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Capítulo Distúrbios da circulação

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6
Distúrbios da Circulação
Konradin Metze
A circulação do sangue e a distribuição de líquidos no orga¬
nismo são feitas pela ação coordenada do coração (bomba propul¬
sora), dos vasos sanguíneos c do sistema linfático. As artérias
conduzem o sangue aos tecidos; na microcirculação ocorrem as
trocas metabólicas; as veias retornamo sangue ao coração, que o
movimenta continuamente; cabe aos vasos linfáticos o papel de
reabsorver o excesso de líquidos filtrado na microcirculação.
A aorta e as artérias elásticas são vasos condutores. Suas
paredes, ricas em fibras elásticas, permitema conversão do fluxo
pulsátil em fluxo contínuo a partir do coração. Nas artérias, as
hemácias e leucócitos caminham no centro, enquanto o plasma
flui próximo da parede. Esse processo pode ser simplificado
no modelo de fluxo laminar em forma de "cilindros" concên¬
tricos semelhantes a umtelescópio; os "cilindros" centrais movi-
mentam-se mais rapidamente, enquanto os periféricos são mais
lentos.
A circulaçãodo sangue exerce três tipos de forças ou pressão
sobre os vasos (Fig. 6.1): (1) compressão radial/distensão (tensão)
causada pela pressão intraluminal; (2) extensão longitudinal,
provocada por hiperextensão do vaso: (3) cisalhamento (shear
stress),que atua tangencialmente na superfície interna do vaso e
tende a "raspar" as células endoteliais. O cisalhamento é direta-
mente proporcional à velocidade do fluxo e inversamente propor-
Fluxo sanquíneo.
r íTensão
Cisalhamento
Imo,Ipgi. Pressão
Intraluminal
Forças longitudinais externas
Fig. 6.1 Forças que atuam sobre os vasos. NO = óxido nítrico; PG1,— prostaglandin I2.
cional ao cubo do diâmetro vascular. Quando essas forças ultra¬
passam a resistência da parede, surgem lesões variadas, como
dilatações ou rupturas vasculares.
Alterações dessas forças provocam remodelação estru¬
tural dos vasos. O cisalhamento modula a função endotelial e
influencia o tônus vascular. Exercício físico aumenta o fluxo
sanguíneo e, consequentemente, o cisalhamento, que por sua
vez estimula a liberação de óxido nítrico (NO) e prostaciclina
(PGL) pelas células endoteliais. ambos capazes de provocar vaso¬
dilatação. Ao longo do tempo, pode haver aumento das enzimas
responsáveis pela produção dos agentes vasodilatadores e remo¬
delação do vaso, com aumento do seu diâmetro.
O fluxo sanguíneo em um território depende da diferença
de pressão entre artéria e veia, do diâmetro e do comprimento do
vaso e da viscosidade sanguínea. O fluxo é diretamente propor¬
cional à pressão e inversamente proporcional à resistência,
conforme a fórmula de Hagen-Poiseuille:
Q =
APm'
8Ln
em que: Q = demanda de sangue em determinado órgão; =AP
diferença dc pressão entre artéria c veia; r = raio do vaso; L =
comprimento do vaso e -q = viscosidade do sangue.
O sangue passa das arteríolas (definidas como artérias com
uma ou duas camadas de musculatura lisa) para os capilares, que
se anastomosam amplamente entre si. Em média, os capilares
têm 1 mm dc extensão. Na microcirculação, o sangue flui lenta¬
mente. com velocidade de cerca de 1mm/segundo.
A regulação do fluxo sanguíneo nos capilares é feita pelas
arteríolas. Nemtodos os capilares estão abertos ao mesmo tempo,
sendo o volume de sangue muito menor do que o espaço vascular
de todos os capilares. Isso significa que a irrigação dos tecidos
ocorre de modo alternado por causa da abertura c fechamento das
arteríolas por períodos curtos nas diferentes partes dos órgãos.
De certo modo, esse fenómeno pode ser entendido dentro da
"teoria do caos".
Especialmente na pele e músculos, a microcirculação é
organizada em unidades funcionais controladas pelo sistema
adrenérgico e por hormônios, além de mecanismos de regu-
laçao autónomos, metabólicos e miogênicos, independentes da
vasomotricidade. In vivo, a microcirculação pode ser observada
diretamente no leito ungueal (microscopia capilar) e na retina
(fundoscopia); em animais de laboratório, é muito estudada em
preparações de mesentério.
98 PATOLOGIA
A microcirculaçãoé a responsável pela oxigenação, nutrição
e remoção dos produtos do catabolismo celular. Os principais
faiores que regulam tais atividades são velocidade do fluxo, capa¬
cidade do sangue de transportar 02 (concentração de hemoglo-
bina-02) e distância entre os capilares e as células.
HIPEREMIA
Consiste no aumento da quantidade de sangue no interior
dos vasos de um órgão ou território orgânico. Hiperemia pode
ser ativa ou passiva, aguda ou crónica.
hiperemiaativa.Consisteem dilatação arteriolar com aumento
do fluxo sanguíneo local. A vasodilatação é de origem simpá¬
tica ou humoral e leva à abertura de capilares "inativos". o que
resulta na coloração rósea intensaou vermelha do local atingido
c aumento da temperatura. Ao microscópio, os capilares encon-
trani-se repletos de hemácias.
Hiperemia ativa pode ser: (1) fisiológica, quando há neces¬
sidadede maior irrigação,como ocorre nos músculos esqueléticos
duranteoexercício, namucosagastrintestinal durante a digestão,na
pele em ambientesquentes (para aumentar a perda de calor) ou na
face frente aemoções; (2) patológica,aqual acompanha inúmeros
processos patológicos, principalmente as inflamações agudas.
hiperemlapassiva. Também conhecida como congestão, de¬
corre da redução da drenagem venosa, que provoca distensão
das veias distais, vcnulas c capilares; por isso mesmo, a região
comprometida adquire coloração vermelho-escura devido à alta
concentração de hemoglobina desoxigenada. Pode ser localizada
(obstrução de uma veia) ou sistémica (insuficiência cardíaca).
Congestãopode ser causada por obstruçãoextrínsecaou intrín¬
seca de uma veia (compressão do vaso, trombose, torção de pedí¬
culo vascular etc.) ou por reduçãodo retorno venoso, como acon¬
tece na insuflcência cardíaca. Na insuficiência cardíaca esquerda
ou noscasosde estenose ou insuficiência mitral,surge congestão
pulmonar; na insuficiência cardíaca direita, há congestão sistémica.
Na congestão aguda, os vasos estão distendidos e o órgão é mais
pesado; na crónica, o órgão pode sofrer hipotrofia e apresentar
microemorragiasantigas. As hiperemias passivasmais importantes
são as dos pulmões, do fígado e do baço.
Nacongestão pulmonar,oscapilares alveolares encontram-
se dilatados e os septos tomam-se alargados por edema intersticial;
a longo prazo, os septos sofrem fibrose e ficam espessados. Por
causa de microrrupturas de capilares, há passagem de hemácias
para os alvéolos e sua fagocitose pelos macrófagos alveolares, os
quais passam a constituir as chamadas "células da insuficiência
cardíaca".
Congestão hepática, aguda ou crónica, é provocada na
maioria das vezes por insuficiência cardíaca congestiva c. menos
comumente, por obstrução das veias hepáticas ou da veia cava
inferior. Na congestão aguda, o fígado encontra-sediscretamente
aumentado de peso e volume e tem cor azul-vinhosa; aocorte, flui
sangue das veias centrolobulares dilatadas. Nacongestão crónica.
o órgão tem cor vermelho-azulada. as regiòes centrolobulares
são deprimidas c ficam circundadas por parênquima hepático
às vezes amarelado, conferindo o aspecto de noz-moscada. Ao
microscópio,os sinusóides são alargados e os hepatócitoscentro¬
lobulares estão hipotróficos pela hipóxia. Emfase avançada, pode
haver necrose e hemorragia centrolobulares c fibrose das veias
centrolobulares e dos sinusóides (fibrose cardíaca).
Congestão do baço aguda é causada sobretudo por insu¬
ficiência cardíaca; o órgão encontra-se pouco aumentado de
volume, cianótico c repleto de sangue. Congestão crónica é
encontrada principalmente nos casos de hipertensão porta
(cirrose hepática, esquistossomose etc.). O baço é aumentado
de volume (às vezes de forma acentuada, podendo pesar até700
g), endurecido por fibrose e com focos de hemorragia recente
ou antiga. A esplenomegalia congestiva pode se acompanhar de
hipcresplenismo. que se caracteriza por anemia, leucopenia e
plaquetopenia. isoladas ou associadas (pancitopenia).A retirada
cirúrgica do baço corrige o hiperesplenismo.
SÍNDROME DE HIPERVISCOSIDADE
Viscosidadeé definida como a resistência intrínseca de um
líquido contra ofluxo. Todos os líquidos, inclusive a água desti¬
lada. possuem viscosidade. Sua base molecular é a fricção interna
entre suas moléculas e partículas. Qualquer aumento dc visco¬
sidade diminui o fluxo.
A viscosidade do sangue resulta da viscosidade do plasma,
dos seus constituintes celulares e da força de cisalhamento. A
viscosidade do plasma depende da concentração e do tipo de
proteínas de alto peso molecular (fibrinogênio, a2-macrogIobu-
linas e imunoglobulinas).A viscosidade do sangue total depende
do hematócrito e dos leucócitos. O "esqueleto" da membrana
das hemácias possui grande deformabilidade.o que permite sua
passagem pelos capilares, cujodiâmetro muitas vezes é menor do
que odiâmetro delas. Nos vasos mais calibrosos. as hemáciassão
transportadas no eixo central circundado por uma "camada" de
plasma, próximo da parede, o que diminui a viscosidade. Fluxo
sanguíneo rápido reduz a viscosidade, provocando dispersão dc
agregados de hemácias e deformando-as cm elipsóides; quandoo
fluxo é lento,o fibrinogênio favorece a agregação das hemácias,
constituindo fator importante para o aumento da viscosidade na
microcirculação. Os leucócitos são menos deformáveis do que
as hemácias; contudo, como seu número é muito inferior ao de
glóbulos vermelhos, em condições normais sua influencia na
viscosidade do sangue é pequena.
A viscosidade sanguínea aumentacom a redução do diâmetro
do vaso; por essa razão,elaé máxima na microcirculação.espe¬
cialmente nas vênulas (nos vasos com diâmetro inferior a 5 fim. a
viscosidade diminui por causa da deformabilidade das hemácias).
