Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Unidade 01 - Trajetória da Organização dos Surdos e das Línguas de Sinais NEaD Núcleo de Educação a Distância Chanceler Airton José Vidal Queiroz Reitoria Fátima Maria Fernandes Veras Diretor do Centro de Ciências da Saúde Flávio Lúcio Pontes Ibiapina Produção de Conteúdo Didático Chrystiane Maria Veras Porto Marilene Calderaro da Silva Munguba Willer Cysne Prado e Vasconcelos Núcleo de Educação a Distância Coordenação Geral Lana Paula Crivelaro Monteiro de Almeida Coordenação de polo Kelly Cristina Fernandes Pinto Amaral Supervisão Pedagógica Vandalina Julião Alencar Coutinho Supervisão de Projetos Andrea Chagas Alves de Almeida Projeto Instrucional Rafael Fernandes da silva Oliveira Francisco Felipe Ferreira de Souza Roteiro de Áudio e Vídeo Glauber Peixoto Produção de Áudio e Vídeo José Moreira da Silva Ana Carolina Pinheiro da Costa Identidade Visual Viviane Claudia Paiva Ramos Sérgio Oliveira Eugênio de Souza Arte Francisco Cristiano Lopes de Sousa Diego Silveira Maia Programação Multimídia Rafael Rodrigues de Moraes Diagramação Camila Duarte do Nascimento Moreira Régis da Silva Pereira Revisão Vanderlene Paiva Lopes Setor que apoiou o projeto Equipe Programa de Apoio Psicopedagógico (PAP) Intérpretes Adriano Jesuino da Costa Neto Lana Carol de Sousa Martins Luana Fernandes Magalhães Márcio José Lemos Garcia Natália dos Santos Almeida Créditos O trabalho LIBRAS- Unidade I -Trajetória da Organização dos Surdos e das Línguas de Sinais de Chrystiane Maria Veras Porto, Marilene Calderaro da Silva Munguba, Willer Cysne Prado e Vasconcelos, Núcleo de Educação a Distância da UNIFOR está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Apresentação 1 TRAJETÓRIA DA ORGANIZAÇÃO DOS SURDOS E DAS LÍNGUAS DE SINAIS 1.1 Introdução 1.2 Política Linguística no Brasil e Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 1.3 Mitos e Marcos Históricos da Organização dos Surdos e das Línguas de Sinais 1.4 Línguas de Sinais e Constituição dos Sujeitos Surdos 1.5 Visualidade das Línguas de Sinais e Componentes Linguísticos da Libras Apresentação Olá! Seja bem-vindo(a) à primeira Unidade da disciplina de Libras da Universidade de Fortaleza. Esta é uma excelente oportunidade de conhecer e conviver com o povo surdo e sua cultura. E, considerando que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida legalmente como a segunda língua oficial do Brasil, você entrará em contato com aspectos importantes da gramática desta língua. Além disso, você será capaz de contextualizar historicamente a organização dos surdos e das línguas de sinais, argumentando sobre a política linguística no Brasil, bem como conseguirá empregar a visualidade da Língua de Sinais e os elementos linguísticos básicos que a compõem, demonstrando atitude ética e empatia ao abordar o surdo. Então, vamos iniciar os estudos!!! Libras 5 Mapa Conceitual da Disciplina Libras ◆ Contextualizar a trajetória histórica da organização dos surdos e das línguas de sinais, destacando a política linguística no Brasil. ◆ Empregar a visualidade da língua de sinais e os componentes linguísticos básicos da língua brasileira de sinais (LIBRAS) ◆ Demonstrar atitude ética e empatia ao abordar o Surdo nos diversos contextos. Libras 6 1 TRAJETÓRIA DA ORGANIZAÇÃO DOS SURDOS E DAS LÍNGUAS DE SINAIS 1.1 Introdução Então, o que é Libras? A maioria das pessoas ainda se pergunta: o que é Libras? Muitas pensam que se trata de uma linguagem corporal que envolve a gesticulação, outras que são “trejeitos”. Então, o que é Libras? ◆ Símbolo? Figura ou imagem que representa à vista o que é puramente abstrato ◆ Código? Sistema de símbolos que permite interpretar, transmitir uma mensagem, representar uma informação de dados. Libras 7 ◆ Gesto? Movimento do corpo, principalmente das mãos, braços, cabeça e olhos, para exprimir ideias ou sentimentos, na declamação e conversação. ◆ Mímica? Arte ou ato