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Disciplina: Ciências da Religião Aula 7: Ciências da religião: escolas antropológicas Introdução Cultura e sociedade são, entre os seres humanos, um par indissociável. Os grandes temas do olhar antropológico sobre a religião, foram, desde o início, o mito, o rito e a magia. E por quê? Porque o rito remete aos gestos, às cerimônias, às liturgias, enfim, à ação simbólica coletiva que consagra tempo/espaço, confirma valores e marca passagens de estado individual/grupal. O mito remente a sistemas de valores, narrativas e explicações poético-literárias, orais ou escritas, sobre a vida, a humanidade e o cosmo que qualquer sociedade produz. A magia remete às formas primitivas, coletivas e individuais ao mesmo tempo, de contato com o sagrado ou o supranatural. Você deve estar curioso para saber como é o olhar antropológico sobre religião. Como se fosse um toque inicial, pense ou imagine um rito religioso, uma narrativa ou história religiosa que seja muito diferente daqueles ritos e narrativas aos quais você está acostumado. Objetivos Compreender as origens das escolas antropológicas nas Ciências da Religião. Analisar conceitos e autores das escolas antropológicas nas Ciências da Religião. Identificar fatos básicos das escolas antropológicas nas Ciências da Religião. Introdução Entre 1884 e 1885 aconteceram grandes movimentos como expansão marítima, o colonialismo e o neocolonialismo. (Fonte: Schaeffler / Pixabay) Entre 1415 e 1884-1885, mais ou menos, você notará grandes movimentos que as nações europeias fizeram: expansão marítima, colonialismo e neocolonialismo. As duas datas, observe bem, correspondem à Conquista de Ceuta, na ponta da África, por parte do Reino de Portugal (próximo ao Estreito de Gibraltar, atualmente é uma cidade autônoma da Espanha) e à Conferência de Berlim, proposta por Portugal, mas levada a efeito pela Prússia, antigo país. 1412 No movimento da reconquista católica, o Reino de Portugal toma Ceuta e estabelece as bases para as grandes navegações. 1884 - 1885 A partilha da África foi sacramentada pelas potências europeias e os seus recursos e as suas riquezas foram apossados e divisões territoriais. Os dois acontecimentos, note, estão no rol de um longo processo contraditório: por um lado universalizou algumas instituições culturais, políticas e econômicas, por outro, trouxe danos aos povos originários que habitavam e habitam essas terras e regiões. Brasil, América Latina e América do Norte nasceram nesse caudal expansivo da cultura e materialidade ocidentais que, apesar da diversidade interna (por exemplo, os modos de ser- no-mundo e ver-o-mundo luso-ibérica e anglo-saxã), representou um evento com grandes consequências, positivas e negativas (massacres, campos de concentração/extermínio em massa de seres humanos, pobreza etc.). Cultura 1 1 file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/aula7_temp.html Conceito antropológico complexo, elaborada pela Antropologia, está ligado ao processo humano de criação, coletiva e individual, de sentido, símbolo, significado, linguagem e instituições. Mulheres indígenas. (Fonte: Filipe Frazao / Shutterstock) Procure imaginar-se no meio de povos e costumes diferentes, ou melhor, diante de religiões diferentes, com danças, ritos, orações, gestos, imagens e escritos muito diversos? Imagine o incômodo, a curiosidade, o estranhamento, o desconcerto: por que eles dançam, rezam, cantam, oram e comemoram desse jeito? Por que seus costumes são assim e não de outro modo? Essas perguntas abrem os caminhos da reflexão antropológica. A Antropologia se constituiu como um conhecimento sobre os povos que foram submetidos ao violento processo de colonização. Algumas análises apontarão os problemas decorrentes da articulação entre poder colonial e as ciências da cultura. A antropologia desempenhou um papel ambíguo: auxiliou o projeto colonial, é inegável que “humanizou” os povos “descobertos” (com rituais, costumes e expressões religiosos muito diferentes), ou seja, saiu do incômodo inicial e os percebeu como parte da imensa e diversa família humana. Processo de colonização. (Fonte: link <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historia- america/colonizacao-espanhola.htm> ) Comentário https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historia-america/colonizacao-espanhola.htm Os próprios sistemas míticos e rituais desses povos, a religião, passou a ser vista com outros olhos. Os estranhamentos: a Europa diante do diferente As grandes navegações fizeram com que a Europa tomasse contato