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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a Distância Psicopedagogia Família: Relações, Vínculos e Aprendizagem Autor: Luciano Ferraz Servantes EAD – Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação 2 www.eunapos.com.br SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 03 UNIDADE 1 – A INSTITUIÇÃO FAMILIAR: SUAS CONFIGURAÇÕES E FUNÇÕES ............................................................................................................... 05 1.1 Berço da afetividade e do equilíbrio emocional ................................................. 08 1.2 As identidades e as relações familiares ............................................................ 19 1.3 Os diferentes personagens da família ............................................................... 22 UNIDADE 2 – CADA FAMÍLIA TEM SEU MODO DE SER ................................... 26 2.1 Autoridade: falar a mesma língua é bom ........................................................... 26 2.2 Rituais familiares ............................................................................................... 31 2.3 O respeito não é unilateral ................................................................................ 34 2.4 Capacidade de amar e cuidar ........................................................................... 36 UNIDADE 3 – RELAÇÕES VINCULARES ............................................................ 38 3.1 Valor dos Vínculos: princípio das relações maternais, paternais e sociais ....... 38 3.2 Outros vínculos ................................................................................................. 44 3.3 Teoria do Vínculo .............................................................................................. 46 UNIDADE 4 – ASPECTOS FAMILIARES QUE FAVORECEM O DESEMPENHO ESCOLAR .............................................................................................................. 50 4.1 Os hábitos familiares ......................................................................................... 52 4.2 A interação entre pais e filhos ........................................................................... 55 4.3 Práticas educativas: ensinar brincando ............................................................. 59 4.5 Ambiente cultural ............................................................................................... 62 UNIDADE 5 – FAMÍLIA COMO PONTO DE PARTIDA PARA A APRENDIZAGEM ..................................................................................... 67 5.1 Primeira ensinante ............................................................................................ 67 5.2 As aprendizagens em família são suportes para as outras aprendizagens ...... 72 UNIDADE 6 – REPENSANDO A FAMÍLIA FRENTE ÁS NOVAS CONFIGURAÇÕES: REFLEXÕES NECESSÁRIAS .............................................. 76 6.1 Contexto familiar influencia o contexto escolar? Diálogos possíveis ................. 76 6.2 A autoestima do aluno vem de casa, mas é desenvolvida pela escola? ........... 80 6.3 A disciplina e a indisciplina: enfrentamentos da família e da escola ................. 82 6.4 A escola e a urgência da presença da família ................................................... 87 3 www.eunapos.com.br INTRODUÇÃO Neste módulo vamos falar de Família (ou da família ou para a família), como o nosso primeiro, e mais valioso, grupo social no qual desenvolvemos nossas funções aprendentes com base nas nossas necessidades básicas e, ao mesmo tempo, desenvolvemos nossas bagagens emocionais e afetivas caminhando, progressivamente, como sujeito social, religioso e político. No ano de 2008, o Padre Fábio de Melo, evangelizador e cantor, lançou uma música que diz exatamente o que é a Família como grupo de dinâmicas muito próprias. A música denominada Cara de Família tem na sua letra, a exaltação desse precioso grupo e diz assim: Meu pai me disse que a vida Não tem nada de marcada E que o destino não é nada Levando a gente na vida E toda vez que eu paro e olho Pra esse velho companheiro Vejo quem deu pra essas paredes Essa cara de família Deixa eu ver a mão machucada Te levanta, deixa essa cama Estou tão triste, quero falar-te Fica calmo filho, não chora! E não sabem dar valor pra essas coisas... Ter um lar é um tesouro! Minha mãe me disse umas coisas Sobre os ódios do meu peito Disse que o ódio que se guarda Vai matando só quem sente Minha mãe juntou as minhas mãos Ainda quando eram pequenas E me falou que tinha um Deus Que era um tal papai do céu Que era Pai! ... E não sabem dar valor pra essas coisas... Ter um lar é um tesouro! Meu Deus, como seria bom Seria bem melhor se fosse sempre assim... Meu Deus como seria bom Só hoje pude ver o que isso fez pra mim... Meu Deus como seria bom Seria bem melhor pra cada um E assim pra todos nós!!! 4 www.eunapos.com.br Essa dinâmica familiar de pais e filhos frente ao novo cenário social, composto por diversas condições que somente o mundo moderno, globalizado e, sobretudo, capitalista –que valoriza as pessoas pelo que têm e pelo que podem produzir - mudou-se, de tal modo, que não é difícil de perceber os choques e conflitos familiares. A família composta por pais e filhos foi alterada já há algum tempo, quando a família deixou de ser nuclear, para ser composta por muitos familiares. O grupo familiar nas últimas décadas tem sofrido inúmeras modificações, tanto no que concerne ao formato interno desse grupo, quanto aos valores e princípios sociais que sempre o norteou. Mas, se por um lado as mudanças ocorridas não podem ser interpretadas totalmente como negativas, por outro não foram totalmente positivas, havendo necessidade de se refletir sobre o desenvolvimento de uma nova identidade familiar. Fonte: http://migre.me/45nBv Contudo, a família continua sendo o cerne ou o ponto precípuo que forma as características integrais do sujeito, que é a criança que adentra a escola trazendo consigo uma bagagem de personalidade identitária que só a família pode construir. Porém, sabemos que esta influência tem suas consequências para cada sujeito, para sua aprendizagem e para os demais desenvolvimentos e, é numa proposta de análise e reflexão que este módulo se propôs a estudar, tendo o objetivo de apresentar o quanto de relação há entre a família, o sujeito aprendiz, a aprendizagem e a escola, ou seja, os vínculos e as aprendizagens. Seja bem-vindo, caro aprendiz a este módulo. 5 www.eunapos.com.br UNIDADE 1 - A INSTITUIÇÃO FAMILIAR: SUAS CONFIGURAÇÕES E FUNÇÕES “Diga quem sou, De onde vim, Pra onde vou. A nossa aurora é assim Começo...Desconheço...Que dirá o fim” (Aurora do Povo Brasileiro)1 Esta instituição, chamada família, nasce com o homem e para o homem se constituiu desde que a humanidade se deu conta de si mesma. Todavia, o termo família é derivado do latim “famulus”, que significa “escravo doméstico”, termo este criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos latinas, ao serem introduzidas a agricultura e também a escravidão legalizada.2 É notável como a natureza é sábia, pois os tribais descobrem que há poder quando se constitui elemento em um grupo, e que juntos têm mais força para lutar pela sobrevivência; mas não são civilizados o bastante para entender que, mais tarde, ser grupo significava lutar para sobreviverem na sociedade, a qual criada e desenvolvida por eles mesmos, exigiria bem mais que sobreviver, ou seja, produzir e desenvolver. Tais grupamentos de pessoas não se tratavam de família, mas de grupos de homens e mulheres; gerar filhos implicava no ato do sexo por atração instintivaentre os gêneros opostos; não havia nem mesmo a compreensão do ato sexual como meio de procriação, ou seja, tratava-se de relações instintivas, tal como animais que se afinam. Filhos nasciam dessas relações sem serem compreendidos como filhos, como seus progenitores não seriam os pais, bem como não havia irmãos. Mas, pela afeição e sentimentos desconhecidos, tão inerentes ao homem, essa constelação familiar desconhecida assim e, por não compreenderem o que eram os laços sanguíneos, acolhiam e protegiam estes novos seres (os filhos) de toda maldade que cerceava o entorno desse grupo. E assim caminhava a humanidade! Porém, estes grupos de pessoas foram descobrindo a necessidade de proteger seus espaços e, conquistar mais espaços, nascendo as guerras e, consequentemente, as diversas sociedades e culturas. Segundo Oliveira (2006, p.142): 1 Samba da Beija-Flor de Nilópolis, 1996. 2 Fonte: www.wikipedia.com.br, acesso em agosto de 2010. 