de exprimir o pensamento por meio de gestos, expressão fisionômica etc. Libras 8 ◆ Pantomima? Arte ou ação de exprimir ideias ou sentimentos por meio de gestos. ◆ Linguagem? Expressão do pensamento pela palavra, pela escrita ou por meio de sinais. O que as coisas significam. ◆ Língua? Idioma de um povo ou nação. Libras 9 1.2 Política Linguística no Brasil e Língua Brasileira de Sinais (Libras) Você acertou? Libras é uma língua que, na década de 1960 recebeu o status linguístico. Trata-se da segunda língua oficial do Brasil por meio da Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002 (BRASILa, 2016) e do Decreto n. 5.626, de dezembro de 2005 (BRASILb, 2016). No Art. 1º [...] da Lei citada, lê-se: Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Achou interessante a datilologia da palavra “Brasil”? Tente fazer como na imagem. Esta é uma conquista do Povo Surdo por meio do movimento político surdo que durante décadas lutou para o reconhecimento da Libras como segunda língua brasileira e como seu principal artefato cultural. Sob a ótica da diversidade humana é natural existirem múltiplas formas de comunicação, dentre elas a comunicação por meio de língua de sinais. Para Strobel (2009) o conceito de povo surdo refere-se a surdos vinculados a um código de formação visual que gera uma visão de mundo diferenciada que não está vinculada ao nível linguístico. Libras 10 Fonte: https://sinalizandodf.wordpress.com/2011/04/10/movimento/ Mas ainda existem dúvidas no senso comum, principalmente dos ouvintes, quanto à sua legitimidade; alguns ainda pensam e afirmam que a Libras é uma versão sinalizada da língua portuguesa. Os que pensam assim, mesmo quando se propõem a aprender Libras, a utilizam no formato de português sinalizado, não respeitando a sua gramática específica e diferenciada. Uma aspecto que ajuda a confundir os ouvintes neste sentido é o uso da datilologia ou alfabeto datilológico (soletração manual) para “escrever” no ar as palavras em português. No entanto, ela é utilizada em situações específicas como nomes de pessoas, de ruas, lugares, rótulos, sinais que o sinalizante desconhece ou que esqueceu, e trata-se de um empréstimo linguístico da língua portuguesa para a Libras. A seguir, acompanhe o alfabeto manual. Vamos tentar algumas palavras? Que tal o seu nome? Vamos lá! Empréstimo linguístico: “[...] um processo de assimilação de material linguístico de uma língua por outra. Essa possibilidade de ampliação/ renovação lexical também está presente nas [...] línguas de sinais, usadas pelas comunidades surdas de todo o mundo” (RODRIGUES; BAALBAKI, 2014, p. 1096). Libras 11 E então? Conseguiu fazer alguma palavra? Grave um vídeo com sua datilologia e publique na ferramenta trabalho! Libras 12 1.3 Mitos e Marcos Históricos da Organização dos Surdos e das Lín- guas de Sinais É importante compreender que, como qualquer língua oral auditiva, “[...] cada língua de sinais tem suas influências e raízes históricas a partir de línguas de sinais específicas” (GESSER, 2009, p. 35). No caso da Libras, a sua principal influência foi da Língua de sinais francesa, devido à chegada no Brasil, em 1855, do professor surdo francês Ernest Huet, que fundou o Instituto de Educação de Surdos (INES), primeira escola para a educação de surdos no país. Como durante muito tempo foi a única escola especializada na área,surdos de todo o país e da América Latina migraram para o Rio de Janeiro para estudar com base na Libras. Vamos refletir sobre alguns mitos e verdades que envolvem a história dos surdos e das línguas de sinais. Todos os surdos sinalizam? Todos os surdos falam? Não. Em 1880 no Congresso Internacional sobre Educação de Surdos em Milão, Itália, foi endossado o método oral puro. Nesse congresso concluiu-se que, todos os surdos deveriam ser ensinados pelo método oral, o oralismo. Nessa ocasião, a Língua de Sinais foi oficialmente abolida, proibida de ser utilizada na educação de