Na microcirculação. onde o fluxo é lento, qualquer aumento
da viscosidade édesproporcionalmente maior; por isso mesmo,
alterações da viscosidade repercutem mais na microcirculação
do que nos grandes vasos.
A síndrome de hiperviscosidade é entendida como um
distúrbio da microcirculação caracterizado por aumento da visco¬
sidade sanguínea que resulta em redução do fluxo capilar (hipo-
perfusão) c isquemia de órgãos. Suas causas são muito variadas,
podendo ser resumidas como se segue (Quadro 6.1).
hiperviscosidadeplasmática. Éprovocada pela existência de
proteínas plasmáticas anómalas ou com alto peso molecular (p.
ex., mieloma múltiplo, doença dc Waldenstrom); grande quanti¬
dade de proteínas no sangue aumenta aagregação entre hemácias
e reduz as forças dc dispersão entre cias. Em geral, as manifes¬
tações clínicas aparecem quando a viscosidade é pelo menos
quatro vezes a da água. Muitas vezes, o paciente tem sangra¬
mento devido a lesão capilar causada por hipóxia.microtrombos
ou distúrbio secundário da coagulação. Além de hemorragias,são
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 99
Quadro 6.1 Causas dc hiperviscosidade sanguínea
Alterações do componente plasmático
Hipergamaglobulinemia
Mieloma múltiplo
Macroglobulinemia (doença de Waldenstrom)
Hipergliccmia
Alterações do componente celular
Aumento do hematócrito
Eritrocitose
Em recém-nascidos
Malformação cardíaca com cianose
DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica)
Policitemia vera
Desidratação
Distúrbio da deformabilidade das hemácias
Anemia falciformc
Lcucocilose-leucoslasc
Leucemia mielóide crónica
Leucemias agudas
Fig. 6.2 Extensa úlcera no tornozelo em paciente com anemia falci-
forme.
também frequentes manifestações neurológicas como cefaléia,
parestesias. ataxia, nistagmo, confusãomental ou coma. às vezes
letais.Hiperglicemia também aumentaa viscosidade do sangue;
quando muito elevada, os pacientes apresentam sinais de hiper¬
viscosidade e de possível hiperosmolaridade ou desidratação.
Emdiabéticos de longa evoluçãocom hiperglicemia prolongada
mas não tão alta. hiperviscosidade do sangue é considerada fator
importante no desenvolvimento da retinopatia diabética.
aumento do hematócrito.Produção exagerada de hemácias
(policitemia,poliglobulia) ou desidratação aumentam o hemató¬
crito,a viscosidade do sangue c a resistência vascular periférica.
Com hematócrito elevado, a viscosidade aumenta muito, espe¬
cialmente nas vênulas onde ela já é naturalmente maior devido
à baixa velocidade do sangue. O baixo fluxo aumenta muito o
risco de formação de trombos e infartos.
ALTERAÇÕES DA DEFORMABIIJDADE DAS HEMÁCIAS. A anemia
falciformc (AF) é o exemplo clássico dessa condição. Na AF,
mutação no gene da hemoglobina resulta na síntese de uma
proteínadefeituosa (Hb-S). Nos estados de hipoxiaou de acidose.
a Hb-S se polimerizae se precipita no interior das hemácias, alte¬
rando sua forma (falcização) e aumentando sua rigidez. Hemá¬
cias falciformes formam agregados nos capilares e promovem
adesão anormal às células endoteliais, provocando microoclusõcs
múltiplas.Os pacientes homozigotos paraesse defeito apresentam
infartosem vários órgãos (baço,pulmões,ossos, cérebro) e, muitas
vezes, desenvolvem úlceras na região do tornozelo (Fig. 6.2).
LEUCOCITOSE-LEUCOSTA5E. A rigidez dos leucócitos, normal¬
mente menor do que a das hemácias. aumenta quando eles são
alivados. Nas leucocitoses acentuadas, como se observa nas
leucemias agudas ou crónicas, os leucócitos podem determinar
leucoslase,que significaobstrução da microcirculação por grande
número de leucócitos anómalos. A microcirculação do cérebro,
pulmões c pênis é a mais afetada nessa situação. As manifestações
clínicas principais são sinais/sintomas neuropsiquiáuicos (tontura,
delírio e até coma), distúrbios da visão, insuficiência respiratória
com taquipnéia, dispnéiac cianose c, eventualmente, priapismo.
Quando se consegue reduzir o número dc leucócitos no período
inicialdo processo, tais manifestações desaparecem.
HEMOSTASIA
Hemostasiaé um processo fisiológico envolvido com a fluidez
do sangue e com o controle de sangramento quando ocorre lesão
vascular. Para permitir sua circulação, o sangue precisa manier-
sc cm estado fluido no interior dos vasos; ao mesmo tempo, é
importante que soluções de continuidade na parede vascular sejam
"tamponadas" por uma massa solidificada de sangue, a fim de se
evitar seu extravasamento. Distúrbios da hemostasia, para mais
ou para menos, são muito frequentes na prática e responsáveis
por inúmeras condições patológicas. A hemostasia depende da
ação integradade três componentes fundamentais: parede vascular.
plaquetas e sistema de coagulação.
PAREDE VASCULAR
Os principais componentes da parede vascular com função
hemostática são: (1) endotélio; (2) moléculas que participam da
coagulação e formação do tampão plaquetário — (a) trombo-
plastina (fator tecidual), liberada pelo endotélio quando lesado;
(b) fator de von Willebrand. existente na região subendotelial e
estimulador da adesão plaquctária; (c) colágeno, fibronectina.
trombospondina e laminina,que ativam a via intrínseca dacoagu¬
lação.
O endotélio é indispensável para a manutenção da fluidez
normal do sangue. Células endoteliais têm atividade antitrom-
bótica ou irombolítica por meio daprodução dc diversos fatores:
(1) glicosaminoglicanos, moléculas de carga negativa com ação
semelhante àdaheparina, inibindo,junto com a antitrombina IH,
o processo da coagulação sanguínea; (2) óxido nítrico (NO) e
prostaciclina (PGI2),que impedem a adesão c agregação plaque-
tárias; (3) trombina formada pelo sistema de coagulação se liga à
irombomodulinanasuperfície das células endoteliais; o complexo
formado ativa as proteínas C e S. que têm efeitos anticoagulantes.
Por outro lado, o endotélio íntegro impede: (1) interação das
plaquetas com o fator von Willebrand,o qual provoca agregação
das plaquetas e sua desgranulação; (2) contato do plasma com
colágeno, que ativa acascata dacoagulação; (3) células endote¬
liais produzem ativadorcs do plasminogênio, cuja ação resulta
na formação de plasmina (sistema de fibrinólise).
100 PATOLOGIA
PLAQUETAS
As plaquetas são essenciais para a hemostasia, além de
atuarem na regulação do tônus vascular e na cicatrização. A
carga eletrostáticanegativa na sua superfície impede a adesão das
plaquetas entre si e delas com células endoteliais. Para cumprir
seu papel na hemostasia,as plaquetas sofrem as modificações
descritas adiante (Fig. 6.3).
adesão. Significa a aderência de plaquetas a uma superfície
desprovida de endotélio. sobretudo colágeno subendotelial
quando este é exposto ao sangue; esse fenómeno é mediado
pelo fator von Willebrand.
secreção. Plaquetas ativadas liberam o conteúdo dos seus
grânulos, os quais armazenam poderosos fatores pró-coagu-
lantes: (1) fator plaquetário 4, que possui atividade anti-hepa-
rina; (2) serotonina; (3) ADP, que estimula a secreção e agre¬
gação plaquetárias; (4) tromboxano A2 (TXA,),que é agregador
plaquetário e potente vasoconstritor; (5) Ca ' +.que é essencial na
cascatada coagulação. Quando ocorre liberação dosprodutos dos
®
FoifoíCklocaI.naIrjdoíTicío
«ÿNO. PGi. vWt vWI j [vwra vWI
- Cotâoeno
grânulos, o fator plaquetário 3 (potente co-fator da coagulação)
fica exposto na superfície das plaquetas.
agregação. Iniciada pela liberação de ADP, é o processo em
que as plaquetas aderem umas às outras e formam um agregado.
Entre as plaquetas desgranuladas, fonna-se fibrina filamentosa,
que, juntamente com as próprias plaquetas, constitui o tampão
plaquetário.A agregação plaquetária ocorre constantemente para
reparar pequenos defeitos que ocorrem nos vasos sanguíneos
durante toda a vida. Além de formar esses tampões hemostáticos,
a agregação é também importante na coagulação do sangue, pois
após sua ativação há aumento dos fosfolipídeos comcarga negativa
na superfície plaquetária que aceleram a formação de trombina.
Agregação plaquetária é estimulada por vários fatores, sobretudo
ADP, TXA2 e trombina; NOe PGI2 são inibidores da agregação.
SISTEMA DE COAGULAÇÃO. FIBRINÓI.ISE
A reação fundamental no processode coagulação do sangue
é a transformação do fibrinogênio em fibrina polimerizada (inso¬
lúvel). Esse processo depende de inúmeras reações moleculares
que ocorrem sequencialmente (em cascata) c pode ser iniciado
por dois caminhos: (1) via intrínseca, a partir do contato de
fatores da coagulação com uma superfície (colágeno, plaquetas
etc.); (2) via extrínseca, ativada pela liberação da tromboplastina
(fator tecidual) quando há destruição celular (Fig. 6.4).
A cascata dacoagulação tem alto potencial de amplificação,
o que toma a existência de fatores moduladores um componente
crucial. Apenas para se ter uma idéia do fenómeno, aquantidadede
trombina gerada em 1 ml de plasma é capaz de "coagular" todo o
Cascata de coogulaçáo
ADP sorotonino. TXA,
FICrtVJ
Fbrfna
Fig. 6.3 A. Adesão plaquetária a local de lesão endotelial, através do
fator vonWillebrand (vWf). Fatores liberados pelas plaquetas causam
agregação dc outras plaquetas e promovem vasoconstrição. B.Estímulo
para coagulação sanguínea, por meio de fosfolipídeos, fator tecidual e
contato com colágeno. Células endoteliais não-lcsadas liberam fatores
que as protegemcontra a coagulação (NO,PGI2). C. Génese do trombo
a partir da formação dc umamalha dc fibrina polimerizada, no meio da
qual existem leucócitos, hemácias e plaquetas.
Fig.6.4 Esquema geral da coagulação sanguínea, a partir das vias intrín¬
seca (plasmática) e extrínseca (tecidual).