6 www.eunapos.com.br é preciso levar em conta, três gerações passadas, em uma linha ininterrupta que considera o parto como ponto zero e que se vetoriza em direção à esquerda para as grandezas com sinal menos, referentes ao legado do “antes” e, à direita, com sinal de mais para o legado do “depois” – pós-nascimento que se traduz pelo que chamamos de “ciclo vital”. Desse modo, o início dos grupos, dos quais pode, mais tarde, ter se constituído a família, tem seu início não nas relações entre os gêneros, mas a partir do parto e imediatamente, após este, mantendo-se como grupo e não como família, pois, como já dito anteriormente, os filhos gerados não eram legitimados pelo termo “filho”, nem seus progenitores como “pais”. Assim, este esquema poderia ser representado da seguinte forma: Figura 1 – Origem dos grupos Fonte: Elaboração própria Com o passar do tempo, as sociedades humanas começam a se estabelecer, descobrindo que suas necessidades estavam além da caça e da defesa entre grupos. Era o momento de fundar raízes, surgindo as cidades, nas quais cada grupo de pessoas formava um nova estrutura e, ao mesmo tempo, fazendo nascer as culturas. Começa-se a perceber que a relação de dependência entre natureza e cultura se estabelece desde as gerações que antecedem à concepção de um novo ser no interior do grupo. Sua história não começa com a fase gestacional e o nascimento, ela está intimamente ligada aos protagonistas próximos que a antecedem, ou seja, aos demais grupos (OLIVEIRA, 2006). Assim, simples laços de afeição, de natureza 0 depois antes parto Ciclo vital I Geração II Geração III Geração 7 www.eunapos.com.br apenas biológica, que mantinham os grupos unidos naturalmente, são substituídos por laços sociais legitimados, surgindo a família natural constituída por pais e filhos. No direito romano clássico a "família natural" cresce em importância - esta família é baseada no casamento e no vínculo de sangue, pois é o agrupamento constituído apenas dos cônjuges e de seus filhos. Esta família tem por base o casamento e as relações jurídicas, dele resultantes, entre os cônjuges, e pais e filhos. Se nesta época predominava uma estrutura familiar patriarcal em que um vasto leque de pessoas se encontrava sob a autoridade do mesmo chefe – o pai -, nos tempos medievais, as pessoas começaram a estar ligadas por vínculos matrimoniais – a mãe -, formando novas famílias. Dessas novas famílias fazia também parte a descendência gerada que, assim, tinha duas famílias, a paterna e a materna.3 Contudo, a partir do momento em que as famílias começam a ser compostas por integrantes que detinham um papel social, e, sendo inclusas numa cultura que se estabelece, surge a necessidade de determinar suas funções e objetivos, de forma a garantir uma representatividade social. Segundo Minuchin (1990, p.25), é certo que: Nesta perspectiva, as funções da família regem-se por dois objetivos, sendo um de nível interno, como a proteção psicossocial dos membros, e o outro de nível externo, como a acomodação a uma cultura e sua transmissão. A família deve então, responder às mudanças externas e internas de modo a atender às novas circunstâncias sem, no entanto, perder a continuidade, proporcionando sempre um esquema de referência para os seus membros. Desse modo, os objetivos da família ficam, ou são assim exigidos, explícitos. Sendo que, como o autor pontua, a proteção psicossocial, objetivo de nível interno, poderá ser compreendida como toda forma de acolhimento afetivo, incluindo as emoções e sentimentos, bem como todos os conflitos que nascem dessas condições, representando a forma subjetiva de proteção de seus membros. Por outro lado, tem também o objetivo a nível externo, que visa a correspondência ou reprodução da cultura vigente. Assim, a família possui duas funções que estão intimamente relacionadas, sendo que: a primeira significa a ensinagem das 3 Fonte: www.wikipedia.com.br, acesso em julho de 2010. 8 www.eunapos.com.br necessidades básicas essenciais à sobrevivência num grupo, somadas às condições puramente humanas de afetividade e emoções e, uma segunda, a ensinagem das necessidades sociais essenciais à sobrevivência na sociedade, somada às condições de adaptação, relações humanas, produção e ganhos, representando a forma objetiva de proteção de seus membros. Todavia, as estruturas, bem como as configurações e funções familiares, vão tomando rumos muito diferentes em cada época, sendo este fato um indicador de que as famílias são estruturas que se organizam em conformidade com os padrões sociais, culturais e econômicos de cada época. Nessa perspectiva, foi na Revolução Francesa, que surgiram os casamentos laicos no Ocidente e, com a Revolução Industrial, tornaram-se frequentes os movimentos migratórios para cidades maiores, construídas em redor das indústrias. Com estas mudanças estruturais, o estreitamento dos laços familiares e as pequenas famílias são concretizadas, num cenário similar ao que existe hoje em dia. A representação da matriarca, como a mãe que fica em casa com exclusiva função de cuidar dos filhos, se altera, pois as mulheres saem de casa e passam integrar a população ativa, sendo que a educação dos filhos passa a ser partilhada com as instituições escolares. Moreira (2007, p.22) afirma que nessa altura, “a família era definida como um ‘agregado doméstico’ composto por pessoas unidas por vínculos de aliança, consanguinidade ou outros laços sociais, podendo ser restrita ou alargada”. Nesse novo cenário, a família, suas configurações e funções, já não pode mais ser considerada estática, mas contemplada por processos diversos e adversidades comuns para cada época, mediante as exigências sociais. 1.1 Berço da afetividade e do equilíbrio emocional “Minha mãe me disse umas coisas... Sobre os ódios do meu peito Disse que o ódio que se guarda... Vai matando só quem sente” (Pe. Fábio de Melo, 2008) Lembrando que um dos primeiros objetivos da família, uma vez caracterizada socialmente, é de nível interno e está denominado como a proteção psicossocial, compreendida como toda forma de acolhimento afetivo, incluindo as emoções e 9 www.eunapos.com.br sentimentos, bem como todos os conflitos que nascem dessas condições, temos na família o berço da afetividade e do equilíbrio emocional. Mas, é preciso definir os termos para aplicar suas funções, de modo a compreender o que é este processo psicossocial, levando em conta que o termo psicossocial tem a ver com a vida psicológica particular inserida num campo social. Desse modo, o próprio termo sugere um processo, já que nossa constituição psicológica depende de vários condicionantes – internos e externos – e, nesseponto, sabemos que temos necessidade de sucessos que perpassam as crises e insucessos, para então equilibrarmo-nos psicologicamente. Para não adentrarmos nas teorias comportamentais, já discutidas em outros módulos desse curso, tomarei aqui os estudos de Erik Erikson. E, por que refletir sobre esses estudos? Porque são os mais evidentes no corpo social atual, sendo notáveis nas representações que temos hoje de nós e que, de forma progressiva, foi nos dado, em princípio, por nossa família. Segundo Erikson (1998), O crescimento psicológico ocorre através de estágios e fases, não ocorre ao acaso e depende da interação da pessoa com o meio que a rodeia. Cada estágio é atravessado por uma crise psicossocial entre uma vertente positiva e uma vertente negativa. As duas vertentes são necessárias, mas é essencial que se sobreponha a positiva. A forma como cada crise é ultrapassada ao longo de todos os estágios irá influenciar a capacidade para se resolverem conflitos inerentes à vida. O que Erikson afirma com essa premissa não é algo desconhecido para nós, pois temos necessidades, também, da aprendizagem de nossas emoções, estando elas em uma balança, figurativamente falando, em que um dos lados irá pender para as emoções positivas e, em outro, irá pender para as emoções negativas, sendo que estas não podem sobrepor-se às emoções positivas. Mas quem nos ensina isso, ou como aprendemos a desenvolvê-las e ter controle sobre elas? A família é a primeira a contemplar nossos primeiros passos afetivos e emocionais e, em certa medida, moldá-las, segundo um padrão de valores e crenças já estabelecido por ela conforme sua trajetória histórica. Porém, esse processo, assim como qualquer outro, requer uma progressividade, porque tudo que se trata de matéria humana não se forma ou desenvolve de imediato sem que haja experiências, vivências e relações que motivem ou impulsionem suas estruturas gerais. Por isso, há tempo determinado 10 www.eunapos.com.br para gestar, nascer, crescer, amadurecer e morrer. Nesse sentido, Erikson (1998, p. 98) apresenta oito estágios de desenvolvimento psicossocial que nos dizem muito do que somos e como nos apresentamos ante os moldes que nossa família proporcionou: 1º) Confiança/desconfiança – ocorre de 0 a 18 meses. A criança adquire ou não uma segurança e confiança em relação a si próprio e em relação ao mundo que a rodeia, através da relação que tem com a mãe. Se a mãe não lhe der amor e não responde às suas necessidades, a criança pode desenvolver medos, receios, sentimentos de desconfiança que poderão vir a refletir-se nas relações futuras. Se a relação é de segurança, se a criança recebe amor e as suas necessidades são satisfeitas, ela vai ter melhor capacidade de adaptação às situações futuras, às pessoas e aos papéis socialmente requeridos, ganhando assim confiança. Fonte: http://migre.me/45pir Desse modo, a família, representada pela figura materna, tem papel preponderante para a formação da segurança e confiança da criança, dando-lhe condições de relacionar-se, posteriormente, com outros ambientes além do familiar. Vamos fazer a seguinte análise: se a criança não teve suas necessidades atendidas nesse período, já tendo desenvolvido medos, receios, desconfiança e toda insegurança possível, como poderá aprender na escola? Que mãe não se lembra de ter visto o filho ou filha em escandaloso choro na porta da escola no seu primeiro dia de aula? Pois é, a insegurança, como fruto da desconfiança, não permite que a criança se sinta parte de outro ambiente senão o familiar. A angústia da criança é de não poder dar conta dos medos e do sentimento de abandono, desenvolvido nesse período. Evitando generalizações, é preciso lembrar que este é apenas um fator e, dependendo do apego e do nível das relações, outros fatores podem fazer parte desse período, implicando na criança e sua aprendizagem escolar. Por essa 11 www.eunapos.com.br perspectiva, Parolin (2005, p.71), afirma que “é de consenso que uma criança não aprende qualquer coisa, em qualquer lugar e com qualquer um, ou seja, que elegemos com quem aprendemos (...)”, e, no caso de uma criança insegura esta premissa se torna uma verdade constatada. No entanto, nos últimos anos, a escola passou a ter maior consciência desse fato e, progressivamente, tem-se planejado para estar atenta a estas crianças. 