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G av in D /iS to ck ph ot o. co m Transportes no Brasil 06 J u l – 2 0 1 8 06 Edição Rotina nas estradas A greve dos caminhoneiros trouxe prejuízos à sociedade, mas também mostrou a precariedade do trabalho desses profissionais. Monopólio do asfalto Cresce a necessidade de pensarmos em novas alternativas para o transporte de cargas e passageiros no país. Carreira: Engenharia de Transportes e Logística A profissão que exige aptidões para a resolução de problemas que envolvem tráfego, mobilidade urbana e cadeia de suprimentos. A paralisação do transporte rodoviário de cargas mostrou o quanto somos dependentes da logística operada sobre rodovias e funcionou como alerta de que soluções efetivas ainda podem estar distantes Editorial Nesta edição E x p e d i e n t e Transportes no Brasil Adentramos o terceiro milênio com uma predominância de rodovias, em detrimento das estradas de ferro e do escoamento de cargas por hidrovias. Atualmente, o Brasil tem mais de 1,6 milhão de quilômetros de rodovias e estradas, enquanto a malha ferroviária, que já foi o principal modal do território nacional, encolheu para 30 mil quilômetros de extensão. Quando o sistema rodoviário passou a se desenvolver em uma escalada incessante a partir dos anos 1950, ainda não havia problemas colaterais graves para nosso desenvolvimento econômico. O Brasil Colônia tinha como malha mais importante os rios e a costa marítima. Fora d’água, havia trilhas limitadas pelas quais produtos diversos, incluindo a rica mineração, eram levados no lombo de burros ou em carroças. No período imperial, um grande avanço tecnológico tomou conta do país: as ferrovias começaram a mudar a cara do Brasil com o empreendedorismo do Barão de Mauá, a partir de 1854. O Ciclo do Café, de meados do século XIX até início do século XX, exigiu uma rede de transportes rápida e muito eficiente. E isso se deu com a ferrovia, que passou a ser o principal meio de transporte brasileiro. O Ciclo do Café, porém, teve sua queda, e o tráfego de trens de carga foi drasticamente reduzido. Não demorou para que o presidente Washington Luís, na década de 1920, decidisse investir em estradas, ainda que timidamente. Foi no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) que as rodovias ganharam terreno. O motivo: Juscelino investiu muito para que grandes fabricantes de automóveis se instalassem no Brasil (e para que os que já existiam incrementassem seus investimentos). Assim, na década de 1950, as rodovias trouxeram uma ideia de modernidade, enquanto as ferrovias passaram a ser consideradas “coisa do passado”. Depois de cinco décadas, ainda temos um sistema de transporte majoritariamente rodoviário, do qual nos tornamos dependentes. Assim, surge a necessidade de buscar novas alternativas, como o resgate das ferrovias e até mesmo das hidrovias, para diversificar os meios de transporte no país. Inspirada pela crise do combustível e pela paralisação do transporte rodoviário de cargas, esta edição do Leia Agora traz uma análise acerca da atual situação dos transportes no Brasil e nos convida a abrir uma reflexão sobre o nosso futuro. Cada seção faz sua abordagem sobre o tema, e, no final, temos condições de visualizar um panorama desse assunto tão importante. Boa leitura! Equipe Leia Agora Direção geral Nicolau Arbex Sarkis Gerente editorial Emilia Noriko Ohno Coord. de projetos editoriais Marília L. dos Santos G. Ribeiro Analista de projetos editoriais Brunna Mayra Vieira da Conceição Edição / Texto Anaiza Castellani Selingardi Bruno Freitas Cláudio Leyria Edilene Faria Érica M. Bettoni Hayashibara Thaís Inocêncio Projeto gráfico Willyam Gonçalves Revisão Ana Paula Candelária Kemi Tanisho Márcia de Paiva Fernandes Diagramação Débora Guedes Licenciamento Jade Cristina Bernardino 7 ROTINA NAS ESTRADAS ENTRELINHAS Paralisação no transporte rodoviário de cargas trouxe problemas à sociedade, mas evidenciou as precariedades com as quais os profissionais da área convivem diariamente. 9 A REALIDADE DO TRANSPORTE BRASILEIROCONTEXTO A dependência da malha rodoviária e a necessidade de investir em novas alternativas para o transporte de cargas e passageiros. 12 ENGENHARIA DE TRANSPORTES E LOGÍSTICA ENTREVISTA A profissão que exige aptidões para a resolução de problemas que envolvem tráfego, mobilidade urbana e cadeia de suprimentos. 2 // N O TÍC IA S EM FO C O Meio ambiente Educação Internacional Esporte Brasil O talento de origem africana conquista a Copa No restaurante Les Ambassades, de Dacar, a capital do Senegal, explode uma algazarra de júbilo. O jogador francês Pogba acaba de marcar o terceiro gol contra a Croácia na final da Copa da Rússia. No final da disputa, muitos senegaleses celebram como se uma equipe africana tivesse conquistado a vitória. E o fato é que praticamente foi: 14 dos 24 jogadores da seleção francesa têm sua origem familiar neste continente, quase todos filhos de emigrantes chegados à França. 16 jul. 2018 – El País Estudantes do Fies terão até 18 meses para quitar dívida com escolas Os estudantes beneficiados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que estiverem devendo às instituições de ensino nas quais estão matriculados poderão negociar o parcelamento da dívida em até 18 meses, de acordo com resolução publicada em 13 de junho pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no Diário Oficial da União. Segundo o FNDE, até o ano passado era preciso estar quite para fazer a renovação do contrato do Fies, agora basta que o estudante faça uma negociação do pagamento antes da renovação. 13 jun. 2018 – Agência Brasil Evento internacional discute no Rio economia da bicicleta Interessados em ciclismo de todo o mundo estão reunidos no Velo-City, fórum que pela primeira vez acontece na América Latina, com uma pauta sobre a bicicleta e suas conexões com educação, transporte, turismo, lazer, cultura, inovação, sustentabilidade e políticas públicas. A indústria empregou mais de 7 mil pessoas em 2016 na fabricação de bicicletas, peças e componentes diversos, em 296 estabelecimentos em todo o país. Em 2006, essa indústria era responsável por pouco mais de 4 mil postos de trabalho. 13 jun. 2018 – Agência Brasil Kim Jong-un diz que “mundo verá grande mudança” Coreia do Norte e Estados Unidos decidiram deixar o passado para trás, e “o mundo verá uma grande mudança”, segundo o líder norte-coreano Kim Jong-un, que em 12 de junho assinou uma declaração ao lado do presidente dos EUA, Donald Trump. Em um dos quatro itens do documento, Kim se compromete a trabalhar pela desnuclearização completa da península coreana, reafirmando o que foi determinado pela Declaração de Panmunjon, assinada em 27 de abril de 2018 pelas duas Coreias. O esperado e histórico encontro de Donald Trump e Kim Jong-un aconteceu em Singapura. 