com estruturas sociais e culturais diversas, por exemplo, Desde... Estruturas com poder político descentralizado (povos da Amazônia). A... Formas com poder central (Impérios Inca, Maia e Asteca). Saiba mais Os contatos entre os povos originários da América e os europeus, muito influenciaram as reflexões filosóficas. Por exemplo, em 1562, o filósofo Michel de Montaigne (1533-1592) conheceu os índios tupinambás trazidos para Europa para serem exibidos ao rei da França, Carlos IX, e a sua corte. Tupinambás Nome genérico dado a um grande grupo de sociedades índias que viviam na região litorânea do Brasil, entre o Rio Grande do Norte e Paraná, caracterizado, entre outras coisas, pela prática da antropofagia ritual. Durantes as guerras internas, os guerreiros valentes eram aprisionados, bem-cuidados e preparados para um ritual festivo no qual o grupo o mataria e comeria sua carne. Era o resultado da tentativa de calvinistas franceses (huguenotes) colonizarem o Brasil (1555), a “França Antártica”. Montaigne escreveu sobre esse encontro, em um famoso texto intitulado, Dos canibais. Comparando costumes de muitos povos na história, Montaigne redimensionou o canibalismo tupinambá. O ritual consistia em aprisionar os índios mais bravos das guerras intermitentes entre as tribos até a execução do rito antropofágico em uma grande festa. 2 2 file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/aula7_temp.html No século XX, a Antropologia cunhou a expressão “dialética do estranho-familiar” ou dialética do relativo (em termos metodológicos/epistemológicos). Daí nascem termos como Etnocentrismo . Em suma: Etnocentrismo Termo cunhado pela reflexão antropológica para definir a atitude ou o comportamento de qualquer sociedade ou grupo que considera seus valores, costumes, suas ideias, as mais importantes e verdadeiras do que todos os outros grupos e sociedades. 1 Culturas, mitos, ritos, religiões são relativos aos povos e às sociedades, não são absolutos, são relativos a tempos e espaços singulares. 2 O esforço de compreender e conviver com culturas diferentes relativiza ou estranha nossos próprios costumes e valores e, por outro lado, nos aproxima/familiariza com os costumes e valores de outros grupos, povos e religiões. Há, um duplo ganho, você aumenta a compreensão sobre sua própria cultura e consegue enxergar outras culturas com mais profundidade. A alteridade e a diferença modificaram as percepções, criaram boas e más ideias. (Fonte: Link <https://sites.google.com/site/projetoinformaticaeducativa11/2o- ano-do-ensino-medio/alteridade-tolerancia-e- convivencia> ) O estupor e o fascínio exercido pelo outro (alteridade, diferença) modificaram percepções, criaram boas ideias, mas também más ideias, como o racismo científico do século XIX que tanto mal causaram, por exemplo, a Ku-Klux-Klan, nos EUA, do século XIX e o nazismo de 3 3 file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/aula7_temp.html https://sites.google.com/site/projetoinformaticaeducativa11/2o-ano-do-ensino-medio/alteridade-tolerancia-e-convivencia Hitler, na Alemanha-Europa entre 1933-1945, que mataram e assassinaram homens e mulheres por serem negros, judeus, ciganos, Testemunhas de Jeová etc. Atividade 1. Sobre os precursores da Antropologia, sabe-se que muitas reflexões sobre os costumes e a história de outros povos foram empreendidas. Com as grandes navegações, num primeiro momento, e o colonialismo, num segundo, o choque entre culturas trouxe diversas consequências. Michelde Montaigne (1533-1592) escreveu um texto intitulado Dos canibais, discorrendo sobre a presença dos tupinambás na corte francesa de Carlos IX. Tendo em vista as consequências do colonialismo, assinale da alternativa correta: a) O encontro colonial com outros povos provocou muita destruição, mas não mudou a mentalidade europeia sobre a diferença cultural. b) O encontro colonial com outros povos provocou destruição e mudou pouco a mentalidade europeia sobre a diferença cultural. c) O encontro colonial com outros povos provocou pouca destruição, mas não mudou a mentalidade europeia sobre a diferença cultural. d) O encontro colonial com outros povos provocou pouca destruição e pouco mudou a mentalidade europeia sobre a diferença cultural. e) O encontro colonial com outros povos provocou destruição, mas também impactou a mentalidade europeia sobre a diferença cultural. No final do século XIX, a partir da herança reflexiva, surgiu um novo conceito de cultura. (Fonte: FotografieLink / Pixabay) No final do século XIX, pense um pouco, um novo conceito de cultura nasce a partir dessa