2º) Autonomia/dúvida e vergonha – entre os 18 meses e os 3 anos. É caracterizado por uma contradição entre a vontade própria (os impulsos) e as normas e regras sociais que a criança tem que começar a integrar. É o momento de explorar o mundo e o seu corpo e o meio deve estimular a criança a fazer as coisas de forma autônoma, não sendo alvo de extrema rigidez, que deixará a criança com sentimentos de vergonha. A atitude dos pais aqui é importante, eles devem dosar de forma equilibrada a assistência às crianças, o que vai contribuir para elas terem força de vontade de fazer melhor. De fato, afirmar uma vontade é um passo importante na construção de uma identidade. É nesse período que a criança manifesta as "birras"; período dos porquês, que exigem respostas; e, de querer fazer as coisas sozinha, se sentido autoindependente. Fonte: http://migre.me/45pv5 Aqui encontramos as crianças que precisam de autonomia e, ao mesmo tempo, de limites bem explicados. A autonomia é, sem dúvida, para que a criança aprenda por si só a dar conta de seus problemas e conflitos, conquistando sua autoria de pensamento, ou seja, sua capacidade de aprender autonomamente. Mas, como diz Fernández (2001, p.92), “a autonomia do pensamento só pode se postular ao nível do desejo (desejo de conhecer tudo)...” E nesse natural desejo de tudo conhecer, encontramos a primeira necessidade que a criança tem de ser limitada, porque nem tudo pode estar ao alcance de seu conhecimento até que tenha idade para processar as informações. 12 www.eunapos.com.br Contudo, restringir não significa punir, mas dar condições de a criança refletir sobre seus atos aprendendo com seus erros. A atitude de impedir, castigar, tolher a criança, desenvolvendo a dúvida sobre o que é certo e errado, e ao mesmo tempo, incita à vergonha. Assim, o que às vezes nos parece uma criança tímida, é na verdade, uma criança insegura e envergonhada para seguir adiante numa proposta de aprendizagem. Mas, dar limite à criança é fazê-la compreender o seu tempo o seu momento; estabelecer regras bem definidas, sem abuso de autoridade nem austeridade. E essa premissa é simples de entendermos se paramos para pensar que nem adultos suportam restrições vigiadas; produção sob pressão; convivências hostis e impositoras, enfim, pessoas arrogantes e gritantes... precisamos de correção ante nossos erros de forma dialogada, combinada e definida, bem como, queremos elogios diante de nossos acertos e sucessos. 3º) Iniciativa/culpa – entre os 3 e 6 anos. É o prolongamento da fase anterior, mas de forma mais amadurecida: a criança já deve ter capacidade de distinguir entre o que pode fazer e o que não pode fazer. Este estágio marca a possibilidade de tomar iniciativas sem que se adquira o sentimento de culpa: a criança experimenta diferentes papéis nas brincadeiras em grupo, imita os adultos, tem consciência de ser “outro” que não “os outros”, de individualidade. Deve-se estimular a criança no sentido de que pode ser aquilo que imagina ser, sem sentir culpa. Neste estádio a criança tem uma preocupação com a aceitabilidade dos seus comportamentos, desenvolve capacidades motoras, de linguagem, pensamento, imaginação e curiosidade. Questão chave: serei bom ou mau? E, assim, nasce a inserção social, os primeiros colegas afetivos; surge, progressivamente, a ética da convivência, mas para a criança tudo isso é, sem dúvida, experiência nova. Nessafase, a criança começa a descobrir que pode ajudar em pequenas tarefas diárias. E, para ilustrar tal passagem lembro, por exemplo, de uma criança que está ajudando a mãe a colocar a mesa para o almoço. Mas, por descuido, a criança deixa cair um copo no chão, que se espatifa em mil pedacinhos. A mãe (ou outro adulto) ao presenciar a cena, descarrega sobre a criança, aos gritos – “Saia já daqui, vá brincar lá fora, olhe o que você fez, não presta atenção em nada!” A 13 www.eunapos.com.br criança, entre o susto de seu ato e o terror da chamada de atenção, evidentemente, chora e sai dessa cena. Pergunto: Quem já fez isso com um filho ou filha tem idéia do que inculcou na criança? Ou, quem já passou por isso quando criança pense: o que sente (sentiu) ao reviver esta cena? Outra questão: Será que a falta de iniciativa de um adulto nas tomadas de decisão, teria sua origem a partir de cenas como esta? Chraim, (2009, p.26), lembra que “é na base familiar que a criança começa a construir sua real identidade, que será formada a partir das experiências e da forma como aprendeu a lidar com as informações que recebe.” Portanto, a culpa não é sinônimo de reflexão sobre o ato, mas um claro e consciente impedimento para as iniciativas necessárias ante a vida, tanto pessoal quanto profissional. 4º) Indústria/inferioridade – entre 6 e 12 anos. Decorre na idade escolar antes da adolescência; a criança percebe-se como pessoa trabalhadora, capaz de produzir, sente-se competente. Neste estágio, a resolução positiva dos anteriores estágios tem especial relevância: sem confiança, autonomia e iniciativa, a criança não poderá afirmar-se nem sentir-se capaz. O sentimento de inferioridade pode levar a bloqueios cognitivos, descrença quanto às suas capacidades e as atitudes regressivas: a criança deverá conseguir sentir-se integrada na escola, uma vez que este é um momento de novos relacionamentos interpessoais importantes. Questão chave: Serei competente ou incompetente? Como se percebe a construção gradativa dos aspectos afetivos e emocionais passa a ser mais evidenciada nesse estágio, pois as interações sociais já estão estabelecidas – a família deixou de ser o único grupo, para ser mais um grupo – e a escola já é considerada mais um ambiente em que as relações acontecem. Contudo, esse início de entrada na adolescência torna-se um período de autorreflexões, pois o sujeito sabe que está deixando sua infância para incorporar “um mundo mais maduro”. Quais suas responsabilidades, já que a cobrança por suas ações já é de cunho íntimo? Merleau-Ponty (1990, apud SZYMANSKI, 2010), afirma que: Noção central na psicologia da criança, porque criança é apenas desenvolvimento. Noção paradoxal, pois ela não supõe nem continuidade absoluta, nem descontinuidade absoluta, ou seja, o desenvolvimento não é nem adição de elementos homogêneos, nem uma sequência de etapas sem transição. 14 www.eunapos.com.br É muito importante a presença da família nesse período. Pois, é o período em que afloram os hormônios; as curiosidades físicas tornam-se mais exacerbadas; há maior necessidade de falar e de ser ouvido, de que ouvir; a capacidade criadora e produtiva está mais desenvolvida, mas implica motivação e apoio. Do contrário, a inferioridade se instala; passa para a necessidade do isolamento e o distanciamento das coisas e pessoas; acredita-se incapaz de dar conta de seus projetos pessoais; ocorre a introversão ou a extroversão, sendo que ambos constituem prejuízo para o pré-adolescente. 5º) Identidade/confusão de identidade – dos 13 aos 19 anos - marca o período da adolescência. É neste estágio que se adquire uma identidade psicossocial: o adolescente precisa de entender o seu papel no mundo e tem consciência da sua singularidade. Há uma recapitulação e redefinição dos elementos de identidade já adquiridos – esta é a chamada crise da adolescência. Fatores que contribuem para a confusão da identidade são: perda de laços familiares e falta de apoio no crescimento; expectativas parentais e sociais divergentes do grupo de pares; dificuldades em lidar com a mudança; falta de laços sociais exteriores à família (que permitem o reconhecimento de outras perspectivas) e o insucesso no processo de separação emocional entre a criança e as figuras de ligação. Neste estágio a questão chave é: Quem sou eu? E com necessidade de responder a esta questão sai em busca de si mesmo. É o período comum das desconfianças em relação aos seus laços familiares, dos conflitos e atritos com os pais e irmãos, surgindo questões íntimas, tais como: Será que sou adotivo? Por que meus pais gostam mais do meu irmão? Minha irmã é melhor do que eu! Ninguém me entende. Não sou inteligente! Na escola, o comportamento pode ser instável, ora calado e tímido, ora desafiante e hostil; há necessidade de chamar a atenção e de ser chamado à atenção, pois pretende valer-se de sua presença (por bem ou por mal); não crê nos seus conhecimentos, tendo uma projeção negativa quanto à sua formação. 15 www.eunapos.com.br Mas, via de regra, não precisa ser assim, desde que a família compartilhe com esse pré-jovem suas ansiedades, dando-lhe a atenção devida, ao mesmo tempo em que o orienta para a objetividade. Do contrário, tais conflitos podem nascer dos conflitos já existentes na própria família. Por isso, Olivier (2008, p.77) faz a seguinte observação: O que quase ninguém questiona é que o ovelha negra não nasce assim, ele é fabricado pela doença familiar (...), assistindo às crises da família, aos problemas financeiros, às brigas entre os pais, às cobranças em relação a ele próprio e aos outros familiares. Nesse período, é essencial que a família busque o diálogo, o melhor entendimento a fim de sanar estas questões íntimas, firmando e legitimando uma identidade de significado, ou seja, que demonstre a importância de sua existência nesse grupo, tal como, sua importância como elemento capaz e produtivo que deve projetar-se para o futuro. 