Diante disso, à luz da teoria da paz democrática, seria possível mensurar que a resolução 
de controvérsias e cooperaçãoevoluiu, já que, como afirma Maozet al. (1993), sobre a vertente 
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normativa da paz democrática, as democracias partilham valores e normas, e externalizam sua 
disputa política interna que ocorre pacificamente. Assim, há uma identificação mútua e 
possibilidade de confiança que a conduta alheia será em termos pacíficos, impedindo a 
ocorrência de guerras entre elas, o que, portanto, teria contribuído para que as tensões não se 
alavancassem entre os dois países sul-americanos. 
Entretanto, como Whitescarver (1994) afirma, quando se parte da ideia que democracia é 
o regime que conta com liberdade de expressão, habilidade de imprimir preferências no 
âmbito político, proteção de direitos individuais e disputa política livre e não violenta, a 
aproximação bilateral teria ocorrido em um momento em que a democracia liberal não havia 
sido consolidada plenamente em ambos os países. 
Isto significa que as normas e constrangimentos institucionais democráticos ainda não 
haviam sido totalmente consolidaos quando as iniciativas de coordenação foram lançadas, 
afinal, tais elementos levam tempo para se institucionalizar. Portanto é controverso assumir 
que a mudança de regime foi basilar para a conciliação bilateral (REMMER, 1998). 
Por outro lado, Camargo (1989) pontua que cooperação bilateral provavelmente não seria 
viabilizada durante um governo ditatorial, pois em tais regimes o sigilo e o arbítrio são 
arraigados ao funcionamento da política.Fonseca Jr. (1994/95) admite que os sistemas 
políticos de Brasil e da Argentina foram acometidos por maior permeabilidade de opiniões a 
partir da instalação dos novos regimes e maior transparência sobre as relações exteriores e 
ações governamentais gerais destes países passou a ser demandada. 
Nesta perspectiva, como argumentam Maozet al. (1993), de acordo com a vertente 
estrutural da teoria da paz democrática, a participação de burocracias políticas, do Legislativo 
e da opinião pública na condução da orientação externa, características da democracia, 
complexificam a decisão de ir à guerra. Deste modo, dado que uma atividade maior dos 
diversos setores das sociedades brasileira e argentina foi observada na tomada de decisão 
política, avançar em um confronto entre os dois países, possivelmente, teria sido difícil. 
Contudo,como argumenta Santos (1997), embora o poder de agenda presidencial 
argentino seja reduzido devido à organização interna de seu Poder Legislativo, que lhe 
garante maior autonomia, no Brasil, o processo legislativo se inclina em vantagem do poder 
concentrado pelo Executivo. Diante disso, é discutível a relevância que outros atores, como o 
Legislativo, pode ter tido no apaziguamento das hostilidades bilaterais e, assim, questionável 
a forma como a paz democrática é pertinente ao caso em estudo. 
13 
 
Nesse sentido,embora haja uma certa autonomia do Legislativo no sistema político 
argentino, Whitescarver (1994) destaca que o governo Menem manipulou a Constituição e 
realizou trâmites nas diretrizes do Poder Judiciário que permitiram sua reeleição, e ignorou o 
Legislativo para fazer valer muitas de suas iniciativas, de modo que a participação de atores 
externos na condução da política local é incerta. 
Outrossim,ainda que a transição argentina à democracia tenha sido curta e, portanto, não 
foi possível a articulação da função que as Forças Militares exerceriam no novo regime, tendo 
ficado à parte da tomada de decisões da política externa, no Brasil, o longo processo de 
democratização possibilitou que os militares mantivessem papéis estratégicos no 
funcionamento estatal e sua possibilidade de veto (RIVERA, 2004). 
Isto indica que, para além do fato de que as bases para a aproximação bilateral foram 
assentadas quando ambos países ainda eram ditatoriais e no período de assimetria de regime, 
as novas relações, no contexto democrático, foram delineadas à sombra de perspectivas ainda 
autoritárias. E como assinalado por Owen (1994) regimes autoritários compartilham fins 
egoístas, de modo que um entendimento não poderia ter sido viabilizado nesteperíodo. 
Owen (1994) também trouxe as percepções como meio de responder às críticas que a 
teoria da paz democrática sofria e sanar problemas das duas vertentes da teoria. Assim, como 
foi listado até agora, adversidades de aplicação do caso em análise dentro de tais vertentes, as 
percepções - elemento determinante para a paz democrática-, aparentemente contribuiriam 
para a alegação de que a democracia foi decisiva na harmonização das relações Brasil-
Argentina. 
Afinal, em inúmeros discursos Sarney destacou o fato de que Alfonsín era o “patrono” 
(REBOSSIO, 2009) da democracia argentina e, como afirmado por Klaveren (1990), ambos 
enxergavam a cooperação bilateral como forma de fortalecer o processo de democratização de 
seus países. Portanto, percebiam-se como democracias liberais. Deste modo, é de se esperar 
que consideravam uma previsibilidade no comportamento alheio, e assim, poderiam confiar 
um no outro, fatores apontados por Owen (1994) na discussão do comportamento pacífico 
entre democracias. 
Por outro lado, Owen (1994) também defende que democracias liberais percebem regimes 
autoritários como imprevisíveis e potencialmente perigosos. Deste modo, seria plausível 
considerar que no momento de assimetria dos regimes, a Argentina perceberia o Brasil nestes 
termos e o diálogo pacífico não seria estabelecido. 
14 
 
