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Lourau - Instituído e instuinte

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46 REMI HESS
1.994, Posttace a De Freinet a la pédagogie institutionne!!e ou I'Ecole de Genne-
zJí//íers, d'Ahmed Lamihi,Vauchrétien, lvan Davy éditeur, p. 137 a 140.
1997, Introduction(avec Ahmed Lamihi) a Pédagogfe ef JmpZícatlon, sous la
direction de Lourau et Ahmed Lamihi, Les Cahiers de L'E.N.S., n' 8.
publication de I'Ecole Normale Supérieure de Tétouan(Maroc).
1998, Prolongements, postface a la seconde édition de À4ai 68, L'frrupfzolzg
de H. Leáebore, Paras, Syllepse.
1999, Comment cela a-t-il été possible?, Préface de La corzscle zce mystÜée, de
Nobert Gutterman et Henri Lefebvre, Paras, Syllepse.
2000, Préface de Pyrélzées, de Henri Lefebvre, Pau, Caim.
O INSTITUINTE CONTRA
O INSTITUIDO+
Artigos sobre Lourau
Althabe G., Gelos, en Béam, matrice du rapport au monde de Lourau, in:
Lourau: Analyse institutionelle et éducation", Prafíqzíes de Formaffotz-
ÁnaZyses, n' 40, 2000.
Delory-Monberger, Une polétique de la recherche, in: "Lourau: Analyse
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Hess R., "Lourau", Díctlo znaíre des phi/osophes, Paris, Presses Universitaires
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Hess R., L'institutionnalisation, in: "Lourau: Analyse institutionelle et édu-
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Jabin B. et De Miras R, Le droit au respect: une idée essentielle. Lourau, in:
Bulletin de Liaison de i'Association Française }anusz Korczak, n' 13, dé-
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Lamihi Ahmed, Autogestion et implication. in: Les pédagogies aufogesfíorz-
lzaíres, Yvan Davy éditeur. p. 15 a 28, 1995.
Lamihi Ahmed, Pédagogie institutionnelle et autogestion pédagogique: I'ap-
port de Lourau, in: Les Dossiers pédagogíques, n' 7, Tétouan (Maroc), p.
13 a 19(en vente au LlZAI, Paria 8), 2000.
Lamihi Ahmed, Le joumal impliqué, ou comment en savoir plus sur soi-
même et sur les autres, in: /mp/ícations(Joumal de la Non-Directivité
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Lapassade G., René Lourau, pédagogue. in: "Lourau: Analyse insütutionelle
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LRAI, Texte, in: "Lourau: Analyse institutionelle et éducation", Praffques de
Formízfíon-A zaZyses, n' 40, 2000.
2000
Tudo o que rompe a unidade social não
vale nada: todas as instituições que co-
locam o homem em contradição consi-
go mesmo não valem nada.
- RoussuAU , O cotztrato sacia/, livro
VI, capítulo Vlll
Pool-sK FALAR OE CRISE SOCiAl. a propositodos "acon-
tecimentos" de maio/junho de 1968 porque aí o íFzsfitufnfe sur-
giu, violentamente e de maneira irracional, em oposição ao f?zsfí-
Por "instituinte" entenderemos, ao mesmo tempo, a contesta-
ção, a capacidade de inovação e, em geral, a prática política como
"significante" da prática social. No "instituído" colocaremos não
só a ordem estabelecida, os valores, modos de representação e
de orgarüzação considerados normais, como igualmente os proce-
dimentos habituais de previsão (económica, social e política).
O estudo que se segue tem por objetivo especificar o conteú-
do destas duas instâncias e mostrar que a oposição entre elas
mascara sua articulação no conceito de instituição. Hlavendo as
contradições irrompido na sociedade francesa, o ínstituinte se
defrontou de maneira maniqueísta com o instituído. De um mes-
mo golpe, cada uma das instâncias trouxe à luz a violência hipo-
critamente camuflada da instância complementar.
O instituinte foi percebido como pura negatividade: a "sub-
versão". O instituído, por seu turno, foi igualmente percebido
Textos diversos
La psychiatrie, ça se soigne, ronéo, Pauis 8.
Socianalyse en Val de Loire.
L'instituant contre I'institué", primeiro capítulo do livro de mesmo nome
Paria: Anthropos, 1969. Tradução: Paulo Schneider.
47
Getulio
48 RENÉ LOURAU O INSTITUINTE CONTRA O INSTITUÍDO 49
como pura negatividade: a "repressão". Tentaremos compreen-
der a prática social nascida ou ressurgida na primavera de 1968
em termos menos reducionistas, evitando traduzir o aconteci-
mento, a dinâmica social, por um jogo de elementos ou de estru-
turas já conhecidos.
lissemia do conceito de instituição, tanto no direito quanto na
sociologia ou na história, permeia seu uso em domínios forte-
mente marcados pela prática jurídica. Para retomar o exemplo
do Estado, dir-se-á, com Hegel, que "as instituições formam a
Constituição [. . .] e são, por conseguinte, a base sólida do Esta-
do". A Constituição, ou lei fundamental, ou conjunto de leis di-
tas fundamentais, pertence ao domínio político na medida em
que f-onda um regime, e ao domínio jurídico na medida em que
sua aplicação está sujeita a diversas interpretações de seus prin-
cipais usuários (o poder), bem como da instância encarregada
de controlar sua aplicação (Corte Suprema).