6º) Intimidade/isolamento – ocorre entre os 20 e os 35 anos, aproximadamente. A tarefa essencial deste estágio é o estabelecimento de relações íntimas (amorosas, e de amizade) duráveis com outras pessoas. A vertente negativa é o isolamento, pela parte dos que não conseguem estabelecer compromissos nem troca de afetos com intimidade. Questão chave deste estágio: Deverei partilhar a minha vida ou viverei sozinho? Nesse sentido, a busca por sua estabilização emocional é característica desse período. Mas o descobrimento da sexualidade e da íntima necessidade, cada vez mais crescente, de dividir ou compartilhar seus espaços e contextos, faz que a família seja espelho de seus projetos. Pois, nesse período, o antigo jovem envolvido por seus projetos profissionais e sociais, torna-se agora mais próximo de sua família e deseja formar a sua. As amizades já estão mais fortalecidas por laços de afinidade, enquanto que a vida amorosa requer estruturação. Não são apenas pequenas aventuras, nem “ficar por ficar”, há uma necessidade de firmar compromisso e constituir a sua família, conquistar o seu espaço com alguém. Mas, há um sério problema, de natureza íntima, ao qual a família deve dar atenção e estar pronta para os enfrentamentos necessários. 16 www.eunapos.com.br Dependendo de como os estágios anteriores se sucederam e da relação estabelecida entre o sujeito e a família, pode haver conflitos quanto à escolha da parceria que será estabelecida. Pois, somado a alguns fatores4, o sujeito pode optar pela homossexualidade ou bissexualidade, ou sem problemas quaisquer, pela heterossexualidade. Segundo Olivier (2008, p.94): A questão da afinidade deve ser fator desencadeante de relações homossexuais, pois é certo que mulheres identificam-se muito mais com outras mulherese homens com outros homens, em ideias, intenções, objetivos, carências, etc. Outro fator relevante é a beleza física, pessoas muito bonitas ou, no mínimo, carismáticas ou exóticas, enfim, pessoas que atraem muitas atenções, geralmente, atraem muitas pessoas de ambos os sexos. Ressalta-se que não é regra para todos essa vivência, mas, como já dito há alguns fatores que se somam como, por exemplo, a distância da família nas orientações quanto à sexualidade, a qual se inicia pelo auto-conhecimento físico e consciência de suas manifestações. O diálogo franco e a parceria amiga da família influenciam na formação das escolhas do sujeito. 7º) Generatividade/estagnação: entre os 35 e 60 anos. É uma fase de afirmação pessoal no mundo do trabalho e da família. Há a possibilidade do sujeito ser criativo e produtivo em várias áreas. Existe a preocupação com as gerações vindouras; produção de ideais; maior participação política e cultural; educação e criação dos filhos. A vertente negativa leva o indivíduo à estagnação nos compromissos sociais, à falta de relações exteriores, à preocupação exclusiva com o seu bem-estar, posse de bens materiais e egoísmo. Um período marcadamente relacional, ou seja, a família é seu principal ponto de apoio, como dizem – o porto seguro. Se há filhos, a preocupação é com a formação e relacionamentos sociais; se não tem filhos, os deseja ter porque a maturidade vem acompanhada pelo medo da solidão no futuro. 4 Antes de qualquer colocação, é preciso lembrar que são muitas as teorias e as justificativas envolvendo a homossexualidade e a bissexualidade, que vão desde influência genética até tendência psicopata, passando pelo hipererotismo sexual precoce (...) Segundo estudos comprovados, podem ser sociológicos, comportamentais, hormonais, citológicos e até mitológicos, além dos psicológicos (OLIVIER, 2008, p.93). 17 www.eunapos.com.br O sujeito começa a perceber que a família de antes, e não a que constituiu, não é mais a mesma, pois alguns familiares se distanciaram e outros já partiram deste mundo – descobre-se que a vida e a morte fazem parte do mesmo processo. Há uma necessidade premente de estabelecer-se financeiramente e atingir com maior rapidez seus projetos pessoais; mas, há um maior equilíbrio entre os desejos e as possibilidades – uma vez que a ansiedade da pré-maturidade já deixou de existir, dando lugar à maturidade equilibrada. Os amigos são escolhidos a dedo e a socialização se caracteriza pela convivência; a ideia de velhice começa a ser uma companheira diária, sobretudo, com a vinda dos netos. 8º) Integridade/desespero – ocorre a partir dos 60 anos. É favorável uma integração e compreensão do passado vivido. É a hora do balanço, da avaliação do que se fez na vida e, sobretudo do que se fez da vida. Quando se renega a vida, se sente fracassado pela falta de poderes físicos, sociais e cognitivos, este estágio é mal ultrapassado. De um lado, a integridade é o balanço positivo do seu percurso vital, mesmo que nem todos os sonhos e desejos se tenham realizado; esta satisfação prepara para aceitar a idade e as suas consequências. Por outro, o desespero, como um sentimento nutrido por aqueles que consideram a sua vida mal sucedida, pouco produtiva e realizadora, que lamentam as oportunidades perdidas e sentem ser já demasiado tarde para se reconciliarem consigo mesmos e corrigir os erros anteriores. Neste estágio a questão chave é: Valeu a pena ter vivido? O que fiz de verdade na vida? O que conquistei? A convivência com os mais jovens se torna difícil, bem como fazer novas amizades, sendo a reclusão a melhor forma de viver bem consigo mesmo. A família tornou-se outros grupos, cada filho em sua casa recomeçando o ciclo natural da vida de família; então, a família deixou de ter o tom alegre, mas contempla-se o que restou dela com apreço, saudade e inquietação, pois a sensação de perda e morte agora é uma constante. Não vamos relembrar as teorias já estudas sobre o desenvolvimento e aprendizagem humana, mas apresento o esquema seguinte que sae articula com as ideias de Erikson, fazendo sentido ao que estudamos até aqui: 18 www.eunapos.com.br Figura 2 – Do desenvolvimento humano nas suas relações familiares Fonte: Elaboração própria Construir e Reconstruir conhecimentos é um ato de prazer Inteligência (construída interacionalmente) Desejo (energia inconsciente) Corpo (construído pelas experiências) Organismo (individual herdado) Aprender depende O cognitivo depende do método aplicado Relação Afetiva entre ensinantes e aprendentes Componente emocional Componente intelectual Conhecer é desejar 19 www.eunapos.com.br Exercício 1 1. O início dos grupos, que se poderia, mais tarde, constituir em família, tem surge: a) Não nas relações entre os gêneros, mas a partir do parto e, após este. b) Após as relações entre os gêneros. c) Após todos os sujeitos se juntarem, formando um único grupo. d) Pelos laços de afinidade e afeição. 2. As funções da família regem-se por dois objetivos, sendo um: a) De nível objetivo (proteção psicossocial dos membros) e o de nível cultural (acomodação a uma cultura e sua transmissão). b) De nível interno (proteção intersocial dos membros) e o de nível externo (assimilação a uma cultura e sua transmissão). c) De nível interno (proteção psicossocial dos membros) e o de nível externo (acomodação a uma cultura e sua transmissão). d) De nível familiar (interação psicossocial dos membros) e o de nível social (associação a uma cultura e sua transmissão). 3. A família é a primeira a contemplar nossos primeiros passos afetivos e emocionais e, em certa medida, moldá-los, conforme: a) A sua formação e identidade, ante os padrões sociais. b) Os padrões familiares e sociais, frente aos papéis que assume. c) As suas funções internas e externas, de acordo com a sua identidade familiar. d) Um padrão de valores e crenças, estabelecidos na sua trajetória histórica. 1.2 As identidades e as relações familiares “Espere minha mãe já vou voltando Que falta faz pra mim um beijo seu”. (Fogão de Lenha, Chitãozinho e Xororó) As identidades familiares são aquelas que dão, para cada membro familiar, um papel dentro dela e faz com que sua dinâmica funcione havendo, assim, uma relação íntima de cada identidade com as relações estabelecidas no seu interior. (STANHOPE, 1999, p.502): Em todas as famílias, independentemente da sociedade, cada membro ocupa determinada posição ou tem determinado estatuto como, por exemplo, marido, mulher, filho ou irmão, sendo orientados por papéis. Papéis estes, que não são mais do que, as expectativas de comportamento, de obrigações e de direitos que estão associados a uma dada posição na família ou no grupo social. 20 www.eunapos.com.br Assim, cada pessoa ou familiar assume um papel que lhe concede direitos e deveres e, sobretudo, obrigações que dão o formato ao que se denomina família. Em psicopedagogia, quando se fala em família, deve ser entendida como uma realidade sistêmica. Essa realidade é sistêmica, porque há uma interação de aprendizagens e ensinagens que promovem o desenvolvimento de ambientes propícios à integração social e interações com os conhecimentos que são adquiridos e incorporados à família e em cada um de seus membros. Assim, aos pais cabe: a socialização da criança: gerando, desde o seu nascimento, as atividades que promovem o desenvolvimento das capacidades mentais e sociais, as habilidades e potencialidades de aprendizagem e conhecimento da criança; os cuidados às crianças: desde quando nascem, atendendo-lhes as necessidades básicas essenciais, tanto físicas -como afetivas e emocionais-, quantoas estruturais relativas aos ambientes; o papel de suporte familiar: que inclui a obtenção dos recursos necessários para o sustento da família e sua interação social; o papel de encarregados dos assuntos domésticos: onde estão incluídas as atividades de organização do ambiente familiar, propiciando o conforto e o acolhimento saudável; o papel de manutenção das relações familiares: ao que diz respeito aos relacionamentos interfamiliares, como contato e convivência com os parentes, implicando, se necessária, a ajuda em situações de crise; os papéis sexuais: considerando que os parceiros precisam de tempo para, na intimidade, discutirem a relação entre ambos, além das relações sexuais, com o propósito de preservarem sua cumplicidade; o papel terapêutico: que implica o apoio afetivo e emocional quando os problemas familiares surgem e, inevitavelmente, interferem na rotina familiar; o papel recreativo: indica a necessidade de promoção de atividades de lazer e recreação, tendo o objetivo de descontração, desenvolvimento pessoal e interações sociais. 