 Entretanto, Gardini (2005) demonstra que a cooperação com o Brasil foi um dos pontos 
centrais da diplomacia argentina desde o primeiro momento que Alfonsín tomou o poder, 
tendo até criado um grupo de trabalho encarregado de encaminhar as relações com o vizinho e 
relançado o Comitê Especial Brasil-Argentina. Neste sentido, ainda que o governo brasileiro 
fosse conduzido pelo autoritarismo, a Argentina democrática não se guiou pelo entendimento 
de que o Brasil, por ser autoritário, era irracional, e portanto, representava uma ameaça, o que 
também deixa duvidosa a teoria da paz democrática como adequada para elucidar a 
aproximação bilateral. 
Ademais, um dos argumentos modernos da paz democrática é de que democracias ainda 
não consolidadas tendem a ter um comportamento agressivo (MANSFIELD et al., 1995), 
entretanto, Gardini (2005) mostra que Brasil e Argentina tiveram uma conduta coordenada e 
pacífica, embora estivessem ainda solidificando suas estruturas democráticas. Nesta lógica, 
Hurrell (1998) afirma que, ao contrário dessa premissa da paz democrática, a consolidação da 
democracia permitiu o entendimento dos dois países, e não o regime democrático, sendo que 
os valores e ambições compartilhados resultavam não do novo regime, mas do temor sobre 
sua vulnerabilidade. 
Não obstante, ainda que valores e transparência política, característicos da democracia, 
possam indicar possibilidades de desempenho pacífico, a formulação de políticas vai além do 
regime em exercício, isto é, contempla elementos que variam conforme a conjuntura do 
período, como coalizões governamentais, capacidades socioeconômicas, interações com a 
comunidade internacional e procedimentos de tomada de decisão (GARDINI, 2005; 
REMMER, 1998). 
Elementos neste sentido foram listados na seção anteriorpara o caso em estudo, no qual se 
observa que questões internacionais e regionais confluíram para a cooperação entre Brasil e 
Argentina. Além destes, a despeito do caráter dos regimes, a renovada natureza do 
relacionamento bilateral ganhou grande fôlego com a vontade política pessoal de Sarney e 
Alfonsín(GARDINI, 2005). 
Porém, ainda que pressupostos essenciais da teoria da paz democrática não expliquem 
amplamente as razões pelas quais a tensão entre Brasil e Argentina foi diluída e transformada 
em cooperação, a democracia, de fato,desempenhou funções importantes na construção do 
relacionamento positivo entre os dois países. 
Afinal, diante da vulnerabilidade dos novos regimes, era imprescindível pacificar o 
entorno regional para impedir que nacionalistas ganhassem espaço político. Para isso, o 
15 
 
fortalecimento da democracia seria significativo, de modo que foi então um dos fatores de 
união entre os dois países. Ademais, a democracia serviu como fator de aglutinação para 
muitas das questões envolvidas na relação dos dois países naquela conjuntura (HURRELL, 
1998; GARDINI, 2005). 
5. CONCLUSÃO 
 