surdos. A partir de então, os surdos foram proibidos de sinalizar, inclusive em suas casas. A argumentação era de que se o surdo sinalizasse não desenvolveria a oralidade (fala oral). Esta orientação utilizada pelos profissionais da educação e da saúde também abrangia os familiares dos surdos. Libras 13 Assim, os surdos eram obrigados a oralizar para “se incluírem no mundo dos ouvintes”. Depoimentos de surdos que vivenciaram este período são assustadores, porque referem que tinham as mãos contidas nas salas de aula para coibir a sinalização. Durante muito tempo, a língua de sinais foi vista como um “código secreto” dos “surdos-mudos”, porque os ouvintes não compreendiam o que comunicavam com seus pares. Como o processo de reabilitação auditiva, prerrogativa da Fonoaudiologia, demora em média de sete a doze anos, em especial para a pessoa falar a língua oral auditiva do seu país, muitos surdos são submetidos a esse tipo de intervenção clínica em consequência da decisão de seus familiares. No entanto, quando entram em contato com a língua de sinais e com a comunidade surda, optam pela língua de sinais como primeira língua (L1) e a língua oral auditiva como segunda língua (L2). O que o torna bilíngue, ampliando as possibilidades de interação em ambos os mundos: surdo e ouvinte. Libras 14 Strong (1988), Amorin (2004) e Carvalho (2005) entendem que a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é a língua materna do surdo no Brasil e o português deve ser ensinado e adotado como língua estrangeira (LE). Uma língua que tem todos os atributos e características de qualquer língua oral auditiva. Ainda existem mitos sobre a Libras e sobre a pessoa surda (GESSER, 2009) (QUADROS; KARNOPP, 2004): A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos? Libras 15 Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas pessoas surdas? Não. Como não existe uma língua oral auditiva universal, também não existe uma língua de sinais universal. Esta ideia tem amparo na visão de que isso facilitaria a comunicação entre surdos de diferentes países. No entanto, “Em qualquer lugar em que haja surdos interagindo, haverá línguas de sinais. Podemos dizer que o que é universal é o impulso dos indivíduos para a comunicação e, no caso dos surdos, esse impulso é sinalizado” (GESSER, 2009, p.12). Sacks (2010) informa que o Comitê dos Primeiros Jogos Olímpicos para Surdos, que ocorreu em Paris em 1924, criou o Gestuno, que é um conjunto de gestos e sinais artificial, concebido para facilitar a comunicação entre os surdos das diversas delegações e com árbitros em eventos internacionais. Libras 16 Atualmente há um processo de investigação voltado para “[...] a chamada Língua Internacional de Sinais (International Sign Language, ISL) que recorre aos vocábulos e padrões de todos os presentes, [...] continuamente improvisada e enriquecida entre eles (SACKS, 2010, p.190). No Brasil e no Ceará já existem intérpretes da ISL para a Libras. As línguas de sinais derivariam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes? Tradução: Qual o seu nome? Meu nome é José. Não. Esta ideia surgiu em especial pelo uso do alfabeto manual para soletrar manualmente as palavras (datilologia). Mas, como já discutimos, a datilologia é Libras 17 utilizada em situações específicas. Muitos ouvintes utilizam o português sinalizado, não respeitando as regras gramaticais da Libras, ficando esta submissa ao português. Após quase 100 anos de oralismo, em que a fala era a única forma de comunicação aceita para com as pessoas surdas, as línguas de sinais vêm conquistando gradativamente mais espaço na educação de surdos. As pesquisas linguísticas, que se iniciaram em 1960, com Stokoe, revelaram que as línguas de sinais são línguas naturais e, como tal, permitem a expressão de qualquer ideia. Por serem visoespaciais, elas fazem uso de recursos diferentes dos usados nas línguas orais; no entanto, apresentam organização