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0 INSTITUTO APHONSIANO DE ENSINO SUPERIOR - IAESup FACULDADE DE DIREITO COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO MONOGRAFIA JURÍDICA ORLANDO QUINTILIANO DE OLIVEIRA DA (IN) APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇAO PÚBLICA: PECULATO E DESCAMINHO TRINDADE 2018 1 ORLANDO QUINTILIANO DE OLIVEIRA DA (IN) APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇAO PÚBLICA: PECULATO E DESCAMINHO Monografia apresentada como requisito para a conclusão do curso de Direito do Instituto Aphonsiano de Ensino Superior sob a orientação do Prof.Me. Leonardo Peixoto Simão. TRINDADE 2018 2 ORLANDO QUINTILIANO DE OLIVEIRA DA (IN) APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇAO PÚBLICA: PECULATO E DESCAMINHO Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso de Direito do Instituto Aphonsiano de Ensino Superior sob a orientação do Prof.Me. Leonardo Peixoto Simão. Aprovada em, ___de_______de ______. BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Prof. Me. Leonardo Peixoto Simão – Presidente da Banca IAESUP _____________________________________________________ Prof. Esp. Eudes Leonardo Bomtempo Silva – Membro Efetivo IAESUP _____________________________________________________ Prof. Me. Walério Magalhães Bandeira – Membro Efetivo IAESUP 3 Dedico este trabalho aos meus pais por sempre estarem ao meu lado, não medindo esforços para que eu concretizasse o meu sonho. 4 AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus por me dar força, sabedoria e principalmente saúde no decorrer de minha trajetória acadêmica e na minha vida pessoal o que foi essencial para o bom aproveitamento do curso. A minha brilhante mãe Suélia Darc Quintiliano que em todos os momentos se dispôs a me apoiar, e que não mediu esforços para que eu me dedicasse as minhas batalhas diárias e in memoriam de Orlando Quintiliano de Oliveira, pelo exemplo de pai, ser humano que sempre se fez um espelho de honestidade e companheirismo. A Minha irmã Ingrid Quintiliano de Oliveira por estar sempre me compreendendo nos momentos de dificuldade, me incentivando a sempre continuar e não desistir dos meus objetivos acadêmicos. A minha namorada Elaine por trilhar junto comigo este sonho, sendo amiga e companheira em todas as horas, pois esteve sempre ao meu lado com sua alegria contagiante, me compreendendo, e dividindo comigo os momentos mais desafiadores desse curso. A todos os professores e em especial o meu orientador Professor Leonardo Peixoto Simão, por sua competência como profissional, me ensinando e me orientando no decorrer deste trabalho. Contribuindo de forma significativa com suas criteriosas correções, pois seus conhecimentos me ajudaram a concluir um trabalho de suma importância para minha formação acadêmica. 5 RESUMO O presente trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa básica e exploratória. Os procedimentos de coleta utilizada foram a documental, por meio de fontes de informação bibliográfica, apresentando dados qualitativos. Este estudo tem como objetivo analisar a possibilidade de aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes cometidos contra a administração pública, como o peculato e descaminho. Princípio da Insignificância tem por escopo assegurar a aplicação do princípio maior firmado na Constituição Federal de 1988, tendo relação próxima com outros três que são: o da intervenção mínima, da fragmentariedade e da adequação social. Os resultados obtidos apontam que aplicabilidade ou não do princípio da insignificância nos crimes de peculato e descaminho, dependerá do caso concreto, não existindo um entendimento firmado na jurisprudência. Na análise do caso, o aplicador do direito verificará se o bem jurídico foi atingido ou não, e se atingido observará qual o grau desta lesão. Ocorrendo uma lesão em grau inferior aos objetivos do legislador penal, com base no princípio da insignificância, a tipicidade será afastada. Palavras-chave: Principio. Insignificância. Aplicabilidade. Administração Pública. Crime. Peculato. Descaminho. 6 ABSTRACT The present work presents the results of a basic and exploratory research. The collection procedures used were the documentary, through sources of bibliographical information, presenting qualitative data. This study aims to analyze the possibility of applicability of the principle of insignificance to crimes committed against the public administration, such as embezzlement and misconduct. The Principle of Insignificance isintended to ensure the application of the principle enshrined in the Federal Constitution of 1988, closely related to three others: minimum intervention, fragmentation and social adequacy. The results obtained indicate that the applicability or not of the principle of insignificance in crimes of embezzlement and embezzlement, will depend on the concrete case, and there is no agreement established in the jurisprudence. In the analysis of the case, the applicator of the right will verify if the legal good was reached or not, and if it is reached it will observe what the degree of this injury. In the event of an injury to a degree inferior to the objectives of the criminal legislator, on the basis of the principle of insignificance, the typicality will be removed. Keywords:Principle. Insignificance. Applicability. Public administration .Crime. Peculato. Behind. 7 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS Art. Artigo CF/1988 Constituição Federal de 1988 CP Código Penal CPB CPP Código Penal Brasileiro Código de Processo Penal Rel. Relator STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJ Tribunal de Justiça 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................ 09 1. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA........................................................... 11 1.1 Origem do princípio da insignificância............................................................... 11 1.2 Conceito do princípio da insignificância ou bagatela.......................................... 1.3 O princípio da insignificância ligado aos princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade e da adequação social..................................................................... 13 17 2 CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ......... 20 2.1 Conceito de crime................................................................................................. 2.2 Peculato................................................................................................................. 20 23 2.3 Descaminho.......................................................................................................... 27 3. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A POSSÍVEL APLICABILIDADE AOS CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇAO PÚBLICA ............................................................................. 30 3.1 Conceito de Funcionário Público .........................................................................30 3.2 Possibilidade de o princípio da insignificância ser (in)aplicado aos crimes contra a Administração Pública................................................................................. 30 3.3 Da (in)aplicabilidade do princípio da insignificância ser aplicado aos crimes de peculato e descaminho ............................................................................................... 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 43 REFERÊNCIAS........................................................................................................ 46 9 INTRODUÇÃO O presente estudo foi desenvolvido com o intuito de pesquisar o tema “Da (in) aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes cometidos contra a administração pública: peculato e descaminho”. A razão pela qual foi escolhido esse tema de pesquisa se deve pelo fato do princípio da insignificância ser um assunto que causa polêmica quanto à sua aplicabilidade ou não, especialmente, na administração pública. Tal fato justifica-se devido ao alto grau de subjetividade em torno da caracterização do comentado princípio subjetivo por ter uma alta dose de discricionariedade por parte de quem analisa o fato de per si. Ocorre que, justamente em decorrência dessa subjetividade, faz-se necessário criar parâmetros que sejam eficientes na apuração do referido princípio a fim de que se evite a sua aplicabilidade indiscriminada, ou até mesmo para se evitar que este caia em desuso. A análise deste estudo é de suma importância, vez que apesar de a administração pública possuir regras que lhe são peculiares, há de se levar em conta que não pode se furtar de se submeter à observância do ordenamento jurídico em toda a sua inteireza. A relevância em elaborar este trabalho consiste na necessidade de aprofundamento do tema em questão, diante de sua importância e aplicabilidade prática, de forma a propiciar um conhecimento aprofundado deste princípio, sua importância para a sociedade e para o ordenamento jurídico. Particularmente, o intuito é transmitir uma visão doutrinária do princípio