VIA EXTRÍNSECA VIA INTRÍNSECA
FATO? Vil Cometo com
superfície
alterada
(colágeno efe.)
FAJOfl XI
FATOR Vila
PROTROM
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 101
fibrinogênio docorpohumano! Parase evilar coagulação exagerada
ecatastróficaparao organismo, existem sistemas anticoagulantes
muitoeficazes. Uma vez iniciada a coagulação, os sistemas antico¬
agulantes são também estimulados e assim impedem o crescimento
descontrolado do trombo, ao mesmo tempo em que iniciam sua
dissolução. Os principaiselementos anticoagulantes naturais são:
(1) antitrombina III,que é um poderoso inibidor da trombina. A
antitrombina III liga-se à trombomodulina, forma um complexo
trombina-antitrombina e inativa a trombina. A heparina aumenta
o efeito antitrombótico por catalisar a formação desse complexo.
A antitrombina III também inibe a ação dos fatores XHa, Xla,
IXa,Xa e daplasmina; (2) proteínas C eS,quesão proteínas plas¬
máticas sintetizadas pelo fígado. Ambas inativam os fatores Va e
Villa.A proteínaC é ativadapela trombina e pelocomplexo trom-
bina-trombomodulina; (3) sistema fibrinolítico, também contro¬
lado por ativadorcs e inibidores, que tem como produto final a
formação de plasmina (fibrinolisina), a qual degrada a fibrina
gerada pelo sistema da coagulação sanguínea (Fig. 6.5).
Vista dessa maneira, a hemostasia engloba um conjunto de
fenómenos fisiológicos cuja finalidade é a de estancar um sangra¬
mento, como exemplificado a seguir.
Quando um vaso é rompido, tem-se a seguinte sequência:
(1) período curto de vasoconstrição neurogênica, possivel¬
mente aumentada por fatores hormonais. Em artérias de médio
calibre, as paredes aproximam-se e podem tocar-se; (2) coagu¬
lação sanguíneacm resposta à lesão endotelial, tendo a seguinte
sequência — (a) adesão de plaquetas à superfície lesada do vaso
por meio da ligação ao fator von Willebrand; (b) colágeno suben-
dotelial ativa a via intrínseca da coagulação: (c) células endotc-
liais lesadas liberam tromboplastina, a qual ativaa via extrínseca
da coagulação (a tromboplastina é componente da membrana
do endotélio e não é liberada na circulação, agindo somente
no local da lesão). Ao mesmo tempo, o endotélio lesado deixa
de produzir NO e PGI2, que são anticoagulantes; (d) liberação,
pelas plaquetas,de fatores coagulantes: ADP eTXA, (estimulam
adesão e agregação plaquetária). fator plaquetário 3 (co-fator
na ativação da cascata de coagulação). Com tudo isso, forma-se
um tampão plaquetário temporário que, após polimerização da
fibrina, torna-se permanente (Fig. 6.3).
HEMORRAGIA
Hemorragia ou sangramento é a saída do sangue do espaço
vascular (vasos ou coração) para o compartimento cxtravascular
(cavidades ou interstício) ou para fora do organismo. As hemor¬
ragias podem ser internas ou externas e recebem nomes particu¬
lares segundo sua localização (Quadro 6.2). Sangramento pode
ocorrer com ou sem solução de continuidade do vaso.
hemorragiapor rexe.Éo sangramento que ocorre por ruptura
da parede vascular ou do coração, com saída do sangue em jato.
As principaiscausas são: (1) traumatismos; (2) enfraquecimento
da parede vascular, que pode ocorrer por lesão do próprio vaso
(vasculites, hipertensão arterial crónica com lesão de pequenas
artérias cerebrais) ou nas suas adjacências, comona tuberculose
que atinge a parede de vasos, na destruição de vasos no fundo de
úlcera péptica ou na invasão da parede vascular por neoplasias
malignas; (3) aumento da pressão sanguínea, como o observado
em crises hipertensivas.
hemorragiapor DiAPEDESE. Éa que se manifesta sem grande
solução de continuidade daparede do vaso e naqual as hemácias
saem de capilares ou vênulas individualmente entre as células
endoteliais, com afrouxamento da membrana basal (Fig. 6.6). Por
isso mesmo, quase sempre não se encontram lesões vasculares
à microscopia de luz. Ao exame ultra-estrutural, observam-se
alterações nas células endoteliais e/ou na membrana basal. As
Quadro 6.2 Nomenclatura das hemorragias
Epistaxe hemorragia nas fossas nasais
Equimose sangramento em pequenos focos, maiores
que as petéquias
Hemartrose sangue nas articulações
Hematêmcsc vómito de sangue
Hematoma sangramento circunscrito formando
colcçào volumosa
Hematúria sangue na urina
Hemopericárdio sangue na cavidade pericárdica
Hcmoperitônio sangue na cavidade peritoneal
Hemoptise expectoração dc sangue
Hcmotórax sangue na cavidade pleural
Melena sangue "digerido"eliminado nas fezes
Menorragia menstruação prolongada ou profusa, a
intervalos regulares
Menstruação sangramento uterinocíclico e fisiológico da
mulher
Mctrorragia sangramento uterino irregular entre os
ciclos
Otorragia sangramento pelo conduto auditivo externo
Pctéquia sangramento puntiforme
Púrpura múltiplos pequenos focos de sangramento
Sufusão sangramento plano, difuso c extenso cm
mucosas
FATOR X
FATOR Xa
FATOR Va
PROTEÍNAC
ANTITROMBINA III
PROTROMBINA
FIBRINOGÊNIO FIBRINA
FIBRINA ESTÁVEL
PLASMINAFATOR Xllla
! FIBRINA DEGRADADA !
Fig. 6.5 Sistema da fibrinólise e fatores antitrombótico§.
102 PATOLOGIA
Fig. 6.6 Hemorragia por diapedese. As hemácias saem individualmente
dos vasos entre as células endoteliais.
causas desse tipo de sangramento são múltiplas e estão resu¬
midas no Quadro 6.3.
EVOLUÇÃO
As hemácias extravasadas podem sofrer lise ou ser fago-
citadas por macrófagos.A hemoglobina liberada se transforma
em biliverdina e depois em bilirrubina; o ferro da hemoglo¬
bina transforma-se em hemossiderina e pode ser encontrado no
interior de macrófagos. Tais transformações se acompanham
de alterações na cor da lesão hemorrágica. No primeiro dia.
hematomas na derme ou subcutâneos são vermelhos, mudando
Quadro 6.3 Hemorragia por diapedese
Etiologia Causa tia lesãocapilar Tipo de sangramento
Anóxia Asfixia e aumento da
pressão venosa
Equimoses (manchas de
Tardieu nas serosas)
Embolia
gordurosa
Isquemia do endoiélio Púrpuracerebral
Septicemia
por menin-
gococos
Agressão cndotclial
por endotoxinas
Púrpurafulminam (pele.
síndrome dc
Watcrhouse-
Friedrichsen).
petéquias
Alergia à
penicilina
(reação de
hipersensi¬
bilidade do
tipo 1)
Anticorpos na superfície
endotclial
Púrpura, muitas vezes
associada à púrpura
trombocitopênica
alérgica
para o tom azul-violáceo nos dias seguintes: por volta de uma
semana, são esverdeados, adquirindo cor amarelada em torno
de dez dias, depois do que desaparecem. Histologicamente, nas
fases iniciais encontram-se hemácias íntegras ou não no inters¬
tício; no período tardio, uma hemorragia pode ser constatada
pela presença do pigmento hemossiderina (ver Cap. 5).
Algumas vezes, o sangramento adquire características parti¬
culares. Hemorragia digestiva pode exteriorizar-se pela boca ou
pelo ânus. Nos casos de hemorragia digestiva baixa, o sangue c
eliminadojunto com as fezes sem sofrer transformação e, por isso,
tem cor vermelho-viva. Nas hemorragias digestivas altas, após
contato com o suco gástrico, a hemoglobina se transforma em
hematina,que tem cor negra. O sangue que sai junto com as fezes
é escuro (semelhante à borra de café), e o sangramento é chamado
de melena. Quando osangue permanece por pouco tempo no estô¬
mago (p. ex., ruptura de varizes do esôfago com sangramento
volumoso que provoca vómito), o sangue não é "digerido" e tem
cor vemelha; esse quadro constitui a hematêmese.
CONSEQUÊNCIAS. COMPLICAÇÕES
As consequências das hemorragias são variadas e dependem
da quantidade de sangue perdido, da velocidade da perda e do
local afetado. As principais consequências ou complicações são:
(1) choque hipovolêmico, quando há perda rápida de grande
quantidade de sangue (cerca de 20% do volume de sangue
corporal); (2) anemia. Sangramento crónico e repetido (p. ex.,
úlceragástrica, metrorragias,neoplasias do tubo digestivo) resulta
em perda crónica de ferro, provocando anemia ferropriva; (3)
asfixia, quando há hemorragia pulmonar de certa intensidade
com encharcamento dos alvéolos por sangue (o paciente pode
morrer "sufocado por seu próprio sangue"); (4) lamponamento
cardíaco, queocorreespecialmente após ruptura ventricular, sobre¬
tudo por infarto agudo do miocárdio. No caso. o sangue pode
ocupar todo o espaço pericárdico (cerca de 350-500 ml) e, como
a pressão do sangue extravasado (igual à do ventrículo) é supe¬
rior à pressão venosa dos átrios e das veias cavas e pulmonares.
surgem compressão dessas estruturas e redução do enchimento
diastólico, quedaacentuadado débito cardíaco e choque cardioge¬
nic;(5) hemorragia intracraniana. Sangramento intracraniano de
certo volume pode ser letal por aumentar a pressão intracraniana
e comprometer a função de regiões vitais. Quando na intimidade
da massa encefálica,o sangramento provocadestruição do tecido
nervoso e compressão dos vasos adjacentes, provocandoisquemia.
Hemorragias pequenas em regiões vitais (p. ex.. centro cárdio-
respiratório do tronco encefálico) podem ser fatais (Fig. 6.7).
Hemorragia no espaço subaraenóide pode provocar vasoconstrição
arterial prolongada (por produção de oxiemoglobina) suficiente
para causar infarto do tecido nervoso ou morte do paciente.
DIÁTESE HEMORRÁGICA
Diátese hemorrágica é definida como uma tendência para
sangramento sem causa aparente (hemorragias espontâneas) ou
hemorragia mais intensa ou prolongada após um traumatismo.