formal nos mesmos níveis encontrados nas línguas faladas (QUADROS; CRUZ, 2011, p.9). O surdo é mudo? Fonte: http://aparelhoauditivo.com/os-surdos-nao-sao-propriamente-mudos/ O surdo não é mudo! Esta terminologia é parte do inconsciente coletivo porque a ciência durante décadas afirmou que para o surdo se integrar à sociedade ouvinte teria que obrigatoriamente falar. No entanto, como os órgãos fonoarticulatórios são preservados, o surdo, se receber o acompanhamento fonoaudiológico adequado precocemente, estimulação de seus familiares e pessoas que convive, assim como a motivação intrínseca para desenvolver a sua oralidade, isso ocorrerá. É claro que dependerá também do nível de perda auditiva de cada surdo. Libras 18 Também dependerá da aquisição da língua de sinais como língua materna, natural, o que será a base para a aprendizagem de qualquer língua, seja oral auditiva ou de sinais. O surdo vive no silêncio absoluto? “Imagine uma câmara totalmente isolada do mundo externo, assustadoramente silenciosa, onde todo o som gerado é rapidamente absorvido. Isso é uma câmara anecóica. Será que o surdo vive assim, na ausência total de som? Não. Isso porque ele consegue ouvir barulhos e ruídos; o grau de intensidade vai depender do nível de perda auditiva e se o resíduo auditivo é funcional. Um aspecto importante é que para a cultura surda barulho não é a ausência de silêncio. Os surdos afirmam que “escutam com os olhos”. Gesser (2009) traz para esta discussão a Teoria do Ruído Visual que ressalta os ruídos visuais são interferências ou distorções que perturbam a harmonia na comunicação. Ressalta como principais ruídos visuais que afetam a comunicação do surdo: Strobel (2008) afirma que cultura surda se constitui no jeito que o surdo entende e modifica o mundo às suas percepções visuais que contribuem para a definição das identidades e cultura do povo surdo, que tem como artefatos culturais a experiência visual, linguística, familiar, literatura surda, social e esportiva, artes visuais, política e materiais. Libras 19 O surdo não fala porque é preguiçoso? Este mito é carregado de preconceito! O surdo fala por meio da língua de sinais. O conceito “fala” não diz respeito apenas à produção vocal-sonora. Identifica-se que os Libras 20 surdos que foram obrigados a oralizar e proibidos de usar a língua de sinais, durante anos desenvolveram “[...] o sentimento de indignação, frustração, opressão e discriminação [...]” em relação à língua oral auditiva. Alguns deles são bilíngues, desenvolveram as habilidades de leitura e escrita da língua portuguesa, mas se recusam a oralizar. Outros são bilíngues com as habilidades citadas acrescidas da oralidade. Se falar mais alto, ou gritando, o surdo vai entender melhor? Se a pessoa falar mais alto ou gritando com o surdo com a intenção de se fazer entender na língua oral auditiva, não atingirá o seu objetivo, mesmo que identifique o uso do aparelho de amplificação sonora individual (AASI), que é um aparelho de amplificação sonora individual, que funciona como amplificadores do som,mas não melhora a compreensão da fala. Libras 21 Todo surdo faz leitura labial? Nem todo surdo tem a habilidade de fazer a leitura labial. Gesser (2009, p.60) afirma que “[...] a leitura labial e o desenvolvimento da fala vocalizada são habilidades que precisam de treinos árduos e intensos para serem desenvolvidos”. O ouvinte precisa entender que ao se comunicar com um surdo que tem essa habilidade, é necessário falar com naturalidade e clareza, sem alterar o ritmo da fala nem exagerar no volume de voz. Estes mitos se devem, em parte, ao que a ciência preconizava e que atualmente tem a visão socioantropológica da surdez, como uma marca de identidade cultural e não como uma deficiência, se constituindo em uma diferença. Libras 22 1.4 Línguas de Sinais e Constituição dos Sujeitos Surdos A língua de sinais (LS) é artificial? Fonte: educadorvc.com.br A língua de sinais é