da insignificância e sua possível (in) aplicabilidade aos crimes cometidos contra a administração pública, de maneira especial aos crimes de peculato e descaminho fundamentada em princípios penais e constitucionais, bem como seus fundamentos, caracterização e principais críticas sofridas. Diante ao tema exposto, surgiu o seguinte questionamento: é possível a aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes cometidos contra a administração pública: peculato e descaminho? Como reflexo norteador para a construção do presente estudo, o objetivo geral desse trabalho foi analisar se há a possibilidade de (in)aplicação do princípio da insignificância aos crimes de peculato e descaminho cometidos contra a administração pública. Como objetivos específicos, esse trabalho irá mostrar o contexto histórico e definições do princípio da insignificância; compreender os tipos de crimes cometidos contra a administração pública (peculato e descaminho) e verificar se há a possibilidade do princípio da 10 insignificância pode ser aplicado aos crimes contra a administração pública. A modalidade de pesquisa adotada para a realização do presente estudo foi a pesquisa bibliográfica básica e exploratória. Os procedimentos de coleta é documental, por meio de fontes de informação bibliográfica, apresentando dados qualitativos. Foram realizadas consultas em livros de Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Processual Penal, jurisprudências, entre outras fontes. Sendo assim, a pesquisa bibliográfica foi utilizada como fonte de pesquisa para a primeira parte do estudo, utilizando-se de material que foi elaborado por outros autores interligando-os com a parte prática do trabalho. Do ponto de vista de seus objetivos, este estudo foi classificado como uma pesquisa exploratória, pois visa buscar um maior conhecimento do tema escolhido, proporcionando maior simplificação e assim torná-lo o mais claro possível. No processo de pesquisa qualitativa se interpreta fenômenos e é atribuído significados sem requerer o uso de técnicas e métodos estatísticos. O ambiente natural é a fonte para o pesquisador realizar a coleta de dados e analisar de forma indutiva. O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, será mostrado a origem e o conceito do princípio da insignificância e a correlação entre este e os princípios da intervenção mínima, fragmentariedade, adequação social e Igualdade. Na sequência, o segundo capítulo aborda sobre os crimes cometidos contra a administração pública, dando ênfase ao crime de peculato e descaminho. Por fim, o terceiro capítulo trata sobre a possibilidade de o princípio da insignificância ser aplicado aos crimes contra a Administração Pública, como o peculato e descaminho. seguro Realce 11 1. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 1.1 Origem do Princípio da Insignificância O princípio da insignificância ou bagatela teve origem remota no direito romano com contida no brocardo (minimis) non curat pretor. Segundo Mañas (2014, p.56), “afirma-se que o princípio já vigorava no direito romano, pois o pretor, em regra geral, não se ocupava de causas ou delitos insignificantes, seguindo a máxima contida no brocardo minimisnon curat pretor”. Contudo, existem críticas na doutrina quanto a esta origem, pois, analisam alguns doutrinadores que o direito romano se sedimentava nos conceitos do direito privado e não conhecia sobre a legalidade penal (LOPES, 2016). O princípio da insignificância, segundo Mañas (2014), surgiu no século XX, após a segunda guerra mundial na Europa, mais precisamente na Alemanha, como decorrência da guerra. O período pós-guerra acarretou uma onda de desemprego e escassez de bens cogentes para a sobrevivência, através da situação de miserabilidade no continente europeu, ocorreu uma onda de pequenos furtos, nascendo expressão Bagatelledelikte, vinculada ao direito patrimonial. De acordo com os ensinamentos de Bitencourt (2014, p. 19), “o princípio da insignificância foi evidenciado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, partindo do velho adágio latino mínima non curat praetor (o Estado não cuida de coisas insignificantes).” Lopes (2016), embora reconheça a primazia romana, considera que naquela época, era pouco o conhecimento acerca da legalidade penal. O referido autor discorre ainda que o brocardo tratava-se apenas de uma máxima, sendo que o direito da Roma antiga baseava-se em conceitos imanentes ao direito privado. Para tanto, segundo Neto (2010, p. 01): O princípio da insignificância teve origem com o pensamento liberal dos jusfilósofos iluministas, estando intimamente ligado ao princípio da legalidade, não sendo uma restauração da máxima romana, porém um desdobramento da natureza fragmentária do Direito Penal. Esse posicionamento parece o mais acertado, pois, tem-se que o princípio objeto desta pesquisa é fruto da evolução do Estado de direito e do Direito Penal. Conforme Bitencourt (2014), de acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, incisoIII, o “princípio da dignidade da pessoa humana”, que a dignidade do indivíduo seguro Realce seguro Realce quais? 12 é o cerne de respectivo princípio, pois a lei existe para servir o ser humano (e não o contrário) e o seu principal objetivo é facilitar sua convivência com seus semelhantes. Ainda, muito aquém da promulgação da Constituição da República Federativado Brasil de 1988, já havia quem defendesse o desenvolvimento de fórmulas com o objetivo de minimizar a aplicação do Direito Penal. Beccaria (2013) quando escreveu “Dos Delitos e das Penas”, defendeu com veemência que houvesse um equilíbrioentre a aplicação da pena e o delito praticado. Para o referido autor, a restrição à liberdade deveria ser a última das penas a ser aplicada. Diante de tais posicionamentos e argumentos, é possível perceber que existe uma necessidade estatal de equilibrar a aplicação do direito penal, principalmente no que diz respeito de privação de liberdade do indivíduo. Nessa esfera, Beccaria (2013) apresenta o direito penal como o segmento do ordenamento jurídico que tem por função selecionar os comportamentos humanos mais graves e nocivos à sociedade. Se a conduta imputada ao réu não for capaz de colocar em risco valores fundamentais para convivência social o direito possui outros segmentos, que não a seara penal, capazes de tutelar adequadamente a pretensão do prejudicado. O Direito Penal resume-se na proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à comunidade. Nesse diapasão, leciona Bitencourt e Prado: A fragmentariedade do Direito Penal é corolário do princípio da intervenção mínima e da reserva legal. Nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, como nem todos os bens jurídicos são por ele protegidos. O Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, posto que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica. (BITENCOURT; PRADO, 2014, p.83) Em outras palavras, para se criminalizar determinada conduta “[...] não basta que o bem jurídico tutelado possua dignidade penal. Deve-se verificar se a conduta que está criminalizando [...] é danosa para a sociedade – tanto que justifique a sua inscrição em um tipo penal.” (SILVA, 2008, p. 41). Greco afirma que: O ordenamento jurídico se preocupa com uma infinidade de bens e interesses particulares e coletivos. Como ramos desse ordenamento jurídico, temos o Direito Penal, o Direito Civil, o Direito Administrativo, o Direito Tributário, etc. Contudo, nesse ordenamento jurídico, ao Direito Penal cabe a menor parcela no que diz respeito à proteção desses bens (GRECO, 2017, p. 65-66). Ressalta-se, portanto, sua natureza fragmentária, isto é, nem tudo lhe interessa, mas tão seguro Realce 13 somente uma pequena parte, uma limitada parcela de bens que estão sob a sua proteção, mas que, sem dúvida, pelo menos em tese, são os mais importantes e necessários ao convívio em sociedade. Compete ao legislativo elaborar as leis, mas em razão de uma deficiência constante, não lhe permite ver a finalidade, o objetivo das normas ora editadas, o que faz com que o operador valha-se de outros meios para aplicar uma pena com equidade, ainda que estes meios não estejam contidos em dispositivo legal, mas que também não torna ilegal a sua prática e que vá ao encontro da realidade e ocaso concreto (BECCARIA, 2013). Conforme Greco (2017), as vezes, o fato em si reúne aspectos tão diversificados da conduta humana e equidistantes do que prevê a legislação, que o aplicador do direito penal deve buscar o caminho da evolução deste ramo do direito, preservando a dignidade humana e, em sintonia com os preceitos constitucionais atuais, de modo que mesmo quando necessária a repressão, a aplicação da lei deve ser dotada de um perfeccionismo no sentido de impedir a condenação de alguém por uma conduta que de fato o criador da lei não desejou incriminar. Para o Direito Penal, insignificância, pressupõe desprestígio de um objeto jurídico que via de regra encontraria respaldo no Direito Positivo, mas que deve ser analisado sob dois aspectos básicos, quais sejam, excluir do sistema o que já não possui mais relevância e não permitir que algo de irrisória importância seja permitido no sistema, concluindo-se que a insignificância da lesão descaracteriza o juízo de tipicidade material projetada sobre o injusto, não havendo o que se falar em crime (NUCCI, 2015). Conforme Gomes (2013), o Estado detentor do poder coercitivo deve punir somente aquilo que realmente for grave, tendo inclusive o dever de tornar as normas mais eficientes e presentes no cotidiano, pois não cabe mais ao Direito Penal moderno ocupar-se de fatos irrelevantes ou de pouca importância, já que com a constitucionalização do Direito Penal, a finalidade deste ramo do direito é tão somente ser aplicado quando houver prejuízo a um bem jurídico protegido pela Carta Magna. O princípio da insignificância no campo penal tem a intenção de eliminar a atribuição objetiva de resultados, agindo como ferramenta de interpretação restritiva do tipo penal e apropriando sua aplicação com os requisitos constitucionais. 