11 jun. 2018 – G1 Antártida perde 2,7 trilhões de toneladas de gelo em 25 anos A Antártida está assistindo a um derretimento acelerado. Segundo imagens de satélites que monitoram o continente gelado, ele está perdendo 200 bilhões de toneladas de gelo por ano. O efeito imediato desse derretimento para o meio ambiente é o aumento global do nível do mar em aproximadamente 0,6 milímetros anuais – um número três vezes maior se comparado com os dados de 2012. Cientistas fizeram um levantamento da massa do manto de gelo antártico no período de 1992 a 2017. As informações terão de ser levadas em consideração pelos governos para proteger as comunidades costeiras de áreas de baixa altitude. 14 jun. 2018 – BBC Doze meninos e técnico de futebol são retirados de caverna na Tailândia Os 12 meninos de um time de futebol e o técnico deles foram retirados da caverna Tham Luang, no norte da Tailândia, onde estavam presos desde 23 de junho. Na terça-feira (10), foram resgatados os últimos quatro meninos e o técnico. O terceiro e último dia de operação foi o mais desafiador porque choviae havia mais pessoas a serem resgatadas. Os garotos, que têm entre 11 e 16 anos, e o técnico ficaram nove dias sem comer até serem encontrados por dois mergulhadores ingleses. 10 jul. 2018 – G1 3 Onde a gasolina é mais cara no mundo? Preço por litro Hong Kong: R$ 7,731o Islândia: R$ 7,70 Noruega: R$ 7,44 2o 3o Holanda: R$ 7,114o Dinamarca: R$ 7,045o *O Brasil ocupa a 91a posição no ranking mundial, com um preço médio de R$ 4,30 por litro de gasolina. Fonte: <www.globalpetrolprices.com/gasoline_prices/>. Acesso em: 10 jul. 2018. *Todas as notícias foram adaptadas e todos os sites foram acessados em 16 jul. 2018. // N O TÍC IA S EM FO C O Greve dos caminhoneiros custará R$ 15 bilhões para a economia Os dez dias de greve dos caminhoneiros custarão R$ 15 bilhões para a economia, o equivalente a 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país), informou o Ministério da Fazenda. De acordo com a pasta, o ministro Eduardo Guardia repassou a estimativa dia 11 de junho em reunião com investidores em São Paulo. Por causa da paralisação, a previsão oficial de 2,5% de crescimento do PIB para este ano poderá ser revista para baixo. O número só será divulgado no fim deste mês, e o ministro não informou mais detalhes. 13 jun. 2018 – Agência Brasil Pesquisa diz que 76% dos paulistanos aceitam restringir uso de carros A maior parte da população da cidade de São Paulo, 76%, apoia a adoção de medidas para restringir a circulação de veículos e diminuir a poluição do ar na capital, segundo pesquisa divulgada em 13 de junho pela Rede Nossa São Paulo. O estudo encomendado ao Ibope pela organização não governamental ouviu 800 pessoas de todas as regiões da cidade em abril. Entre os favoráveis a essas ações, 30% acreditam que a inspeção veicular, verificando os níveis de emissões de poluentes dos automóveis, é a melhor opção. 13 jun. 2018 – Agência Brasil Apicultor faz etanol a partir de mel e dribla crise dos combustíveis O apicultor Luiz Jordans Ramalho Alves, de Vitória da Conquista (BA), é autossuficiente em etanol desde 2015, quando, por insistência em aproveitar todo o descarte do mel, acabou descobrindo que era possível obter o combustível a partir do produto. “Fiz um teste com meu carro e funcionou”, disse Jordans. Ele possui um entreposto por onde passam cerca de 10 toneladas de mel por mês. Por semana, ele produz cerca de 50 litros de etanol. Durante a greve dos caminhoneiros, quando não havia combustível na maioria dos postos, Jordans “ostentava” 200 litros de etanol de mel em casa. 5 jun. 2018 – BBC Meio ambiente Educação Internacional Esporte Brasil 44 Preço médio dos combustíveis – Brasil (2018) De janeiro a junho, o preço médio da gasolina aumentou 9,5%; o do diesel chegou a variar 7,5% de janeiro a maio. R$ 0,00 JAN FEV MAR ABR MAIO JUN DIESELGASOLINAETANOL R$ 1,00 R$ 2,00 R$ 3,00 R$ 4,00 R$ 5,00 sk od on ne ll/ iS to ck ph ot o. co m Fonte: <http://anp.gov.br/preco/>. Acesso em: 10 jul. 2018. Iconic Parisian Bistros Are Under Threat Alain Fontaine, 60, who worked in bistros all his life before opening Le Mesturet in 2003, is leading about 30 fellow owners in a campaign this year. They want UNESCO, the U.N.’s culture agency, to give bistros and terraces “intangible cultural heritage” status. In September, they will hand their proposal to France’s Minister for Culture. 11 jul. 2018 – Time Al menos 75 muertos y 192 desaparecidos por el volcán de Fuego en Guatemala Las brigadas de rescate de Guatemala continúan la búsqueda de desaparecidos tras la erupción del volcán de Fuego, que registra ahora explosiones moderadas, mientras las autoridades han confirmado 75 muertos y el Gobierno ha anunciado un plan de reconstrucción de la zona de la catástrofe. [...] Entre las muertes confirmadas está la de un niño que fue ingresado en el Hospital General San Juan de Dios, en la capital. 6 jun. 2018 – Tribuna de Canarias GRAN CANÁRIA Tribuna de Canarias NEW YORK Time 5 R ov en a R os a/ A gê nc ia B ra si l Duas das principais instituições culturais de São Paulo abrem espaço, em iniciativa inédita, para a exposição Histórias afro-atlânticas. O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) e o Instituto Tomie Ohtake apresentam uma seleção de 450 trabalhos de 214 artistas, do século 16 ao 21, sobre os fl uxos de pessoas entre a África, as Américas, o Caribe e a Europa. A exposição coletiva Histórias afro-atlânticas é um desdobramento da exposição Histórias mestiças, realizada em 2014 no Instituto Tomie Ohtake. 5 jul. 2018 – Agência Brasil // IMAGEM EM FOCO 6 7 ENTRELINHAS Rotina nas estradas Paralisação no transporte rodoviário de cargas trouxe problemas à sociedade, mas evidenciou as precariedades com as quais os profissionais da área convivem diariamente Em postos de combustível, longas filas, que chegavam a congestionar ruas e avenidas, e motoristas dispostos a esperar horas para abastecer nos que dispunham de gasolina e álcool – apesar de preços muitas vezes exorbitantes. Em alguns supermercados, faltaram produtos, e houve quem decidisse racionar a venda. [...] Hospitais privados e filantrópicos de Santa Catarina cancelaram cirurgias eletivas. “Desabastecimento atinge de mercado a posto de combustível com greve”. Folha de S. Paulo, 24 maio 2018. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/desabastecimento-atinge- de-mercado-a-posto-de-combustivel-com-greve.shtml>. Acesso em: 14 jun. 2018. Para garantir a redução de R$ 0,46 no litro do óleo diesel nas refinarias, o governo retirou recursos de áreas sensíveis como a fiscalização de trabalho escravo e trabalho infantil, programa Mais Médicos, verba de policiamento e até do Sistema Nacional de Transplante. Áreas sociais e programas ligados à Educação e ao Meio Ambiente também serão afetadas pelos cortes, que somam R$ 9,5 bilhões. [...] Patrik Camporez; Eduardo Bresciani; Bruno Góes. “Para baixar diesel, governo corta verba de programas de transplantes e de combate ao trabalho escravo”. O Globo, 31 maio 2018. Disponível em: <https:// oglobo.globo.com/economia/para-baixar-diesel-governo-corta- verba-de-programas-de-transplantes-de-combate-ao-trabalho- escravo-22736291>. Acesso em: 14 jun. 2018. Para garantir a redução de R$ 0,46 no litro do Para garantir a redução de R$ 0,46 no litro do óleo diesel nas refinarias, o governo retirou recursos de óleo diesel nas refinarias, o governo retirou recursos de TEXTO03 chegavam a congestionar ruas e avenidas, e motoristas chegavam a congestionar ruas e avenidas, e motoristas TEXTO02 TEXTO01 10 20 30 40 50 Até 8 horas 0 5 10 15 20 25 0 20 40 60 0 20 40 60 Custo do combustível Valor do frete Assaltos e roubos Riscos de acidentes Custo do pedágio Infraestrutura rodoviária Fadiga e estresse Baixa demanda de cargas Autônomos (%) Empregados (%) Horas trabalhadas por dia, em média Principais problemas da pro�ssão Imagem que as pessoas têm dos caminhoneiros, segundo eles To ta l d e ca m in ho ne iro s ( % ) Total de caminhoneiros (%) 9 a 10 11 a 12 13 a 14 15 a 16 + 17 horas 0 Irresponsáveis Imprudentes Usuário de drogas Pessoas sem instrução Importantes para a economia Solidários na estrada Comprometidos com a pro�ssão Responsáveis De pouco valor 10 20 30 40 50 Até 8 horas 0 5 10 15 20 25 0 20 40 60 0 20 40 60 Custo do combustível Valor do frete Assaltos e roubos Riscos de acidentes Custo do pedágio Infraestrutura rodoviária Fadiga e estresse Baixa demanda de cargas Autônomos (%) Empregados (%) Horas trabalhadas por dia, em média Principais problemas da pro�ssão Imagem que as pessoas têm dos caminhoneiros, segundo eles To ta l d e ca m in ho ne iro s ( % ) Total de caminhoneiros (%) 9 a 10 11 a 12 13 a 14 15 a 16 + 17 horas 0 Irresponsáveis Imprudentes Usuário de drogas Pessoas sem instrução Importantes para a economia Solidários naestrada Comprometidos com a pro�ssão Responsáveis De pouco valor 10 20 30 40 50 Até 8 horas 0 5 10 15 20 25 0 20 40 60 0 20 40 60 Custo do combustível Valor do frete Assaltos e roubos Riscos de acidentes Custo do pedágio Infraestrutura rodoviária Fadiga e estresse Baixa demanda de cargas Autônomos (%) Empregados (%) Horas trabalhadas por dia, em média Principais problemas da pro�ssão Imagem que as pessoas têm dos caminhoneiros, segundo eles To ta l d e ca m in ho ne iro s ( % ) Total de caminhoneiros (%) 9 a 10 11 a 12 13 a 14 15 a 16 + 17 horas 0 Irresponsáveis Imprudentes Usuário de drogas Pessoas sem instrução Importantes para a economia Solidários na estrada Comprometidos com a pro�ssão Responsáveis De pouco valor Perfil dos caminhoneiros no Brasil Fonte: Confederação Nacional do Transporte. Pesquisa CNT de perfil dos caminhoneiros 2016. Brasília: CNT, 2016. Disponível em: <http:// cms.cnt.org.br/Imagens%20CNT/PDFs%20CNT/Pesquisa%20de%20Perfil%20dos%20Caminhoneiros/Pesquisa_CNT_de_Perfil_dos_ Caminhoneiros_2016_Completo.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2018. 8 ENTRELINHAS A N Á L I S E No primeiro semestre deste ano, durante dez dias, o Brasil parou. No ápice da crise, não havia combustível para abastecer os veículos, os alimentos foram impedidos de chegar às prateleiras dos supermercados e os hospitais deixaram de receber medicamentos e outros insumos necessários para tratar os pacientes. Por outro lado, a circulação de mensagens estava a todo vapor. A greve dos caminhoneiros, que teve início no dia 21 de maio, foi organizada pelo WhatsApp e, segundo Yasodara Córdova, pesquisadora da Escola de Governo de Harvard, nos Estados Unidos, pode ser considerada a maior mobilização mundial já feita por meio desse aplicativo de mensagens instantâneas. A greve da categoria também atingiu outro recorde: o de maior paralisação já realizada na história do Brasil. Regionalmente, em termos de duração, a maior paralisação de caminhoneiros aconteceu no Rio Grande do Sul em 1981, quando os motoristas ficaram 18 dias parados até que sua reivindicação fosse atendida e o preço do frete reajustado. No entanto, desta vez, independentemente do número de dias que os caminhoneiros ficaram parados, a maneira como a população foi afetada é sem precedentes. Greves nacionais realizadas por eles anteriormente, ocorridas em 2015 e 1979, por exemplo, causaram alta dos preços e falta de combustíveis, porém nenhuma atingiu níveis tão altos de desabastecimento de itens básicos quanto a mais recente. Mas o que levou os caminhoneiros a iniciar esse movimento? Para responder a essa pergunta, é preciso considerar a situação de trabalho desses profissionais. O Texto 1 apresenta dados da pesquisa “Perfil dos caminhoneiros”, publicada em 2016 pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), que entrevistou 1.066 caminhoneiros, sendo 729 autônomos e 337 empregados de frota, ou seja, contratados por transportadoras, com carteira assinada. O primeiro gráfico revela que boa parte desses profissionais trabalha de 9 a 12 horas por dia, muitas vezes sete dias da semana. O gráfico seguinte aponta os principais problemas enfrentados pelos caminhoneiros e é dividido em dois: um com as respostas dos autônomos e outro com as dos empregados de frota. Entre os primeiros, as maiores dificuldades são o custo do combustível e o valor do frete; já entre os últimos, são os assaltos e roubos e os riscos de acidentes. Essas informações vão ao encontro das principais reivindicações da categoria durante a última greve: diminuição do valor do diesel, combustível que abastece veículos pesados; criação de uma tabela de preços mínimos do frete, baseada no quilômetro rodado; e obras para melhorar as condições das rodovias, principalmente as federais. A paralisação dos caminhoneiros ressaltou não só a importância do trabalho desses profissionais, muitas vezes desvalorizados, como também a dependência do Brasil do transporte rodoviário, já que mais da metade das cargas que circulam no país é transportada em rodovias. Devido a essa grande influência dos caminhoneiros no funcionamento do país, quando a categoria decidiu interromper o trabalho, os efeitos na dinâmica da economia brasileira foram quase imediatos. O Texto 2 destaca alguns