herança reflexiva acoplada ao grande volume de dados e informações que chegavam de povos, etnias e culturas bem como da tradução de textos sagrado de antigas civilizações e religiões e descobertas arqueológicas nos mais variados campos, inclusive dos povos semitas (hebreus). Por essa época, vingou o paradigma evolucionista, e influenciou boa parte da mentalidade acadêmica, cultural e social. Houve uma indevida transposição das ideias de Charles Darwin (1809-1882). Nesse período, três nomes se destacam como iniciadores da Antropologia como ciência, dois ingleses e um americano: Edward B. Tylor (1832-1917) Veja a primeira definição de cultura, em 1881, feita por Tylor no livro Primitive culture (Cultura primitiva): “A Cultura, ou civilização, entendida em seu amplo sentido etnográfico, é aquele conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, os direitos, os costumes e qualquer outra capacidade e hábito adquirido pelo homem como membro de uma sociedade”. A primeira tentativa de definir a religião primitiva veio com Tylor e a ideia de animismo, que evidenciaria a importância, para o homem primitivo, da experiência do sonho e da morte. Nessa experiência, ocorreria a sensação da alma como independente e peregrina, derivando a ideia de que o mundo (homens, animais, plantas, objetos etc.) está povoado de espíritos que podem ser “bons” e “maus”. Haveria evolução para o politeísmo e depois, pela unificação dos atributos dos espíritos, para o monoteísmo. Essa ideia será contestada: não se pode atribuir às sociedades étnicas antiquíssimas categorias estranhas a sua cultura como alma/espírito. James Frazer (1854-1941) Frazer publicou estes livros: The golden bough: a study in comparative religion (O ramo de ouro: um estudo de religião comparada), de 1890, em 12 volumes; Totemism and exogamy (Totemismo e exogamia), de 1910, e Folk-lore in the Old Testament (Folclore no Velho Testamento), de 1918. Neles, defendeu a ideia de que a cultura/civilização teria evoluído em três formas sucessivas, magia/religião/ciência, caracterizadas por tipos específicos de pensamento. O pensamento mágico caracteriza-se por ser uma técnica acoplada a uma crença na ação de espíritos e divindades. A magia representava uma forma primitiva de ciência capaz de explicar e orientar a realidade, apesar da ausência de leis científicas objetivas, pois o mago/feiticeiro executava ações calculadas, racionais, chamadas de gestos rituais, mas atribuía sua eficácia a poderes mágicos. Veja que, pela análise de dados etnográficos colhidos de sociedades étnicas, Frazer chegou à definição de dois tipos gerais de magia: Na magia imitativa/homeopática (o semelhante afeta o semelhante), o mágico imita os atos que ele deseja que ocorram, por exemplo, para afastar nuvens de chuva, ele a corta no ar com uma faca. Na magia simpática ou contagiosa acredita-se que tudo que se faça a um determinado objeto afetará também à pessoa a quem ele pertence ou com quem tem ligação (lei da contiguidade), por exemplo, cabelo, sangue, esperma, lágrimas, ossos, unhas, roupas etc., coisas vistas como perigosas e poderosas por terem tido uma estreita ligação com a pessoa. Lewis Morgan (1818-1881) Pesquisador norte-americano, publicou Ancient society (A sociedade antiga, de 1877) e popularizou a teoria evolucionista ao propor a ideia de períodos que marcaram a história humanidade: selvageria, barbárie e civilização. Culturalistas, funcionalistas e estruturalistas Observe que a crença integra a experiência humana geral. Por isso, a religião, a magia e todas as formas culturais das crenças não podem ser separadas de sua matriz cultural e ser estudada isoladamente do contexto no qual são expressas, vividas e experimentadas. As escolas antropológicas fixam-se então, no inseparável binômio significado da religião e religião como significado, ou seja, toda expressão religiosa (rito, canto, dança, prece, oração, evento, mito, devoção etc.) é revestida de múltiplos significados que se ligam à sociedade que os vivencia e muda historicamente, “relativo”, portanto. Mulçumano rezando. (Fonte: Pixabay) Magia. (Fonte: Pixabay) Cerimônia budista. (Fonte: Pixabay) Mas, ao mesmo tempo, toda expressão religiosa possui um sentido e significado “absoluto” ou último para quem vive dentro de uma religião. Observe que os evolucionistas foram criticados pelos usos inadequados da ferramenta comparativa e da perspectiva temporal sucessiva (perspectiva sincrônica), sem contextualização. Um dos críticos dessa perspectiva foi o antropólogo alemão-americano Franz Boas (1858-1942) que inaugurou a