considerada a língua natural dos surdos, pois a criança surda a adquire de forma espontânea sem que seja preciso um treinamento específico, portanto, não é artificial nem pode ser considerada apenas como gestos simbólicos. De uma maneira geral, em nossa sociedade não existe lugar para as diferenças, mas é necessário aceitar as diferenças entre os surdos com relação à modalidade de comunicação utilizada, ou seja, se usuários da língua de sinais ou não. Qual a diferença entre Surdo e “Deficiente Auditivo”? A visão biomédica da surdez afirma que se trata de uma deficiência e, como tal, precisa de reabilitação. Esta forma de ver gerou o estigma que ainda persiste do “mudinho”, do “surdo-mudo”, do “coitadinho”, daquele que não consegue etc. Libras 23 Gesser (2012) enfatiza que, ao tornar visível a língua, está contribuindo para desviar a concepção da surdez como deficiência, vinculada às lacunas na cognição e no pensamento, para uma concepção da surdez como diferença linguística e cultural. Se a criança surda tem o contato precocemente com a comunidade surda e, consequentemente, com a sua cultura, a aquisição da língua de sinais se dá de forma natural. Menezes et al. (2014, p.2), enfatizam que quando a criança nasce, entra em contato com a língua dominante em todos os contextos no seu cotidiano, acarretando a aquisição linguística natural. Em se tratando do surdo, a língua de sinais se constitui na primeira língua (L1), a qual deve ter acesso precocemente; e a língua oral auditiva do seu país, a segunda língua (L2). Quais as vantagens cotidianas para o surdo sinalizante? Sim. Além de facilitar a comunicação durante as refeições, existem os ganhos surdos. Como exemplo, aponta-se que “[...] os surdos têm uma agilidade maior do que as pessoas ouvintes. Habilidades mentais apuradas de rotação também têm sido observadas como resultantes da Língua de Sinais, das experiências surdas” (RODRIGUES; QUADROS, 2015, p.80). A Libras é igual em todas as regiões do Brasil? Não. A língua, como é um traço cultural, é dinâmica e encontra-se em constante movimento e “[...] é intrinsecamente heterogênea, múltipla, variável, instável e está sempre em desconstrução e em reconstrução” (BAGNO, 2007, p.35). Assim como as línguas orais auditivas, tem variações regionais porque nenhuma língua é uniforme, homogênea. Libras 24 “A variação pode ocorrer nos níveis fonológico (pronúncia), morfológico (palavras) e sintático (sentenças) e estão legadas aos fatores sociais de idade, gênero, raça, educação e situação geográfica” (GESSER, 2009, p.39). As variações regionais são as mais frequentes, como nas línguas orais auditivas. Como exemplo pode-se considerar a expressão cearense “rebolar no mato” que significa jogar algo no lixo; para uma pessoa de outra região, com certeza vai imaginar a cena de uma pessoa rebolando (dançando) numa mata. Veja agora como é sinalizada a cor “verde” e o advérbio “mas”, em outros estados. Observe atentamente e tente fazer! Libras 25 Ressalta-se também as variações por faixa etária, tendo como exemplo os sinais utilizados por surdos idosos e pelos adolescentes. Muitas vezes o ouvinte aprendiz de Libras Libras 26 demonstra desconforto ao conversar com um surdo que utiliza sinais diferentes dos que ele aprendeu; mas isso não deve ser considerado um erro, mas uma diferença. 1.5 Visualidade das Línguas de Sinais e Componentes Linguísticos da Libras As línguas de sinais têm aspectos linguísticos? Sim. As línguas de sinais (LS) se constituem com a complexidade de qualquer língua oral-auditiva, como afirma Sacks (2010, p.37), [...] as verdadeiras línguas de sinais são, de fato, completas em si mesmas: sua sintaxe, gramática e semântica são completas, possuindo, porém, um caráter diferente do de qualquer língua falada ou escrita. Assim, não é possível transliterar uma língua falada para a língua de sinais palavra por palavra ou frase por frase – suas estruturas são essencialmente