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Ergonomia no Consultório Odontológico 2 46 Er go no m ia n o C on su ltó rio O do nt ol óg ic o A prevalência de desordens musculoesqueléticas no cirurgião- -dentista é alta quando comparada com outras profissões. Em es- tudos recentes, mais de 80% dos cirurgiões-dentistas entrevistados apresentavam alguma disfunção musculoesquelética, e os segmentos do corpo mais afetados, pela ordem de prevalência, foram coluna cervical, ombros, coluna torácica e braços. Isso mostra uma espe- cificidade da profissão: a parte superior do tronco e os membros superiores são os principais envolvidos no trabalho. O aprimoramento da tecnologia tem permitido a introdução de novos instrumentos e técnicas que simplificam o trabalho do profis- sional. Entretanto, fica em segundo plano a postura de trabalho, o que leva a doenças ocupacionais e faz com que o profissional tenha de diminuir a carga horária de trabalho ou até mesmo afastar-se do posto. Atualmente, muitos cirurgiões-dentistas praticam longas jor- nadas de trabalho, por isso é necessário que diversas medidas sejam adotadas na rotina do consultório para aumentar o rendimento e evi- tar doenças ocupacionais. As medidas que visam ao planejamento de dispositivos, sistemas técnicos e tarefas para aumentar a segurança, a saúde, o conforto e o desempenho dos trabalhadores podem ser definidas como ergonomia. A palavra “ergonomia” é derivada do grego, em que ergo sig- nifica “trabalho” e normos, “lei”. Também se pode definir ergonomia como um agrupamento de ciências que procura o ajuste confortável e produtivo entre o ser humano e seu ambiente de trabalho, buscando adaptar as condições de trabalho às características humanas. São várias as disciplinas e ciências que fornecem subsídios para a er- gonomia: Medicina do Trabalho, Ortopedia, Reumatologia, Fisiatria, Psicologia, Terapia Ocupacional e Engenharia do Trabalho. A ergonomia odontológica aplica os conceitos de ergonomia para que o cirurgião-dentista evite posturas e movimentos não pro- dutivos e antianatômicos. Com isso, o dentista evita a fadiga e des- gaste desnecessário, produzindo melhor e oferecendo mais conforto e segurança a seu paciente. São várias as adequações que a ergonomia odontológica re- comenda ao dentista. Em relação ao local de trabalho, a adequação consiste num arranjo equilibrado dos componentes do consultório. A International Organization for Standardization (ISO) e a Federação Dentária Internacional (FDI) estabeleceram um gráfico em forma de relógio que sistematiza as principais posições que o dentista pode adotar em relação ao paciente, de 8h a 12h (Fig. 1). A organização do trabalho também deve receber adequação em nome de mais qualidade de vida no consultório. O próprio den- tista deve planejar suas ações para alternar esforço e repouso, e para aproveitar os tempos de espera no consultório. Deve fazer alonga- 1 2 3 4 8910 11 12 Figura 1. Esquema de posicionamento do dentista em relação ao paciente com referência ao ponteiro do relógio. 47 M as io li e co ls mentos antes e depois da jornada de trabalho e, principalmente, evi- tar o sedentarismo, que é um dos principais fatores de risco para os problemas musculoesqueléticos. O atendimento odontológico planejado de forma estratégica é indispensável para que um profissional possa atingir suas metas, ga- rantindo seu desempenho social e em seu trabalho. O estabelecimen- to de metas e objetivos pressupõe uma criteriosa avaliação interna do ambiente em que se insere o profissional, de forma a determinar diretrizes de atendimento mais adequadas e eficazes. Algumas regras básicas de ergonomia para a organização bio- mecânica do trabalho são: • escolher a melhor postura para trabalhar, de acordo com a exigência da tarefa; • trabalhar com o corpo em “torque zero”; • trabalhar com o corpo na vertical, sem curvatura do tronco e sem elevação dos membros superiores; e • eliminar os esforços estáticos. Com o intuito de adequar as regras básicas de ergonomia ao atendimento clínico, algumas medidas podem ser adotadas, entre as quais se destacam: • colocar todos os instrumentos de uso frequente dentro da área de alcance; • fazer movimentos anatomicamente harmônicos, adotando transições adequadas de uma postura para outra e evitando movimentos bruscos de arranque, para prevenir lesões agu- das do sistema musculoesquelético; • evitar a