Diátese hemorrágica pode dever-se a anormalidades da parede
vascular, das plaquetas c dos sistemas de coagulação ou de fibri-
nólisc (Quadro 6.4).
distúrbios da paredevascular. Pacientes com telangiectasia
hemorrágica hereditária (doença de Osler), afecção de herança
autossômicadominante, apresentam anormalidades das fibras elás¬
ticas e colágenas c persistencia.de anastomoses artério-venosas
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 103
cutiva hemorragia. Em indivíduos idosos, muitas vezes ocorrem
alterações na síntese de elastina e colágeno na pele (elastose
senil), resultando em diminuição das fibras colágcnas nos vasos;
nessas pessoas, traumatismos pequenos provocam púrpuras ou
equimoses. Napúrpura de Henoch-Schõnlein. desencadeada por
antígcnos dc bactérias, toxinas ou medicamentos, há uma reação
alérgicado tipo IIIcom formação de imunocomplexos circulantes;
estes dcpositam-sc naparedede pequenos vasos e atraem granuló-
citos, os quais provocam necrose fíbrinóide de arteríolas que leva
apúrpuras,equimoses, sangramento digestivo ou pulmonar, além
de glomerulopatia. Depósitos de substância amilóide nos vasos
podem causar fragilidade vascular e púrpura.
alterações das plaquetas. Empacientes com trombocitopenia
= plaquetopenia (limite crítico em torno de 30.000/mm') ou
com distúrbios da função plaquetária, formam-se petéquias na
pele, mucosas, retina e órgãos internos. O sangramento causado
por redução do número de plaquetas cessa imediatamente após
compressão locale não volta depois da descompressão. Trombo¬
citopenia pode ser provocada por: (1) produção diminuída, que
pode ser congénita (rara) ou adquirida. Esta decorre de doenças
da medula óssea (ver Cap. 24), como infecções, toxinas, medi¬
camentos, irradiação ou infiltração neoplásica; a causa mais
freqiiente de trombocitopenia são infecções virais; (2) aumento
da destruição. Ocorre em (a) púrpura trombocitopênica idiopá-
tica, em que auto-anticorpos antiplaquetas promovem fagocitose
delas pelo sistema fagocitário mononuclear; (b) hiperesplenismo,
associado a esplenomegalia dc várias causas, principalmente
hipertensão porta. Nesses casos, as plaquetas ficam retidas no
baço. resultando em plaquetopenia. Com a esplenectomia, o
Quadro 6.4 Causas de diátese hemorrágica
Defeitos Mecanismos Manifestações
Alterações vasculares
Doenças congénitas
Doença de Osier (telangiectasia
hereditária hemorrágica)
Defeitos adquiridos
Escorbuto
Púrpura senil
Distúrbios imunitários
Púrpura dc Hcnoch-Schõnlcin
Púrpura disproteinémica
Alterações plaquetárias
Aplasia da medula óssea
Púrpura idiopática
(doença de von Werlhof)
Hiperesplenismo
Choque
Trombocitopatias
Alterações dos futures da coagulação
Hemofilia A
Doença de von Willebrand
Deficiênciade vitamina K ou doenças
do fígado
Aumento da fibrinólise
Traumatismos, cirurgias
Fig. 6.7 Hemorragia no tronco encefálico em paciente com leucemia e
plaquetopenia. Morte súbita por lesão do centro cárdio-rcspiratório.
presentes normalmente apenas na vida fetal; com o passar do
tempo, estas transformam-se em telangiectasia, especialmente
na pele e mucosas. Nesses pacientes, pequenos traumatismos são
suficientes para provocar sangramentos dc intensidade variável.
A vitamina C é co-enzima importante na síntese do colágeno. Na
sua deficiência (escorbuto),o colágeno édefeituoso, sobretudo nas
membranas basais,oqueresulta em fragilidade das veias e conse-
Telangiectasias múltiplas Epistaxe. sangramento por rexe na pele e mucosas
Defeito na membrana basal dos vasos
Defeito na síntese do colágeno e elastina
em idosos
Petéquias ou sangramento por rexe
Púrpura ou equimoses
Reação alérgica do tipo III. com depósito de
imunocomplexos na parede dos vasos
Fragilidade vascularpor depósitos dc
amilóide
Púrpura e equimoses na pele, sangramento
digestivo, hematúria
Púrpura
Redução da produção de plaquetas
Auto-anticorpos contra plaquetas
Petéquias, epistaxe, sangramento gengival, menorragia
Idem
Retenção dc plaquetas no baço
Consumo de plaquetas nos microironta
Defeito de agregação plaquetária
Idem
Idem
Idem
Diminuição da alividadc do fator VIII
Diminuição do fator von Willebrand e da
atividade do fator VIII
Reduçãoda síntese dos fatorcs II,VII,
IXeX
Equimoses, hematomas espontâneos em tecidos
moles c articulações
Epistaxe
Idem
Liberação do ativador
tecidual do plasminogcnio
Epistaxe
104 PATOLOGIA
número de plaquetas retorna ao normal; (3) aumento do consumo,
encontrado caracteristicamente nos casos de coagulação intra¬
vascular disseminada. Alterações funcionais de plaquetas (trom-
boeitopatia, trombastenia) decorrem de modificações quantita¬
tivas ou qualitativas de seus componentes. Na trombastenia de
Glanzmann. há redução da agregação plaquetária por causa da
baixa concentração deADP nos grânulos densos ou de distúrbio
na sua liberação. O consumo de ácido acclilsalicílico (aspirina)
provoca alterações semelhantes nas plaquetas. Na uremia ou
paraproteinemia, pode haver trombocitopatia.
fatores da coagulação. Defeitos congénitos ou adquiridos
110 sistema plasmático da coagulação resultam em hemorra¬
gias profundas, como no subcutâneo ou na musculatura. Nesses
casos, o sangramento responde lentamente à compressão e volta
após descompressão. Entre os defeitos congénitos, têm-sc: (1)
hemofiliaA. decorrente da diminuição da atividadedo fatorVIII
(redução do fator ou anomalia da molécula). O tempo de sangra¬
mento não se altera, porque a hemostasia inicial (que depende
de plaquetas e endotélio) permanece normal.Os pacientes apre¬
sentam equimoses c hematomas espontâneos em tecidos moles
(musculatura) e articulações (hemorragia em articulações sem
traumatismo é característica de hemofiliaA). Pode haver ainda
epistaxe. hematômese e melena, mas nãopetéquias; (2) doença de
vonWillebrand, devida a defeito na síntese desse fator. A doença
é relativamente comum, afetando cerca de I% da população.
Clinicamente,caracteriza-se por sangramento anormal após trau¬
matismos. O número de plaquetase o tempo de protrombina são
normais. Como os fatores II,VII. IX e X são sintetizados pelo
fígado na presença de vitamina K. transtornos adquiridos do
sistema de coagulação ocorrem na deficiência dessa vitamina ou
nos casos de doença hepática grave (cirrose, hepatites etc.).
aumento da fibrinólise. Aumento congénito dos ativadores
ou diminuição dos inibidores (p. ex., inibidores da a-plasmina)
da fibrinóiisc levam a sangramento após lesões vasculares muito
discretas que. em pessoas normais, não resultam em hemorragia.
Alterações adquiridas da fibrinólise não são raras.Traumatismos.
cirurgias, choque, hipertermia e choque elétrico podem provocar
liberação de tPA (ativador tecidual do plasminogênio) a partir de
células endoteliais. Algumas neoplasias malignas (p. ex.. prós¬
tata) produzem tPA ou substâncias semelhantes, o que resultacm
fibrinólise acentuada. Como a próstata normal também é rica em
ativadores do plasminogênio, muitas vezes há fibrinólise exces¬
siva após cirurgias prostáticas.
TROMBOSE
Trombose é o processo patológico caracterizado pela soli¬
dificação do sangue dentro dos vasos ou do coração, no indi¬
víduo vivo. Trombo é a massa sólida formada pela coagulação
do sangue. Coágulo, por outro lado. significa massa não-estrutu-
rada de sangue fora dos vasos ou do coração (p.ex.. sangramento
dentro da cavidade peritoneal) ou formada por coagulaçãoapós a
morte (com a parada da circulação,o sangue tende a se coagular
no interior do coração e dos vasos).
Trombos venosos podem ser diferenciados dos arteriais. Os
trombos venosos são compostos primariamente por hemácias presas
em umarede de fibrina. além de algumas plaquetas, e se formam em
áreas de estase após ativaçãodo sistema de coagulação. Os trombos
arteriais contêm principalmente plaquetas, possuem relativamente
pouca fibrina e se forniam em locais com lesão da parede vascular
na presença de fluxo sanguíneo de alia velocidade.
ETIOPATOGÊNESE
Trombose resulta da ativação patológica do processo normal
dacoagulação sanguínea, que pode ocorrer quando existe; ( 1 ) lesão
endotelial. fator que sozinhopode iniciar a trombose; (2) alteração
do fluxo sanguíneo; (3) hipercoagulabilidade do sangue.
lesãoendotelial.Comojá comentado, a integridade do revesti¬
mento vascular pelas células endoteliais é essencial para a manu¬
tenção da Fluidez do sangue, razão pelaqual lesões estruturais ou
funcionais do endotélio se associam muitas vezes à formação de
trombos. Lesão ou perda endotelial ocorre em inúmeras circuns¬
tâncias, especialmente sobre placas ateromatosas, por agressão
diretade bactérias ou fungos, pela presença de leucócitos alivados
em inflamações agudas, por traumatismos e por invasão vascular
por neoplasias malignas. A perda do revestimento endotelial
permite contato dircto do sangue com o conjuntivo subendote-
lial (ativação da via intrínseca),adesão e agregaçãoplaquetárias
e redução dos fatores anticoagulantes. Outras vezes, não existe
uma lesão morfológica do endotélio, apenas sua disfunção,como
ocorre no tabagismo e na hipercolesterolemia (Quadro 6.5). Em
todos esses casos, há redução da síntese de substâncias antico¬
agulantes e alteração da superfície celular, facilitando a adesão
plaquetária.
alterações do fluxo sanguíneo. Duas situações favorecem a
trombose: (1) retardamento do fluxo. Redução da velocidade do
sangue é fator importante na génese de trombos venosos. Insu¬
ficiência cardíaca, dilatação vascular, aumento do hematócrito.
aumento da viscosidade do sangue ou redução da contração
(bomba) muscular (especialmente em pacientes acamados) dimi¬
nuem a velocidade sanguínea, favorecem a agregação de hemá¬
cias e plaquetas e são causa importante de trombose venosa. Na
síndrome de hiperviscosidade, existem aumento da resistência
do fluxo e estase sanguínea nos pequenos vasos. O baixo fluxo
sanguíneo causa hipoxia endotelial, agravando o quadro. Além
disso, retardamento do sangue aumenta a permanência dos fatores
de coagulação ativados no local. Por tudo isso, a mobilização
precoce de pacientes acamados é muitoimportante na prevenção
da trombose venosa profunda após cirurgias. Redução da velo¬
cidade do sangue no interior do coração (insuficiência cardíaca.
fibrilação atrial etc.) 6 também fator importante na genese de
trombos intracardíacos; (2) aceleração do fluxo e turbulência.