Desse modo, o sentido estrito do conceito de instituição é posto
em questão, pois já recobre inúmeros níveis de realidade. Em
particular:
a) Instâncias individuais ou coletivas com organização diferen-
ciada;
b) Códigos escritos ou não escritos, mais, ou menos acompa-
nhados de um aparelho jurídico ou organizacional.
O que é uma instituição?
O sentido estrito, jurídico, tradicional do conceito de institui-
ção designa diversas categorias de corpos constituídos e de orga-
nismos oficiais que servem para a regulação da vida política, para
a administração da sociedade. O Estado, por exemplo, é um con-
junto de corpos constituídos e de instâncias (coletivas ou indivi-
duais) que denominamos instituições: Presidência da Repúbli-
ca, Congresso Nacional, Senado, Conselho Económico e Social,
Corte Suprema, Conselho de Estado, Tribunal de Contas, Corte
de Cessação, Chancelaria da Legião de Honra, Ministérios.
Essas instituições do Estado não surgiram simultaneamente,
não possuem idêntica importância nem funções políticas equi-
valentes. Diferenciam-se, no nível de sua organização, em secre-
tariados, direções, administrações, comissariados gerais, servi-
ços etc. A sociologia empírica e teórica, assim como a linguagem
comum, freqüentemente confundem - de maneira totalmente
equivocada -- o nível organizacional com o nível institucional.
Outra confusão, ligada à precedente, procede sobretudo da
burocracia e da prática jurídica corrente: ela mistura instituição
e Direito. O ato de promulgar uma lei ou um regulamento é, sem
dúvida, um ato instituinte; mas a lei, o regulamento, não são mais
que o aparelho jurídico da instituição, a organização singular do
campo de aplicação e da previsão próprios a qualquer prática
jurídico-social. A confusão, no entanto, é quase inevitável, na
medida em que a acumulação de textos jurídicos e de jurispru-
dência acaba por fazer esquecer a instituição em si, as condições
materiais e sociais de seu funcionamento, suas finalidades e sua
história (por exemplo, no caso da instituição da herança, ou no
da instituição dos exames e dos concursos). Além do mais, a po-
Os três momentos do conceito de instituição
A universalidade das instituições é ressaltada pela filosofia do
direito herdada de Hegel,: para quem as instituições "são o que
há de virtualmente universal nos interesses particulares". Porém
a lógica hegeliana distingue, na análise de qualquer conceito, três
rrzomentos que, articulando-se, definem a díalética: momentos da
universalidade, da singularidade e da particularidade. A dialética
obriga a que não nos contentemos com a oposição dualista entre
interesses particulares e interesse geral. A z/ zíuersa/idade da insti-
tuição, pela mediação de cada caso parfícu/ar, encarna-se nas for-
mas sínglz/ares e diferenciadas, das quais vimos pelo menos dois
graus no que tange às instituições políticas (separação dos po-
deres em uma dezena de instâncias ou órgãos constituídos e di-
visão destes últimos em vários tipos de organizações).
Hegel Princípios da.Floso$a do direito, 1821
Getulio
.Í50 RENÉ LOURAU O INSTITUINTE CONTRA O INSTITUÍDO 51Por outro lado, as instâncias imediatamente inferiores são
sempre diferenciadas em corpos constituídos, eles mesmos dife-
renciados pelaorganização e, sobretudo, pelo modo de recruta-
mento: com efeito, a divisão do trabalho apresenta grandes ana-
logias quando observamos o funcionamento de um ministério,
de um sindicato, de uma empresa; um ministro, porém, não é
designado para o cargo da mesma maneira que um alto funcio-
nário. Um professor do ensino médio, na França, é diretamente
nomeado pelo ministro, ao passo que um professor do ensino
superior é cooptado. Uma mesma pessoa por exemplo, um
técnico superior -- obterá um posto em uma empresa com ba-
se no exame de seus títulos e antecedentes; na mesma empresa,
ocupará um alto posto sindical por ter sido apresentado pelos
camaradas à comissão administrativa da CGT e eleito, pelos de-
legados, para o secretariado nacional. O princípio de centraliza-
ção do poder, agindo no seio das mais diversas organizações,
cria isomorfismos e entrecruzamentos entre hierarquias verticais
e horizontais; o princípio da democracia direta, aplicado em inú-
meros casos, é de fato "corrigido", para não dizer anulado, pela
justaposição de variados modos de recrutamento. Mas se o prin-
cípio da democracia direta é combatido pelo princípio de cen-
tralização, este último, por sua vez, é corrigido ou combatido
pelo sistema assim criado: a fríztzsoersaZídade dos pertencimentos,
das hierarquias e dos poderes. Os pertencimentos políticos, por
exemplo, mantêm grupos de pressão em uma instância oficial
aparentemente homogênea; ou então a "tecnoestrutura" de di-
retores e tecnocratas altera a estrutura autocrática da empresa.