dos setores mais atingidos pela greve e a maneira como a população foi afetada. Nos primeiros dias, o impacto mais evidente da greve podia ser observado nos postos de combustíveis, que ficaram cercados por extensas filas de motoristas dispostos a esperar longas horas e pagar muito caro pelo pouco de gasolina e álcool que restava. A falta de combustíveis também fez com que a frota de transporte público nas ruas fosse reduzida. No entanto, conforme a paralisação se estendia, itens essenciais à população, como alimentos e remédios, tornavam-se escassos. Diante dessa situação de calamidade, o Governo Federal decidiu atender a algumas demandas dos caminhoneiros – outras ainda estão sendo negociadas. Uma delas foi a redução de 46 centavos no litro do óleo diesel, como aponta o Texto 3. O grande problema é que, para viabilizar esse subsídio, o governo cancelou gastos públicos em setores fundamentais para o desenvolvimento da sociedade, como educação, saúde e segurança. Também houve corte de verbas de programas sociais, como políticas para a juventude, políticas sobre drogas, violência contra as mulheres e saúde indígena. Mas, afinal, isso resolve o problema? Nesse contexto, que tal produzir uma dissertação sobre o que pode ser feito para garantir, efetivamente, condições de trabalho dignas aos caminhoneiros, ainda que essas medidas apresentem resultados a longo prazo? Para isso, é preciso considerar a importância desses profissionais na economia brasileira atualmente. Ler notícias e artigos e assistir a documentários a respeito desse assunto pode ajudar a enriquecer o seu texto. Boa produção textual! Editorial tw ilig ht pr od uc tio ns /iS to ck ph ot o. co m Para os estudiosos Alessandro Serrrano Colavite e Fabio Konishi, o Brasil possui uma grande dependência do setor rodoviário, pois estima-se que 61,4% de toda a carga transportada concentra-se nesse modal, o que afeta diretamente a composição dos custos dos produtos. De acordo com o Ministério dos Transportes, a oscilação dos preços nos itens transportados pelo país afora está diretamente relacionada à qualidade das vias pavimentadas, uma vez que elas interferem no tempo de entrega das mercadorias e na necessidade de manutenção dos veículos. Uma das opções apresentadas por Colavite e Konishi para suprir a demanda do modal rodoviário é o aumento da participação do volume de cargas transportadas pelos setores aquaviário e ferroviário, desde que esses modais recebam investimentos por parte do Governo Federal e da iniciativa privada. Nesse contexto, vale ressaltar que o Brasil apresenta 21 mil quilômetros de hidrovias economicamente navegáveis, as quais poderiam ser utilizadas com maior vigor. Em 2017, o setor portuário brasileiro apresentou crescimento de 8,3% se comparado ao ano anterior. lu om an /iS to ck ph ot o. co m H istoricamente, a construção das ferrovias no Brasil está ligada à necessidade econômica de exportar as produções agrícolas das principais regiões do país até os portos marítimos. Os estudiosos Rodrigo Fontanari, Alexandre Macchione Saes e Paulo Roberto de Oliveira afirmam que a expansão ferroviária assumiu papel de destaque durante o desenvolvimento da economia cafeeira brasileira, pois o investimento nas ferrovias era considerado algo seguro. Com o passar dos anos, a política de transportes no Brasil foi impulsionada pela priorização do modal rodoviário, principalmente a partir de 1950, durante o período da industrialização. Uma das consequências desse fato é a origem da dependência que temos, ainda nos dias atuais,do sistema viário. Para acompanhar o crescimento da produção agrícola e industrial no país, o escoamento dos produtos precisa ser aprimorado. As cidades brasileiras estão em constante modificação, o que afeta diretamente o sistema viário e, sobretudo, a malha urbana que compõe a realidade dos municípios. Nesse contexto, o planejamento das cidades e dos meios de transporte é algo imprescindível para garantir uma boa dinâmica espacial do meio urbano. Segundo o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, o sistema operacional do transporte no Brasil está dividido entre os setore aeroviário, ferroviário, aquaviário e rodoviário, os quais são os mais utilizados no país. na rv ik k/ iS to ck ph ot o. co m POR FRANCIELY VELOZO ARAGÃO A realidade do transporte brasileiro A dependência da malha rodoviária e a necessidade de investir em novas alternativas para o transporte de cargas e passageiros no país. 9 Ademais, os investimentos realizados em novos modais ajudariam a evitar nossa dependência do transporte de mercadorias pelas rodovias. Essa problemática pôde ser percebida com maior intensidade durante a paralisação dos caminhoneiros, que chegou a durar, no final do mês de maio, 10 dias consecutivos. Para Clésio Andrade, presidente da Confederação Nacional de Transportes (CNT), esse movimento mostrou a vulnerabilidade de todas as instituições brasileiras que necessitam do modal rodoviário para enviar e receber produtos que fazem parte do dia a dia da população. Quinto dia de paralisação dos caminhoneiros na Dutra. Um país competitivo e capaz de atender às demandas de escoamento de sua produção conhece os diferentes modais que compõem a sua extensão territorial, visando, dessa forma, a maneiras de garantir que as mercadorias transportadas por diferentes meios cheguem ao destino final com qualidade e que, ainda, os custos sejam competitivos diante de seus concorrentes. Ainda segundo Colavite e Konishi, fatores que envolvem o desenvolvimento adequado das malhas urbanas devem estar inseridos nas políticas públicas governamentais e na cultura dos moradores de cada região. Nesse sentido, podemos citar a qualidade da malha urbana, que deve ser estudada para minimizar os impactos desfavoráveis de uma urbanização acelerada, considerando ainda a manutenção periódica das rodovias que cortam o país. Pensar em novas formas que otimizem o transporte de cargas por todo o Brasil tem impulsionado pesquisas por parte de instituições públicas e privadas, as quais resultam em ações inovadoras voltadas à superação das atuais limitações existentes. Porém, para que as estratégias de planejamento urbano e de transportes sejam eficazes, o levantamento e o diagnóstico dos fatores que interferem nesse processo devem ser levantados com eficácia. Diante desses fatores, a implantação do Veículo Leve sobre os Trilhos (VLT) indica uma nova esperança para o transporte público de passageiros e de cargas. Esse novo conceito de locomoção contribui para a gestão das cidades, incluindo e integrando todos os recursos disponíveis para que possamos dar início à mobilidade sustentável