1.2 Conceito do princípio da insignificância ou bagatela O princípio é parte do conjunto normativo, conforme alhures demonstrado, são os pilares de sustentação das normas; são institutos superiores perante o ordenamento pátrio, 14 implicando às regras legais uma necessária dependência e sujeição, pois a transgressão da base de sustentação do ordenamento fere todo o conjunto de normas (CARVALHIDO, 2009). Mello (2014, p. 230) preleciona, “violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção aos princípios implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.” O que ocorre é que as regras, por si só, nada seriam sem os princípios, que lhes dão coerência na interpretação e aplicabilidade. Afinal, o Direito não é composto somente de leis expressas no ordenamento jurídico, mas também de normas ínsitas no sistema, como é o caso da maioria dos princípios (BITENCOURT, 2015). Conforme leciona o Professor Carvalhido (2009) o princípio da insignificância é definido como: O princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois como irrelevantes (CARVALHIDO, 2009, p. 01). Em caso de furto, por exemplo, dependendo do valor econômico/patrimonial da coisa furtada, é possível aplicar o princípio da insignificância. O argumento de Gomes vem ao encontro dessa teoria. O Princípio da Insignificância é o que permite não processar condutas socialmente irrelevantes, assegurando não só que a Justiça esteja mais desafogada, ou bem menos assoberbada, senão permitindo também que fatos mínimos não se transformem em uma sorte de estigma para seus autores. Do mesmo modo, abre a porta para uma revalorização do direito constitucional e contribui para que se imponham penas a fatos que merecem ser castigados por seu alto conteúdo criminal, facilitando a redução dos níveis de impunidade. Aplicando-se este princípio a fatos mínimos se fortalece a função da Administração da Justiça, porquanto deixa de atender fatos mínimos para cumprir seu verdadeiro papel. Não é um princípio de direito processual, senão de Direito Penal (GOMES, 2013, p. 46). Segundo Mañas (2014), o princípio da insignificância é aquele que, em garantia dos atuais preceitos constitucionais, confere ao aplicador do direito a possibilidade de excluir da esfera penal alguns absurdos levados ao âmbito judiciário por absoluta falta de bom senso de quem o faz, baseado numa concepção de justiça com senso de vingança ou motivos outros, é uma das ferramentas do operador que lhe autoriza aplicar a lei de maneira que venha a equilibrar a punição estatal. Conforme Nucci (2015), o ramo do direito penal objetiva a paz social, uma vez que tem a finalidade de coibir as ações de violência e desrespeito existentes na sociedade, como meio 15 do Estado punir aqueles que, por um motivo ou outro, deixam de cumprir com as determinações legais, mas nem por isso deve ser visto ou aplicado como meio de repressão total. Para melhor compreensão,é valido exemplificar expondo o seguinte caso:determinado indivíduo retorna, depois de um árduo dia de trabalho, para seu lar,onde lhe esperam ansiosamente sua esposa e seus três filhos. Aquele depara-se com uma bela plantação de milho verde que só de olhar e pensar nos quitutes que possam advir daquilo, sente aguçar seu apetite (MAÑAS, 2014). Para Nucci (2017), assim como dar uma alegria para a esposa e os seus três filhos naquele final de dia, resolve então apanhar exatamente uma dúzia de espigas de milho verde daquela plantação e sai numa alegria quase infantil, mas qual não é a surpresa quando no meio do caminho é surpreendido pelos policiais militares, sendo preso, algemado e pior: permanecido na cadeia por um período de aproximadamente de quinze dias, e, posteriormente denunciado e podendo, inclusive, ser condenado por tal fato. Diante do caso supracitado, pergunta-se: será que o legislador ao criar a punição do tipo penal previsto no artigo 155 do Código Penal quis incriminar o praticante de um fato deste? É de se frisar que o Princípio ora estudado reside na tipicidade material, motivo pelo qual para chegar a uma resposta adequada deve ser analisada a presença dos seguintes elementos: conduta, resultado e nexo de causalidade e tipicidade (GRECO, 2017). Passa-se então à análise: a conduta foi dolosa; o resultado resultou em prejuízo; tipicidade: decorre da análise se incorreu tipicidade formal e material. Conclui-se que, no caso supracitado, houve atipicidade formal, ou seja, nas palavras de Greco (2017, p.71), “a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal”. Lopes (2016, apud Greco, 2017, p. 71), “ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social”. Do contrário, caso a conduta, apesar de formalmente típica, venha lesar de modo desprezível o bem jurídico protegido, não há que se falar em tipicidade material, o que transforma o comportamento em atípico, ou seja, indiferente ao Direito Penal e incapaz de gerar condenação ou mesmo de dar início à persecução penal. O princípio da insignificância dá ao operador do direito a possibilidade de aplicar a lei penal em consonância com a Constituição Federal de 1988, pois, é um instrumento garantidor que permite uma aplicação equilibrada do Direito, punindo somente a ofensa a bens de maior importância tutelado juridicamente. Para casos como o supracitado, o direito possui outros segmentos, que não a seara penal, seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce esta certa essa fonte ? 16 capazes de tutelar adequadamente a pretensão da vítima. Certamente é preciso deixar claro que a conduta em tela é reprovável, que o autor do fato foi, no mínimo, inconsequente e irresponsável, porém não há motivos para uma absurda repressão estatal. Outra importante ressalva a ser feita e que será objeto de estudo da próxima seção é quanto à forma de emprego do princípio da insignificância, pois acredita-se que não deva ser empregado de maneira arbitrária e muito menos desregrada, de modo a banalizar a justiça, mas sim aplicado de maneira criteriosa. O princípio da insignificância, embora seja ferramenta muito utilizada na atualidade, é tema polêmico no mundo jurídico. Sustentam alguns que sua aplicação banaliza o direito penal e passa uma postura de impunidade à sociedade e ao ofendido. Contrapondo esse entendimento, estão os defensores da aplicação do princípio em estudo. Para estes, a finalidade deste preceito é a de demonstrar que não cabe ao Direito Penal preocupar-se com bagatelas, assegurando a proteção de um bem jurídico de maneira a não permitir que condutas típicas de caráter meramente formal venham a ser punidas com excessivo rigor, proporcionando injustiça ao invés de justiça. (CAPEZ, 2017). Os que defendem a aplicação desse princípio alegam que as atribuições do Direito Penal estão além da preocupação com os chamados “pequenos delitos” haja vista esses não resultarem em prejuízos significativos para as vítimas. Ademais, tal princípio oportuniza a aplicação proporcional da pretensão punitiva do Estado ante a lesividade da conduta praticada, de maneira que o Poder Judiciário somente atue em casos de condutas típicas penalmente relevantes, de forma que possa conferir maior leveza e agilidade ao órgão detentor do ius puniendi, abarrotado, atualmente, de pequenas e insignificantes condutas e discussões. Cumpre esclarecer que, para se aplicar o Princípio da Insignificância, antes, deve se analisar as especificidades do caso. Nesse passo, Capez em seu artigo princípio da insignificância ou bagatela, publicado na Revista Jus Vigilantibus, em 19 de junho de 2009, afirma que “[...] o furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser”. Com esta observação o autor quis demonstrar que nem toda conduta criminosa pode ser alcançada por tal princípio, mas que deve ser observada no caso concreto a tipicidade da conduta e a extensão da gravidade do fato. O princípio da insignificância não tem previsão legal, mas encontra respaldo amplo na doutrina e jurisprudência pátria. Possui fundo constitucional, eis que está ligado à tipicidade material. Somente há crime se além da tipicidade formal, o fato lesar ou trouxer risco ao bem jurídico constitucionalmente tutelado. seguro Realce QUAIS DOUTRINADORES ? seguro Realce seguro Realce 17 Relevante destacar segundo Nucci (2017), que embora sua utilização seja mais comum em casos de furto, o supracitado princípio é de ampla aplicação, pois a insignificância ou bagatela expande-se por outros tipos do direito penal podendo ser aplicado na constância de diferentes crimes. Toda vez que o agente criminoso pratica uma conduta lesiva, a sociedade busca uma resposta do Estado detentor do poder de polícia, para que haja uma conduta punitiva diante do fato delituoso, de maneira a assegurar a proteção dos bens penalmente tutelados expostos a dano potencial ou ofensivo (CUNHA, 2017). 