permanência em posturas estáticas por tempo pro- longado (acima de 20 s); • sentar-se no mocho com as coxas paralelas ao chão, for- mando um ângulo entre coxa e perna de 90º a 110º, man- tendo os pés apoiados no chão; • elevar as pernas, estando na posição sentada ou deitada, durante alguns minutos por dia, para prevenir o apareci- mento de varizes; • estruturar uma boa organização do trabalho, planejando a agenda, com o intuito de alternar procedimentos com exi- gências posturais diferentes; e • praticar atividades físicas aeróbicas e treinamento de força, tais como musculação, pilates ou treino funcional, além de alongamentos, que podem ser feitos durante o trabalho. Alongamentos indicados ao cirurgião-dentista Alguns alongamentos podem ser feitos de forma simples, principalmente nos membros superiores e na cabeça. Vale a pena o cirurgião-dentista realizar alongamentos antes de iniciar um pro- cedimento, seja ele de curta ou de longa duração. O alongamento das fibras musculares deixa os músculos mais relaxados, melhora a flexibilidade, tira os músculos do estado de tensão. São demonstrados a seguir alguns alongamentos, principal- mente de membros superiores, de cabeça e de tronco superior, re- giões comumente referidas pelos cirurgiões-dentistas como sobre- carregadas. Músculos como romboides, trapézio superior, deltoides, peitorais, esplênios, escalenos, entre outros, são muito exigidos pelos profissionais durante os procedimentos odontológicos. A sequência de figuras a seguir demonstra a forma correta de fazer alguns alongamentos, que podem ser realizados de forma simples e rápida dentro do consultório odontológico. Todos os alon- gamentos ilustrados deverão ser feitos em três séries de 20 s por grupo muscular. 48 Er go no m ia n o C on su ltó rio O do nt ol óg ic o O alongamento do trapézio superior deve ser feito bilateral- mente, puxando-se a cabeça para o lado com um dos braços e colo- cando o braço ipsilateral na região dorsal (Fig. 2). O alongamento dos romboides deve ser feito em posição senta- da, em uma cadeira ou mocho, de modo que os pés fiquem apoiados no chão. Curve o corpo levando a cabeça em direção aos joelhos como se fosse colocar a cabeça entre as pernas. Depois, cruze os braços, de modo a afastar a escápula, para alongar os romboides (Fig. 3). O alongamento do deltoide posterior e do tríceps deve ser feito bilateralmente, com o cotovelo ou braço do membro a ser alonga- do dobrado. Com a mão contralateral apoiada no cotovelo contrário, puxe o ombro em direção ao ombro contralateral, alongando, assim, a porção posterior do deltoide e o tríceps (Fig. 4). Figura 2. Alongamento do trapézio superior. Figura 4. Alongamento do deltoide posterior e do tríceps. Figura 3. Alongamento dos romboides. Figura 5. Alongamento dos esplênios. 49 M as io li e co ls Os esplênios devem ser alongados cruzando-se as mãos atrás da cabeça, apoiadas na região occipital. Com o tronco fixo, puxe a cabeça para baixo, de forma a apenas movimentar a região cervical, levando o queixo em direção ao peito (Fig. 5). Para o alongamento do músculo peitoral, três posições podem ser executadas, cada qual priorizando diferentes grupos de fibras musculares: em um canto da sala, apoie um antebraço em cada pa- rede, com os cotovelos alinhados com o tronco, e, em seguida, deixe o corpo cair para frente, fazendo com que o próprio peso dele alongue a musculatura (Fig. 6a); apoiando um antebraçoem cada parede com os cotovelos em 90º, deixe o corpo cair para frente, fazendo com que o próprio peso do corpo alongue a musculatura (Fig. 6b); e com um antebraço em cada parede, de maneira que eles fiquem na altura da cabeça, deixe o corpo cair para frente, fazendo com que o próprio peso dele alongue a musculatura (Fig. 6c). Figura 6a. Prioridade para as fibras umeroclaviculares. Figura 6b. Prioridade para as fibras umeroexternais. Figura 6c. Prioridade para as fibras umerocostais. 