diferentes. Munguba, Porto, Prado e Vasconcelos (2015) ressaltam que uma das especificidades das línguas de sinais é a estrutura simultânea de organização dos seus elementos. (STOKOE, 1978). Ressalta-se que os aspectos fonológicos da Língua Brasileira de Sinais tem como base cinco parâmetros: configuração de mão (CM), movimento (M), orientação da mão (OR), ponto de articulação ou Locação (L), e expressões não-manuais (ENM). Neste estudo a ênfase se volta para, em especial, o parâmetro expressões não manuais (ENM), adotando como base Quadros e Karnopp (2004); Quadros e Cruz (2011). Neste sentido, Fernandes (2012) afirma que a Língua Brasileira de Sinais é uma língua de modalidade visual-espacial que tem como peculiaridade principal a perspectiva visual para sua apropriação e de elementos corporais e faciais, organizados em movimentos no espaço, que tem como consequência a constituição de unidades de sentido referenciadas pelos surdos como “sinais”. Libras 27 As Línguas orais e de sinais, assim como os vários aspectos da linguagem humana, são analisadas pela Linguística por meio da Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica e Pragmática. Ainda outras áreas interdisciplinares como Sociolinguística, Psicolinguística, Análise do Discurso e Linguística Textual tratam destes aspectos. A fonologia das línguas de sinais estuda as configurações e movimentos dos elementos envolvidos na produção dos sinais. A primeira tarefa da fonologia para a língua de sinais é determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais. A segunda tarefa é estabelecer quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações possíveis no ambiente fonológico. (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 47) Morfemas são elementos mínimos carregados de significado que compõe palavras, organizando-as em diversas categorias, segundo um sistema próprio da língua. As línguas de sinais, assim como as línguas orais, possuem um sistema de formação de palavras. Os morfemas, tanto nas línguas orais como na língua de sinais, determinam não apenas o significado básico das palavras, mas também a ideia de gênero (masculino ou feminino); de número (singular ou plural); de grau (aumentativo ou diminutivo); de tempo (passado, presente ou futuro). Libras 28 Analisar alguns aspectos da sintaxe de uma língua de sinais requer “ver” esse sistema, que é espaço-visual e não oral-auditivo. A organização espacial da Libras apresenta possibilidades de estabelecer relações gramaticais no espaço, por meio de diferentes formas. Para Quadros e Karnopp (2004) no espaço em que são executados os sinais, o estabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal são fundamentais para as relações sintáticas. Em qualquer discurso em língua de sinais, é necessário haver a definição de um local no espaçode sinalização (espaço definido na frente do sinalizador). Importante Libras 29 Desde o seu surgimento, a linguística se ocupa do estudo de línguas orais. As teorias, análise e descrição por ela fornecidas são resultado da observação de línguas orais. Apenas muito recentemente, a partir de 1960, com o trabalho de William Stokoe sobre a língua de sinais americana (American Sign Language-ASL), os estudos linguísticos voltaram seu olhar às línguas visuais. As línguas de sinais, conforme um considerável número de pesquisas, contêm os mesmos princípios subjacentes de construção que as línguas orais, no sentido de que têm um léxico, um conjunto de símbolos convencionais e uma gramática, isto é, um sistema de regras que regem o uso desses símbolos (QUADROS; KARNOPP, 2004, p.48). Compreender a gramática de uma língua é apreender suas regras de formação e de combinação dos elementos. Libras 30 Atenção PARÂMETROS FONOLÓGICOS NAS LÍNGUAS DE SINAIS – QUIREMAS Libras 31 Configuração das Mãos (CM) A execução dos sinais pode acontecer com apenas uma mão ou com as duas. Os sinais articulados com apenas uma mão são