21 www.eunapos.com.br Essas identidades, quanto aos seus papéis, não são estáticas e, como sabemos, nos dias atuais, há muita mãe que é arrimo de família, sem parceiro para ajudá-la e, também pai que é o único a sustentar a família sem parceria alguma. Desse modo, os papéis nas são estáticos e as relações entre os pais não são mais obrigadas a se manter, mesmo por laços filiais, religiosos, sociais, etc. Os filhos, consequentemente, irmãos – ou mesmo filho ou filha única – são os aprendizes necessários, já que suas primeiras relações são de aprendizagem para desenvolver a independência de atenção às suas próprias necessidades básicas e, mais tarde, interagirem num campo social além da família. São os receptores das normas e regras sociais que a família desenvolveu na sua trajetória histórica e cultural; são os que carregaram a bagagem que a família transmitiu; então, se esta bagagem – estrutural, relacional, emocional e intelecto- cognitiva – for bem estabelecida, orientada e definida, mesmo que haja problemas comuns de qualquer grupo familiar, com certeza, os filhos serão os transmissores fiéis dessa bagagem. As interações de modo geral, inclusive com a aprendizagem, serão sadias e convencionalmente adequadas ao que a sociedade chama de “padrão normal”. No entanto, sendo a bagagem marcada por conflitos generalizados, que comprometem os filhos na sua formação geral, será transmitida também de forma fiel por eles. Pois, a tendência dos filhos é repetir o que lhe é dado, primeiro porque crescem acreditando que é assim e, estenderão esse entendimento a todas as outras relações. Para ilustrar essa premissa, por exemplo, acreditam que a melhor relação é a que tem brigas, porque é assim que os pais vivem e, por conseguinte, todas as demais relações passam a ser conflituosas porque assim sempre foram concebidas. Segundo Chraim (2009, p.91), “alguns pais talvez não estejam preparados para serem pais, pois ainda não aprenderam a ser filhos. Mas, lembre-se que uma das grandes virtudes da aprendizagem é a prática.” É, certo, que tanto uma bagagem familiar boa como uma ruim podem formar pessoas que não se encaixam nas premissas acima, porque pode haver elementos que contornem as situações. Assim, as pessoas não se tornam más porque sua família é má; há condições maiores para isso, mas sempre haverá uma tendência natural, da personalidade, que se afina ou não à condição. Desse modo, Stanhope 22 www.eunapos.com.br (1999, p.502), ao descrever as relações e identidades dos filhos, no contexto da família, afirma que estes: Contribuem para a formação da identidade uns dos outros servindo de defensores e protetores, interpretando o mundo exterior, ensinando os outros sobre equidade, formando alianças, discutindo, negociando e ajustando mutuamente os comportamentos uns dos outros. Portanto, os filhos passam, desde muito cedo, a acompanhar as atitudes e posturas dos pais, condicionando suas crenças e valores, crendo nelas como determinantes para toda realidade que se inserem e, mais tarde, renovam o entendimento desses princípios tomando uma identidade própria, a qual, se repetirá na transmissão de valores e crenças para seus filhos. Fonte: http://migre.me/45vQd 1.3 Os diferentes personagens da família “Família, família, Papai, mamãe, titia, Família, família, Almoça junto todo dia. Nunca perde essa mania.” (Titãs, Família) Como podemos ver até aqui, a família é um grupo formado por pessoas e que sofre a influência de outros grupos de pessoas. É um grupo dinâmico, estabelecido e formado, tendo objetivos e propostas de convivência de acordo com os valores e crenças que se formaram na sua trajetória histórica. Os diferentes personagens que a compõem, são os que dão à família um aspecto peculiar e diferenciado. Mas, família é tudo igual, só muda de endereço, como dizem. As famílias atuais não são mais naturais ou nucleares, ou seja, aquelas compostas apenas pelos pais e pelos filhos. Na sua maioria, as famílias passaram a se diferir tanto no seu agrupamento, quanto nos personagens que a compõem. Desse modo, algumas das famílias atuais possuem os pais como o centro de tudo; trabalham em tempo integral dedicando-se ao sustento da casa; enquanto que 23 www.eunapos.com.br os filhos são legados aos cuidados dos avós – tanto paternos quanto maternos, sendo estes os responsáveis pela educação e formação dos valores necessários. Esta realidade provocou mudanças sérias quanto à formação afetiva e emocional da família comprometendo, inclusive, as identidades de cada membro. Fonte: http://migre.me/45wbG Para ilustrar este fato, tomarei como exemplo uma situação que presenciei quando tive experiência escolar: a mãe é chamada para comparecer à escola, a fim de ser informada sobre os problemas de comportamento do filho. Contudo, no horário marcado, comparecem a mãe e a avó (materna), o pai estava em trabalho no exterior e, não comparecia fazia três anos, a não ser por poucos contatos telefônicos; a mãe se explica afirmando que quem cuida da criança em tempo integral, desde bebê, é a avó, e ela (mãe) não é reconhecida pelo filho como mãe, mas a avó, sim. Resultado: a criança não atendia a mãe em nada que lhe fosse pedido e, pior ainda, se lhe chamasse a atenção, a criança diziam “você não é a minha mãe, não me manda!”; o detalhe é que essa mesma frase era repetida pela criança toda vez que a professora, na escola, lhe chamava a atenção. Então, vamos aos personagens dessa história: uma criança que sabe que é filho só não sabe de quem; um neto que não sabe que é neto; um pai, que só tem o termo; uma mãe que não é mãe; uma avó que não pode ser avó porque se tornou mãe e, uma professora que não é nada. Com exceção da professora, que personagens compõem esta família? Ressalto que não há nada contra os pais trabalharem para o sustento qualitativo de sua família, contudo, a pouca presença deve ser mais valorizada que a dura ausência provocada. Mas Sarti (2010, p.25)5 alerta que: 5 Cynthia A. Sarti, Famílias enredadas, p.21-36, in Acosta e Vitale, 2010. 24 www.eunapos.com.br Não se sabe mais, de antemão, o que é adequado ou inadequado à família. No que se refere às relações conjugais, quem são os parceiros? Que família criaram? Como delimitar a família se as relações entre pais e filhos cada vez menos se resumem ao núcleo conjugal? Como se dão as relações entre irmãos, filhos de casamentos, divórcios, recasamentos de casais em situações tão diferenciadas? Enfim, a família contemporânea comporta uma enorme elasticidade. As pessoas gestam seus problemas com o trabalho, porque necessitam dele, sabendoque há uma vida fora dele. No entanto, não gestam a paciência necessária - já que há mais cansaço que saudade – quando são chamados a assumir seus papéis. Deixam para os avós, os tios, os primos fazerem o que não acreditam ter tempo para fazer. Mas, tais adultos precisam lembrar que a presença valorizada é aquela que demonstra a importância das pessoas por quais lutamos (e amamos!). Não serão os demais responsáveis por cuidar dos nossos filhos, que poderão dar o amor que eles exigem; podem amar sim, como relações duradouras e subjacentes, mas que não substituem o afeto dos pais. E isso se aplica inclusive para os filhos adotivos, pois em seus íntimos há um vazio, que se explica mediante cada situação e que se torna superável mediante os afetos dos pais adotivos. Também para ilustrar tais premissas, tomo como exemplo um relato de uma mãe que chega a casa e, de cara, vem o filho a lhe pedir “uma coisa”. Antes que o filho pudesse completar a frase, a mãe se coloca na postura das compensações, prometendo que o levaria ao shopping; que lhe daria um carrinho novo; que lhe traria um doce bem gostoso no dia seguinte desde que ele ficasse quietinho e a deixasse descansar. A criança desolada sai de cena. Mais, tarde, notando o silêncio da casa, pergunta para a avó onde está o filho; a mesma diz que já está dormindo. A mãe resolve então saber da avó o que a criança queria. A avó diz que o neto queria apenas uma foto (da mãe) para colocar num cartão de homenagem que a escola estava organizando. Será que é preciso dizer que a avó já havia lhe dado uma fotografia da mãe, já que ela não estava só ausente, mas totalmente fora da realidade de seu filho.6 6 Ao me referir à mãe, a avó, não pretendo atingir o universo feminino de forma restritiva, são apenas configurações, pois incluo pais, avós e todos os demais membros que compõe uma família. 25 www.eunapos.com.br Portanto, o fato de trabalhar fora, de forma que os filhos fiquem aos cuidados de outros, não é o problema, mas é a despersonalização da família que preocupa, sobretudo, a escola. Já que nisso há relações envolvidas, há afetos condicionados e emoções que não estão sendo tratadas, nem atendidas. Creio que os professores sabem bem o que estou falando, porque o maior desafio da escola é aproximar-se da família e obter respostas aos comportamentos de seus filhos. 