Aumento da velocidade do sangue modifica o fluxo laminar,
permitindo o contato das plaquetas com a superfície interna dos
vasos. Turbulência do fluxo lesa o endotélio. permite o contato
das plaquetas com a parede vascular e diminui a velocidade do
sangue (Fig. 6.8). Turbulência é encontrada sobretudo em aneu¬
rismas, mas ocorre também em bifurcações ou na emergência de
ramos arteriais, locais em que a direção do fluxo se modifica e a
força de cisalhamento pode descolar células endoteliais (Fig. 6.9).
Defeitos cardíacos congénitos em que há comunicações anómalas
Quadro 6.5 Causas de disfunção endotelial
Placa atcromaiosa
Hipertensão arterial
Hipercolesterolemia
Diabetemelito
Tabagismo
Infecções agudas (endotoxemia)
Inflamações generalizada»
Reperfusão
Pré-eclampsia
Inibidores da síntese do óxido nítrico
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 105
Fig.6.8 Á esquerda, fluxo laminar com elementos celulares (inclusive plaquetas) no eixo central do vaso; na região marginal flui predominan¬
temente o plasma. Turbulência de fluxo lesa o endotélio c aumenta o contato das plaquetas com a parede.
rente na trombose venosa c na arterial. Os mais importantes para
a trombose venosa estão listados no Quadro 6.6.
Entre as alterações congénitas, a mais importante é uma
mutação pontual na molécula do fator V (denominada fator V
Leiden, nome da cidade onde foi detectada pela primeira vez).
O fator V Leiden é resistente à inativação pela proteína C. Nos
indivíduoscom essa mutação, o risco de desenvolver trombose
venosa é muito alto (Quadro 6.6). O defeito é relativamente
comum, ocorrendo em cerca de 2% dos brasileiros. Em pacientes
com trombose, o fator V Lcidené encontradoemcerca 20% dos
casos. Recentemente, foram descritas outras alterações genéticas
relativamente comuns que predispõem à trombose venosa: (a)
protrombina G20210A, que representa a segunda causa mais
frequente de trombofllia hereditária; (b) uma variante da meti-
leno-tetraidrofolato redutase (MTHFR), que provoca aumento
da homocisteína (Quadro 6.6). Deficiência de anticoagulantes
naturais (proteína C, proteína S, antitrombina III) ou do sistema
fibrinolítico são menos frequentes e favorecem trombose venosa.
Indivíduos com aumento congénito da homocisteína (homocis-
teinemia) apresentam maior risco de trombose arterial e venosa.
A génese de trombos arteriais difere da venosa, é mais complexa
e depende de vários fatores. envolvendo sistemade coagulação.
inflamação e ambiente. Fatores genéticos preditivos para o risco
de trombose arterial são ainda pouco conhecidos.
Em muitas alterações adquiridas pode haver aumento
da coagulabilidade do sangue. Liberação de tromboplastina
no plasma, que ativa a via extrínseca da coagulação, acontece
frequentemente em politraumatismos, queimaduras, cirurgias
extensas, circulação extracorpórea, neoplasias malignas,desco¬
lamento prematuro da placenta e feto morto retido. Associação
de trombose e câncer é frequente e importante. A síndrome de
Trousseau consiste na existência de trombos venosos múltiplos,
em diferentes locais e tempos, em pacientes cancerosos, espe¬
cialmente aqueles com tumores do sistema digestivo. Durante a
reação de fase aguda (ver Cap. 3), pode haver aumento da fibri-
nólise e hipercoagulabilidadc.Outra condição importante é ouso
de anticoncepcionais orais contendo estrógenos, que se associa
a aumento de protrombina e fibrinogenio e apresenta maior
tendência à formação de trombos. Por motivo semelhante, o risco
de trombose aumenta no final da gestação. 0 tabagismo poten¬
cializa o risco de trombose coronariana ou venosa em mulheres
em uso de anticoncepcionais orais. Auto-anticorpos dirigidos
contra fosfolipídeos plaquetários (cardiolipina) aumentam o risco
de trombose arterial ou venosa, possivelmente por favorecer a
entre átrios ou entre ventrículos se associam a fluxo cm jato ou
turbulento, o que causa lesão endocárdica e trombose parietal.
HIPERCOAGULABUJDADE. Pode ser provocadapor:(1) aumento do
número (trombocitosc) ou modificações funcionais das plaquetas,
como variações dos receptores da superfície plaquetária; (2) alte¬
rações dos fatores pró- ou anticoagulantes, que podem ser congé¬
nitas ou adquiridas. A importância de um componente genético
na patogênese da trombose tem sido reconhecida cada vez mais
nos últimos anos. No entanto, fatores genéticos têm papel dife-
Fig. 6.9 Turbulência em locais de dilatação vascular, como em aneu¬
rismas (A), em ramificações dos vasos ou em locais de mudança de
direção do fluxo (B).
106 PATOLOGIA
Quadro 6.6 Defeitos genéticos associados à trombose venosa*
Frequência nos pacientes Aumento do risco de
Proteína alterada com trombose venosa Frequência na população em geral tromboembolismo
Aniitrombina III
ProteínaC
Proteína S
Fator V Leiden
Protrombina G20210A
Variante MTHFR C677T
1%
2-5%
1-3%
20%
20% (hc)
15-20%
0.02-0.04%
0.2-0.5%
0,1-1.0%
2-3% (hc)
2-3% (he)
5-15% (ho)
20-50 vezes
7-10 vezes
2 vezes
3-7 vezes (he)
50-100 vezes (ho)
2-5 vezes (he)
2-3 vezes (ho)
hc - heierozigoto; ho homú/Jgoto; MTHFR 1 • mctaleno-ictraidrofolato reduta*e.
#ScgiuxJo Fcdenci c cols.. 2006.
agregação plaquctária. Na maioria das vezes, tais auto-anticorpos
são encontrados em pacientes com lúpus eritematoso.
Trombose venosa profunda é complicação comum em
pacientes acamados, principalmente apóscirurgias.Além da libe¬
ração de tromboplastina por traumatismos prévios e pelo próprio
atocirúrgico, redução do fluxo venoso pela imobilização favorece
trombose nas veias profundas dos membros inferiores e pélvicas,
acomentcndo 10-15% dos pacientes submetidos a cirurgias de
maior porte,30% dos internados em unidades de terapia intensiva
e 40-60% dos indivíduos após cirurgia por fraturas da pelve.
Quadro 6.7 Sedes de trombose
Trombos cardíacos
Vegetações valvarcs
Endocardite infecciosa
Endocardites não-infecciosas: vegetações em pacientes com lúpus
eritematoso. câncer, doenças debilitantes ou
síndrome de hipercoagulabilidade
Átrio esquerdo: estenose mitral (especialmente com dilatação
atrial), fibrilação
Ventrículo esquerdo: infarto do miocárdio, miocardites, dilatação
ventricular, aneurisma
Trombos arteriais
Aorta: ulceração sobre placas ateromatosas, aneurismas
Artérias periféricas: ulceração ein ateromas, arterites, aneurismas
Trombos venasos
Veias superficiais dos membros inferiores (raramente embolizam)
Veias profundas dos membros inferiores e pelve (panturrilha.
poplítea, femorais c ilíacas) — responsáveis por cerca de 95% das
tromboembolias pulmonares
Veias pcriprostáticas, periovarianas ou periuterinas (raramente
embolizam)
ativação plaquetária menos importante), quase sempre eles
são vermelho-azulados por serem formados predominante¬
mente por hemácias e fibrina, muito semelhantes ao sangue
coagulado em um tubo de ensaio. Nas artérias, os trombos
são formados principalmente por plaquetas e fibrina e, por
isso, são brancos. Trombos mistos, contendo componentes
brancos e vermelhos, são os mais comuns.Trombos hialinos,
constituídos essencialmente por fibrina, são encontrados
sobretudo em arteríolas e vênulas.
Os trombos são sempre aderidos à parede onde se
formam e possuem cabeça, corpo e cauda (Fig. 6.10). Além
disso, são secos, opacos e friáveis (fragmentam-se com certa
facilidade); já os coágulos sào brilhantes, úmidos, elásticos e
não-aderidos à parede.
EVOLUÇÃO. CONSEQUÊNCIAS
Logo depois da formação de um trombo, ocorre ativação
do sistema de íibrinólise c iniciam-sc reações locais relacio¬
nadas com a organização do mesmo. A interação desses três
elementos (formação, lise e organização) determina a evolução
e consequências da trombose. As principais modalidades evolu¬
tivas estão descritas a seguir.
crescimento. Se o processo de coagulação predomina sobre a
trombólise, ocorre aumento do trombo a partir da cabeça ou da
cauda (Fig. 6.11), ou mesmo oclusão da luz. Obstrução vascular
é a principal consequência dos trombos (Fig. 6.12).
Fig. 6.10 Aspecto macroscópico de um trombo, com cabeça, corpo c
cauda.
ASPECTOS MORFOLÓGICOS. Trombos podem se formar
em qualquer local do sistema cardiovascular (Quadro 6.7).
Nas cavidades cardíacas e na aorta, em geral são não-oclu-
sivos (trombos murais) por causa do grande calibre e do fluxo
rápido; em artérias menores e nas veias, podem obstruir
completamente a luz (trombos oclusivos).
No coração e nas artérias, os trombos formam massas
cinza-avermelhadas, compostas por áreas pálidas de fibrina e
plaquetas alternadas com regiões escuras contendo hemácias
(linhas deZahn). Esse aspectose deve àdeposição rítmica dos
componentes celulares seguindo a pulsação do sangue, seme¬
lhante à formação das ondulações de areia em uma praia.
Como os trombos venosos se formam geralmente por
estase (que ativa os fatores da coagulação, mas sendo a
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 107
Fig.6.11Crescimento do trombo a partir da cabeça ou da cauda. Fig. 6.13 Lise parcial do trombo, permitindo reperfusão.