em um país com uma estrutura modal tão Tâ ni a R êg o/ A gê nc ia B ra si l relevante, mas que não é efetivamente utilizada devido a problemas de planejamento urbano que interferem na dinâmica das cidades. Para dar suporte a essa implantação, a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos) promove o desenvolvimento e o aprimoramento do transporte de cargas e de passageiros sobre trilhos no Brasil. Para se ter ideia, em 2017, foram instalados no país 30,2 quilômetros de trilhos, superando a expectativa dos operadores desse tipo de serviço, que era de 29 quilômetros de extensão. Essa nova realidade reforça a ideia de desenvolvimento de uma rede de metrô eficaz, ágil e sustentável. Essa concepção de transporte deve pautar também a agenda governamental dos administradores públicos para que haja mais agilidade nos sistemas de transportes que constituem o nosso país. Os operadores que desenvolvem esse tipo de transporte buscam ainda ações que reduzam o consumo de energia, como a utilização de lâmpadas de LED, que são mais econômicas se comparadas aos outros modelos de iluminação existentes. Outra medida está na troca dos motores dos trens de corrente contínua por alternada, reduzindo em até 20% a energia de tração consumida por esse tipo de veículo. Tais fatores reforçam o aspecto sustentável desse novo sistema de transporte, que aos poucos está sendo incluso no Brasil. Em 2016, a cidade do Rio de Janeiro foi a primeira do país a contar com VLT. Segundo dados do Balanço do setor Metroferroviário da ANPtrilhos, o país tem um banco de projetos de mais de 540 quilômetros de linhas de sistemas de transporte (VLT) aguardando a contratação para que possam sair do papel. Parte desses projetos está em estudos para ter início até o ano 2023. Para que maiores crises sejam evitadas, o presidente do Conselho Nacional de Transportes ressalta que é necessário ter sensibilidade para os problemas do país. Assim, é preciso pensar em iniciativas públicas e privadas que estão ligadas aos setores que compõem o transporte de cargas e de passageiros, garantindo, ainda que de forma progressiva, um desenvolvimento eficaz. B ra si lN ut 1/ iS to ck ph ot o. co m 10 O crescimento da utilização dos modais aeroviário, ferroviário, aquaviário e rodoviário estará sempre em evidência, pois o aumento da produção é reflexo das necessidades de desenvolvimento para suprir toda essa demanda. Para isso, é necessário que pesquisadores, estudiosos, sociedade e órgãos públicos considerem as características territoriais brasileiras. Cabe também aos profissionais que atuam no transporte de cargas e passageiros e às pessoas que dependem desse serviço auxiliar nesse desenvolvimento e incentivar novas pesquisas, investigar a maneira como os novos projetos estão sendo conduzidos e, por fim, conhecer a funcionalidade do sistema de transporte brasileiro. Arquivo pessoal/Franciely Velozo Aragão Graduada em Engenharia de Produção pela Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. Mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Estadual de Maringá. Doutoranda em Engenharia de Produção pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Atualmente, é docente do Curso de Engenharia de Produção da Universidade Estadual de Maringá. Aparalisação dos caminhoneiros, ocorrida no mês de maio em todo o Brasil, trouxe à tona a discussão sobre a dependência nacional do transporte rodoviário de insumos e mercadorias. Em meio à crise, o governo teve que negociar com os grevistas e a população precisou de paciência para enfrentar filas, principalmente as dos postos de combustíveis. O desabastecimento dos postos levou parte dos brasileiros a deixar os veículos na garagem e a buscar outros meios de locomoção durante os dias de greve. Diante desse cenário, dados sobre a qualidade do ar coletados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) chamam a atenção. Segundo a agência, devido à queda no tráfego de veículos durante os dias de paralisação, a redução da poluição atmosférica na cidade de São Paulo chegou a 50%. Nos dias atuais, a sustentabilidade é um assunto cada vez mais debatido, e é amplamente conhecido que a queima de combustíveis, sobretudo os fósseis, é uma das grandes fontes de emissões de poluentes atmosféricos. Basta analisar os dados apresentados, que apontam que apenas alguns dias de frota reduzida nas ruas foram suficientes para que se registrasse uma significativa melhora na qualidade do ar na capital paulista. Ainda assim, a sociedade continua amplamente dependente dos combustíveis fósseis para a geração de energia, e mudanças na matriz energética têm ocorrido de forma lenta, exigindo a superação de uma série de desafios. Nesse contexto, algumas conquistas já são realidade,como o desenvolvimento de veículos que utilizam células a combustível movidas a hidrogênio, que têm a água como produto de seu funcionamento, em contraste com os combustíveis fósseis que despejam na atmosfera grande carga de óxidos poluentes, materiais particulados e outras substâncias. Porém, ainda são necessários altos investimentos financeiros, desenvolvimento de novas tecnologias e aprimoramento das existentes. Também é essencial a consolidação de políticas públicas alinhadas com o desenvolvimento sustentável. Os dias de paralisação dos caminhoneiros revelaram uma série de problemas estruturais do país, mas, por outro lado, trouxeram algumas reflexões importantes sobre nossa atuação diária na busca pela sustentabilidade. A análise dos dados coletados na cidade de São Paulo sugere que o uso racional dos automóveis é uma forma concreta de contribuição para que possamos traçar esse novo caminho. Na contramão da sustentabilidade? T O Q U E D O E S P E C I A L I S T A Ciências da Natureza e suas Tecnologias Química HA BILI DA DES O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) estabelece competências e habilidades norteadoras do estudo dos conteúdos exigidos para o Ensino Médio. Por meio do texto “A realidade do transporte brasileiro”, foram trabalhadas as seguintes competências e habilidades da área de Ciências Humanas e suas Tecnologias: C4 – Entender as transformações técnicas e tecnológi- cas e seu impacto nos processos de produção, no de- senvolvimento do conhecimento e na vida social. H18 – Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações socioespaciais. H19 – Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano. H20 – Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho. C6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. H26 – Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. H27 – Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e/ou