50 Er go no m ia n o C on su ltó rio O do nt ol óg ic o O alongamento dos extensores de punho e dedos deve ser feito bilateralmente, com o membro a ser alongado todo esticado, e o an- tebraço em pronação. Assim, com a mão contralateral, faça um apoio na face dorsal da mão e puxe o punho em direção ao corpo (Fig. 7). O alongamento dos flexores de punho e dedos deve ser feito bilateralmente, com o membro a ser alongado todo esticado e o ante- braço em supinação. Assim, com a mão contralateral, faça um apoio nos dedos e puxe o punho em direção ao corpo (Fig. 8). O alongamento do bíceps braquial, do deltoide anterior e do peitoral deve ser feito bilateralmente, firmando-se em algum ponto fixo, com o membro a ser alongado a 90º. Chegue o corpo para frente e, assim que sentir que está começando a alongar, faça uma rotação externa de tronco para alongar um pouco mais (Fig. 9). Figura 7. Alongamento dos extensores de punho e dedos. Figura 8. Alongamento dos flexores de punho e dedos. Figura 9. Alongamento do bíceps braquial, do deltoide anterior e do peitoral. 51 M as io li e co ls Preensão dos instrumentos Assim como as posições do dentista e do paciente contribuem para a eficiência do trabalho, assegurando maior produtividade e se- gurança, a maneira correta de empunhar os instrumentos pode au- xiliar na execução dos diferentes procedimentos operatórios. Podem ser usadas basicamente duas maneiras distintas: a posição de escrita e a posição digitopalmar. Posição de escrita A posição de escrita configura-se pela preensão dos instrumen- tos à maneira de empunhar-se uma caneta. O instrumento é mantido entre o polegar e o indicador, e apoiado no dedo médio, o qual, por sua vez, se apoia na superfície dos dentes próximos à área em que se está trabalhando. Esse apoio é complementado pelos dedos anular e mínimo, o que proporciona o máximo de equilíbrio e segurança (Fig. 10a). Essa é a posição mais utilizada, uma vez que se adapta a in- tervenções em quase todas as áreas da boca e permite a execução de pressões de suaves a acentuadas, além de ser uma posição de fácil aprendizado devido à prática escolar e habitual. Quando utilizada no arco superior, a posição passa a ser cha- mada de escrita invertida. Neste caso, ela mantém as mesmas carac- terísticas, porém com inversão da palma da mão (Fig. 10b). Posição digitopalmar Com esta posição é possível a obtenção de maior pressão de corte. Todavia, ocorre perda de estabilidade quando comparada com a posição de escrita. A posição digitopalmar é configurada com a colocação do cabo do instrumento na palma da mão, preso entre os dedos. O polegar servirá de apoio e dirigirá juntamente com os outros dedos a ação Figura 10a. Posição de escrita. Figura 10b. Posição de escrita invertida. 52 Er go no m ia n o C on su ltó rio O do nt ol óg ic o do instrumento. Para maior segurança, o apoio deve ser utilizado o mais próximo possível do local de trabalho. Essa posição também é muito utilizada na empunhadura da peça reta, para trabalhos fora da cavidade bucal (Fig. 11). Posição de trabalho Para que o cirurgião-dentista realize seus procedimentos de forma mais ergonômica, são indicadas algumas posições de trabalho em relação ao procedimento clínico que será realizado. Acesso ao hemiarco inferior esquerdo Para o acesso da superfície oclusal, o paciente (ou manequim, em casos de trabalhos em laboratório) deve ser posicionado de tal maneira que o plano oclusal dos dentes inferiores forme um ângulo de aproximadamente 45º com o solo, ligeiramente inclinado para o lado direito. Dessa forma, o profissional trabalhará sentado e na po- sição correspondente a 12 horas (por trás do paciente). O operador trabalhará com visão direta, além de conseguir apoio suficiente para a execução do trabalho (Fig. 12a-b). Para a realização de preparos e restaurações na face vestibular, a posição do paciente será basicamente a mesma, variando apenas sua inclinação para a direita, que deverá ser mais acentuada. A posi- ção do operador também continuará a mesma (Fig. 12c-d). Acesso ao hemiarco inferior direito Para o acesso da superfície oclusal, o paciente (ou manequim, em casos de trabalhos em laboratório) deve ser posicionado de tal maneira que o plano oclusal dos dentes inferiores fique paralelo ao solo. Dessa forma, o profissional trabalhará sentado e na posição cor- respondente a 8 ou 9 horas, isto é, lateralmente ao paciente. Tam- bém nesta posição o operador trabalhará com visão direta, além de conseguir apoio suficiente para a execução do trabalho (Fig. 13a-b). Figura 11. Posição digitopalmar. 