escola Culturalista com larga influência nos EUA. A crítica centra-se no erro de comparar os mais variados povos e civilizações, de forma aleatória, tirando dados dos contextos e organizando-os como se fossem uma coleção disposta em uma linha reta e chapada do tempo. Comentário Para Franz Boas, cada cultura deve ser estudada como um sistema que possui lógica e autonomia específicas, levando em consideração a totalidade a partir da análise dos dados biológicos, linguísticos, históricos e culturais. Por exemplo, estudar uma dança ou uma crença religiosa por si mesma, sem remetê-la à cultura, sociedade, ao momento histórico e aos contextos, é um sério erro metodológico. Bronislaw Malinowski (1884-1942) Note que os Funcionalistas, liderados pelo anglo-polaco Malinowski, criticaram os evolucionistas e afirmaram que a análise de uma cultura, e dentro dela, dos ritos religiosos ou mágicos, deve considerar duas perspectivas: Diacrônica Temporalidade sucessiva da história. Sincrônica Transversalidade da cultura no tempo e no espaço. As principais obras de Malinowski: 1 Argonauts of the Western Pacific Argonautas do Pacífico Ocidental, de 1922, sua obra prima. 2 Scientific theory of culture Uma teoria científica da cultura, de 1944. 3 Magic, science and religion and other essays Magia, ciência e religião e outros ensaios, de 1948, com uma dedicatória a James Frazer É incompleto, para a perspectiva antropológica, estudar religião ou outro aspecto (parentesco, por exemplo), sem se referir ao elemento cultural, social e histórico. (Fonte: pathdoc / Shutterstock) O método etnográfico é característico da Antropologia e pode ser aplicado à religião. A etnografia consiste em um estudo de longo prazo a partir da convivência profunda com um grupo, uma tribo, etnia, sociedade, e do qual aprende a língua, os modos, costumes. O antropólogo registra, em um diário de campo, sua observação, suas conversas, impressões, hipóteses, leituras, seus desenhos esboços etc. e, depois, transforma todo material em um texto coerente e coeso. É um método poético e difícil, pois depende da interação humana, bons informantes que conheçam a realidade a ser pesquisada etc. Há diversas formas: Etnografia virtual (na internet) e Etnografia multissituada, em e comdiversos grupos/lugares. Método etnográfico. (Fonte: Adam Jan Figel / Shutterstock) Para Malinowski, o problema não é a formação histórica das culturas, mas a interfuncionalidade entre as diversas dimensões das sociedades que permitem ao ser humano viver seu cotidiano. As funções ou modalidades são respostas culturais coletivas que respondem a problemas relativos à vida concreta. No Funcionalismo, pergunta-se pelo papel desempenhado pela dimensão religiosa dentro da cultura entendida como uma totalidade. O sagrado se expressa concretamente por meio do mito e do rito. Nas sociedades étnicas e tribais, quase não existe adolescência, invenção ocidental moderna e urbana, pois os ritos consistem em provas dolorosas por meio das quais a menina e o menino, entre 11 e 14 anos em geral, são admitidos no mundo dos adultos, com direitos e deveres prescritos pelas tradições locais. Legitimar as instituições e os papéis sociais. Conferir significado às alegrias e aos sofrimentos da condição humana. Regular tensões, medos e euforias coletivas Garantir o equilíbrio dos elementos dos quais depende a sobrevivência física e cultural de uma sociedade. Como seria essa resolução? Dar-se-ia pela proposição dos conceitos de: Trabalho religioso Refere-se ao processo de produção de práticas, discursos e bens simbólicos sagrados que atendem a uma necessidade de expressão de uma classe, grupo ou sociedade. Campo religioso Remete a um campo de forças em que agentes e instituições disputam capital simbólico — dando legitimidade, poder, prestígio —, produzindo e consumindo bens religiosos de salvação (rituais, discursos, valores etc.). Note que Bourdieu pensa em duas polaridades ideais: 1 Todo mundo produz os bens religiosos e todo mundo consome, sem distinção e hierarquia. 