Por outro lado, compensações ou ponderações eventualmente
reinstalam a idéia de democracia direta e de participação dos
particulares no poder: eleição do presidente da República pelo
sufrágio universal, referendo. Contudo, salvo em exemplos es-
pecíficos como a democracia ao estilo suíço ou o projeto de
autogestão, a democracia direta e a participação jamais articu-
lam uma série de instâncias que permitiriam umleedback dos re-
presentados aos representantes. Os conselhos municipais, os con-
selhos de pais de alunos, as aséembléias-gerais de sindicaliza-
Muitas formas singulares da instituição escapam, de resto, ao
jurídico ou ao organizacional: são as formas ideológicas, profun-
damente inscritas nas mentalidades, na prática social, e que a
ideologia dominante se empenha em fazer passar por univer-
sais, logo racionais, normais, obrigatórias, intocáveis. Por exem-
plo, a seleção social efetuada pela escola ou a estrutura mercan-
til das trocas.
Já os particulares, que quase nunca estão em contado direto,
não medrado, com o universal da instituição (mesmo no caso da
instituição fundamental, transjurídica e em parte transistórica da
exogamia, os indivíduos vivem formas singulares de proibição do
incesto, em tal comunidade e em tal época), como membros das
instâncias instituídas, como usuários e mantenedores das institui-
ções e, enfim, como agentes de transformação institucional, con-
ferem sentido muito mais amplo ao conceito de instituição.
Especificaremos as três funções dos particulares (três exem-
plos não exaustivos, preferencialmente), que dão um conteúdo
ao momento da particularidade do conceito de instituição. As-
sim compreenderemos melhor a distinção e a articulação entre
os três momentos do conceito.
O momento da particularidade
\ . Os particulares como membros de instâncias instituídas
Estas instâncias são instituições-pessoas ou instituições-gru-
pos (para retomar a terminologia de M. Hauriou,: que denomi-
na instituição-coisa um conjunto de normas que não se personi-
fica em estatutos ou papéis particulares). As instâncias podem
ser personificadas em um só indivíduo (presidente da Repúbli-
ca). Afora os raros casos de direção colegiada, a pirâmide do
poder é geralmente coroada por uma instância solitária, freqüen-
temente simbólica, por vezes decisória (o rei, o chefe de Estado,
o patrão).
z Hauriou, Maurice. Tbéorfe de /'i/zsfíf tfon ef de falo/zdation. Sirey, 1925.
52 RENÉ LOURAU O INSTiTUINTE CONTRA O INSTiTUÍOO 53
mesmo, às vezes, em um único indivíduo). Dito de outra manei-
ra: se a integração segundo valores comunitários é efetivamente
um dos elementos que compõem a sociedade, não deve ser con-
fundida sob pena de tomar a ideologia dominante pelo obje-
to "sociedade" que ela mascara -- com a própria estrutura so-
cial. A distribuição dos valores dominantes se dá à maneira da
distribuição dos benefícios: não podemos participar de todos os
valores que comentam a comunidade ou, pelo menos, não o pode-
mos fazer com a mesma intensidade de todos os outros mem-
bros, já que nunca pertencemos a todas as formas singulares e
segmentárias de organização social nem a todas as formas seg-
mentárias universais constituídas a partir das categorias univer-
sais da idade ou do sexo (por exemplo, nem todas as crianças,
na França, recebem o mesmo tipo de instrução ou de educação
escolares, sem falar das múltiplas diferenças de educação fami-
liar; e se os homens, de modo geral, têm melhor remuneração
pelo trabalho do que as mulheres, tal institucionalização da de-
sigualdade sexual é combatida por toda parte, e o pertencimento
a um ou outro sexo não determina de modo absoluto a escala
de vencimentos). Embora o inventário de nossos pertencimentos
socialmente constituídos seja finito, o inventário de nossas re-
ferências é muito mais aberto. Para definir nossa posição na
sociedade, precisamos nos referir a inúmeras organizações e
instituições às quais não estamos diretamente ligados. Em últi-
ma instância, uma análise exaustiva de pertencimentos e refe-
rências deve esgotar todas as formas universais e singulares de
socialização observáveis em uma sociedade em dado momento.
Neste sentido, por exemplo, aderindo ou não a uma organiza-
ção sindical, só posso situar-me e compreender o conjunto dos
problemas económicos e sociais de que o sindicalismo se ocupa
por referência à ideologia e à ação das principais organizações
sindicais existentes no país (com suas eventuais implicações de
caráter internacional). Na mesma linha, seja eu rico, seja pobre,
assalariado ou acionista, a instituição bancária e os organismos
a ela aparentados me concemem: tenho relações com o banco
mesmo se não tenho conta bancária nem poupança nem aplica-
dos ou pensionistas contribuem, principalmente, para preservar
o "ritual" e o "cerimonial" que Galbraith descreve zombeteira-
mente, usando o exemplo dos Conselhos de Administração e das
Assembléias-Gerais de acionistas em grandes empresas ameri-
canas. O modo de representação de interesses particulares não é
concebido para produzir, pela justaposição e pela fusão, uma ins-
tância global que seria o interesse geral; este é apenas o "modo
de representação" que a sociedade tem de si própria e transmite
às jovens gerações a ideologia dominante. Na realidade, cons-
tatamos sobretudo, por um lado, a existência e o poderio de
uma instância estatal que se atribui, a priori, o monopólio do
interesse geral e do modo de representação dos interesses par-
ticulares; por outro lado, a presença de múltiplos interesses
particulares que tendem (ao menos alguns dentre eles, os que
estão em melhor posição na corrida pelo poder ou pela autori-
dade) a "servir" ao povo, isto é, a fazer parte de instâncias ins-
tituídas como representativas do interesse geral. O sucesso so-
cial é sempre acompanhado (quando não se confunde com ele)
por um acesso às instâncias de regulação, de controle e de coa-
ção social, também quando se trata simplesmente da entrada
em um pequeno grupo de pressão.;
2. Os particulares colho usuários e mantenedores de instituições
Como a sociologia -- de Durkheim a Parsons não deixa de
sublinhar, o grau de integração ou coesão de uma comunidade é
medido pelo grau de interiorização das normas instituídas, inte-
riorização observável no maior número possível de indivíduos
componentes. A dificuldade, que pouco tem sido explorada pela
sociologia. é determinar a distância que separa os conceitos de
comunidadee de sociedade, na qualidade de agregado feito de
pertencimentos segmentários, em luta uns contra os outros (até
3 Por trás dessas considerações, aparecem facilmente as noções de l7ztqgração e de
partfcípação, às quais acrescentamos as de implicação ínslífucfo/za/ e de dísfá/leia
ílzsfífKcionaJ. Para uma visão mais precisa dessas noções, permitimo-nos indicar
nossa tese, a ser lançada, Á ztzálíse ílzsfíflícíorza/.