1.3 O princípio da insignificância ligado aos princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade e da adequação social O princípio da insignificância tem como objetivo assegurar a aplicação do princípio maior firmado na Constituição Federal de 1988, tendo relação próxima com outros três que são: o da intervenção mínima, da fragmentariedade e da adequação social. Greco (2017, p. 201) definiu o primeiro da seguinte forma, O Princípio da Intervenção Mínima, ou última ratio, é o responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito Penal, mas se presta também a fazer com que ocorra a chamada descriminalização. Se é com base neste princípio que os bens são selecionados para permanecer sob a tutela do Direito Penal, porque considerados como os de maior importância, também será com fundamento nele que o legislador, atento as mutações da sociedade, que com a sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores. Em outras palavras, é importante que seja verificado se a conduta que está criminalizando, causa danos a sociedade, para que seja justificada a sua inscrição em um tipo penal. O princípio é voltado ao poder legislativo ou para toda a comunidade legislativa, que, conjuntamente com a fragmentariedade do direito penal, coloca forma à lei em condutas mais relevantes, tornando-as ilícitas penalmente. Logo, fica comprovada a diferença entre o princípio da insignificância e o da intervenção mínima, na qual o primeiro é voltado ao caso concreto e ao operador do direito e o segundo é mais abstrato, direto do berço legis. (NUCCI, 2015). Com relação ao princípio da fragmentariedade, Greco(2017, p. 202) afirma que: O ordenamento jurídico se preocupa com uma infinidade de bens e interesses particulares e coletivos. Como ramos desse ordenamento jurídico, temos o Direito seguro Realce seguro Realce se for perguntado qual a intençao deste paragrafo ? o paragrafo foi escrito para deixar claro que o principio da insignificancia pode ser aplicado a qualquer crime desde que esteja diante dos requisitos elencados pela doutrina. seguro Nota dignidade da pessoa humana seguro Realce 18 Penal, o direito civil, o direito administrativo, o direito tributário, etc. Contudo, nesse ordenamento jurídico, ao Direito Penal cabe a menor parcela no que diz respeito à proteção desses bens. Para tanto, a natureza fragmentária do referido princípio, ou seja, nem tudo lhe preocupa, mas tão exclusivamente uma pequena parte, uma concentrada parcela de bens que encontram-se sob a sua proteção, mas que, sem equívoco, pelo menos em questão, são os mais respeitáveis e cogentes ao convívio em sociedade (ESPÍNDOLA, 2015). O princípio da adequação social supõe, desde já, a aprovação social da conduta, e está regulado sobre o desvalor da ação, ou seja, a ação socialmente adequada está, desde o início, excluída do tipo, porque se realiza dentro do âmbito de normalidade social. Por outra lado, o princípio da insignificância apenas supõe uma relativa tolerância da conduta por sua escassa gravidade, e está regulado sobre o desvalor do resultado, ou seja, a ação é amparada por uma causa de justificação, não considerando o crime, apesar de socialmente inadequada, em razão de uma autorização especial para a realização típica (BITENCOURT; PRADO, 2014). Com base nos princípios supracitados acima e na Constituição Federal de 1988, pode ser verificada que a tendência do direito penal, é a criação de mecanismos que tenham como objetivo contrabalançar sua aplicação de caráter que a condenação seja verdadeiramente a última ratio. Com base em seus pressupostos é que surge o princípio da insignificância como instrumento a ser utilizado pelo operador do direito contemporâneo. Para o direito penal, a insignificância, implica desprestígio de um objeto jurídico que via de regra depararia respaldo no direito positivo, mas que necessita ser avaliado sob dois aspectos básicos, quais sejam, eliminar do sistema o que já não possui mais relevância e não permitir que algo de pouca importância seja admitido no sistema, completando que a insignificância da lesão descaracteriza o juízo de tipicidade material projetada sobre o injusto, não existindo o que se falar em crime (GOMES, 2013). O Estado detentor do poder coercitivo deve punir somente aquilo que realmente for grave, tendo inclusive o dever de tornar as normas mais eficientes e presentes no cotidiano, pois não cabe mais ao direito penal moderno ocupar-se de fatos irrelevantes ou de pouca importância, já que com a constitucionalização do direito penal, a finalidade deste ramo do direito é tão somente ser aplicado quando houver prejuízo a um bem jurídico protegido CF/1988 (LOPES, 2016). O princípio da insignificância exsurge na seara penal com a finalidade de excluir a imputação objetiva de resultados, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal e adequando sua aplicação com os requisitos constitucionais. seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce INDISPENSAVEIS seguro Realce 19 Além dos princípios citados, outro que merece ser destacado é o da igualdade/isonomia, o qual encontra-se previsto de maneira expressa no caput do artigo 5° da CF/88, o qual dispõe: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]". Essa garantia se estende aos estrangeiros, mesmo que não residentes no país. Segundo Cretella Júnior (2016, p. 206) “todos são iguais perante a lei é preposição que enuncia um juízo de existência, o princípio de igualdade perante a lei, também denominado de princípio da igualdade formal [...]. Isso porque, para o referido autor, é impossível existir uma igualdade absoluta, devendo o princípio da igualdade ser entendido de forma relativa. Consoante a doutrina de Jorge Neto e Cavalcante (2013, p.120), todos os cidadãos devem ser tratados de forma equitativa, pois diante do princípio da igualdade, “a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas um instrumento que regula a vida em sociedade”. Acrescentam, ainda, que para que a igualdade seja considerada efetiva é necessário buscar a justiça real, concreta ou material, deixando de lado o aspecto formal. Para estes doutrinadores aplicar a lei de forma igualitária nem sempre será possível, pois os desiguais necessitam ser tratados de forma desigual. Quanto ao caso concreto, cabe ao judiciário, a utilização de mecanismos constitucionais no sentido de oferecer uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas. Deste modo, nota-se a finalidade do legislador constituinte ao prognosticar o recurso extraordinário ao STF (uniformização na interpretação da Constituição Federal) e o recurso especial ao STJ (uniformização na interpretação da legislação federal) (HUNGRIA, 2016). Deste modo, é necessário o estabelecimento pela legislação processual, mecanismo de uniformização de jurisprudência a todos os Tribunais, respeitando assim o princípio da igualdade e isonomia. Com base nos princípios supracitados neste capítulo e na Constituição Federal, verifica- se que a tendência do direito penal, é criar mecanismos que possam equilibrar sua aplicação de maneira que a proteção penal seja realmente a última ratio. Com base em seus pressupostos é que surge o Princípio da Insignificância como ferramenta a ser utilizada pelo operador do direito contemporâneo. seguro Realce seguro Realce seguro Realce PREVER seguro Realce seguro Realce direito penal do equilibrio 20 2 CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Neste capítulo, discorre-se sobre os crimes cometidos contra a administração pública. No Título XI do Código Penal Brasileiro (CPB), são descritos os crimes contra a administração pública. No capítulo I, discorre sobre os crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral, sendo dos artigos 312 a 327, deste modo, dentro deste capítulo no artigo 312 está expresso o crime de peculato. No capítulo II dedica-se aos crimes praticados por particular contra a administração em geral, através dos artigos 328 a 337-A. Dentro do capítulo II, no artigo 334 refere-se ao crime de descaminho. No Capítulo II-A, está os crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira, através dos artigos 337-B ao 337-D. Já no capítulo III, aborda sobre os crimes contra a administração da justiça, através dos artigos338 a 359. No capítulo IX, discorre sobre os crimes contra as finanças públicas, expressos entre os artigos 359-A ao 359-H. Dentre estes artigos, no artigo 327, não trata de nenhum crime, mostrando o conceito de funcionário público: Artigo 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. Os crimes abordados no presente estudo serão o de peculato expresso no artigo 312 do CP, sendoum crime praticado por funcionário público contra a administração em geral e de descaminho previsto no artigo 334 do CP, sendo um crime praticado por particular contra a administração em geral. Primeiramente, faz-se necessário mostrar o conceito de crime. 