produzidos pela mão dominante, que pode ser a direita ou a esquerda, segundo a conveniência de quem os realiza. Os sinais articulados com as duas mãos são determinados pelo tipo de interação entre elas, podendo, por exemplo, estarem sobrepostas ou espelhadas. A compreensão de uma mensagem em Libras depende tanto do contexto comunicativo como da fluência do sinalizador para a realização adequada dos sinais. Ferreira Brito (1995) registra 46 configurações de mão agrupadas em 19 categorias, enquanto outros estudos em Libras apresentam até 64 configurações, mas aqui ilustramos uma tabela com 79 configurações. Você aprenderá as configurações à medida que for utilizando-as progressivamente. Libras 32 Veja como você pode utilizar as configurações dispostas nos exemplos a seguir: ◆ Configuração 64: brincar, evite, gordo, salto-alto, avião. ◆ Configuração 56: namorar, chique, amanhã, achar, pessoa, romântico, bailar. ◆ Configuração 17: Certo, organizar, nenhum, polícia, é mesmo. Libras 33 Movimento (M) É o deslocamento da mão no espaço, durante a realização do sinal. Parâmetro complexo que pode envolver uma vasta rede de formas e direções – movimentos internos da mão, movimentos do pulso e movimentos direcionais no espaço. (KLIMA; BELLUGI, 1979) Veja a seguir alguns exemplos dos sinais com movimentos e sinais sem movimentos, e tente fazê-los. Depois grave um vídeo para enviar pela ferramenta trabalho e ter um feedback do professor em relação ao movimento dos sinais. Libras 34 Libras 35 Verifique a seguir, os tipos de movimentos que podem ser utilizados na sinalização: Agora que você conhece os tipos de movimentos, treine alguns sinais. Libras 36 Libras 37 Ponto de Articulação ou Locação (PA) Local onde o sinal é produzido – espaço de enunciação é uma área que contém todos os pontos em que os sinais são articulados. Para cada sinal existe um Ponto de Articulação (PA). A execução dos sinais acontece no espaço que se situa diante do emissor, desde a linha da cintura até o alto da cabeça. Para a execução dos sinais, a(s) mão(s) toca(m) alguma(s) parte(s) do corpo (cabeça, face, pescoço, tórax, braços). Há sinais, porém, em que a(s) mão(s) pode(m) se tocar (ou não) sem tocar noutras partes do corpo. Nesse caso, dizemos que o sinal é executado em espaço neutro. Veja a seguir alguns exemplos de PA neutro e PA na testa. Libras 38 E aí? Não é fácil? Para aprender Libras, a melhor forma é praticando. Portanto, treine com seus amigos e familiares, e pesquise outros sinais. Libras 39 Saiba Mais Orientação da Mão (OR) Direção que a palma da mão aponta na produção do sinal. Os sinais têm uma direção com relação aos parâmetros anteriores. Libras 40 IPSILATERAL – representa a orientação da mão na mesma direção em que o sinal é produzido. CONTRALATERAL – representa a orientação da mão na direção contrária em que o sinal é produzido. A seguir veremos alguns exemplos de como é feita a OR. Acompanhe! Libras 41 Libras 42 Libras 43 Vamos ver alguns exemplos de Expressões Não-Manuais (ENM)? Lembre-se que em Libras, a expressão é primordial para uma melhor compreensão nos diálogos. Por isso, fique atento à fisionomia da intérprete. Expressões Não-Manuais (ENM) Englobam os movimentos da face, dos olhos, da cabeça ou do tronco, com dois objetivos: marcação de construções sintáticas e de sinais específicos. Libras 44 Libras 45 Libras 46 E aí? Tentou fazer alguns dos exemplos mostrados? Teve alguma dificuldade? Lembre-se que como qualquer língua nova, é preciso treinamento! Não desista! O parâmetro ENM tem sido considerado um dos mais difíceis para os ouvintes porque se trata de expressões que fazem parte da constituição dos sinais e não apenas expressão afetiva e emocional como ocorre nas línguas orais auditivas. O sinal se constrói com a combinação dos parâmetros. “Falar com as mãos” é combinar estes elementos para formarem as palavras, e estas formarem as frases em um determinado contexto.
Compartilhar