54 RENÉ LOURAS
ções, porque o banco é a forma instituída da regulação no que
diz respeito à circulação e acumulação do capital.
Como "usuário" ( um termo aproximado) das instituições exis-
tentes, eu me ajusta, pelo menos publicamente, ao sistema de
referência das normas que elas simbolizam e encarnam. da proi-
bição do incesto à interdição de passar cheques sem fundos. Em
função de meus pertencimentos, estarei a par e poderei até mes-
mo me beneficiar de formas singulares de ordenamento destas
normas universais: grau de parentesco em que cessa a proibição
do incesto ou limite de utilização do cartão do banco. Em fun-
ção de variáveis cuja origem social é das mais evidentes, in-
teriorizo as interdições, considero o campo de possibilidades e
as fronteiras traçadas (juridicamente ou não) por tal instituição
como mais ou menos racionais. Sublimo com maior ou menor
facilidade, com maior ou menor freqüência meus desejos, den-
tro do respeito sobre-repressivo ao que "se faz" e ao que "não
Como "mantenedores" (novamente um termo aproximado)
das instituições, os particulares podem ser classificados, muito
esquematicamente, em dois grandes conjuntos:
a) Em primeiro lugar, todos os usuários ou cooperantes que
não põem perigosamente em questão as instituições. Excetuan-
do-se as crises sociais bruscas ou os picos de anomia em certos
setores da prática social (setor da livre expressão, da vida sexual
e das relações financeiras), pode-se considerar, grosso moda, qual
os sociólogos da integração e da sociedade instituída, que as ins-
tituições repousam sobre o consenso, praticamente constante, dos
membros da comunidade. O simples fato de parfícípar pouco ou
muito (por exemplo, inscrevendo-se na divisão do trabalho inte-
lectual para "ganhar a vida", como fazem tantos inimigos da or-
dem social) do sistema de prestações colocado sob o signo da
instituição do salário contribui, a todo momento, para a manu-
tenção da ordem estabelecida;
b) Em segundo lugar, os mantenedores podem ser percebidos
como constituindo uma ou mais categorias privilegiadas, a títu-
lo variado, em relação à massa de particulares. O contramestre,
se faz
O INSTITUINTE CONTRA O INSTITUÍDO 55
o executivo, o engenheiro, o diretor e até o acionista, com ga-
nhos e estatutos diferentes, são "usuários" da instituição "empre-
sa" que, extraindo de sua posição hierárquica vantagens maio-
res que as dos OS, OP e trabalhadores braçais, têm em princípio
'todo o interesse" em manter intacta a instituição da qual de-
pendem, bem como as outras instituições (bancos etc.) que, com
a empresa, compõem um sistema. O simples fato de aceder a
um certo grau da hierarquia (formal ou informal) permite per-
ceber o começo de um processo de ítzfegraçzio, mesmo se a par'
ticipação nos objetivos e nos valores da organização que nos
hierarquiza estiver longe de ser incondicional.
A escala salarial ou a escala de estatutos (que não se confun-
dem) não revelam automaticamente uma escala de interiorização
das normas instituídas. Já que uma escala de saberes remaneja a
escala de estatutos e desloca o papel da escala salarial (trata-se
da famosa "revolução dos managers" de Burnham), e que forças
transversais trabalham as hierarquias estabelecidas, no sentido
de uma "participação" mais difusa nas decisões (refiro-me à fa-
mosa "tecnoestrutura" de Galbraith), é preciso renunciar a uma
visão demasiado determinista e "materialista" da interiorização
dos valores, da institucionalização das normas e da produção
de superestruturas ideológicas e jurídicas. Um contramestre, um
C)P ou um OS poderão, em certos casos, identificar-se mais
fortemente com "sua" empresa do que um engenheiro ou um
acionista; estes últimos, entretanto, obtêm "parcelas" mais subs-
tanciais que os salários das três primeiras categorias citadas. Fe-
nómenos de compensação, de idealização, de sublimação das
coações e de sobre-repressão alimentam o funcionamento infor-
mal das instituições mais burocraüzadas (forças armadas, uni-
versidade, administração pública). Não só o motorista do Senhor
Marquês diz orgulhosamente "nós", referindo-se ao Senhor Mar-
quêsl Quantos indivíduos ventríloquos não falam senão porque
as instituições falam por intermédio deles, porque a têm, literal-
mente, "sob a pele"l Porém, do mesmo modo, quantos se recu-
sam a aderir às instituições, a despeito de sua vida cotidiana ser
totalmente composta de um tecido institucional que implica um
56 RENÉ LOURAU
certo grau de consentimento, de adesão, de engajamento e de
participação(senão de integração).'