 A relação entre Brasil e Argentina atingiu um patamar de tensão significativo quando 
ambos eram governados por ditaduras. Como mostra Bandeira (2010), havia, naquele 
momento, um descompasso entre as economias dos dois a favor do Brasil, e uma aspiração 
brasileira por destaque geopolítico regional que assentava desconfianças argentinas. 
Igualmente, a dificuldade na resolução da construção da hidrelétrica de Itaipu e sobre a 
navegação no Rio da Prata provocava a indisposição brasileira em estabelecer um diálogo 
com o vizinho. 
 Este quadro é modificado na década de 1980, de modo que o relacionamento passa a 
tomar um caminho de prosperidade, conduzido pelo novo entendimento que uma cooperação 
bilateral favoreceria o interesse nacional de ambos (KLAVEREN, 2010). 
 Esta transformação se deu durante um período em que se consolidava a democracia 
nos dois países, isto é, após as eleições de Alfonsín na Argentina, a comunicação entre os dois 
se aprimorou, e com chegada de Sarney à presidência do Brasil, as negociações se firmaram 
(GARDINI, 2005). Isso indica que a democracia influenciou a construção do diálogo, afinal, à 
luz da paz democrática, como destaca Owen (1994), tais nações passaram a compartilhar os 
mesmos fins e se enxergarem como previsíveis e razoáveis. 
Entretanto, a hipótese proposta nesta pesquisa não foi plenamente confirmada. Como 
indicou Remmer (1998), as normas e constrangimentos institucionais capazes de impedir a 
evolução de um conflito entre duas democracias ainda estavam sendo conformadas durante o 
período de realização dos empreendimentos de coordenação bilateral. Outrossim, ainda que 
percebendo o Brasil como uma ditadura, no momento de assimetria de regimes, de acordo 
com Gardini (2005), a Argentina se mostrou bastante inclinada a promover relações prósperas 
com o vizinho, o que contraria o entendimento da teoria da paz democrática de que 
democracias percebem regimes autoritários como imprevisíveis e perigosos (OWEN, 1994) 
Ademais, os primeiros empreendimentos de aproximação foram dados ainda quando 
ambas as nações eram governadas pelo regime militar, com a visita de Figueiredo a Buenos 
Aires e o Tratado Tripartite. Não obstante, outros fatores estiveram presentes para que o 
16 
 
entendimento entre Brasil e Argentina fosse alavancado.Como Gardini (2005) apresentou, a 
retirada do apoio estadunidense aos regimes militares e seu protecionismo econômico, a 
necessidade de fontes energéticas, aGuerra das Malvinas e os impasses regionais 
engendravam a necessidade de que os dois países atenuassem as controvérsias. 
Ao que se desenhou, conceber a teoria da paz democrática como explicativa da 
totalidade da questão é diminuir o peso de constrangimentos externos que sofreram Brasil e 
Argentina, naquele período. Ou seja, é empregar a lógica que Layne (1994) criticou sobre essa 
teoria, a qual, para ele, atribui relevância demasiada ao ambiente interno no comportamento 
estatal e negligencia que o sistema internacional influencia o sistema político dos Estados. 
 No entanto, embora o caso em discussão demonstre a importância de se considerar a 
extensão de coeficientes que permeiam conflitos geopolíticos e a ausência destes, sem que se 
limite a análise ao tipo de regime, não se pode negar a relevância da teoria da paz 
democrática. Como Lake (2013) assinalou, ao pontuá-la como uma teoria de nível médio, o 
desenvolvimento de novas constatações desta teoria tem contribuído para a compreensão da 
política internacional, até mesmo de uma forma que não fizeram os grandes debates das 
Relações Internacionais. Portanto, é desejável que novos estudos sejamconcebidos dentro da 
esfera desta teoria como forma de sanar suas lacunas e auxiliar o avanço da disciplina. 
ABSTRACT 
The objective of this study was to determine if the establishment of democracy in Argentina 
and Brazil in the 1980s influenced the harmonization of their relations, characterized by great 
tension during their military regimes. In order to do this, some reflections were made on the 
theory of democratic peace, which is based on the idea that democracies do not go to war with 
each other. In this way, an analysis was made of the adequacy of the key variables of such a 
theory, namely: institutional constraints, democratic norms and mutual perceptions, to the 
case in question. Thus, it was found that although democracy exerted influence, other factors 
must be considered when it comes to rapprochement between South American neighbors. 
Keywords: Brazil, Argentina, democratic peace. 
 
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