26 www.eunapos.com.br UNIDADE 2 - CADA FAMÍLIA TEM SEU MODO DE SER 2.1 Autoridade: falar a mesma língua é bom Nessa unidade o objetivo é não perdermos o foco da família e de sua dinâmica, de forma que possamos entender quem é este grupo e como as questões relativas aos processos de aprendizagem e de ensinagem estão muito relacionadas a ele. Há algum tempo, sem surpresa, ouvimos que toda família é igual, só muda o endereço. Em muitos aspectos, o dito popular está correto, pois as funções e papéis que garantem à família suas características centrais não mudam de um grupo para outro. No entanto, já não se pode dizer que todas as famílias são semelhantes na constituição de seus valores e de suas crenças, pois estes princípios implicam num conjunto de experiências que incluem uma história, uma cultura, um organismo social, ético e político. Assim, família se constitui por meio de um processo que soma tempo e história, em que cada um de seus membros tem um caráter social assumido e dinâmico. Esse caráter também é uma constituição histórica e que marca uma representação como, por exemplo, a de autoridade – concebida ao homem, como o responsável pela proteção, sustento e manutenção da família. Segundo Lyra (2010, p.80), assim se configura esse homem na história: Esse homem caçador, segundo podemos inferir pela configuração da estrutura familiar, e que nesse momento da história não tinha consciência de sua condição de pai, era um sujeito que se ausentava para as caçadas e as lutas a fim de garantir o necessário à sobrevivência. No entanto, era uma pessoa visivelmente envolvida na instrução das crianças, nos ritos, na caça e nas lutas. A autoridade do homem, assim, nasce no conjunto de seus propósitos, pois sua posição lhe concedia o poder de acolher, manter e lutar para garantia de sobrevivência. No entanto, a mulher também já detinha algumas funções que auxiliavam o homem, sendo que ambos conduziam o grupo sob seus domínios – ao homem cabia proteger e manter e, à mulher cabia a procriação. Mais tarde, porém, essas posições de liderança foram tomando outras formas, pois se o instinto de liderança era inerentemente humano, a vontade e o poder passariam a sobrepor-se à vontade dos demais. Assim surgia a autoridade, a 27 www.eunapos.com.br qual culturalmente foi imposta à figura masculina. Desse modo, liderança e poder são os elementos centrais da autoridade. Lembrando que quem autoriza tem autoridade para isso e, assim, o homem se afasta dos cuidados e atenção com os filhos, pois há uma imagem pública que exige outras funções, tais como a de autorizar o seu grupo, em outras palavras, o homem é quem manda. A mulher, então, assume diretamente estes cuidados com os filhos, sendo-lhe culturalmente imposta esta função. Essa ideia de autoridade em que o pai detém o poder, consequentemente a autoridade, porque sua imagem pública assim requer, e à mãe cabe a educação e proteção dos filhos, porque ela é predestinada a isso, socialmente falando, passa a ser cultuada nas mais diversas sociedades, notando-se a diversidade de gêneros. Nesse sentido Lyra (2010, p.84) analisa que: Sabe-se que qualquer discussão sobre o cuidado é remetida imediatamente ao “universo masculino”, pois desde a infância, com a educação familiar e escolar, há um claro incentivo e uma cobrança de que o cuidado esteja presente na postura das meninas, o que é maciçamente reforçado pela mídia, que não se cansa de lançar novos modelos de bonecas, casinhas, cozinhas, etc. Em contrapartida, aos meninos é reservado o espaço da rua, com brincadeiras que na maioria das vezes exigem esforço físico, visando a competição e ao enfrentamento de riscos como algo natural e incentivado. Fonte: http://migre.me/45ACs Dessa análise não é difícil nos defrontarmos com o cenário que envolve homens e mulheres quanto aos seus papéis socialmente estabelecidos. Contudo, é importante lembrar que as mulheres conquistaram espaços, antes ocupados apenas pela figura masculina. Porém, mesmo com essa conquista, continuam a ela relegados os cuidados com os filhos, enquanto o homem contribui para o sustento da família. Mas, é dessa alteração de condutas e papéis, de homens e mulheres, que poderemos notar que a conhecida autoridade passou a não ser mais exclusividade dos homens. Por mais que discursos machistas afirmem seus preconceitos, a mulher passou também a ter uma parcela social de poder e, consequentemente, de 28 www.eunapos.com.br autoridade, sobre a família, sobre seu trabalho e, até mesmo, sobre alguns de seus parceiros na relação conjugal. Quanto à criança, é preciso não esquecer que se não der a ela o direcionamento necessário, ela se perderá pelo caminho. Em outras palavras, a criança, por sua natural necessidade, passa por desenvolvimentos que lhe dão comportamentos sobre os quais ela não tem controle, porque não distingue o certo do errado, não tem noção dos perigos e das consequências de seus atos, não sabe até onde ir e como poder chegar. Enfim, a criança desfruta, em parte, uma liberdade com a qual não sabe lidar porque desconhece os princípios e regras que lhe dão segurança para agir, necessitando assim da autoridade, seja do pai ou da mãe. O fato, é que toda criança copia (reproduz) o que é de comportamento dos adultos, bem como a linguagem que usam. Para ilustrar esta premissa, lembro-me de uma situação peculiar no dia a dia da escola,a qual tinha por hábito permitir que as crianças trouxessem para o contexto um brinquedo, uma vez por semana. Todas as crianças passavam pela sala da coordenação pedagógica para poderem se dirigir às suas salas de aula. Vítor, assim vou chamá-lo figurativamente, com oito anos, é um daqueles alunos que além de ser uma criança muito bonita, não sabe o que é ficar quieto, deixando boa parte dos funcionários da escola quase enlouquecidos com suas peripécias. Naquele dia, em especial, quis saber o que Vítor havia trazido para escola para brincar, enfim, qual era o seu brinquedo. Sem delongas, Vítor atende ao meu pedido, abrindo a mochila para pegá-lo. Ele retira da mesma uma faca de 20 centímetros com cabo em madeira e excelente corte, e, ainda me diz que aquilo é a melhor “espada” que tinha para brincar. De modo a não deixá-lo assustado – já que eu estava – pedi-lhe que me entregasse o suposto “brinquedo”, pois queria mostrar para todos a linda espada que o Vítor trouxera e até ia ver se achava uma para mim também. Fui aos guardados (e perdidos) da escola e achei uma espada de brinquedo, fazendo a troca com Vítor que ficou um pouco desapontado. Mas, notando a minha disposição em elogiar o brinquedo verdadeiro, afirmando que combinava com ele, ficou feliz com a minha proposta e deixou o objeto cortante comigo e foi para sala de aula. Apavorado, liguei para a avó e relatei o ocorrido; ela também se assustou e disse – “Já disse para ele não brincar com faca.” 29 www.eunapos.com.br Vamos analisar este caso, fazendo as seguintes reflexões: - Vítor não tem limites que, em certa medida, é comum para todas as crianças que desconhecem os riscos de alguns objetos que os adultos utilizam; - Vítor não sabe, mesmo com oito anos, as consequências de seus atos – alguém ainda não o ensinou; - Ao falar para Vítor que não é para brincar com faca, não está claro que faca não é brinquedo, pois se trata apenas de uma restrição, mas não do sentido que o objeto tem. Nesse caso, o certo é, diante do objeto, a avó explicar para o menino que faca não é brinquedo, mas sim um objeto que pode machucá-lo tanto quanto a outras pessoas. Segundo Grunspun (2004, p.35), “a criança tem necessidade da autoridade, além da função primordial da liberdade.” Pais, avós e/ou demais responsáveis, devem exercer a autoridade de modo que a criança descubra como são importantes suas escolhas, e como a pertinência delas dará sentido a todos os segmentos de sua vida, inclusive, na escola. Ainda Grunspun (2004, p.35) afirma que: Conseguindo suprimir impulsos conflitivos e recebendo a ajuda na escolha dos seus julgamentos, a criança se capacitará a enfrentar a realidade. A autoridade orienta a criança em sua evolução da fase inicial instintiva, com busca de prazer pela satisfação das necessidades, para a outra fase em que passa a sentir sofrimento pela realidade. Se a criança não tiver ajuda da autoridade ficará em busca de satisfações imediatas, sem conseguir se ajustar ao princípio da realidade. O que o autor pretende com essa afirmativa é alertar para a necessidade de uma autoridade que não é restritiva ou castradora, que não coloca o impedimento, ou que toma o lugar das escolhas da própria criança. Estamos de acordo com o autor quando assumimos que autoridade é aquela que faz a criança entender sua realidade é lhe dá condições de refletir sobre ela. Percebemos isso quando, por exemplo, os pais levam com eles a criança ao supermercado e, permite que a criança pegue (tudo) o que gosta. O que acontece? A criança vai tomando tudo o que gosta e que lhe chama a atenção. Ilustrando: outro dia, estava numa loja de brinquedos para escolher um presente para a filha de um amigo que aniversariava. Ao meu lado, na sessão das bonecas Barbie, uma mãe zangada com a filha pequenina (a qual devia ter uns 4 anos), porque toda boneca de que ela gostava, queria que a mãe comprasse. Evidentemente, choro e lágrimas 30 www.eunapos.com.br compunham a cena. O mais acertado seria a mãe conversar com a criança fora desse ambiente - ou antes, ou mesmo na hora do