geográficos. H28 – Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em diferentes contextos histórico-geográficos. POR ANA LUIZA ARÊAS MATOS ALVES 11 CARREIRA: Engenharia de Transportes e Logística Elisete Santos da Silva Zagheni é doutora em Engenharia de Produção e mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina e graduada em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente, é docente da Universidade Federal de Santa Catarina, no Centro Tecnológico de Joinville, e atua nas áreas de: planejamento e operação de sistemas de transportes, logística empresarial, planejamento estratégico, empreendedorismo, canais de distribuição e turismo. Participa do Grupo de Pesquisa em Infraestrutura e Transportes (GIT) e do Grupo de Pesquisa em Operações e Sistemas de Transporte. A rq ui vo p es so al /E lis et e S an to s d a S ilv a Z ag he ni D K ar t/ iS to ck p h o to .c o m E N T R E V I S TA | Elisete Zagheni 1212 de transportes, como Engenharia de Tráfego, Sistemas Inteligentes de Transportes, Planejamento Integrado dos Transportes e Uso do Solo, Transportes Não Motorizados, Planejamento de Transportes Públicos, Sistemas de Informações Geográficas para Transportes, entre outras. Já em Logística, destacam-se as disciplinas de Logística de Suprimentos, Logística de Distribuição, Pesquisa Operacional e Custos Logísticos. Há, ainda, disciplinas que discutem ambas as áreas e que proporcionam um fechamento, interligando os diversos conteúdos estudados. São elas: Roteirização e Programação em Transportes, Planejamento Estratégico e Simulação em Transportes e Logística. O curso prevê, ainda, uma carga horária para atividades complementares, com as quais é possível integralizar o currículo a partir de práticas extraclasse relevantes para o saber e as habilidades necessárias à formação do estudante. Por meio dessas atividades complementares, busca-se estimular o aluno a participar de ações independentes, transversais, opcionais e de interdisciplinaridade, realizadas tanto no âmbito universitário quanto fora dele, de forma que possam contribuir para seu aprimoramento pessoal e profissional. Entre essas ações, estão a participação do estudante em estágios não obrigatórios, projetos de pesquisa e de extensão, cursos, palestras e monitorias. Jo ze f C ul ák /i S to ck p ho to .c o m Equipe Leia Agora: O estudante que pretende cursar Engenharia de Transportes e Logística (ou Mobilidade) deve ter quais interesses? O interessado em cursar Engenharia de Transportes e Logística deve ter aptidões para a resolução de problemas que envolvem as áreas de transportes (tráfego, mobilidade urbana, entre outros) e logística (cadeia de suprimentos, estoque, armazenagem, otimização de processos, entre outros). Elementos importantes para a resolução desses problemas estão relacionados a conteúdos quantitativos (matemática, física e programação computacional) e qualitativos (comunicação, trabalho em equipe, observação e criatividade). Além disso, o ambiente da Engenharia é de tecnologia e inovação, vasto em possibilidades, seja para solucionar problemas existentes, seja para a criação de novos modelos de negócio. Equipe LA: O que é estudado durante a graduação? Além da área de Exatas, o curso também apresenta interdisciplinaridade? O estudante terá uma formação consistente na área de Exatas, com destaque para a programação computacional, cujo conhecimento, nos dias atuais, vem sendo um diferencial para o ingresso do engenheiro no mercado de trabalho. Além dessas áreas, o estudante também terá uma formação gerencial, com disciplinas nas áreas 1313 Equipe LA: De que forma o estudante de Engenharia de Transportes e Logística pode ingressar no mercado? O estágio é obrigatório? O curso de Engenharia de Transportes e Logística possui estágio obrigatório, com o objetivo de proporcionar ao estudante a vivência em instituições do setor público ou privado e de conteúdos técnicos que compõem o curso, além de buscar o desenvolvimento ou o aperfeiçoamento do relacionamento profissional e humano. Equipe LA: Qual é a diferença entre a Engenharia de Transportes e Logística e a Engenharia Civil, já que ambas atuam com projetos de infraestrutura? A formação do engenheiro de transportes e logística está pautada em capacitar o estudante na operação, análise, otimização e gerenciamento de redes de transportes, de organizações e das chamadas cadeias de suprimentos. Já a formação do engenheiro civil é direcionada a capacitar o estudante para elaborar projetos e executar obras civis de engenharia. Equipe LA: Quais são as principais áreas de atuação do profissional de Transportes e Logística? O engenheiro de Transportes e Logística poderá atuar no âmbito público e privado, como em empresas dos diversos setores industriais, empresas ligadas aos setores de transportes (rodovias, portos, ferrovias, metrovias, aeroportos), departamentos federais, estaduais e municipais de transportes, universidades e institutos tecnológicos e consultorias nas áreas de transportes e logística. Esse profissional é capaz de determinar as condições ideais para a movimentação de pessoas, bens e informações, bem como para a alocação de recursos; estará preparado para interpretar, de maneira dinâmica, a realidade e para nela interferir, identificando, formulando e solucionando problemas, bem como produzindo, aprimorando e divulgando conhecimentos, tecnologias, serviçose operações. Equipe LA: Nos últimos meses, acompanhamos uma crise nos transportes brasileiros, devido à greve dos caminhoneiros e à alta dos combustíveis. Como evitar esse tipo de crise por meio da Engenharia? Sabe-se que os currículos das engenharias, de maneira geral, tendem à multidisciplinaridade e à interdisciplinaridade, e esses aspectos fazem com que os egressos compreendam de que forma o ambiente econômico, político, demográfico, ambiental e tecnológico impactam no desempenho das empresas e do cidadão brasileiro. Esses aspectos são essenciais para que se possa diagnosticar as principais causas dos problemas vivenciados recentemente pela população brasileira e apresentar soluções para curto, médio e longo prazos. Evitar determinadas crises, muitas vezes, foge do alcance da população, mas é possível atuar para mitigar esse processo e até mesmo atingir determinadas metas preestabelecidas. ku pi co o/ iS to ck ph ot o. co m 1414 on ly yo uq j/i S to ck ph ot o. co m Equipe LA: Em sua opinião, quais seriam os principais investimentos brasileiros necessários no setor de transportes e logística? Sabemos que o Brasil é o quinto maior país do mundo em extensão territorial, possuindo um amplo litoral e quantidade significativa de