53 M as io li e co ls Para a realização de preparos e restaurações na face vestibular, o plano oclusal dos dentes inferiores deverá formar um ângulo de 45º com o solo, ligeiramente inclinado para o lado esquerdo, permane- cendo o operador na posição correspondente a 8 ou 9 horas (Fig. 13c-d). Acesso ao hemiarco superior direito Para o acesso à superfície oclusal, o paciente (ou manequim, em casos de trabalhos em laboratório) deve ser posicionado de tal maneira que o plano oclusal dos dentes superiores forme um ângulo de aproximadamente 90º com o solo. Dessa forma, o profissional trabalhará sentado e na posição correspondente a 12 horas (por trás do paciente). O operador trabalhará com visão indireta, auxiliado Figuras 12a-12b. Acesso à superfície oclusal do hemiarco inferior esquerdo. Figuras 13a-13b. Acesso à superfície oclusal do hemiarco inferior direito. Figuras 12c-12d. Acesso à face vestibular do hemiarco inferior esquerdo. Figuras 13c-13d. Acesso à face vestibular do hemiarco inferior direito. 54 Er go no m ia n o C on su ltó rio O do nt ol óg ic o por espelho bucal. O apoio é obtido pelo posicionamento dos dedos médio, anular e mínimo nas faces vestibulares dos dentes próximos ao que está sendo preparado (Fig. 14a-b). Para a realização de preparos e restaurações na face vestibular, o operador trabalhará na posição correspondente a 8 ou 9 horas, com a cabeça do paciente ligeiramente inclinada para a esquerda e o plano oclusal dos dentes superiores formando um ângulo de aproxi- madamente 45º com o solo (Fig. 14c-d). Acesso ao hemiarco superior esquerdo As mesmas posições sugeridas para os preparos e restaura- ções da superfície oclusal na região superior direita são válidas para o lado esquerdo. Entretanto, o apoio é alcançado pelo posicionamento dos dedos na face oclusal ou palatina dos dentes próximos ao que está sendo preparado (Fig. 15a-b). Os preparos e restaurações na face vestibular exigem apenas a inclinação do paciente para o lado direito. A posição do operador continuará a mesma (Fig. 15c-d). Figuras 14a-14b. Acesso à superfície oclusal do hemiarco superior direito. Figuras 14c-14d. Acesso à face vestibular do hemiarco superior direito. Figuras 15a-15b. Acesso à superfície oclusal do hemiarco superior esquerdo. Figuras 15c-15d. Acesso à face vestibular do hemiarco superior esquerdo. 55 M as io li e co ls Figuras 16a-16b. Acesso palatino ao hemiarco anterossuperior, próximo à linha média. Figuras 16c-16d. Acesso palatino à região anterossuperior esquerda. Figuras 16e-16f. Acesso palatino à região anterossuperior direita. Acesso palatino ao arco anterossuperior Para intervenções na face palatina dos dentes anterossuperio- res, o paciente deverá apresentar o planooclusal dos dentes supe- riores perpendicularmente ao solo. O operador trabalhará com visão indireta auxiliado pelo espelho clínico. Quando se tratar de preparos realizados próximo à linha média, não é necessária a inclinação da cabeça do paciente, estando o profissional na posição 12 horas (Fig. 16a-b). Quando intervenções distanciarem-se da linha média, a cabe- ça deverá ser inclinada para o lado oposto (Fig. 16c-f). Para maior estabilidade do instrumento rotatório, o apoio é ob- tido com o dedo anular posicionado em um dente próximo ao dente que está sendo preparado. 56 Er go no m ia n o C on su ltó rio O do nt ol óg ic o Acesso vestibular ao arco anterossuperior Para intervenções na face vestibular dos dentes anterossupe- riores, o paciente deverá apresentar o plano oclusal dos dentes su- periores perpendicularmente ao solo. Quando se tratar de preparos realizados próximo à linha média, não é necessária a inclinação da cabeça do paciente, estando o profissional na posição 12 horas (Fig. 17a-b). Quando intervenções distanciarem-se da linha média, a ca- beça deverá ser inclinada para o lado oposto. Para maior estabilidade do instrumento rotatório, o apoio é obtido com o dedo anular posicio- nado em um dente próximo ao que está sendo preparado (Fig. 17c-f). Após a elucidação da posição de trabalho do cirurgião-dentista em relação ao ambiente de trabalho e ao paciente, é de extrema importância que o profissional siga as normas de ergonomia em sua rotina diária, uma vez que isso permitirá a racionalização do atendi- mento e uma produção maior e melhor, evitando fadiga e desgaste extra, e, ao mesmo tempo, oferecendo segurança e conforto ao pa- ciente. Figuras 17a-17b. Acesso à face vestibular da região anterossuperior próximo à linha mé- dia. Figuras 17c-17d. Acesso à face vestibular da região anterossuperior esquerda. Figuras 17e-17f. Acesso à face vestibular da região anterossuperior direita. 57 M as io li e co ls
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