ocorrido. Explicando para a filha que nem tudo o que se gosta se pode ter, inclusive ela (mãe). Filhos precisam de modelo e de nada adianta zangar com a criança sem colocar-se como modelo. Por isso a ideia que o autor descreve como a fase de sofrimento da criança pela realidade. Que bom seria se filhos viessem com manual de instrução e baterias ajustáveis. Também seria interessante que as pessoas antes de se tornarem pais fizessem graduação e pós-graduação para atuarem com seus futuros filhos. Mas sabemos que essas bem humoradas ideias são apenas trocadilhos. Então só nos resta aprender como a autoridade não pode retirar da criança sua função de liberdade, mas ensiná-la a conduzir com segurança suas escolhas. Ao chamar a atenção da criança, é preciso olhar diretamente em seus olhos, falar em voz baixa, demonstrando firmeza na voz e na ideia. Do mesmo modo, a delicadeza deve ser exercitada nos gestos e nas palavras, elogiando o que é de valor e explicando o certo. Nesse sentido, é preciso ser razoável, sendo justo ao que é pertinente à criança de acordo com sua faixa etária. E a consistência aos comandos deve ser mantida, não havendo contradições entre o dito e o feito. Assim temos as quatro qualidades da autoridade. (GRUNSPUN, 2004) Por outro lado, o excesso de autoridade não permite à criança entender onde fracassou, porque se sente ameaçada e intimidada, sendo obediente somente quando for ameaçada. Geralmente, nesse tipo de comportamento encontramos pais muito inseguros e frustrados, porque espelham suas dificuldades quando foram filhos nos seus filhos. Assim, querem que a criança seja o que não foram, que consiga o que não conseguiram, enfim, detonam com a identidade da criança. Já os pais tiranos, aplicam penas severas, cruéis e injustas; tais medidas são mais acessíveis, custam pouco e não requerem valores mais aprofundados. Então, é mais fácil agredir que conversar; é mais fácil gritar que ouvir; é mais fácil coibir que dirigir. Esses pais são dominadores e acreditam que isto ou aquilo é o melhor para os seus filhos, fazendo com que estes tenham medo do mundo e nenhuma ambição. E, há pais que exercitam o excesso ou nenhuma autoridade, sendo os que mandam, gritam, batem, menosprezam os sentimentos dos filhos e os castigam; 31 www.eunapos.com.br mas, horas depois, dão presentes, levam ao shopping, como forma de fazer com que as crianças tenham sentimentos de culpa, mais que a clareza sobre seus atos. Desse modo, a superautoridade, a tirania e a autoridade instável, são as patologias da autoridade. (GRUNSPUN, 2004) Agora, o pior disso tudo é que a criança vai buscar, na escola, na figura do(a) professor(a), tais autoridades, porque são seus modelos, refletindo no desenvolvimento de sua aprendizagem. Nesses casos, sugere-se que os professores não assumam a autoridade que a criança está projetando, mas que demonstrem pelo acolhimento, diálogo e parcerias, a autoridade que contradiz aos modelos que ela adquiriu em suas famílias. Desse modo, a criança poderá não só alterar seu comportamento, mas identificar sua liberdade ante suas escolhas. 2.2 Rituais familiares “Todo dia ela faz sempre tudo igual...me sacode as 6 horas da manhã, me sorri um sorriso pontual e me beija com boca de hortelã.” (Cotidiano, Chico Buarque) Os rituais familiares, os quais vamos resumidamente analisar e, em certa medida, refletir, são um dos mais importantes elementos para a formação de hábitos de aprendizagem das crianças. Não estamos falando de rotinas uniformes com caráter pragmático e, até mesmo, missionário; mas, de rituais que são necessários para fortalecer as relações entre os membros da família e que, progressivamente, vão dando significado aos rituais sociais.Mas, afinal que são estes rituais familiares e qual a sua influência na vida das pessoas? A comemoração de uma criança que nasce; um batizado religioso; comemorar o aniversário da criança,..., são rituais familiares. Tais situações parecem, além de muito subjetivas, simples eventos comemorativos. De certa forma, são sim, mas estes têm um caráter social. Mas, tomar o café, almoçar, lanchar ou jantar, todos juntos à mesa, não são eventos simples, tampouco, subjetivos. Fonte: http://migre.me/45B56 32 www.eunapos.com.br Mas, em que isso se aplica à aprendizagem? Aplica-se ao processo de grupo e sua ritualização. Porque a criança aprende, primeiramente, em grupo familiar, se insere a outros grupos para aprender com outros elementos deste e, na escola aprende em grupo. Como se percebe, os rituais não são simples eventos, mas um processo de grupo que se organiza para o fim, um objetivo que é igual para todos. Nota-se, assim, alguma semelhança muito clara com o processo de aprendizagem que tem que ser organizada para um fim, tendo um objetivo igual para todos. Mas, com a globalização e as demandas sociais – de trabalho, produção e capital – cada vez mais acentuadas, tais rituais têm perdido a força nos grupos familiares, sendo que sua importância é nada, ou quase nada, comparada a outras preocupações que as pessoas estão vivenciando. Em contrapartida, assistimos crianças que não conseguem ficar sentadas em suas carteiras, que não sabem a hora certa para falarem, que não respeitam os mais velhos diante de seus atos, que teimam em suas façanhas, numa postura desafiante e, até mesmo, ameaçadora. Defrontam-se com os professores, independente de sua idade, desafiando aos demais e à própria família. Assistimos, com certo temor, aos noticiários nos quais crianças são apontadas como delinquentes marginais, ladrões, assassinos, prostitutas. Para ilustrar, o que acabo de afirmar, difícil será aquele que não assistiu na tevê à notícia de que fora apreendido um ladrão de carros, numa cidade do interior paulista, que roubara mais de trinta carros; detalhe: foi preso porque foi abordado por um guarda de trânsito, quando dirigia em alta velocidade pelas ruas da cidade. O mais surpreendente: o ladrão de carros tinha só onze anos de idade. Os pais foram chamados à delegacia para prestarem esclarecimentos sobre o menor infrator; ao ser questionado pelo delegado, o pai, como o único responsável a comparecer, afirmou que não dava conta do menino e pedia sugestões à autoridade ali presente. O que se perdeu no interior dessa família? Aliás, de muitas famílias? Perdeu- se a natureza das relações, na qual os ritos de grupo passaram a ser insignificativos. Dessa forma, a criança não toma café em casa antes de ir para escola, vai lanchar lá com o dinheiro que os pais já lhe deram. A criança não vai almoçar com os pais, pois estes trabalham em tempo integral e não possuem um horário fixo para este momento. Os responsáveis pela criança não vão contrariar a criança se ela quiser 33 www.eunapos.com.br fazer as refeições (todas elas) na frente da tevê, mal acomodada no sofá da sala, afinal, a “coitadinha” já não vê os pais o dia todo, para que forçar? Em contrapartida, a criança não vai ficar quieta, sentada na sua cadeira, não vai falar no seu tempo, não vai respeitar os demais na fila do lanche, etc. Porém, não estamos falando aqui de criança que não é criança -pois todas possuem energia de sobra para pularem, correrem e gritarem o tempo todo; o oposto disso, é criança doente- mas de crianças que conhecem as regras a partir de rituais familiares que são importantes para essa formação de postura. A indisciplina que assistimos na escola é fruto dessa ausência de rituais de grupo, pois como a criança poderá aprender a disciplina na ausência de seu grupo modelo, a família. Ressalto, que pais que se ausentam por questões de sustento, são respeitáveis, mas, como já disse anteriormente, a presença deve superar a ausência. Segundo Vasconcellos (2004, p.26) é certo que: Atualmente o grande foco da crítica e da atribuição de responsabilidades pelos problemas da indisciplina na escola é o aluno e, em particular, sua família. De fato, percebemos muitas famílias desestruturadas, desorientadas, com hierarquia de valores invertida em relação à escola, transferindo responsabilidades suas para escola, etc. Tudo isso é verdade. Objetivamente, a família não está cumprindo sua tarefa de fazer a iniciação civilizatória: estabelecer limites, desenvolver hábitos básicos. A organização prévia das atividades de grupo, os rituais, pode ser uma maneira de alterar esse cenário de indisciplina. Pois, aos pais cabe orientar aqueles que cuidarão de seu filhos para que os rituais sejam atendidos, tais como, fazer as refeições à mesa. Assim, se poderá exigir que a criança tenha uma postura adequada perante outros grupos como, por exemplo, o grupo da escola. Por outro lado, na escola, os professores podem mediar situações grupais em que a criança perceba a necessidade de se organizar para partilhar das atividades. Brincadeiras e jogos em grupo podem fazer a diferença, sobretudo, se estabelecer regras e condutas para a participação. 34 www.eunapos.com.br Exercício 2 1. A sociedade chama de “padrão normal”: a) As relações que a família possui no seu contexto social. b) As aprendizagens reprodutoras da escola. c) As manifestações familiares que a sociedade exige. d) As interações e a aprendizagem, sadias e convencionalmente adequadas. 2. Toda família é igual quanto às suas funções e papéis. No entanto, as famílias não são semelhantes quanto: a) À constituição de seus valores crenças, ou seja, princípios e experiências. b) À formação de seus membros, ou seja, natural ou multinuclear. c) Estruturas culturais e históricas, ou seja, sua origem e sua adaptação. d) Seus elementos e suas funções, ou seja, pais e avós. 3. As quatro qualidades da autoridade são: a) Diálogo, comunicação, inserção e amabilidade. b) Firmeza, delicadeza, razoabilidade e consistência. c) Objetividade, serenidade, acolhimento e diálogo. d) Certeza, diálogo, objetivo e razão. 