A fim de tomar mais claras as funções de usuário e de mante-
nedor das instituições, utilizaremos, desviando-os um pouco,
os conceitos de "surrealismo" e de "sub-realismo" elaborados
por J. Gabel. Dois grandes tipos de relação com as instituições --
tipos extremos, "tipos ideais" podem ser identificados: por
um lado, o "sub-realista" se identifica totalmente às normas, às
hierarquias e às pessoas que as encarnam. No domínio da pato-
logia da linguagem estudada por Gabel, a postura sub-realista
caracteriza-se, entre outras coisas, pela "compulsão de identifi-
cação", o "racionalismo mórbido" e a "apreensão insuficiente-
mente estruturada do real".s
O "surrealista", por outro lado, é caracterizado por uma "fal-
ta de identificação"; está afetado de "realismo mórbido", de uma
apreensão excessivamente estruturada do real". . . A dicotomia
entre sub-realismo e surrealismo não deve ser considerada como
diferença entre dois tipos de "caráter" ou dois tipos de doença,
mas como um esboço de semiologia. Além do mais, não deve-
mos confundi-la com a clássica antítese conformismo/não-con-
formismo; e ela oferece, a nosso ver, maior riqueza dialética do
que os esquemas sociológicos e psicossociológicos tais como inte-
gração/desvio, típico/atípico, institucional/anémico, intrade-
terminado e extradeterminado etc.
A riqueza dialética que atribuímos aos conceitos de Gabel re-
side na possibilidade de analisar as correlações entre dois mo-
dos de avaliação de um mesmo objeto: este objeto é o grau de
integração (integração que também engloba a modalidade mais
fraca" da participação) de um indivíduo, grupo ou organiza-
ção ao conjunto social considerado. Os dois modos de avaliação
são os seguintes: de um lado se avaliará a ímp/ícação ílzsfífucíona/
do indivíduo (grupo, organização. . .) como a soma de pertenci-
mentos (subjetivos e objetivos) e referências na qual se inscreve.
O INSTITUINTE CONTRA O INSTITUÍDO 57
Por outro lado, a disfá7zcía ízzstítzzci07za/ será avaliada como a
soma dos não-pertencimentos (subjetivos e objetivos) e das não-
referências nas quais o indivíduo (grupo, organização. . .) se ins-
creve. Visto que a teoria do grupo de referência, elaborada, em
particular, por Merton, não engloba o conceito de não-referên-
cia, vale especificar que o termo designa, aqui, tanto o não-saber
"sociológico" do indivíduo quanto o caráter forçosamente limi-
tado, porque segmentário, de sua "consciência de classe" (mes-
mo que seja excelente sociólogos). Por exemplo, se eu sou de raça
branca e vivo numa comunidade onde as outras etnias jamais
estão, por assim dizer, presentes ou presentificadas em minha
vida cotidiana, a referência aos pertencimentos étnicos terá boa
possibilidade de estar ausente ou muito tenuamente representa-
da em meu sistema de referência habitual; já se eu habito um
prédio, um bairro, uma cidade, uma região ou um país com múl-
tiplos pertencimentos étnicos; ou se recebi uma educação ou
influênciasracistas; ou ainda se fui militar nas colónias etc., a
noção de raça não terá mais o vago conteúdo escolar que em ge-
ral Ihe confere o universalismo universitário e humanista.
Qualquer que seja o interesse evidentemente heurístico - dos
dois conceitos acima apresentados, restam muitas dificuldades
para toma-los operatórios em nosso campo(sua coloração freudo-
marxista evoca simultaneamente utilidade e dificuldade). Quan-
do, na distância institucional, vemos em ação diferenças de cons-
ciência de classe. o exemplo oferecido(lugar do referencial "raça")
é deliberadamente escolhido para permitir entender que tal
"consciência" não é determinada apenas pela posição do indiví-
duo no processo de produção. Em graus diversos, o não-saber
sociológico intervém, entre outros favores, para sobredeterminar
a influência que nosso lugar no processo de trabalho e na divisão
técnica e social do trabalho tem sobre nosso espírito. Ilustrações
banais confirmam facilmente nossa dúvida quanto à eficácia
da visão determinista: muitos intelectuais, em geral de origem
burguesa, são na verdade os pedagogos e diretores de consciên-
cia da. . . consciência de classe, embora sua situação nas rela-
ções de produção não seja a dos manuais; no que concerne à
4 Croizier, Michel. Le p/zétzomêzze bzíreaucraffqzle. Seuil, 1963.
5 Gabel, Joseph. Lajausse conscíence. Minuit. 1962.
58 RENÉ LOURAU
sobredeterminação racial, é suficiente lembrar, a título quase
anedótico, a histeria racista que grassou nos meios comunistas,
durante a crise de maio de 1968, contra os revolucionários es-
trangeiros, apátridas ou simplesmente internacionalistas (adqui-
rindo facilmente o nacionalismo "de esquerda" um tom racista
por razões simultaneamente teóricas e sociais, fáceis de compre'
ender: solução mágica do conflito entre internacionalismo e pa-
triotismo, por um lado; recrutamento pequeno-burguês do Par-
tido Comunista, por outro).