-'V
L'y • * K
Fig.6.12 Trombo parietal oclusivo sobre placas ateromatosas na aorta
abdominal c nas artérias ilíacas. Trombose oclusiva em grandes vasos
é pouco frequente.
tivo bem vascularizado. Nesse momento, o trombo pode evoluir
de dois modos: (1) incorporação à parede do vaso ou do coração;
(2) recanalização. Neste último caso, os capilares neoformados
crescem e anastomosam-se amplamente (Fig. 6.14), ao mesmo
tempo que os fibroblasts desaparecem gradativamente. Quando
esse processo é eficiente, os vasos formam canais no interior do
trombo e permitem orestabelecimento parcial do fluxo; algumas
vezes, restam na luz vascular apenas algumas traves fibrosas que
indicam trombose prévia quase completamente recanalizada.
calcificação.Além de sofrer conjuntivização, o trombo pode
se calcificar, formando um flebólito, que pode ser facilmente
reconhecido cm uma radiografia.
lise.Quando o sistema fibrinolítico é muito ativo, pode ocorrer
dissolução total ou parcial do trombo, inclusive com restabele¬
cimento de integridade vascular. Trombos recentes ainda sem
fibrina estabilizada pelo fator XIII são especialmente suscetíveis
à lise (Fig. 6. 13).A lise de trombos é estimulada por substâncias
trombolíticas (p. ex., estreptoquinase).
organização.Nos casos deequilíbrioentrecoagulaçãoe fibrinó-
lise, nas margens do trombo neoformação e lise são simultâneas, de
modo que seu volume permanece constante. A partir do segundo
dia de formação do trombo, já se inicia a reendotelização de sua
superfície. Como a região central do trombo não recebe irrigação
adequada, com frequência ela sofre necrose. 0organismo reage por
meio de fagocitose dos restos de fibrina e das hemácias e prolife¬
ração de fibroblastos e células endoteliais, formando umtecido de
granulação semelhante ao encontradoemqualquer processode cica¬
trização; com isso,o trombo étransformado em umtecido conjun-
Fig. 6.14A. Proliferação dc fibroblastos no trombo a partir da parede
vascular. B.Capilares neoformados criam uma rede vascular dentro do
trombo, permitindo passagem de sangue.
108 PATOLOGIA
Alivação òo sistema de coagulação
Fig. 6.15 Fragmentação do trombo e origem de êmbolos.
infecção. Quando há septicemia ou vasculite infecciosa, os
trombos podem ser colonizados por bactérias ou fungos.
embolizaçAo.Como são estruturas friáveis, os trombos podem se
destacar ou se fragmentar, formando êmbolos (Fig. 6. 15). O risco
de formação de êmbolos diminui com a organização do trombo.
COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR
DISSEMINADA
A coagulação intravascular disseminada (C1VD) consiste
na coagulação do sangue em grande número de pequenos vasos,
levando à formação de centenas ou milhares de microtrombos.
Emconsequência do consumo rápido de fatores da coagulação,
dc plaquetas e dc fíbrina que ocorre nessa situação (coagulopatia
de consumo), os pacientes apresentam sangramento profuso em
diversos locais.
A CIVD pode ser desencadeada por inúmeros processos pato¬
lógicos (Quadro 6.8). Na maioria das vezes, o evento iniciador é a
liberação de grande quantidade de tromboplastina (fator tecidual)
na circulação ou lesão endotelial extensa. Em grandes trauma¬
tismos, por exemplo, é provocada peladestruiçãode muitas células
endoteliais e penetração de tromboplastina na circulação.
A CIVD é um processo dinâmico (Fig. 6.16). Na primeira
fase, o sistema de coagulação é ativado, porém sem formar grande
quantidade de trombina. Na fase seguinte, a trombina é gerada
em abundância, o que promove a polimerização do fibrinogênio
em fíbrina. No início de sua formação, a fíbrina é solúvel, mas,
Quadro 6.8 Fatores predisponentes da coagulação
intravascular disseminada
Agentes infecciosos
Septicemia
Malária por R falciparum
Complicações obstétricas
Embolia de líquido amniótico
Descolamento prematuro da placenta
Morte fetal
Choque
Destruição tecidual
Traumatismo extenso
Queimaduras
Desidratação
Neoplasias malignas
Carcinomas disseminados, sobretudo mucossecretores
Leucemias (especialmente a promiclocítica aguda)
Toxinas
Veneno dc serpentes
Trombina em grande quantidade
Fibrinólis©
HDrinoiise
Precipitados do fibrina
nd microcirculação
Microtrombos na
microcirculação
Consumo de
plaquetas e
fatores da
coagulação
9
r Leso.ode
reoerlusao
Dtátese
Hemorrágica
Fig. 6.16 Fisiopatologia da coagulação intravascular disseminada.
quando atinge certa concentração, ela se polimeriza e forma
microprecipitados que ainda podem ser Usados. Numa terceira
fase, a atividade fíbrinolítica está esgotada e os múltiplos micro¬
trombos causam obstáculo namicrocirculação,provocando lesões
das células e tecidos, inclusive microinfartos. Por outro lado,
a rede de fibrina pode lesar hemácias em movimento e, assim,
resultar em anemia hemolítica (microangiopática). A fibrinólise
que acompanha aCIVD,por sua vez, pode iniciar a reperfusão nas
áreas inicialmente excluídas da circulação e, com isso, provocar
lesões por reperfusão (ver Efeitos da reperfusão, Cap. 3).
Os microtrombos são formados quase exclusivamente por
plaquetas e fibrina (trombos hialinos) e são encontrados sobretudo
nos rins. pulmões,coração, encéfalo, intestinos,glândulas endó¬
crinas, pâncreas e pele. A dissolução dos trombos pelo sistema
fibrinolítico pode ser rápida e extensa, razão pela qual muitas
vezes eles não são observados à autópsia, o que explica a discor¬
dância da frequência de CIVD entre clínicos e patologistas.
As manifestações clínicas variam dc acordo com a gravidade
do caso (número e distribuição dos trombos) e os órgãos mais
comprometidos. Além de manifestações neurológicas variadas
(inclusive coma), insuficiência renal e distúrbios respiratórios,
o que mais chama a atenção é a diátese hemorrágica: sangra¬
mentos múltiplos sobretudo no tubo digestivo, sistema nervoso
e locais de punção venosa. A taxa de mortalidade varia com a
doença causadora da CIVD; em pacientes com choque séptico,
pode chegar a 90%.
EMBOLIA
Emboliaconsiste na existência de umcorpo sólido, líquido
ou gasoso (êmbolo) transportado pelo sangue e capaz de obstruir
um vaso; a obstrução ocorre geralmente após uma ramificação,
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 109
quando o diâmetro vascular fica menor do que o do êmbolo.
Em mais de 90% dos casos, os êmbolos se originam de trombos
(tromboembolia); menos comumente, são formados por frag¬
mentos de placas ateromatosas. vesículas lipídicas ou bolhas de
gases. Êmbolos originadosde trombos venosos (exceto no sistema
porta) são levados aos pulmões; trombos arteriais (coração ou
grandes artérias) dão êmbolos que se dirigem àgrande circulação
e se alojam principalmente no cérebro, intestinos, rins, baço e
membros inferiores.
TROMBOEMBOLIA PULMONAR
Na imensa maioria dos casos, origina-se de trombos
formados nas veias íleo-femorais profundas ou veias profundas
da panturrilha (Fig. 6.17),especialmente em indivíduos acamados
após cirurgias ou fraturas; menos frequentemente, os trombos
se originam nas veias dos plexos pélvicos ou no átrio ou ventrí¬
culo direitos.As consequências da embolia pulmonar dependem
sobretudo do tamanho e do numero dos êmbolos (Fig. 6. 18).
êmbolos grandes. Êmbolos volumosos (5% dos casos de
embolia pulmonar) que obstruem o tronco da artéria pulmonar
causam bloqueio mecânico do leito arterial (Fig. 6.19), agra¬
vado por vasoconstrição reflexa (provocada pelo menos em parte
pelo TXA2 liberado pelos tromboêmbolos), o que cria redução
anatómica e funcional do leito vascular pulmonar (Fig. 6.20).
Com isso, a pressão pulmonar aumenta abruptamente, causando
sobrecarga aguda no ventrículo direito (cor pulmonale agudo).
Também por causa do bloqueio arterial, hâ redução acentuada
do sangue que chega ao átrio esquerdo, podendo resultar cm
choque. Clinicamente, o paciente apresenta dispneia, tosse, dor
torácica e hipotensão arterial. Quando mais de 60% do leito arte¬
rial pulmonar são ocluídos, o tromboembolismo é letal, sendo
que a maioria dos pacientes falece nos primeiros 30 minutos
Fig. 6.17 Resto de trombo aderido a valva da veia femoral dc paciente
que faleceu por embolia pulmonar.
Fig. 6.18 Tromboembolia pulmonar. A. Embolia maciça causando
obstrução do fluxo sanguíneo pulmonar e sobrecarga ventricular direita
(cor pulmonale agudo). B.Tromboembolia em ramo de médio calibre
cm paciente com insuficiênciacardíaca causando infarto pulmonar. C.
Múltiplos pequenos êmbolos provocando hipertensão pulmonar.
após tromboembolia maciça. Esse quadro ocorre tipicamente no
pós-operatório: quando o paciente sai do leito pela primeira vez,
os trombos são desalojados das veias dos membros inferiores e
são levados aos pulmões.
êmbolos de médio volume.Em indivíduos previamente saudá¬
veis, êmbolos que se alojam nos ramos pulmonares de médio
calibre podem ser assintomáticos, pois a irrigação pelas artérias
brônquicas é capaz de evitar a necrose no território que sofreu
obstrução da artéria pulmonar. Em pacientes com insuficiência
cardíaca, aocontrário, a pressão nas artérias brônquicas não é sufi¬
ciente paia superar o aumento da pressão nas veias pulmonares
e, assim, o fluxo sanguíneo se torna lento e incapaz de manter o
parênquima vivo. A necrose que se instala é hemorrágica porque
ainda existe um fluxo mínimo de sangue. A região de necrose
tem forma triangular, com base voltada para a pleura. O paciente
Fig.6.19 Trombocmbolo ocluindo o tronco da artéria pulmonar (selas)
e seus dois ramos.