2.3 O respeito não é unilateral O respeito é um dos comportamentos que deve ser ensinado à criança pelos pais, como parte que integra a autoridade; e os pais devem ser o modelo para que a criança não tenha dúvida quanto à importância do respeito. Mas, na maioria das vezes, a questão do respeito perpassa até mesmo o não entendimento dos pais sobre isso. Pois são eles mesmos que deturpam este comportamento, dando exemplos nas suas relações que contradizem o que ensinam. Segundo Grunspun (2004, p.42), “o respeito é uma relação estabelecida para com uma determinada pessoa ou situação, relação esta envolvida de consideração, interesse e de particular atenção.” Desse modo, o respeito deve ser ensinado de modo que a criança entenda que as relações que envolvem pessoas requerem consideração, pois cada pessoa tem um papel formado na relação – seja familiar ou não; deve haver um interesse, porque toda relação é intencional, não no sentido do oportunismo, mas de necessidades que se complementam; e, deve ter particular 35 www.eunapos.com.br atenção, porque cada pessoa tem um repertório íntimo e crenças que são parte de sua identidade. Assim, as relações estabelecidas com base no respeito que são ensinadas para a criança lhe proporcionam uma formação de relações sadias, nas quais ela terá mais segurança e iniciativa para o diálogo. No entanto, como disse anteriormente, há pais que deturpam este comportamento, dando exemplos nas suas relações que contradizem o que ensinam. Então, falam uma coisa, mas fazem outra. Exemplo comum é aquele em que os pais ensinam que não deve bater no coleguinha da escola, mas se apanhar deve retrucar. Outro exemplo comumé os pais ensinarem que não se deve mentir, mas quando não querem atender o telefone, pedem à criança que atenda e minta dizendo que não estão presentes. E o pior, na minha opinião, é dizer que a criança precisa respeitá-los porque são seus pais. Na primeira oportunidade, a mãe chama atenção da criança porque fez algo que não devia, o pai diz para criança que a mamãe está nervosa e que ela não precisa se preocupar, porque está tudo bem. Assim, fica claro que não falam a mesma língua. Respeito não é uma condição unilateral: ou se tem ou não se tem; não existe meio respeito ou se respeita mais ou menos. É como dizer à criança que ela precisa ir para escola porque lá aprenderá coisas muito legais e que ela terá uma professora que lhe ensinará bastante coisas. Essa imagem da escola é muito gratificante. Contudo, na primeira chamada de atenção que a professora der, a criança irá se assustar e reclamar para os pais – com certeza, alguém vai lá tirar satisfação. Agora a imagem da escola é outra e, pior, dos seus atores também. Poderia não ser assim, se os pais ensinassem que a criança terá mais um novo ambiente para aprender, mas que são os professores que cuidarão disso, por isso deve respeitá-los e, somando-se a este diálogo, fazer a parceria necessária para que todos falem a mesma língua e a criança aprenda que o respeito não deve ser unilateral. Nesse sentido, Grunspun (2004, p.101) afirma que “a educação da família depende das atitudes dos pais. Quando as atitudes dos pais são corretas e sadias, a educação da família se torna perfeita.” 36 www.eunapos.com.br 2.4 Capacidade de amar e cuidar “Quem me chamou...Quem vai querer voltar pro ninho...Redescobrir seu lugar. (Brincar de viver, Guilherme Arantes) A família é o único grupo capaz de amar e cuidar, protegendo-se no seu interior, sendo a primeira ensinante mais importante em todas as sociedades do mundo. Tem uma representação própria, marcadamente intercultural, ou seja, é um grupo com uma identidade histórica, que tem seus ritos diários, a rotina específica, que tem discursos próprios devido aos princípios e valores conquistados na sua trajetória de existência. Assim também, diferencia-se na sua forma de amar, sendo este um sentimento que implica em intimidade, cumplicidade, companheirismo, afeição, emoção e acolhimento, desenvolvido de acordo com as origens emocionais que os progenitores herdaram. Vou explicar isso da seguinte forma: o nível de amor que os pais recebem é o mesmo nível de amor que darão a seus filhos. Mas já aviso que isso não é uma regra estabelecida e não pode ser generalizada, porque há pessoas capazes de superar suas privações afetivas e na simplicidade que as conforta aceitar, com alegria, o pouco de afeto que puderam lhe ofertar. Poderia se dizer que algumas pessoas aprenderam a amar, incondicionalmente, porque descobriram que este sentimento tem uma extensão mais ampla nas vivências que se propõe experienciar. Parolin (2005, p.54-55), nesse sentido, afirma que: À medida que cresce, cabe aos pais mostrar-lhe que ela é importante sim, porém, não é a única pessoa importante no mundo; que ela é amada sim, porém não é o único objeto de amor de seus pais. Localizar a criança em um contexto socioafetivo mais amplo é tarefa importantíssima para sua adequação social. Portanto, o amor vivenciado na família tem uma influência enorme e importantíssima na vida de todos os seus membros e irá refletir na continuação dessa família. E, a dimensão do sentimento de amor pode ser mais evidente na forma de cuidar e cuidar-se enquanto família. Em outras palavras, a forma de cuidar, um dos outros, assim como da criança, é a expressão de seus sentimentos. Assim, pessoas que se cuidam mutuamente expressam o valor que tem umas com as outras. O cuidar, solicitado até em forma legal aos pais, inclui desde sua concepção, todas as 37 www.eunapos.com.br atenções para o pleno desenvolvimento do indivíduo, a sua formação como pessoa, como sujeito social e, sobretudo, a formação como pessoa capaz de cuidar dos seus entes. E isso ultrapassa as barreiras do tempo e das eras, como diz Pinheiro e Biasoli-Alves (2008, p.25): Conforme as transformações sociais vão ocorrendo, surgem, ao mesmo tempo, diferentes resultados que afetam a dinâmica da família e do casal, o que nos permite situar as questões que envolvem o papel desempenhado por cada um dos seus membros, particularmente, pai e mãe. Essa premissa apenas confirma o muito do que já dissemos nessa unidade, a família é a nossa primeira ensinante, nosso berço afetivo, nossa introdução ao mundo social. Cabendo a ela a responsabilidade total e irrestrita de cuidar, proteger e amar, independente dos fatores e das condições que nela se inserem. Qualquer outro contexto é incapaz de cumprir com exatidão as tarefas que somente cabem à família. 38 www.eunapos.com.br UNIDADE 3 - RELAÇÕES VINCULARES 3.1 Valor dos Vínculos: princípio das relações maternais, paternais e sociais Minha dor é perceber que apesar de termos, feito tudo o que fizemos. Ainda somos os mesmos. E vivemos. Como os nossos pais. (Como nossos pais, Elis Regina) O desenvolvimento emocional de um ser humano está vinculado à maneira como ele consegue estabelecer relações, assim como do jeito que lida com as crises ou conflitos naturais à convivência humana. O primeiro contato relacional que o ser humano institui é com os pais, mais especificamente com a mãe. O relacionamento mãe-filho é decisivo para a formação emocional. No decorrer da gravidez, as emoções, os conflitos da mãe, as circunstâncias de nascimento, tudo isso, de certa forma, nos influencia emocionalmente. É uma forma de entendermos melhor as atitudes do dia a dia de uma pessoa. Fonte: http://migre.me/46os0 O momento emocional da mãe, como ela se sente, os medos, as ansiedades, são percebidas/sentidas pelo bebê. Ideias de interromper a gravidez e fazer um aborto são emoções captadas pelo feto em formação. Certos acontecimentos traumáticos, brigas, também são percebidos e até de certo modo influenciam a criança. Muitas vezes, esta relação mãe e filho se torna simbiótica ao longo de muitos anos, impedindo que este cresça e se fortaleça a partir do enfrentamento da vida, das crises, das carências. É a falta que promove a busca e é a aventura da busca que faz o homem. Provavelmente, os pais também foram "mal formados" através da educação que receberam, podem ser neuróticos ou mal resolvidos emocionalmente. As influências familiares e as regras sociais acabam tolhendo o nosso eu real; na realidade, muitas pessoas não têm tempo para expressar essa verdadeira natureza, pois pela educação recebida, desde muito cedo, vão sendo "moldados" segundo o padrão da família e da sociedade. 39 www.eunapos.com.br Estas solicitações acabam impondo que nos moldemos num tipo adequado de pessoa. Comentários repressores, críticos, que vão podando o eu genuíno, e impondo um padrão certo, o qual achamos que temos que seguir, para garantir que sejamos aceitos, amados, respeitados. A mulher só aprende a ser mãe, quando se torna mãe e devido à falta de preparo, às vezes fica confusa e não percebe a dimensão e importância de seu papel. Na verdade, a mãe segue seus instintos, passando para o filho seus componentes de personalidade, conduzindo o desenvolvimento de seu filho de acordo com o que aprendeu com seus pais, transmitindo sentimentos, pensamentos, medos e expectativas oriundas de gerações anteriores e assim ela vai rascunhando, isto é, formando uma nova personalidade. A mãe oferece na realidade, o seu conteúdo emocional enquanto filha, esposa e mulher. A criança inevitavelmente passará por todas as fases biológicas de desenvolvimento, do desmame aos primeiros passos, do seu engatinhar ao balbucio das primeiras
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