2 Um grupo monopoliza radicalmente a produção (especialistas/profissionais do sagrado) e outro grupo, numeroso, consome bens simbólicos (leigos ou não especialistas). Essas funções explicam a dinâmica de sociedade/grupos pequenos, étnicos, primitivos, locais de pequena ou média escala. Mas, veja com olhar crítico, em sociedades plurais ou de massa, de grande escala, complexas e modernas, as dinâmicas se alteram, a religião perde algumas funções e adquire outras. O que é mito? Na análise do mito, Malinowski pensa assim: O mito é uma narração de um evento inaugural, possui eficácia porque atua na consciência coletiva. No mito, encontra-se uma explicação poética, um modelo moral-valorativo, que o grupo elabora, internaliza e compartilha. Nas palavras do antropólogo polaco, o mito é “a expressão, a valorização, a codificação de um credo; defende e reforça a moralidade; garante a eficácia do rito e contém práticas que orientam o homem”, portanto é uma história com poder. (MALINOWSKI, 1976). Veja bem: Há um universo consolidado por uma tradição de práticas, pois a ideia e o objetivo são claros e pontuais. A ideia e o objetivo são mais amplos. Saiba mais Na obra Magia, ciência e religião, o antropólogo anglo-polaco defendeu a ideia, sincrônica, que as sociedades possuem estruturas de pensamento mágico, religioso e científico. Nessa obra, ele conclui que sem aplicar o conhecimento adquirido — a tecnologia — a magia é inútil. Sobre as atividades cotidianas, há mitos que explicam sua presença, sua importância, sua força e servem de valores de inspiração moral. As proposições culturalistas e funcionalistas foram criticadas por outras escolas teóricas. E quais são as críticas? 1 A imprecisão das fronteiras entre magia e religião. 2 A ênfase nos fatores endógenos em detrimento dos fatores interculturais/exógenos e a historicidade dos fatores internos/externos. 3 O não tratamento das tensões, conflitos, mudanças e rupturas que alteram os sistemas e as funções. Atividade 2. Para a escola antropológica Funcionalista, o ritual mágico e a técnica “científica” possuem funções específicas, por exemplo, regular as emoções durante uma atividade cotidiana e garantir sua eficácia concreta, podendo conviver em uma mesma situação. Nos estudos etnográficos de Bronislaw Malinowski sobre a magia, religião e a ciência, são descritas situações como os preparativos para pescaria em alto-mar, que sempre traz riscos, afazeres cotidianos. Em relação ao ritual mágico e a técnica, assinale a alternativa correta: a) Podem conviver em uma mesma situação porque regulam distintos significados dos problemas cotidianos. b) Não podem conviver uma mesma situação porque regulam distintos significados dos problemas cotidianos. c) Podem conviver uma mesma situação porque não regulam distintos significados dos problemas cotidianos. d) Não podem conviver uma mesma situação porque regulam distintos significados dos problemas cotidianos. e) Podem conviver uma mesma situação porque desregulam distintos significados dos problemas cotidianos. Criticando os limites do Funcionalismo, surge o Estruturalismo, que acentuará a questão da estrutura. Os maiores nomes, um inglês e um francês, são eles: E. E. Evans-Pritchard (1902-1973) Note que os métodos de pesquisa levados à efeito por Evans-Pritchard estabeleceu a conexão, nas sociedades étnicas, entre fatos culturais e estruturas sociais. A etnografia do antropólogo inglês foi realizada na África Central, junto os povos zande e os nuer explorando temas como poder, controle e estratificação social , papéis políticos (comandar, proteger, colaborar). 4 file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/aula7_temp.html 1937, publica o livro Witchcraft, oracles and magic among the azande (Bruxaria, oráculos e magia entre os azande.), considerado um modelo de escrita etnográfica assim como Os argonautas do Pacífico Ocidental, de Malinowski; 1956, lança Nuer religion (Religião Nuer) e 1965, Theories of Primitive Religion (Teorias da Religião Primitiva). Em sua etnografia sobre os nuer, por exemplo, Evans-Pritchard apresentou uma sociedade que, ao estruturar seu sistema político em linhagens e clãs, não formava um poder centralizador, o Estado. As funções das disputas e dos conflitos eram impedir a centralização do poder e as acusações de feitiçaria e bruxaria eram parte dessa engrenagem. A ênfase do antropólogo inglês recaiu sobre o rito, como ação, que envolve uma coletividade, confirma seus valores comuns e as passagens de status (da criança para o adulto, casamento, morte etc.) e consagra eventos e realizações da sociedade. Há uma circularidade entre rito e sociedade perturbado por acontecimentos fora da explicação cotidiana/natural e que causam mal-estar e desarmonia. Você pode nomear esses eventos/acontecimentos como malignos. Claude Lévi-Strauss (1908-2009) Após a ênfase no rito, Lévi-Strauss privilegiou o estudo do mito e das estruturas mitológicas em uma perspectiva universalista, parecida com a ideia dos fenomenólogos da religião. A ideia de estrutura é herdada dos estudos da Linguística, ciência que estuda a linguagem, em especial Ferdinand de