Do mesmo modo, quando tentamos utilizar o esquema, pro-
posto por Gabel, de dois tipos de relação com as instituições (sub-
realismo e surrealismo), de forma alguma afirmamos, a priori,
que o primeiro tipo-ideal signifique pertencimento à classe ex-
ploradora e o segundo, à classe explorada. Aqui, uma vez mais,
o conceito de segmelzfarídade - utilizado em sociologia e em
etnologia -- é de grande utilidade, desde que o articulemos ao
conceito, menos utilizado, de fransoersalídade (como resultado da
composição segmentária da maioria das comunidades conheci-
das). Sejam eles singulares -- ligados à diferenciação do processo
de trabalho, às formas de organização produzidas pela divisão
técnica e social do trabalho --, como a maioria, ou universais
pertencimento a um sexo, a uma faixa etária, a uma raça, a uma
nacionalidade, eventualmente a uma religião --, os pertencimen-
tos segmentários vêm romper sem cessar o esquema dicotõmico
excessivamente belo que situaria, de um lado, os exploradores
cooperantes a uma obra comum a serviço do capital -- e, de ou-
tro, os explorados -- cooperantes, também eles, a uma obra co-
mum, desta vez em nome da destruição do capital e do desapa-
recimento da classe exploradora.
Se este esquema tivesse algum caráter operatório (sem negar
que nele esteja depositada uma "verdade"!), teríamos, sob a ru-
brica "sub-realismo", os indivíduos e os grupos sociais que, ob-
jetiva ou subjetivamente, se identificam totalmente com o sis-
tema institucional; e sob a rubrica "surrealismo" encontraríamos,
além do grupo de escritores e artistas que, desde 1924, reivindi-
ca ou recebe esta designação, os indivíduos e os grupos sociais
O INSTITUINTE CONTRA O INSTITUÍDO 59
que rejeitam, objetiva ou subjetivamente, qualquer pertencimen-
to, referência, participação, cooperação, integração etc., ao siste-
ma institucional existente.
Tal hipótese, como se vê, é mais ideológica que sociológica.
As coisas em nada mudariam se, abandonando o domínio da
"estática social" -- que tem sido o nosso até o momento -, abor-
dássemos o da "dinâmica social": seríamos levados a confun-
dir, de um lado, conservadores e sub-realistas; de outro, revolu-
cionários e surrealistas. Porém com isso chegamos ao terceiro
componente do momento da particularidade do conceito de ins-
Hhlirãn
3. Os particulares como agentes de transformação institucional
Por transformação institucional se deve entender um nível de
análise das transformações sociais que, como outros modelos
sociológicos (a análise em termos de sistema de ação, por exem-
plo), sociopolíticos ou económicos, não cobre o conjunto do pro-
cesso real de transformação social. O modelo institucional tanto
fala através de seus limites e necessárias articulações com outros
campos quanto através da pertinência de seu campo próprio.
Na qualidade de agente de transformação, e mesmo que se
leve em conta o papel desempenhado por personalidades deter-
minantes, é sempre como coletivo que o particular se manifesta.
Que não se veja nisso um paradoxo ou um lapso: o momento da
particularidade é o dos indivíduos como pessoas indivisas, mas
igualmente como agregado de pessoas cuja particularidade das
determinações -- por pouco que "cruzemos" efetivamente as res-
postas que dão a uma erzquête -- se resolve na singularidade de
uma situação comum. Não se imagina uma instituição fundada
para o uso de indivíduos isolados, tampouco indivíduos isola-
dos que fundariam "sua" instituição pessoal. Stimer e, na mes-
ma via, um certo anarquismo projetaram em vão essa fantasia
maternal sobre a organização social e sobre o projeto revolucio-
nário: se temos apenas uma mãe biológica com a qual o sexo nos
é interdito, a soma dos interditos e dos possheís - também no do-
60 RENÉ LOURAU O INSTITUINTE CONTRA O INSTITUÍDO 61
mínio das relações sexuais ultrapassa em muito a situação do
incesto "jurídico". Os cacos de vidro que coroam os altos muros
da "vida privada" estão voltados tanto para o interior quanto
para o exterior: a intimidade e a familiaridade com freqüência
acreditam suprimir as influências e coações institucionais, fun-
dando a instituição da vida privada unicamente sobre a afetivi-
dade; na verdade, qualquer que seja o tratamento recebido pelo
laço social que se pretende puro laço libidinal, ele não é insti-
tuição individual, embora o momento da particularidade por-
tador da "negatividade" -- seja indispensável para assegurar,
através da mediação da "unidade negativa" (constituída pelo
momento da singularidade), a frágil universalidade da "unida-
de positiva", imaginária, de toda instituição.'