rios. No entanto, o país ainda fica bastante atrás nos indicadores, se comparado a outros países com características semelhantes, quando o assunto é redes de transportes. Infelizmente, temos rodovias em estado deplorável e malha ferroviária, portos e hidrovias insuficientes para atender às demandas atuais – condições que geram grandes entraves para alavancar a produtividade e a economia nacional. Sendo assim, para atingir indicadores de desenvolvimento das grandes potências mundiais, a infraestrutura logística brasileira tem um grande desafio pela frente. Uma das soluções para melhorar a infraestrutura de transportes e logística brasileira passa, necessariamente, por investimentos, os quais são tímidos, mesmo com algumas concessões de trechos de rodovias, ferrovias e portos realizadas pelo Governo Federal nos últimos anos. Outro aspecto relevante, além dos investimentos, diz respeito à elevada quantidade de trâmites burocráticos para liberação de mercadorias e produtos, principalmente nos terminais portuários e aeroportos de cargas. Equipe LA: Qual é a relação entre o Planejamento Urbano e a Engenharia de Transportes e Logística? O Engenheiro de Transportes e Logística poderá atuar na elaboração de planos de transporte integrado e uso do solo. Assim, torna-se essencial que ele entenda a relação existente entre o processo de urbanização e transportes e os diferentes instrumentos para o planejamento urbano e da mobilidade. Compreender a complexidade dos sistemas urbanos e como se dá a interação dinâmica entre os sistemas de transportes e o uso do solo torna- se essencial para a contribuição do engenheiro de transportes e logística com as políticas de mobilidade urbana sustentáveis, inseridas no planejamento urbano das localidades. Equipe LA: Um dos principais desafios atuais é aliar a construção de infraestruturas com a sustentabi- lidade. Como um profissional da área em questão pode atuar em relação ao meio ambiente? A formação do engenheiro de transportes e logística prevê, em sua matriz curricular, conteúdos voltados aos chamados impactos ambientais dos transportes. O objetivo dessa discussão é fazer com que o engenheiro compreenda os impactos ambientais negativos dos transportes e elabore estratégias para minimizá-los e/ou mitigá-los, permeando o entendimento de que tais estratégias são benéficas em termos ambientais, econômicos e sociais. 1515 Acontecimentos recentes mostraram o quanto somos dependentes do transporte rodoviário de cargas, dos automóveis e de determinados combustíveis. Mas, afinal, se queremos uma vida melhor, também precisamos agir! No caso da mobilidade, há ações simples que podem reduzir o impacto dessa dependência que detectamos – dizemos apenas reduzir porque soluções mais eficientes só virão com investimentos públicos e uma vontade política que seja isenta de interesses obscuros. De qualquer maneira, enquanto o poder público não faz o papel de diversificar os meios de transporte de cargas e de pessoas, podemos fazer a nossa parte. Se usar ônibus para se locomover acaba sendo um exercício de paciência nos grandes centros urbanos, praticar a carona solidária e fazer os trajetos possíveis de bicicleta (ou até mesmo caminhando) são formas viáveis para que possamos atenuar a condição de reféns absolutos do combustível. Sobre essas formas alternativas de deslocamento, é importante considerar que o cidadão comum ganha muitos benefícios pessoais quando tem a possibilidade e decide se deslocar de bicicleta: além de praticar exercício físico, economiza dinheiro, ajuda a reduzir o trânsito de carros e a poluição prejudicial à saúde, e não vai se estressar com a preocupação de encontrar uma vaga para estacionar. Estudos feitos pela SPTrans, empresa que administra o trânsito na cidade de São Paulo, mostram que a velocidade média dos ônibus nos horários de pico é de 15 km/h. Uma pessoa comum, não necessariamente um atleta, consegue pedalar sem muito esforço a uma média de 20 km/h e ainda tem a opção de utilizar atalhos por ruas em que os ônibus não conseguem circular. Resumindo, a bicicleta pode ser mais rápida que o transporte coletivo. Porém, no Brasil, andar de bicicleta nas cidades mais populosas é uma atividade que carece de infraestrutura e de mais segurança ao ciclista. Mas, com persistência, pouco a pouco essa cultura vai se desenvolvendo e, por consequência, deve haver mais investimentos nesse segmento. A carona solidária, por sua vez, além de reduzir o número de automóveis nas ruas e o consumo geral de combustível, pode promover uma experiência que, muitas vezes, achamos que não aconteceria na correria do dia a dia: aquele vizinho com quem você nunca conversou no elevador pode se tornar seu novo amigo. E um amigo que ajuda a economizar e a desenvolver hábitos sustentáveis é sempre bem-vindo. Mas, se você não quer papo com aquele vizinho, tudo bem. Há também vários aplicativos, selecionados por região, que indicam quem oferece e quem procura carona solidária. Tudo por um mundo menos individualista. Claro que ter um automóvel ainda pode ser importante em alguns momentos da rotina: nos percursos mais longos, em dias de compras volumosas e em diversas situações de emergência, ele pode ser até mesmo indispensável. Mas, fora de situações pontuais, é possível fazermos o exercício de deixá-lo na garagem para reduzirmos o volume de veículos nas ruas e desfrutarmos de diversos benefícios. E, se as opções de transporte público ficam lotadas em certas ocasiões, as medidas alternativas trazem mais conforto. No fim, é isso o que queremos, não é mesmo? No fim, queremos conforto! P A R Ê N T E S E Po r C láud io Ley r ia wsfurlan/iStockphoto.com 16 Márcio Souza. Mad Maria. Rio de Janeiro: Record, 2005. Escrito em 1980, Mad Maria é o segundo livro de Márcio Souza. A história se passa no interior da Amazônia e relata a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, expondo os trabalhadores às mais variadas formas de perigo, incluindo cobras, escorpiões e um surto de malária. No total, 3.600 pessoas morreram. O BARÃO DOS TRANSPORTES Para entender a origem e a história da ferrovia no Brasil, basta acompanhar a vida de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá (1813-1889), um empresário que teve a oportunidade de observar o irreversível processo de industrialização da Inglaterra no século XIX e que implementou o mesmo sistema em um Brasil totalmente rural durante o período imperial. Uma das formas de ver a atuação desse grande empreendedor é através do filme Mauá − O Imperador e o Rei (Brasil, 1999), dirigido por Sérgio Rezende e estreladopor Paulo Betti, no papel do Barão. O elenco tem ainda Malu