Saussure (1857-1913). O pensamento do antropólogo francês formou-se durante sua longa estada no Brasil, vindo para compor uma missão de estudos que redundou na criação da USP (Universidade de São Paulo). Conviveu longamente com sociedades índias no Centro- Oeste e na Amazônia, escreveu uma vasta obra, mas não tratou exclusivamente da religião e do sagrado, exceto como elemento do processo mítico e por alguns textos instigante, como O feiticeiro e sua magia e A eficácia simbólica, escritos na década de 1940-1950, dois ensaios que compõem o livro Antropologia estrutural. Veja que Lévi-Strauss buscou os elementos lógico-formais que constituem o pensamento mítico e o pensamento selvagem. Haveria um número específico de regras/operações que, no entanto, permitiriam uma infinidade de combinações. A imagem usada para explicar isso, observe que interessante, é a do jogo de xadrez! A segunda comparação usada é a do inconsciente, que seria um tipo de recipiente e elaborador de um número finito de pares binários de opostos (cru-cozido, macho-fêmea,grupo-fora/grupo-dentro, frio-quente etc.). estratificação social4 Processo de divisão ou organização de uma sociedade em classes sociais, segmentos ou grupos socioeconômicos, ou castas hereditárias, com poderes, papéis e funções. A estratificação pode agravar muito a desigualdade social. Saiba mais Leia o texto Principais antropólogos estruturalista <galeria/aula7/anexo/Principais_antropologos_estruturalistas_PDF.pdf> . Atividade 3. A escola estruturalista enxerga a religião a partir de uma ótica universalista, privilegiando o mito, a racionalidade e a lógica, em detrimento do rito. Lévi-Strauss, no texto O feiticeiro e sua magia, estudou a eficácia simbólica, analisou casos em que a crença na magia provocou reações concretas, como no xamanismo , e comparou isso à técnica psicanalítica como ritual. Diante disso, é correto dizer que a eficácia mágica ocorre por: a) Por intermédio da articulação entre as crenças do xamã em sua técnica e do doente no poder do ritual. b) Por intermédio da articulação entre as crenças do xamã em sua técnica e do grupo no poder do ritual. c) Por intermédio da articulação entre as crenças do doente no poder do ritual e do grupo no poder do xamã. d) Por intermédio da articulação entre as crenças do grupo, do xamã em sua técnica e do doente no poder do ritual. e) Por intermédio da articulação entre as crenças do grupo no poder do ritual xamânico e a técnica do xamã. Xamanismo Sistema religioso presente em sociedades étnicas (Sibéria, Groelândia etc.). O xamã é alguém dotado com habilidades de comunicação entre o mundo profano e o sagrado, capaz de viajar e ver/sentir como os animais e a natureza veem/sentem. É solicitado para resolver sofrimentos, curar doenças etc. O xamã recebe um chamado, às vezes recusa, mas acaba 5 5 file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/galeria/aula7/anexo/Principais_antropologos_estruturalistas_PDF.pdf file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/aula7_temp.html passando por um ritual de iniciação no qual desenvolve seus dons e suas habilidades. O termo foi expandido e aplicado ao contexto urbano ou rural, já que é visto como um sistema que possibilita a comunicação entre dois mundos, o de cá (terreno, profano) e o de lá (celestial, transcendente, angelical ou diabólico, cósmico e/ou sagrado), para a resolução de problemas, infortúnios e sofrimentos. Os interpretativistas (escola ‘simbólica’ ou semiótica) e os pós modernos Símbolos religiosos (Fonte: Vladimir Melnik / Shutterstock) Nas décadas de 1950 a 1970, emergiu uma importante escola antropológica que, apontando as insuficiências do Funcionalismo e Estruturalismo, propôs um olhar analítico-metodológico voltado para o símbolo e os seus significados, produzidos e compartilhados, e sua conexão com o contexto histórico-social. Clifford Geertz (1926-2006) Antropólogo norte-americano, foi o líder da nova escola. Os seguintes livros, note bem, guardam um estilo ensaístico muito forte. Publicadas no Brasil e reunindo textos sobre método da Antropologia interpretativa, discussões sobre mente e cultural, ideologia, escrita etnográfica, cultura política, psicologia cultural, arte e cultura, vida e obra de antropólogos fundamentais, etc.: A interpretação das culturas Saber local Obras e vidas: o antropólogo como autor Nova luz sobre a antropologia As obras monográficas são, por exemplo: Negara, o Estado teatro no século XIX e “Observando o Islã. Note os textos: Religião como sistema cultural; O beliscão do destino: a religião como