2.1 Definição de crime De um ponto de vista popular, crime é um ato que viola uma norma moral. Em sentido formal, crime é uma ação que viola a lei penal incriminadora descrito no tipo penal. Em sentido material, crime é uma ação ou omissão proibida, punível com sanção penal que afeta significativamente o bem jurídico tutelado, porque consiste em ofensa a bem jurídico individual http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9983.htm#art327%C2%A71 21 ou coletivo (NUCCI, 2015). Damásio de Jesus (2012, p. 149) traz o conceito de crime material, afirmando que “delito é a ação ou omissão, imputável a uma pessoa, lesiva ou perigosa a interesse penalmente protegido, constituída de determinados elementos e eventualmente integrada por certas condições, ou acompanhada de determinadas circunstâncias previstas em lei”. Damásio de Jesus (2012, p. 149), preceitua que “sob o aspecto formal, crime é um fato típico e antijurídico”. Contudo, os conceitos formal e material não são suficientes para traduzir o que seja em crime em sua dimensão, pois, não exaurem o que é crime na íntegra. Neste sentido preleciona Rogério Greco: [...] os conceitos formal e material não traduzem com precisão o que seja crime. Se há uma lei penal editada pelo Estado, proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente qualquer causa de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, não haverá crime. Já o conceito material sobreleva a importância do princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá crime quando a conduta do agente atentar contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo importante e necessário o bem para a manutenção e subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier a atacá-lo, em face do princípio da legalidade. (GRECO, 2017, p. 155). Em razão de os conceitos formal e material não expressarem o que seja de fato crime na universalidade é que surge o conceito analítico de crime. De maneira analítica, segundo Lopes (2012), o crime, para ser conceituado, deve ser dividido em duas vertentes: a clássica e a finalística. Embora existam várias teorias a respeito do crime, estas duas citadas são as que merecem destaque. Durante muito tempo o direito penal utilizou-se da teoria clássica, a qual caracteriza o crime como um fato típico, antijurídico e munido de culpabilidade, tendo como base um vínculo subjetivo entre a ação e o resultado de certa conduta. Entretanto o atual CP brasileiro adotou a segunda. Esta teoria excluiu a culpabilidade, tendo-a, apenas como pressuposto para a aplicação da pena. Alegam os defensores desta teoria que a culpabilidade não afeta a existência ou não de um crime e sim apenas influi na integração de uma pena (MAÑAS, 2014). Conforme Toledo (2012), para a teoria finalista, crime é um episódio típico e antijurídico, sendo a culpabilidade mera pressuposição para que a pena seja aplicada. Deste modo, dentro do fato típico, é analisada a conduta do agente, dolosa ou culposa, se tal conduta é típica, se existiu nexo de causalidade e, por fim, o resultado. De acordo com a teoria finalista da ação, o fato praticado pelo agente será típico se o agente atuou com dolo ou culpa na sua conduta, se houve nexo causal entre a conduta e o seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce codigo penal de 1940 seguro Realce 22 resultado, se ausente tais elementos, não poderá mais cindir-se da sua conduta, ambas estão ligadas entre si, devendo-se fazer uma análise de imediato no “animus” do agente para fins de tipicidade (TOLEDO, 2012). A teoria finalista permite que se analise a intenção do agente em sua conduta, avaliando se esta foi dolosa ou culposa, havendo nexo entre a conduta e o resultado, tais elementos definidores do fato típico, possibilitando maiores interpretações na ação do agente. Apesar de algumas discussões, em linhas gerais e para a maioria da doutrina, o crime consiste em uma conduta humana, positiva ou negativa, típica, antijurídica, punida por meio de sanções com a finalidade de inibir outras práticas similares (LOPES, 2012). Analiticamente conceituando crime, segundo Greco (2017) é um fato típico e antijurídico, cujos pressupostos são: a conduta do agente, o resultado, o nexo causal e a tipicidade esta que se divide em formal e material. A Conduta é a ação ou omissão humana consciente dirigida a uma finalidade. Existem três teorias referentes à conduta, quais sejam: causal, social e finalista. A causal incide num perpetrar voluntário que age sobre o mundo exterior. Essa teoria, norteada pela aplicação das leis naturais ao fenômeno penal, abstrai do exame do conteúdo da pretensão para a distinção da conduta, satisfazendo que se tenha certeza de que a conduta do agente foi voluntária para imputar-lhe o resultado. Segundo Damásio de Jesus (2012), é preconizado pela teoria social da conduta que esta é a concretização de um resultado socialmente acentuado, examinado pelas condições do direito e não pelas leis naturais. Por fim, através da teoria finalista é prevista que a conduta é a atividade final humana e não uma conduta meramente causal, que alude fundamentalmente numa finalidade. Destaque-se ainda as espécies de conduta e as excludentes da vontade. A conduta pode ser comissiva, praticada mediante uma ação, ou omissiva praticada mediante uma omissão. Não há que se falar em conduta nos atos reflexos, coação física irresistível e estados de inconsciência tais como: sonambulismo e hipnose, entre outros. O Resultado pressupõe a transformação que o comportamento humano voluntário provoca no mundo exterior (GONÇALVES, 2016). O nexo causal alude-se a junção que existe entre a conduta do agente e o resultado por ela determinado, ou seja, quando se analisa o nexo de causalidade e se depara quais condutas, positivas ou negativas, ofereceram causa ao resultado prognosticado em lei. De tal modo, para se pronunciar que alguém ocasionou um determinado fato, é cogente o estabelecimento da ligação entre a sua conduta e o resultado provocado, isto é, averiguar se de sua ação ou omissão aconteceu o resultado. Refere-se ao pressuposto inafastável tanto na seara cível (artigo 186 do seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce a conduta deve ser dirigida a uma finalidade especifica seguro Realce 23 Código Civil) como na penal (artigo 13 do Código Penal) (JESUS, 2012). Greco (2017, 173) define tipicidade como: A adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na lei penal. Por imperativo do princípio da legalidade, em sua vertente do nullum crime sine lege, somente os fatos tipificados na lei penal como delitos podem ser considerados como tal. A tipicidade, em linhas gerais, é o fato que se enquadra perfeitamente na descrição legal de um crime, é a reunião de todos os elementos de um crime, consiste então na adequação da conduta praticada ao tipo penal abstrato previsto em lei, é a concretização perfeita do fato abstratamente descrito como criminoso pela lei. A conduta deve se adequar perfeitamente ao tipo legal, sendo que em caso de não haver tal adequação será o fato considerado atípico. Damásio de Jesus (2012, p. 101) preleciona que: O legislador ao descrever o tipo legal descreve abstratamente os elementos da conduta lesiva, porém tal descrição não deve ser confundida com o fato concreto, pois, o fato concreto ao ser praticado envolverá várias circunstâncias, de natureza subjetiva ou objetiva, que podem ser ocasionaisou preparadas, que variam de acordo com as condições determinadoras do comportamento do agente. Assim sendo, como o legislador não consegue apresentar todos os elementos do crime, tendo em vista que estes alterarão segundo as circunstâncias do caso concreto, o tipo legal,conterá exclusivamente o necessário para individualizar a conduta estimada prejudicial, deixando em segundo plano as outras conjunturas que, ou servem para acrescentar ou diminuir a pena, ou são contribuições de sua dosagem. 2.2 Peculato Crimes cometidos contra a administração pública já eram conhecidos no direito romano, onde a subtração de coisas do Estado era reprimida como peculatus ou depeculatus, neste período o desvio de bens públicos a pena imposta dependendo do delito passaria de serviços forçados sem remuneração ao Estado até a morte do causador do delito, observa-se que neste período qualquer pessoa comum ou agente a serviço do estado pagaria pelo crime de peculato (COULANGES, 2015). Anteriormente à invenção da moeda, o comércio era feito de trocas, exemplo: um plantador de arroz trocava no comércio uma parte de sua colheita com um criador de gado ou outro tipo de alimento que este não produzia assim se desenvolvia o comércio neste período, seguro Realce seguro Realce seguro Realce o legislador não consegue estipular todos os requisitos para a tipicidade , assim devera ser levado em consideração o caso concreto . 