Mader, Othon Bastos e Rodrigo Penna. A produção relata a vida de Irineu e como ele se tornou um dos mais bem-sucedidos empresários brasileiros. Sousa foi responsável por uma série de serviços ligados à logística que trouxeram ao Brasil modernidade e uma economia que colocou o país em posição de destaque no cenário internacional. O grande feito que tornou famoso o Barão de Mauá (título oficial concedido pelo imperador Dom Pedro II) foi a implantação da primeira ferrovia da América do Sul (ligando Rio de Janeiro a Petrópolis), além da criação de uma linha de barcos a vapor no Rio Grande do Sul (sim, ele inaugurou a indústria naval brasileira) e da criação do transporte público com bondes puxados por burros. Ainda por seu intermédio, as linhas ferroviárias se proliferaram, e o trem foi o símbolo do transporte no Brasil até a primeira metade do século XX, antes de o país passar a adotar a malha rodoviária como principal solução. Márcio Souza. Márcio Souza. Mad MariaMad Maria. Rio de . Rio de Pump − Histórias do petróleo. Direção: Joshua Tickell e Rebecca Tickell, EUA, 2014. Documentário que revela um deprimente cenário de dependência americana do petróleo, analisando desde as suas origens, há 100 anos, até o grande monopólio atual. E mostrando os danos que essa situação causa em todo o planeta, com o aumento da poluição e gerando até guerras, como a do Oriente Médio. Um pequeno país com grandes ideias para se livrar dos combustíveis fósseis Palestra da engenheira ambiental Monica Araya sobre soluções que a Costa Rica encontrou para reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis, com a adoção de fontes renováveis de energia para suprir a eletricidade, força motriz do país. Acesse: <www.ted.com/talks/monica_ araya_a_small_country_with_big_ideas_to_ get_rid_of_fossil_fuels#t-922642>. Mosaico Cultural • A G E N D A • MOSTRA Museu dos Transportes Públicos Permanente ONDE: São Paulo (SP). O Museu dos Transportes exibe relíquias, como o primeiro bonde a circular no Brasil e o primeiro trólebus de fabricação nacional. Há ainda outros sete veículos, cerca de 1.500 fotos e 1.500 livros, além de móveis, objetos e documentos sobre a evolução do transporte urbano. INFO: <www.sptrans.com.br/museu>. ON-LINE Museu Virtual do Transporte Urbano Permanente ONDE: Internet. Site que apresenta a história e o desenvolvimento do transporte urbano ao longo das civilizações da Terra, desde a Pré-história até os anos 1980, especialmente das cidades brasileiras. O site também traz biografias de inventores pioneiros que criaram ou colaboraram com o desenvolvimento de veículos. INFO: <www.museudantu.org.br/principal.asp>. HISTÓRIA Associação Brasileira de Preservação Ferroviária Permanente ONDE: Internet. Site ricamente ilustrado com fotos antigas que mostram, com apoio de textos didáticos, a história da ferrovia no Brasil, desde o esforço do Barão de Mauá até as concessões da malha ferroviária a empresas de logística, no fim do século XX. A pesquisa é de Plínio Carnier Júnior. INFO: <www.abpfsp.com.br/ferrovias.htm>. d un ca n1 89 0/ iS to ck p ho to .c om 17 Quatro e meia da manhã. O sol ainda dorme, e a sinfonia dos grilos quebra o silêncio do acostamento. Estico os pés na boleia e faço minha oração. O aroma do café barato dá sinais de que os companheiros de estrada também já iniciam seu dia. Acendo o farol baixo e lavo o rosto com a água do galão. A carga é perecível, não posso me atrasar. Confiro as notas fiscais acompanhado de um pão de ontem com manteiga; angus, mignon, ancho são nomes que nunca passaram pelo meu prato, mas são eles que me alimentam. Desligo o meu silêncio e o motor ruge na estrada. O sol já dá as caras atrás de uma neblina. A rodovia é minha xará: Fernão Dias. E eu lá tenho culpa se meu pai, José Dias, gostava de História? O velho não estudou, mas quando aprendeu a ler devorava enciclopédias. Ele justificava a escolha do nome dizendo: “filho, seu nome é de desbravador, cai no mundão e corre atrás das suas esmeraldas”. Só não sabia que eu iria desbravar estradas, atolar em lama e dormir longe de casa sem nenhuma pedra preciosa. O velho sabia menos ainda que meu apelido seria Fernão do caminhão. Pelo menos rimava. Oito horas da manhã, e meu estômago já pede almoço. Engano o ronco com um café preto, enquanto pago o pedágio. A viagem está na metade, faltam só mais três dias para eu chegar. Nove dias no total, se não chover, e eu já estarei em casa com os meus meninos. Tenho uma escadinha de quatro degraus, cada um mais bonitinho que o outro. O mais velho também quer ser caminhoneiro; eu não brinco com sonho de criança, mas eu queria mesmo é que ele estudasse para engenheiro. Já pensou o Fernão com um filho patrão? A rima fica até mais bonita! Colocar comida dentro de casa não é muito fácil, é por isso que na estrada eu não tenho luxo. Se almoço, guardo para a janta; se janto, economizo no café da madrugada. A minha mulher também ajuda bastante, trabalhadeira que só ela. Não tem medo de faxina e gosta de cuidar de criança, mas tem talento mesmo quando resolve ensinar. Um dia ela ainda vai ser professora, e eu vou poder encontrar com ela todo dia na porta da escola. Enquanto isso não der certo, vou levando a vida na boleia com a foto dela perto do retrovisor. É que, quando eu olho para trás, preciso me lembrar de como já venci na vida. Gasto boa parte do valor do frete na manutenção do caminhão, mas dá gosto de ver quando o restinho do meu salário vira alimento, roupa e calçado lá em casa. Falando nisso, já é tarde, preciso encostar no canteiro para lavar umas mudas. Aproveito para almoçar e esticar as pernas de novo na boleia. Quinze minutos de descanso e mais nove horas de estrada. Nesse caminho a gente vê de tudo: acidente, carro importado, gado atolado e plantação vistosa. Um dia, quem sabe, vou ter meu pedacinho de terra também. Pode ser na cidade ou na roça, desde que seja da minha família. Família. Privilégio da vida e pouca gente dá valor. Mas posso dizer, aqui nesse calor, que quando falta, falta mesmo. Veja bem, eu não nego que estar sozinho pode ter suas vantagens, mas não é muito fácil enfrentar tantos dias de silêncio conversando só com a buzina e com os colegas de acostamento. Aliás, já está na hora de parar. Onze horas da noite, eu confiro a refrigeração da carga chique e finalmente posso me esticar. O sonho vem logo, no primeiro piscar dos meus olhos, e eu gosto do que vejo. É meu menino engenheiro, com os irmãos todos formados e abraçando sua mãe. É nessa hora que a rima mais me alegra: o Fernão do caminhão, que agora tem filho patrão, sabe que tudo valeu a pena. Vida na boleia EXTRA! P o r E d il e n e F a ri a 18