experiência, sentido, identidade e poder (capítulo do livro Nova luz sobre a Antropologia). Leitura Ethos, visão do mundo e a análise de símbolos sagrados são capítolos do livro A interpretação das culturas <https://goo.gl/FjPohK> . A hermenêutica, em especial a que se voltará ao rito e mito sagrado ou religioso deixou em segundo plano, a função e a estrutura, bases das escolas anteriores. Mas, antes disso, Max Weber (1864-1920), a quem Geertz cita como inspirador, defendia como objeto central da análise, os significados que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem à ação social ou à ação que realizam entre si e na sociedade. Considere que problema do significado é, para o antropólogo interpretativista americano, o cerne da religião. Leia suas palavras e medite um pouco: https://goo.gl/FjPohK Uma religião é: (1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de f atualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas” GEERTZ, 2008, p.67 O rito, o ritual opera a fusão entre o mundo vivido e o imaginário presentes nas narrativas míticas A religião, em Geertz, expressa uma teoria geral da cultura . Cultura É um sistema de símbolos que articulam e veiculam uma rede de significados. Um sistema cultural, como o sagrado ou a religião, interpreta uma realidade A realidade (social, biológica psicológica) é infinda, descontínua, múltipla em suas causas e consequências, e coloca em cheque e entra em choque, permanentemente, com as expectativas, trazendo paradoxos e impasses éticos e morais de modo contínuo. Daí, reflita, a tarefa do antropólogo é fazer uma interpretação de interpretações, ou seja, é interpretar e traduzir para um público mais universal, as interpretações que um gripo ou coletividade realiza em seu devir histórico, mas, de uma forma sistemática, acadêmicos e científicos. 6 6 file:///W:/2018.2/ciencias_da_religiao__GON942/aula7_temp.html E qual seria uma das realidades mais difíceis de lidar no campo da religião? O problema do sofrimento, que se conecta ao problema do mal, da injustiça. 1. Lévi-Strauss Retoma uma vertente mais universalista, abstrata, lógico-formal para explicar a religião. 2. Clifford Geertz Volta-se para a análise dos significados e, com isso, a vertente relativista é retomada. Para ele, uma adequada teoria da religião se alcança com a integração entre considerações históricas, psicológicas, sociológicas e semânticas. Segundo Geertz: A experiência religiosa final tomada subjetivamente é também a verdade religiosa final tomada objetivamente GEERTZ, 2008, p. 152 Reflita que Geertz, no texto O beliscão do destino: a religião como experiência, sentido, identidade e poder, pondera sobre as mutações históricas e os reposicionamentos da religião, que assumiu distintas formas de expressão, envolvida na construção de identidades particulares e protagonista em disputas e conflitos políticos. A crítica antropológica pós-moderna, refere-se ao modo como a Antropologia descreve os grupos observados, como se fossem uma totalidade articulada, esquecendo que a escrita tem uma operação de poder. Aconteceu, veja, o ocultamento da presença colonial (opressora) na pessoa daquele que vai estudar e pretensamente dar voz e vez aos “nativos”. Atualmente, os contextos em que a religião se expressa são múltiplos e atravessados, por exemplo, por muitas dimensões: 1 Escala Locais, globais, transnacionais. 2 Valores Estético, consumo, político, econômico. 3 Comunicacional Virtual, grupal, individual. 4 Político-social Classes sociais, desigualdades econômicas, distribuição do poder dentro, fora e entre as religiões e grupos religiosos. Isso exige reformulações no método etnográfico e a integração com outras metodologias, até mesmo quantitativas, para se estudar a religião. Mais do que nunca, reflita, é preciso ao cientista da religião e ao teólogo, uma visão integrada, ampla e profunda (simultaneamente), e, por isso, as escolas antropológicas são indispensáveis para uma boa formação acadêmica. Outra frente de reflexão da Antropologia sobre o fenômeno religioso é a que pensa sobre os modos de como se conhece a religião. Reflita sobre um elemento apresentado pela antropóloga Rita Segato, no texto, Um Paradoxo do relativismo: discurso racionalda Antropologia frente ao sagrado (publicado em 1992), que fala do paradoxo entre a atividade de relativização do antropólogo e a adesão de forma absoluta do praticante religioso à religião da qual ele faz parte. A atitude dos antropólogos (relativização), frente ao universo religioso, implica uma atitude reducionista da teoria da interpretação, que tem como implicação