110 PATOLOGIA
r Trornlx>érníx)lò w?'*os emdrléftâ putmona- ccillbicsa
LtoGfOÇÒo de TXA,,
ADfi serotonina. PAF
Vasoconstrição no t Kipóxia. Oclusão mecânica do
leitovascular acldose leitovascular pulmonar
LAumento da resistência no
leitovascular pulmonar
J
ÿ
Diminuiçãodo tiuxo
sanguíneo nos vasos
Aumento da
pós-carga do
ventrículo direito Diminuição do débito do
ventrículo esquerdo
r
Insuficiência
ccxonariana
Queda da pressão
arterial sistémica
/ I
"1 1
Falência do
ventrículo direito
<ÿ> Choque
Fig.6.20 Fisiopatologia da tromboembolia pulmonar maciça.
apresenta fraqueza temporária, dispnéia, arritmias, dor pleural e
hemoptise; aos Rx, aparecem sinais de derrame pleural.
êmbolos de pequenovolume. Êmbolos pequenos mas múlti¬
plos, repetidos e disseminados podem ocluir a circulação
pulmonar. Oclusão de mais de 30% do leito pulmonar causa
hipertensão pulmonar e cor pulmonale.
Tromboembolia pulmonar constitui complicação comum dc
vários processos patológicos e é a doença pulmonar letal mais
frequente em indivíduos internados em um hospital geral. Em
cerca de 15% dos indivíduos autopsiados, encontram-se êmbolos
pulmonares, muitos deles responsáveis pelo óbito. Clinicamente,
seu diagnóstico nem sempre c fácil, sendo sua real frequência
subestimada. Em umestudo recente, somente em cerca de 30%
dos pacientes autopsiados com tromboembolismo letal o diag¬
nóstico foi feito antes do óbito!
O destino dos êmbolos pulmonares é variado. Êmbolos
pequenos podem ser lisados, organizados ou recanalizados.
Quando a recanalização é incompleta, podem ficar na luz das
artérias pulmonares cordões fibrosos semelhantes acordas de um
instrumento. Eventualmente, pode surgir hipertensão pulmonar
crónica por causa de obstrução permanente das artérias.
Emcerca de 10-15% da população, a membrana do forame
oval não se funde anatomicamente ao septo interatrial. Como a
pressão no átrio esquerdo normalmente é maior do que ado átrio
direito,a membrana fica pressionada contra o septo, fechando-o
completamente. Emcaso de hipertensão pulmonar por qualquer
motivo,a pressão no átrio direito aumentae pode haver passagem
de sangue para o átrio esquerdo. Nessa situação, umêmbolo no
átrio direito pode passar àcirculação arterial sistémica, condição
essa conhecida como embolia paradoxal.
TROMBOEMBOLIA ARTERIAL
Na maioria dos casos, os êmbolos se originam de trombos
formados nocoração (infartodo miocárdio, fibrilação atrial, doença
de Chagas, dilatação do VE por insuficiênciacardíaca, aneurismas
do ventrículo esquerdo, lesão de valvascardíacas) ou naaorta, sobre¬
tudo em aneurismas ou sobre placas ateromatosas (Fig. 6.21),
As principais sedes de obstrução vascular na embolia arterial
são: (1) encéfalo, gerando acidente vascular cerebral isquêmico;
(2) artérias mesentéricas, podendo provocar infarto intestinal,
muitas vezes fatal; (3) baço ou rins, resultando eminfartos geral¬
mente desprovidos de consequências sérias para o paciente; (4)
membros inferiores, provocando isquemia e dor; se a obstrução
não é desfeita, surge necrose nas extremidades, podendo compro¬
meter grande parte do membro afetado.
EMBOLIA DE LÍQUIDO AMNIÓTICO
Éa entrada de líquido amniótico nacirculação materna antes
ou durante o parto.Trata-se de complicação séria, que ocorre em
cerca de 1em cada 50.000 partos. Nesses casos, parece ocorrer
ruptura das membranas da placenta que se estendem até as veias
do útero, permitindo a entrada de líquido amniótico na circu¬
lação. O líquido amniótico contém prostaglandina F, (PGF2) e
componentes fetais (células descamadas da pele,mucina do tubo
digestivo e, às vezes, mecônio) e possui grande atividade pró-coa-
gulante. Por isso mesmo, com frequência instala-se coagulação
intravascular disseminada (CIVD). Supõe-se que inicialmente
a PGF2 na circulação materna cause espasmo vascular pulmo¬
nar. Ao lado disso, embolia de partículas de líquido amniótico
c CIVD bloqueiam a microcirculação e agravam a resistência
Fig.6.21Principais sedes dc trombos nocoração e na aorta que podem
originar êmbolos.
Infarto do
miocárdio
Endocardlte
(vegetações)
Aneurisma
daaorta
Aneurisma da ponta
(doença de Chagas)
Placa ateroscleiótica Átrio esquerdo
(estenose mitral,
fibrilação atrial)
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 111
vascular pulmonar. Em seguida, a hipóxia lesa capilares pulmo¬
nares e domiocárdio,provocandodano alveolar difuso e falência
cardíaca. Além disso, há desgranulação de mastócitos,com libe¬
ração de mediadores químicos, provocando alterações fisiopato-
lógicas semelhantes às do choque anafilático ou séptico. A ges¬
tante apresenta dispnéia, cianose, hipotensão arterial e, às vezes.
convulsões, além de hemorragias associadas à coagulapatia de
consumo. O diagnóstico pode ser feito histologicamentc pelo
encontro de células escamosas nos capilares da paciente.
EMBOLIA GASOSA
Embolia gasosa consiste na presença de bolhas de gás que
obstruem vasos sanguíneos. Foi descrita pela primeira vez no
século XVII, quando um pesquisador italiano relatou morte
súbita em um animal após injeção de ar nas veias do pescoço. A
embolia gasosa pode ser venosa ou arterial.
emboliagasosa venosa. Grande quantidade de ar pode penetrar
rapidamente na circulação com a abertura de uma veia quando
existe um gradiente de pressão negativo entre a veia e o átrio
direito.Tal acontece sobretudo quando se trata de veias acima do
nível do coração ou durante a inspiração. São situações de alto
risco: ( I) punções, traumatismos e cirurgias na região da cabeça.
pescoço e tórax, com abertura de uma grande veia permitindo a
entrada de ar durante a inspiração (pressão negativa); (2) pneu¬
motórax com ruptura de veias; (3) parto ou aborto com entrada
forçada de ar em grandes veias do útero devido às contrações:
(4) bolhas de ar em sistemas de infusão.
Suspeita-se que embolia gasosa seja mais comum do que
clinicamente diagnosticada, poisem princípio cm qualquer mani¬
pulaçãode uma veia exposta ao ar corre-se o risco de haver pene¬
tração de gás. Em indivíduos com reserva cardiopulmonar redu¬
zida. aentradadecerca de 20 ml de ar pode ser danosa. O ar chega
às câmaras cardíacas direitas e aos ramos da artéria pulmonar.
onde se mistura com o sangue e forma uma espuma que pode
funcionar como "barreira de ar" que se expande na diástole e
assim compromete a função de bombado ventrículo direito;além
disso, bolhas de ar pequenas passam para as veias pulmonares.Ao
mesmo tempo, o contato do ar com o sangue ativa a coagulação
sanguínea, gerando íibrinac agregados plaquctários. Os lipídeos
plasmáticos sofrem coalescência e formam pequenos glóbulos.
Parece que, mais do que as próprias bolhas de ar, produtos da
coagulação sanguínea são os responsáveis principais pela oclusão
dos vasos pulmonares.Mais tarde, pode ocorrer edema pulmonar.
devido provavelmente à ativação de granulócitos e ao aumento
de neutrófilos nos pulmões, com dano ao endotélio das artérias
onde as pequenas bolhas de ar ficam presas. Grande quantidade
de ar na circulação pode causar morte súbita. As manifestações
clínicas da embolia gasosa são semelhantes às da tromboembolia
pulmonar: dispnéia. hipotensão arterial c arritmias cardíacas.
embolia gasosa arterial. Em casos de embolia gasosa em
veias, bolhas de ar podem passar para a circulação arterial sisté¬
micaatravés dos capilares pulmonares, de defeitos cardíacos
congénitos ou do forame oval aberto. Por outro lado. cateteres
arteriais, oxigenadores em circulação extracorpórea ou cirur¬
gias no coração ou aorta podem ser a porta de entrada de ur no
sistema arterial. Uma situação particular é a doença da descom¬
pressão. Como mostrado 110 Cap. 3, indivíduos submetidos a
uma queda brusca da pressão atmosférica (mergulhadores com
retorno rápido à superfície, despressurizaçãoemcabines dc avião)
sofrem expansão dos gases dissolvidos no sangue e tecido adiposo.
formando microbolhas gasosas. Estas obstruem capilares e, mais
importante,promovem formação de fibrina, agregação plaquetária
e ativação sistémica de leucócitos e do sistema complemento. O
paciente pode apresentar hipotensão arterial, arritmias cardíacas,
infamo do miocárdio,alterações neurológicas e edemacerebral. A
doença crónicadadescompressão éencontradaem mergulhadores
profissionais e se caracteriza por focos de necrose isquémica no
sistemaesquelético em locais onde a vascularização normalmente
é escassa, como cabeça do fémur, tíbia e úmero.
Para diagnosticar embolia gasosa à autópsia, é necessário
abrir o coração e grandes veias pulmonares debaixode água, para
se observar a saída de bolhas de ar (gás produzido pela putrefaçSo
após a morte não deve ser confundido corn êmbolos gasosos).
Estudos recentes chamam a atenção para o fenómeno da
embolia gasosa sob a forma de microbolhas.que. além das situ¬
ações comentadas anteriormente, podem surgir frequentemente
em procedimentos de rotina (p. ex., hemodiálise, cirurgia com
circulação extracorpórea) ou na margem de valvas cardíacas
mecânicas. Mesmo em quantidade relativamente pequena, tais
microbolhas podem prejudicar o organismo quando se formam
repetidamente, por causa da ativação da resposta inflamatória e
do sistema de coagulação.
EMBOLIA GORDUROSA
Éapresençade gotículas de lipídeos nacirculaçãosanguínea.
Glóbulos de lipídeos intravasculares se formam em várias situa¬
ções: (1) fraturas de ossos longos com medula óssea gordurosa:
(2) traumatismo extenso ou queimadura no tecido adiposo; (3)
procedimentos de lipoaspiração de cirurgia estética; (4) menos
frequentemente, em doenças variadas, como diabete melito.
anemia falei forme, pancreatite, necrose hepática aguda, intoxi¬
cações e acidentes anestésicos. Nos traumatismos, os lipídeos
penetram na circulação provavelmente pela destruição do tecido
adiposo. Nos demais casos, supõe-se haver distúrbios na emulsi-
ficação dos lipídeos (p. ex.. por falta de proteínas carreadoras).
levando à sua agregação em glóbulos.