24 carneiros e bois eram a outros objetos de comércio, por constituírem a expressão da riqueza, pois estes animais muitas vezes eram utilizados em sacrifício aos deuses em suas épocas específicas. (COULANGES, 2015). Como o gado (pecus) servia para realizar compras e pagar tributos, antes de ser introduzida a moeda cunha (ServioTullio), os antigos romanos conheceram o peculato como furtumpecuniaevelfiscalis. Por meio da Lex Julia peculatus, o delito passou a compreender, também, a subtração de coisas sacras e o desvio de dinheiro particular confiado aos destino certo, chamava-se crimen de residuis. (FRANÇA, 2013). O Código penal do Império não incluiu o peculato entre os delitos funcionais. Alocou-o em seu título V I- dos crimes contra o tesouro público e propriedade pública, art.170, incriminando o “apropriar-se o empregado público, consumir, extraviar ou consentir que outrem se aproprie, consuma ou extravie, em todo ou em parte, dinheiro ou efeitos que tiver a seu cargo”. Não previu a graduação da pena de prisão conforme o prejuízo acusado; só o fez em relação à multa (MOMMSEN, 2013). O diploma penal de 1890 colocou-o entre os crimes contra a boa ordem e administração pública, no artigo 221, punindo o peculatário como prisão celular por seis meses a quatro anos, perda do emprego e multa de 5 a 20% da quantia ou valor apropriado, extraviado ou consumido. Nele se inseriu o agente público cuja conduta consistisse em: “Subtrair, consumir ou extraviar, dinheiro, documento, efeitos, gêneros ou quaisquer bens pertencentes à fazenda pública, confiados à sua guarda ou administração ou à de outrem sobre quem exerça fiscalização em razão do ofício” (FRANÇA, 2013, p. 323). No artigo 222, apenou-se com a suspensão do emprego e multa proporcional quem emprestava dinheiro ou efeito público, ou fazia pagamento antecipado, não tendo para isso autorização (MOMMSEN, 2013). No ano de 1923, através do decreto n.º 4.780, o peculato foi regulado em quatro artigos que redundaram nos artigos 221,222 e 223 da consolidação das Leis Penais, do Desembargador Vicente Piragibe, vinda à luz em 1932: Era a letra do artigo 221: O funcionário público que se apropriar, subtrair, distrair ou consentir que outrem subtraia ou distraia dinheiro, documentos, títulos de crédito, efeitos gêneros quaisquer outros bens móveis, públicos ou particulares, dos quais tenham a guarda, o depósito, a arrecadação ou a administração, em razão de seu cargo, seja este remunerado ou gratuito, permanente ou temporário, será punido (FRANÇA, 2013, 213). O artigo 222, do decreto n.º 4.780 previu o peculato do funcionário que, não tendo a seguro Nota 1830 seguro Realce 3 ou 4 artigos ? seguro Realce 25 posse da coisa, valia-se da facilidade proporcionada por seu cargo para a prática dos atos previstos no artigo antecedente. A concorrência para o peculato de outrem importava a mesma punição do artigo 221. Atualmente, o crime de peculato encontra-se expresso no artigo 312 do CP. No presente dispositivo legal mostra sobre o peculato e peculato culposo § 2º, assim sendo: Artigo 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá- lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. § 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. § 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta. O objeto jurídico do peculato é a moralidade da administração pública, bem como seu patrimônio. Eventualmente, é protegido o patrimônio do particular quando este estiver sob a guarda daquela. Conforme Nucci (2015) o peculato ocorre quando um funcionário público se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel público ou particular, tendo o mesmo que cumprir pena de dois a doze anos e multa. Já o peculato culposo, é caso se o funcionário concorre de maneira culposa para o crime de outrem, cumprindo pena de três meses a um ano. O artigo 313, do CP, trata do peculato mediante erro de outrem: “Artigo 313 - Apropriar- se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”. A inserção de dados falsos em sistema de informações, também é denominado um tipo de peculato, estando expresso no artigo 313A: Artigo 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Conforme Nucci (2015), o crime de peculato pode ser perpetrado apenas por funcionário público, apreendido este no sentido mais extenso trazido pelo artigo 327 do CP. seguro Realce seguro Realce peculato malversação 26 Quanto ao processo e julgamento dos crimes contra a administração pública, encontra- se regulado no CPP, em seus artigos 513 a 518. Segundo Nucci (2015), os crimes abordados no Título XI, do Capítulo I, do CP, são afiançáveis. Quanto aos crimes funcionais, depara-se com crimes elencados entre os artigos 312 ao 327, do CP. Para tanto, o crime de peculato é um crime afiançável. Para tanto, o crime de peculato pode ser doloso ou culposo (art. 312, § 2º). O primeiro é gênero de quatro espécies: o peculato-apropriação (art. 312, caput, 1ª parte), o peculato-desvio (art. 312, caput, 2ª parte), o peculato furto (art. 312, § 1º) e o peculato mediante erro de outrem (peculato-estelionato) (art. 313). Note que, as duas modalidades de peculato previstas no caput do artigo em comento correspondem a espécies de crimes funcionais próprios (ser funcionário público é elementar do tipo), ao passo que, a modalidade do § 1º, impróprio (CUNHA, 2017). Quanto ao processamento, no artigo 514 do CPP, aborda sobre o procedimento e julgamentodos crimes cometidos pelo funcionário contra a administração pública: Artigo 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias. Parágrafo único. Se não for conhecida a residência do acusado, ou este se achar fora da jurisdição do juiz, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a resposta preliminar. Conforme o referido dispositivo legal, é previsto a não aplicação da ação penal promovida contra o ex funcionário público. Através do artigo 514, seu fundamento legal é de defesa preliminar, ou seja o processo por crimes de responsabilidade de servidores públicos. Portanto, por meio do dispositivo legal, é dada a oportunidade do funcionário acusado apresentar, antes do recebimento da denúncia, defesa escrita, em 15 dias. Diante isso, quando oferecida a denúncia, o servidor será notificado para apresentar a peça processual conhecida como defesa preliminar, posteriormente a qual será decido pelo juiz se recebe ou se abdica a denúncia de acordo com art. 395 do CPP, julgando incoerente o pedido. É mister destacar os entendimentos dos tribunais superiores a respeito do procedimento do art. 514 do CPP, de acordo com a Súmula 330 do STJ, é dispensável a defesa preliminar do artigo 514, quando a denúncia estiver lastreada em inquérito policial. Já de acordo com o STF, se o servidor estiver na ativa, a falta de defesa preliminar exposta no artigo 514 do CPP, é gerada a nulidade absoluta. E quando o servidor estiver na condição de aposentado, a falta de defesa preliminar determina nulidade relativa do procedimento. Quanto a competência de julgar depende, pode ser da justiça federal ou estadual. seguro Realce seguro Realce seguro Realce 27 2.3 Descaminho O descaminho segundo Nucci (2015), refere-se a importação ou exportação de mercadorias cuja comercialização seja legalmente admitida com a episódio de fraude no pagamento de tributos. Este tipo de crime é consumido com a ajuda proporcionada ao contrabandista, ainda que este não consiga entrar ou sair do país com a mercadoria. Assim, a ação penal é pública incondicional, de jurisdição da Justiça Federal. O crime de descaminho encontra-se expresso no artigo 334 do CP, in verbis: Artigo 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 1º Incorre na mesma pena quem: I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho; III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. § 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. § 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial. Conforme Prado (2017), segundo a introdução da Lei nº 13.008, de 26.6.2014,o mencionado artigo traz em seu bojo a classificação de duas figuras típicas distintas, a primeira delas é o descaminho no artigo 334, que consiste fraudar o pagamento de tributos aduaneiros, impostos devidos pela entrada ou saída de mercadorias do território nacional. E no artigo 334 A, sobre o contrabando, que diz respeito à introdução de mercadoria proibida em território nacional ou a exportação desta. O descaminho, conforme o CPB, é uma das fraudes à Fazenda Pública, no que se alude ao imposto para importação de produtos estrangeiros, porém legais no Brasil. A pena prevista pelo referido dispositivo legal é de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, na hipótese em que o crime de contrabando ou descaminho seja praticado por meio de transporte aéreo, aplica-se a pena em dobro (artigo 304, § 3º). seguro Realce seguro Realce 28 Segundo Greco (2017), o crime de descaminho está tipificado no artigo 334 do CP e, em sua primeira parte (importar ou exportar mercadoria proibida) encontra-se o delito de contrabando próprio, enquanto na segunda parte do dispositivo (iludir no todo ou em parte o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria) está descrito o crime de descaminho ou contrabando impróprio. Assim, nota-se que num mesmo dispositivo estão elencados dois delitos de naturezas distintas, em que o crime de descaminho consiste na fraude no pagamento de tributos, corresponde à sonegação fiscal, delito de natureza tributária, enquanto o delito de contrabando não atenta contra o erário público, pois não possui natureza tributária, mas visa a proteger outros bens jurídicos extrafiscais, e interesses econômicos- estatais. Segundo Hungria (2016), o descaminho é compreendido como a fraude predisposta a frustrar, absoluta ou parcialmente, o pagamento de direitos de importação ou exportação ou do imposto de consumo sobre mercadorias. Conforme Lenza (2015, p. 760): O Superior Tribunal de Justiça vinha aplicando o princípio da insignificância, reconhecendo a atipicidade da conduta quando o valor corrigido do tributo devido não superava R$ 1.000,00, argumentando que a Fazenda Pública dispensava o ajuizamento de execução fiscal para cobrar valores até esse limite com base na Lei n. 9.469/97. O artigo 1º-A, da referida lei foi, entretanto, modificado pela Lei n. 11.941/2009. Pelo texto atual, segundo Greco (2017), está aprovado o não ajuizamento de ação e a solicitação da extinção das ações em curso, conforme os critérios de custos de administração e cobrança. Foi afastado, assim, um valor verificado, passando a decisão de nomear ou não a ação ao Advogado-Geral da União, que carecerá se pautar de acordo com o cabimento para a administração em face do valor que investiga e os custos da ação. Nota-se, contudo, no caso de dívida ativa da união, que é estabelecido no parágrafo único do artigo 1º A da lei nº 9.469/97, incluído pela Lei nº 11.941, de 2009, e nos processos em que a representação judicial seja adjudicada à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, não é admissível tal discricionariedade, o que tornará indispensável reapreciação do tema pelo STJ. Diante disso, é importante destacar que caso o autor do delito, solicite o pagamento da dívida antes do recebimento da denúncia, estará este livre de qualquer punibilidade e cobrança, tanto no âmbito civil, quanto no penal (HUNGRIA, 2016) Conforme Gonçalves (2016), segundo o artigo 34 da Lei n. 9.249/95 institui que é extinta a punibilidade dos crimes definidos na Lei n. 8.137/90 e na Lei n. 4.729/65, quando o agente realizar o pagamento do tributo ou contribuição social, com inclusão acessórios, antes seguro Realce aplica se a lei 8137 /90 seguro Realce indisponibilidade da ação seguro Realce seguro Realce que bosta é essa ? 29 do recebimento da denúncia. Apesar de não mencionar o descaminho na referida lei, entende- se que o dispositivo é aplicável ao referido delito, pois, como os demais, atinge a ordem tributária. Para que o crime de descaminho seja configurado, segundo Nucci (2015) é indispensável a precedente constituição do crédito tributário naesfera administrativa. A 5ª turma do STJ, através deste entendimento, cancelou ação penal contra dos indivíduos denunciados pelo crime previsto no artigo 334 do CP. Para os ministros dessa turma, é inaceitável o emprego da ação penal antes que seja dada a conclusão do procedimento administrativo. A competência para o processo e julgamento do crime de descaminho, é definido pela cautela do juízo federal do lugar da apreensão dos bens, como aponta a súmula nº 151 do STJ, a qual vem sendo aplicada pelo tribunal de maneira regular. O próprio tribunal apresenta determinações que, ponderando o caso concreto, é retirada a competência do local de apreensão dos bens, sendo os artigos 78, inciso II, alínea “c”, e 83, ambos do CPP, em caso de agrupamento de jurisdições da mesma hierarquia, a competência será consolidada pela prevenção. Diante a explanação dos crimes de peculato e descaminho, verifica-se que que ambos tem como objeto jurídico tutelado o patrimônio público, mesmo que de forma indireta, pois o peculato protege os bens e valores públicos (além da moralidade pública), enquanto que o descaminho protege a arrecadação tributária. Para tanto dando sequência ao presente estudo, o capítulo seguinte discorrerá sobre a possibilidade de o princípio da insignificância ser aplicado aos crimes de peculato e descaminho. seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce 30 3. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A POSSÍVEL APLICABILIDADE AOS CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇAO PÚBLICA 3.1 Conceito de funcionário público Segundo o artigo 327 do CP, o funcionário público é considerado, para os efeitos penais, quem, embora temporariamente ou sem remuneração, desempenha cargo, emprego ou função pública. Da mesma forma, para efeito do referido artigo, compreende-se o funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal. Para tanto o funcionário público é caracterizado pelo exercício da função pública. Conforme Nucci (2015), para efeitos de incidência entre os chamados crimes contra a administração, entende-se como funcionário público aquele que, embora de forma transitória, exerce cargo, emprego ou função pública. Assim sendo, são compreendidos os funcionários designados e investidos em seus cargos, pagos pelos cofres públicos, como ainda aqueles servidores mensalistas, diaristas, tarefeiros ou contratados a título precário, bem como aqueles que prestam serviços públicos, sem remuneração, como jurados, presidentes e componentes de mesas receptivas e apuradores de voto, por exemplo (NUCCI, 2015). 3.2 Critérios para aplicação do princípio da insignificância O princípio da insignificância deve ser aplicado nos crimes classificados como de “bagatela”, que segundo Gomes (2013, p. 15) são definidos como: “[...] algo insignificante, de ninharia ou, em outras palavras, não se trata de um ataque intolerável ao bem jurídico, que necessite da intervenção penal”. A aplicabilidade ou não do princípio da insignificância dependerá do caso concreto. Na análise do caso, o aplicador do direito verificará se o bem jurídico foi atingido ou não, e se atingido observará qual o grau desta lesão. Ocorrendo uma lesão em grau inferior aos objetivos do legislador penal, com base no princípio da insignificância, a tipicidade será afastada. Bitencourt (2014, p. 52) ensina que “[...] a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica”. Todavia, para impedir o desvirtuamento dos fins esperados com a sua aplicação do princípio da insignificância, qual seja afastar a intervenção penal quando devidamente seguro Realce 31 dispensável, devem-se adotar critérios rigorosos. Acontece que os critérios para aplicação do princípio da insignificância não estão dispostos na lei, assim sendo, a jurisprudência e a doutrina discordam quanto ao seu reconhecimento no caso concreto. Sobre o tema, Nucci (2015, p. 176) quanto aos critérios de aplicação do princípio da insignificância esclarece que: “[...] a doutrina e a jurisprudência não chegam a um consenso quanto aos requisitos necessários para reconhecimento do princípio da insignificância, consequentemente, provocando a absolvição, por exclusão da tipicidade”. Gomes (2013, p. 22) argumenta que o aplicador do direito necessita descartar os critérios individuais para aplicação do princípio da insignificância, visto que: [...] critérios pessoais não têm nenhum sentido, porque o que interessa (para o fim da tipicidade ou atipicidade) é o fato praticado e não as tendências ou inclinações subjetivas do autor (especialmente porque o fato realmente insignificante é típico tão só na aparência, mas não materialmente). Em sentido antagônico, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento que, verdadeiramente em acuradas condutas, não se justifica o movimento da máquina estatal. Entretanto, a aplicação do princípio da insignificância é importante que sejam observados alguns critérios, além da lesão ocasionada bem jurídico tutelado, como o perfil subjetivo do agente, as condições financeiras da vítima, bem como o abreviado desvalor da conduta e do resultado. Nesse sentido, segundo o STF, os critérios de aplicação do princípio da insignificância devem-se observar tanto os requisitos objetivos, quanto subjetivos. Como se pode notar não existe, dentre os critérios definidos pelo Supremo Tribunal Federal, um valor predeterminado para a aplicação do princípio da insignificância. No julgamento do Recurso Especial n° 1.218.765/MG, julgado em 01 de março de 2011, pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Gilson Dipp: “A Turma afastou o critério adotado pela jurisprudência que considerava o valor de R$ 100,00 como limite para a aplicação do princípio da insignificância [...]”