Portanto, excetuando-se o acfíng-out do alienado ou do des-
viante (logo considerado como alienado); os atos do âmbito da
jurisdição penal ou que põem violentamente em questão o con-
senso estabelecido; as manifestações individuais de criatividade
ou de espetáculo, tanto reprimidas quanto desencorajadas pela
ordem existente, observa-se que toda ação particular que escapa
aos domínios l e 2 estudados nos parágrafos anteriores depende
de um tipo de participação social dinâmica, na qual não é fácil
distinguir o espírito cooperativo do espírito de contestação. Com
efeito, qualquer ação corre o risco de ser percebida como atavismo
inoportuno e perigoso, pois perturba o sistema de ação anterior,
que tendia normalmente para a entropia. Procuremos, no entan-
to, distinguir dois graus na ação dos agentes de transformação
institucional:
a) O espírito de iniciativa acantonado no "bom espírito" de
cooperação, na disciplina "livremente consentida", na participa-
ção integradora, define o dinamismo quanto a "caráter", a "per-
sonalidade", a ''qualidades sociais". Se as manifestações de tal
espírito não desbordam os quadros estabelecidos da "consciên-
cia profissional", do "civismo" e dos "bons costumes", o desejo
de realização mais extrovertido será tolerado e mesmo encoraja-
do (às vezes, recompensado).
b) O espírito de iniciativa não mais acantonado no ef/zos coo-
perativo, porém suspeito de "espírito mau" e freqüentemente
associado a "problemas de caráter"(insatisfação, agitação, inte-
resses sórdidos etc.). Tal é a maneira como é percebida a ação
instituinte ao nível de indivíduos ou de grupos "irresponsáveis"
(evocando pudicamente este último termo o fato de o indivíduo
ou o grupo em questão não ocuparem posição elevada na escala
de poder, ou de não se querer reconhecer seu poder). Decompo-
remos, a seguir, as características da atífzzde instituinte sem
prejulgar características sociológicas originais de um movimen-
to social considerado como instituinte, quaisquer que sejam as
finalidades ou táticas de seus amores:
capacidade, do açor malgrado a alienação de qualquer sa-
ber fragmentário --, de analisar a posição que ocupa na estrutura
social;
-- orientação de tais ferramentas de análise para a prática so-
cial, tendo em vista assegurar uma crítica permanente da impli-
cação institucional e da distância institucional do ator, bem como
dos outros atores presentes ou presentificados em seu campo de
estilo de vida e ("mistério" da articulação entre vida priva-
da e prática social) estado de disponibilidade para as ações cole-
tivas de transformação institucional.
Essas características bastante empíricas não têm por função
resolver, tampouco colocar corretamente de uma vez por todas
a questão fundamental das relações entre sistema de referência
sociológico e sistema de referência psicológico: muitos freudo-
marxistas, marxistas e freudianos revisionistas, sem falar de ten-
tativas mais isoladas, mostraram, quiçá involuntariamente, que
esta questão permanecia o mundo desconhecido das ciências
humanas. Não decidiremos se acabamos de traçar grosseiramente
o retrato do revolucionário "autêntico" ou o do inadaptado aco-
metido de realismo mórbido (ataque de surrealismo). Observe-
mos apenas que se as três características empíricas citadas não
Quanto às relações entre instituição e imaginário, ver os estudos de Cardan nos
últimos números(39-40) da revista Socfalísme ou Barbárie.
62 RENÉ LOURAU o iNSTITuINTE CONTRA o iNSriTUÍOO 63
tendem e ensinam, implícita ou explicitamente. A universalidade
é o momento da ideologia; ela legitima como eterna a "ordem"
estabelecida, nas suas formas mais transitórias e artificiais; a ela
está reservada a função de garantir a distância institucional que
separa qualquer indivíduo das decisões concementes a sua vida
cotidiana. A ideologia, ademais, não é somente a do poder esta-
belecido; também é a que procura exercer o poder. A sociedade
instituinte ameaça a sociedade instituída; porém a sociedade ins-
tituída precisa da sociedade instituinte para progredir, ao passo
que a sociedade instituinte necessita da sociedade instituída para
erguer seu prometo de transformação permanente.
Cabe ao momento da singularidade -- momento da integração
em formas singulares de organização, de gestão, de administra-
ção, de funcionamento -- assegurar a implicação institucional de
cada indivíduo que constitui a sociedade. Neste sentido, a uni-
dade negativa das formas sociais, sempre em equilíbrio instá-
vel, faz da singularidade o momento da regulação: o prometo de
uma autogestão das atividades sociais, que os adversários fre-
qüentemente confundem com o momento da universalidade, e
que os defensores por vezes isolam, irrefletidamente, no momen-
to individualista da particularidade, inscreve-se no momento da
singularidade. De fato, se o pruJeto autogestionário consiste não
em tomar o indivíduo independente dos poderes, mas, ao con-
trário, em fazê-lo mestre dos poderes, ou seja, em socializar cada
vez mais o Estado, a economia, a técnica e outras instâncias que
até hoje funcionavam como destino exterior e inexorável, a auto-
gestão aparece como a encamação da ideologia democrática nas
formas sociais reais, graças à ação instituinte dos indivíduos e
não apenas da ação reguladora do direito. Instaurar a autogestão
nada mais é do que desencadear um processo de democratiza-
ção permanente e generalizada.