fundamental a perda de vista da experiência íntima do transcendente vivenciada pelos religiosos. A saída seria um olhar mais integrado, embora se saiba do impasse entre as duas perspectivas. Atividade 4. Leia com atenção o que Clifford Geertz escreve sobre o problema do sofrimento como problema religioso, pois se trata de conferir sentido, e não evitar o sofrimento: “[...] os símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica não apenas para sua capacidade de compreender o mundo, mas também para que, compreendendo-o, deem precisão a seu sentimento, uma definição às suas emoções que lhes permita suportá-lo, soturna ou alegremente, implacável ou cavalheirescamente”. (Grifos do autor da aula. GEERTZ, 2008, p. 67) Tendo em vista a escola Interpretativista, assinale a alternativa correta: a) Os símbolos religiosos podem ser interpretados como uma simples projeção de necessidades sociais e culturais de um grupo ou sociedade. b) Os símbolos religiosos atuam para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens que vivem coletivamente. c) Os símbolos religiosos podem ser interpretados como uma complexa teia alienada de significados e necessidades sociais e culturais coletivas. d) Os símbolos religiosos atuam como uma complexa projeção ideológica de necessidades sociais e culturais de um grupo ou sociedade. e) Os símbolos religiosos atuam para refrear as necessidades sociais e culturais manifestadas por um grupo ou sociedade. Atividade 5. Sobre a maneira como a Antropologia estuda a religião, alguns autores como Marcelo Camurça, Rita Segato, Rubem Fernandes e Otávio Velho, discorreram sobre os dilemas da pesquisa antropológica sobre a religião, em especial os desencontros entre o ponto de vista do nativo e o ponto de vista do pesquisador. Tendo em vista as características de cada ponto de vista sobre os fenômenos religiosos, assinale a alternativa correta: a) Do ponto de vista nativo, a religião é vista como absoluta e ontológica; do ponto de vista do pesquisador a religião é vista como ideologia e alienação. b) Do ponto de vista nativo, a religião é vista ideologia e alienação; do ponto de vista do pesquisador a religião é vista como absoluta e ontológica. c) Do ponto de vista nativo, a religião é vista como absoluta e ontológica; do ponto de vista do pesquisador a religião é vista como relativa e metafórica. d) Do ponto de vista nativo, a religião é vista como absoluta e ontológica; do ponto de vista do pesquisador a religião é vista como relativa e ontológica. e) Do ponto de vista nativo, a religião é vista como ideologia e ontológica; do ponto de vista do pesquisador a religião é vista como alienação e absoluta. Notas INSERIR TÍTULO AQUI INSERIR TEXTO AQUI Referências CAMURÇA, Marcelo. Ciências Sociais e Ciências da Religião. Polêmicas e interlocuções. São Paulo: Paulinas, 2008. EVANS-PRITCHARD, Edward E. Brujeria, magia y oráculos entre los azande. Barcelona: Anagrama, 1976, p. 26. FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 2016. GEERTZ, Clifford. A religião como sistema cultural. In: ______. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC 2008, p. 67. 1 LÉVI-STRAUSS, Claude. O feiticeiro e sua magia. In: ____. Antropologia estrutural. 5. ed. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, [s./d.], p. 211 MALINOWSKI, Bronislaw. Il mito e il padre nella psicologia primitiva. Roma: Newton Compton, 1976. TEIXEIRA, Faustino (org.). Sociologia da Religião. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. Próximos Passos Principais ideias e os principais autores que analisaram a religião como fenômeno psicológico, ou seja, relativo às crenças e aos comportamentos individuais; Reflexão sistemática sobre a relação entre a Psicologia e a Religião. Explore mais Cultura e religião: olhares plurais. Observe estes artigos: Leia os textos: Descanonização de símbolos católicos: O caso do “Tarô Católico” e os novos sentidos religiosos. <http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/religare/article/viewFile/27475/14765> O evangelho dos produtos Canção Nova: salvação, consumo e mídia eletrônica. <https://goo.gl/AH7qzv> Juventude católico-carismática: mudança de sentido, música e religião em ambientes urbano-eletrônicos. <https://goo.gl/PzKzkv> Terços, “Santinhos” e Versículos: a relação entre católicos carismáticos e a política. <https://goo.gl/byDbLg> http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/religare/article/viewFile/27475/14765 https://goo.gl/AH7qzv https://goo.gl/PzKzkv https://goo.gl/byDbLg
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