. (BRASIL, 2011). Deste modo, conforme elucida Gomes (2013, p. 19) além do desvalor do resultado deve- se verificar também para aplicação do princípio da insignificância critérios objetivos e os subjetivos, ou seja, “[...] outras circunstâncias do fato e do autor”. O princípio da insignificância deverá ser aplicado quando presentes os critérios objetivos e subjetivos, afastando, assim, a intervenção penal, não excluindo, entretanto, a possibilidade do agente responder civilmente e/ou administrativamente. seguro Realce em sentido contrario seguro Realce seguro Realce seguro Realce seguro Realce 32 Acerca da aplicação do princípio da insignificância, Bitencourt (2014, p. 51) afirma que cabe ao Poder Legislativo delimitar o desvalor da ação, bem como do resultado: Deve-se ter presentes que a seleção dos bens jurídicos tuteláveis pelo Direito Penal e os critérios a serem utilizados nessa seleção constituem função do Poder Legislativo, sendo vedada aos intérpretes e aplicadores do direito essa função, privativa daquele Poder Institucional. Agir diferentemente constituirá violação dos sagrados princípios constitucionais da reserva legal e da independência dos Poderes. O fato de determinada conduta tipificar uma infração penal de menor potencial ofensivo (artigo 98, I, da CF) não quer dizer que tal conduta configure, por si só, o princípio da insignificância. Os delitos de lesão corporal leve, de ameaça, injúria, por exemplo, já sofreram a valoração do legislador, que, atendendo as necessidades sociais e morais históricas dominantes, determinou as consequências jurídico-penais de sua violação. Os limites do desvalor da ação, do desvalor do resultado e as sanções correspondentes já foram valoradas pelo legislador. As ações que lesarem tais bens, embora menos importantes se comparados a outros bens como a vida e a liberdade sexual, são social e penalmente relevantes. Entretanto, alguns doutrinadores entendem que cabe ao PoderJudiciário adequar-se à realidade social, aplicando ao caso concreto o princípio da insignificância quando presentes os critérios objetivos e subjetivos. Sendo que tal adequação não violaria o princípio constitucional da reserva legal e da independência dos Poderes (NUCCI, 2015). É importante salientar que, conforme já mencionado, os critérios para aplicação do princípio da insignificância não estão dispostos em lei, e, portanto, cada aplicador do direito adota o critério de acordo com seu entendimento. Assim, segundo Bitencourt (2014), por força desta discricionariedade do aplicador do direito, o princípio da insignificância poderá ser aplicado ou não, o que gera uma insegurança jurídica, em decorrência das diferentes práticas cometidas pelos agentes. Assim sendo, entende-se ser necessário, segundo Gomes (2013) que o legislador penal estabeleça expressamente quais são os critérios (objetivos e subjetivos) para aplicação do princípio da insignificância, sanando, desta forma, as divergências que abarcam o tema, evitando decisões divergentes, ou seja, livre de convencimento (motivado), pois, em alguns casos o princípio da insignificância é aplicado, já em outros casos idênticos ou semelhantes, o aplicador do direito entende pela não aplicação deste. Portanto, até que se estabeleçam os critérios legais, para evitar decisões divergentes, entende-se que deve estar presente, no caso concreto, tanto os critérios objetivos quanto os subjetivos, ou seja, análise para reconhecimento da insignificância deve ser mais rigoroso, evitando, assim, a impunidade (NUCCI, 2015). seguro Realce seguro Realce seguro Realce não deixar a decisão totalmente amparada no livre convencimento motivado 33 3.3 Da (in) aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes de peculato e descaminho Conforme Prado (2017), o crime de peculato é classificado como material, significando que, para a consumação, é indispensável ao acontecimento de um resultado naturalístico, conforme exposto no artigo 312“caput” e demais, do Código Penal, acontece com a eficaz apropriação do dinheiro, valor ou bem móvel público ou particular no momento em que, de fato, há o desvio apropriação ou subtração. Foi decidido pelo STJ, por meio do julgamento do HC 310.458/SP, segundo decisão jurisprudencial do STJ: PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. PECULATO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MORALIDADE ADMINISTRATIVA. WRIT NÃO CONHECIDO. […] 3. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não ser possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de peculato e aos demais delitos contra Administração Pública, pois o bem jurídico tutelado pelo tipo penal incriminador é a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica. (HC 310.458/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/10/2016, DJe 26/10/2016). Segundo o STJ, o princípio da insignificância aos crimes contra a administração pública não é aplicável, pelo fato da norma jurídica resguardar não exclusivamente a dimensão material, mas, especialmente, a moral administrativa. Segundo este tribunal: Não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a administração pública, uma vez que a norma visa resguardar não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moral administrativa, insuscetível de valoração econômica. PERDA DO CARGO PÚBLICO. EFEITO EXTRAPENAL. ARTIGO 92, I, A DO CÓDIGO PENAL. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. Não há que se cogitar de ausência de fundamentação válida na decisão que decretou a perda do cargo público do apenado, pois evidenciou, a partir de elementos concretos, a violação de dever para com a Administração Pública (STJ. REsp 1.382.289/PR – AgRg. Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª turma. j. 05.06.2014. DJe 11.06.2014). Deste modo, não caberia a aplicação do princípio da insignificância ao crime de peculato e aos demais crimes contra a Administração Pública. Mesmo apresentando caráter patrimonial, o crime de peculato resguarda a moralidade administrativa1, de caráter que não seria 1A moralidade administrativa significa que o administrador no exercício de sua função, deve, sobretudo distinguir o honesto do desonesto e não poderá desprezar o elemento da conduta, este princípio encontra-se elencado no artigo 37 “caput” da Constituição Federal. seguro Realce seguro Realce seguro Realce 34 proeminente o valor do bem apropriado/desviado/subtraído. Conforme Melo (2014) quanto a moralidade, o funcionário deve atuar de maneira ética, pois violar os princípios éticos ocasionaria em uma violação do Direito em si mesmo. Quando existe lesão ao patrimônio público, mas não à moralidade, é possível ser aplicado o princípio da insignificância. Cabe frisar que no percurso deste trabalho, foi aprovado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), aSúmula n. 599, no dia 20 de novembro de 2017, com o seguinte teor: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública”.Mesmo antes da súmula, n. 599/2017, existiam julgados, deste tribunal, contra a aplicabilidade do princípio da insignificância ao crime de peculato, conforme inclusive fora mostrado acima. Para Gomes (2013), através do referido princípio, é excluída a tipicidade do delito, eliminando assim a punibilidade do agente. Ainda leciona que, por meio da falta de previsão legal incorporada aos argumentos de que o crime de peculato não está ligado puramente ao patrimônio público e sim aos aspectos morais e dignos, faz com que a aplicabilidade deste princípio ao crime de peculato não tenha unanimidade na jurisprudência Pátria. O Tribunal do Estado do Mato Grosso do Sul já reconheceu a aplicação do referido princípio em crimes cometidos contra administração pública , assim, entendendo: EMBARGOS INFRINGENTES – PECULATO – IMPEDIMENTO DA MAGISTRADA SENTENCIANTE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – RECURSO PROVIDO. Inviável a apreciação acerca da nulidade em decorrência do impedimento da magistrada sentenciante, porquanto justamente o princípio da insignificância visa evitar que ocorra a movimentação do Judiciário em situações inexpressivas. Tanto mais no presente caso, repetir-se o processo em relação a fatos de tão pequena lesão jurídica e, que em parte foi revertido para a vítima, porquanto R$ 88,00 (oitenta e oito reais) foram utilizados para conserto do portão eletrônico. Na esfera criminal, a conduta praticada pela indiciada não alcança relevância, pois além de ínfimos os valores, há que se considerar a mínima ofensividade da conduta do agente. Mesmo envolvendo órgão público, o jus puniendi deve ficar restrito aos casos em que efetivamente haja perturbação do meio social, o que não ocorreu na hipótese. (Embargos Infringentes em Apelação Criminal – Reclusão TJ/MS; Des. Carlos Eduardo Contar; Seção Criminal; Julgamento: 20/04/2015). Conforme Capez (2017), a aplicação do princípio da insignificância é aplicado uma vez que o fato que ocasionou lesão ao patrimônio público não proporcionou proeminência jurídica satisfatória que ensejasse a atuação do Direito Penal. Cabe ressaltar que o entendimento do STJ, é pela não a aplicação do princípio da insignificância, haja vista que entende que o objeto tutelado é a moralidade pública, já o STF, seguro Realce 35 entende que se aplica tal princípio, conforme supracitado. Dos crimes tipificados no Título XI do Código Penal, os de maior incidência prática são os de peculato e de descaminho. Tais delitos são de ação pública incondicionada, devendo a autoridade administrativa
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