Quanto a isso, o momento da particularidade revela o papel
extremamente "positivo" da negatividade em ato em toda práti-
ca social. O que é um ator social? IJm indivíduo que recebe do
céu jurídico um destino antecipadamente traçado, como as li-
nhas da palma da mão, ou um indivíduo que se forma na e pela
estiverem reunidas ou se uma dentre elas esmagar as outras, a
força instituinte dos indivíduos que compõem uma coletividade
estará bastante comprometida.
As características do bom cidadão cooperativo, participante
ativo mas não contestatário (ainda que a tipologia eventual da
participação ofereça uma difícil distinção entre variáveis como
integração, incondicionalídade, conflito, contestação etc.), em
suma, os traços do reformista sensato, conforme pincelados no
item a), supõem, para poder exprimir-se, um equilíbrio social
antigo e universalmente aceito dito de outra forma, uma socie-
dade sem antagonismos de classe. O papel instituinte dos parti-
culares numa sociedade como a nossa implica que toda mudan-
ça comece pelos desviantes, os oufsíders, os atípicos, antes de se
institucionalizar em equilíbrios provisórios:
Quando as transformações sociais se põem em movimen-
to, criam-se os equilíbrios para desacelerar o movimento; eles
se agenciam espontaneamente, utilizando simplesmente as re-
sistências que qualquer movimento suscita em tomo de si no
meio em que se desenvolve: os equilíbrios são, simplesmente,
resistências equilibradas -- declara Hauriou.'
E prossegue, ainda falando de equilíbrios:
Mas se eles exageram, o movimento, por seu fumo, se de-
tém. A sociedade. . . corre risco de cair num torpor próximo
ao dos começos. Com a seguinte diferença: a imobilidade dos
começos era uma espécie de infância plena de promessas e
de virtualidades, ao passo que a imobilidade do fim é uma
velhice.
O caráter transformável e a caducidade das instituições -- sua
obsolescência, para certas formas singulares -- minam a ideolo-
gia universalista que essas próprias instituições encarnam, de-
7 Hauriou, Maurice. Le poítzf de urze de /'ordre e de /'éq í/abre. Privat, 1909.
64 RENA LOURAS
negação de todas as falsas evidências da universalidade, na e
pela síntese de todas as coações arbitrárias ou racionais da sin-
gularidade? Sua "participação" no sistema institucional não é
simples ratificação ou delegação: o fato de que ela seja condi-
cional, conflitual, contestatária, mais próxima da solidariedade
orgânica que da solidariedade mecânica, não deve despertar dú-
vidas. Os imperativos da produtividade, da eficácia, do rendi-
mento etc., são formas ideológicas, universalistas, negadas não
só pelos imperativos singulares da organização como lugar de
socialização, como pelas exigências próprias de cada indivíduo
particular. Como podemos já adivinhar pela generalização do
não", clamado por determinadas camadas da população, o
enfrentamento entre a ilusão universalista da sociedade neo-
capitalista (rendimento, produção desmedida, concorrência ve-
lada mas exacerbada, consumo dirigido) e a reivindicação ins-
tituinte das massas tomará, cada vez mais, o ar de impiedosa
guerra religiosa.
Sociedade instituinte, sociedade instituída: mais que de for-
mações sociais morfologicamente isoláveis e observáveis (clas-
ses ou estratos), trata-se, mais profundamente, de instâncias, de
forças em complementaridade e em luta confusamente --, fora
dos critérios demasiado cómodos de pertencimento objetivo a
um dos dois "campos" que constituiriam a sociedade. A luta so-
cial, o drama social não devem evocar uma batalha de Fontenoy
usada para decorar o prato de sobremesa. Evocam, sobretudo,
uma sombria guerrilha, cheia de emboscadas, fugas e camufla-
gens imprevistas, uma guerrilha onírica da qual estão excluídos
o princípio de identidade e outras garantias aristotélicas, tornan-
do definitivamente irrisórias as antigas estratégias em termos de
programas, de disputas eleitorais ou de "unidade de ação"
Seria "bom demais" se o instituído se confundisse sempre com
o aparelho de coação, com o poder estabelecidodas classes do-
minantes. Seria bom demais se o instituinte se confundisse com
a capacidade de aná]ise e de contestação potencial atribuída a
cada indivíduo ou a uma categoria social de contomos precisos,
carismaticamente encarregada de fazer a história.
O INSTITUINTE CONTRA O INSTITUÍDO 65
Após várias décadas, os revisionismos proclamam a plenos
pulmões que o grande deus Pã - o proletariado está morto;
que o proletariado, com todos os conteúdos que comporta este
conceito cego, não é mais o significante da história, o instituinte
de uma nova sociedade. As ditas ciências sociais e/ou humanas
- encabeçadas pela sociologia -- foram engolidas pela brecha que
o movimento operário, com seus teóricos e seus estrategistas,
deixou aberta. A idéia de revolução envelheceu, o instituinte se
esfuma em favor do instituído que naturalmente se toma o "ob-
jeto" (fantasmático, transicional) das ciências sociais. Até que o
instituinte novamente faça ouvir seus gritos desordenados.
Na diabética do instituinte e do instituído, as ciências sociais e
a teoria política começam, enfim, a encontrar um objeto de co-
nhecimento.

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