Além de obstrução capilar por gotículas de gordura, há
liberação de ácidos graxos que resultam em lesão do endo¬
télio. aumento da permeabilidade vascular e coagulação intra¬
vascular disseminada. Nos pulmões, são encontrados edema e
membranas hialinas;no cérebro, edema, hemorragias perivascu-
lares e, ocasionalmente, microinfartos. Os glóbulos de lipídeos
podem ser demonstrados histologicamenie usando-se colorações
específicas para gorduras.
A existência de gotículas de lipídeos no sangue é quase
constante após grandes cirurgias e, por si só. não resulta em
transtornos para o indivíduo. Manifestações clínicas, aliás, só
aparecem em cerca de I-2% dos casos. Dependendo do número
e do tamanho dos glóbulos, o paciente apresenta trombocito-
penia, petéquias na pele ou conjuntiva, dispnéia. insuficiência
respiratória e, às vezes, coma e morte.
OUTRAS EMBOLIAS
Placas aieromatosas podem se romper e seu conteúdo, mistu¬
rado com restos de trombos, ser deslocado na circulação, fenó¬
meno chamado dc ateroembolia. Esta é encontrada cm indiví¬
duoscom aterosclerose acentuadada aorta ou de seus ramos prin¬
cipais. Embora esse fenómeno possa ocorrer espontaneamente,
é mais freqíiente após cirurgia cardiovascular, catetcrismo ou
angiografia. Clinicamente, a ateroembolia é subdiagnosticada:
112 PATOLOGIA
Fig.6.22Ateroembolia na artéria mesentéricasuperior causando infario
intestinal. Os espaços vazios em forma de fendas correspondema cristais
dc colesterol.
êmbolos ateromatosos podem ser detectados em até 10% das
autópsias (Fig. 6.22).
Embolia tumoral significa a existência de células malignas
na circulação. Quase sempre, esses êmbolos são assintomáticos;
raramente, um câncer pode invadir uma veia de grande calibre
e originar umêmbolo volumoso, o qual pode dar manifestações
clínicas semelhantes às da tromboembolia pulmonar. Como se
verá no Cap. 8, a importância maior da emboliade células tumo¬
rals é a disseminação do câncer e a formação de metástases.
ISQUEMIA
Isquemia (do grego isclio= reter e haima = sangue) signi¬
fica redução ou falta do suprimento sanguíneo em determinado
órgão ou estrutura. A intensidade da isquemia depende do grau
da obstrução vascular (total ou parcial) e pode ocorrer de forma
rápida (p. ex.. por um trombo) ou lenta (p.ex.. obstrução progres¬
siva por uma placa de aterosclerose). De acordo com esses
fatorcs, suas consequências são muito variadas.
CAUSAS
Em condições normais, a oferta de sangue a um órgão é
no mínimo igual à sua necessidade. Esse estado de equilíbrio
dinâmico é garantido por um sistema bastante eficaz de auto-
regulação da circulação, que é capaz de aumentar ou diminuir o
fluxo sanguíneo conforme as exigências metabólicas. Isquemia
se instala Ioda vez que a oferta de sangue c menor do que as
necessidades básicas do órgão em determinado momento (Fig.
6.23). Por isso mesmo, isquemia pode serprovocadapor redução
da oferta de sanguee/ou por aumento da demanda. As principais
causas estão listadas a seguir.
DIMINUIÇÃO DA PRESSÃO ENTREARTÉRIAS EVEIAS. Tal acontece
nos estados de choque, pela redução da pressão arterial. Nesse
caso, regiões limítrofes entre dois territórios de artérias vizinhas
sem anastomoses, como na flexura esplénica do cólon (transição
dos territórios das artérias mesentéricas superior e inferior) ou
nos hemisférios cerebrais (entre as artérias cerebral médiae cere-
Q
demanda
de sangue
APwr4
8Lri
Suprimento
sanguíneo
®
APrcr4
8Lr|
Suprimento
sanguíneo
Q
demanda
de sangue
Fig. 6.23 Em condições normais, o suprimento sanguíneo é igual à
demanda de sangue em determinado momento funcional (A).A isquemia
se instala quando aumenta a demanda e/ou cai o suprimento sanguíneo
(B). (Para explicações sobre as variáveis que regulam o fluxo sanguíneo.
ver início deste capítulo.)
bral anterior ou posterior), podem sofrer isquemia.Aumento da
pressão venosa também provoca redução do gradiente artério-
venoso, o que explica a redução do fluxo sanguíneo nos capilares
e isquemia nos locais com estase venosa.
OBSTRUÇÃO da luzvascular. Sem qualquer dúvida, é a causa
mais frequente e importante dc isquemia.Pode ocorrer em artérias
ou veias e é provocada por: ( I) obstrução anatómica, decorrente de
(a) compressão do vaso por tumores, hematomas etc. As úlceras
de decúbito na região sacral de pacientes acamados,por exemplo.
surgem por causa da compressão prolongadade pequenos vasos;
noscasos de glaucoma, a pressão intra-ocular aumentada provoca
isquemia na retina e pode levar a sua destruição e cegueira. Em
órgãos ou estruturas circundados por cápsula firme (fáscia ou
osso), o acúmulo de líquidos (edema, hemorragia) aumenta a
pressão intersticial e causa isquemia, como ocorre nos músculos
esqueléticos na síndrome compartimental ou no encéfalo nos
casos de edemacerebral; (b) espessamento da parede arterial, cujo
exemplo mais importante c o da aterosclerose; (c) bloqueio intra¬
luminal, como o provocado por trombos ou êmbolos. Trombose
e embolia são causas frequentes dc obstrução arterial e, portanto,
responsáveis importantes por episódios de isquemia; (2) espasmos
vasculares. ContraçÕes paroxísticas e intensas da parede vascular
podem causar redução da luz e isquemia temporária. Em condi¬
ções normais, o endotélio produz substâncias vasodilatadoras
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 113
c antiagregadoras de plaquetas, sobretudo NO e PG12. Por esse
motivo, disfunção ou lesão endotelial predispõe ao aparecimentode espasmos e/ou à formação de trombos. Em animais de labo¬
ratório, disfunção endotelial crónica provocada por inibição da
síntese de NO causa isquemia miocárdica. Disfunção endotelial
crónica é encontrada em tabagistas ou em pacientes com diabete
melito, hipertensão arterial ou hipercolesterolemia. Vasos com
placas ateromatosas, mesmo planas, têm maior risco de sofrer
vasoespasmo. Recentemente, foi demonstrada disfunção endo¬
telial temporária após episódios de bacteriemia, endotoxemia
ou inflamações generalizadas, causada por supressão transitória
da síntese de NO e prostaglandinas. Esse fenómeno tem grande
interesse clínico, pois cerca dc 4% dos pacientes com bacteriemia
desenvolvem infarto do miocárdio dentro de um mês; por outro
lado, um estudo mostrou que 10% das vítimas de acidente cere¬
bral vascular tiveram bacteriemia previa. Também merece ser
lembrado que. em certos indivíduos, o estresse diário associado
a sensações de tensão, frustração ou tristeza mais do que dobra o
risco de vasoespasmo. Dependendode sua duração c intensidade.
os vasoespasmos causam isquemia importante, inclusive infarto
do miocárdio ou morte súbita.
aumentodaviscosidade DOsangue.A viscosidade representa
a fluidez ou a resistência interna do sangue e depende dc sua
composição. Aumento da viscosidade diminui o fluxo sanguíneo,
especialmente na microcirculação.
aumento da demanda. Em geral, este elemento sozinho não
causa isquemia,graças sobretudo à eficiência dos mecanismos de
regulação do fluxo sanguíneo. Noentanto, adquire importância
quando associado a redução do suprimento por qualquer motivo.
Células com alto metabolismo são mais suscetíveis à isquemia.
Como o metabolismo aumenta com a temperatura do organismo.
a febre diminui a tolerância à redução do fluxo de sangue. Ao
contrário, o resfriamento de umórgão o protege. Por isso mesmo,
cm certas cirurgias a hipotermia profunda do paciente permite
ao cirurgião trabalhar com parada circulatória (sem circulação
extracorporeal; órgãos retirados para transplante são mantidos
em baixas temperaturas até serem implantados no receptor.
FISIOPATOLOGIA. CONSEQUÊNCIAS
Para cumprir suas atividades básicas,as células precisam dc
certa quantidade de moléculas que armazenam e liberamenergia.
sobretudo ATP. Com a redução do fluxo sanguíneo, o metabo¬
lismo celular passa para a via anaeróbica, reduzindo bastante a
quantidade de energia obtida de cada molécula dc glicose. Ao
lado disso, aumento de íons fosfato (pelo catabolismo de ATP e
a partir da creatina) e da adenosina irrita as terminações nervosas
para dor, causando o quadro clínico de angina (no coração ou no
abdome, esta quando há isquemia intestinal). Em alguns casos,
porém,a isquemia é indolor (isquemia silenciosa), provavelmente
porque os indivíduos têm menor sensibilidade dolorosa ou porque
liberam substâncias ((3-endorfinas) que diminuem a dor.
Durante a isquemia,os níveis deATP diminuem progressiva¬
mente. Uma pequena redução deATP não compromete o metabo¬
lismo celular (faixa de segurança. Fig.6.24). Quando a queda de
ATP ultrapassa o nível necessário para manter as funções básicas.
as células entram cm disfunção. Isso significa que. apesar de
vivas, as células perdem suas atividades ou assumem atividades
anómalas. No cérebro, por exemplo, há parada da atividade
neuronale.quando se trata de isquemia global, o indivíduo perde
a consciência. No miocárdio, a força contrátil diminui gradati¬
vamente com aredução do fluxo sanguíneo. Além disso, ahipo-
perfusão pode alterar o potencial das membranas dos miocardió-
cilos, resultando cm instabilidade elétricae arritmias. Se o fluxo
sanguíneo não é restabelecido e os níveis de ATP continuam
caindo, a energia disponível sc torna insuficiente para manter a
integridade da estrutura celular e surgem sinais de degeneração;
ultrapassado um limite crítico (ponto de não-retorno). a célula
morre (Fig. 6.25).
No estado de repouso, a demanda dos órgãos é baixa e
sempre há uma reserva de fluxo sanguíneo. Somente após
redução expressiva do fluxo, que corresponde à obstrução de pelo
menos 70% da luz vascular, é que os tecidos sofrem isquemia.
Quando há aumento da demanda, como no exercício físico, a
situação se modifica. Durante exercícios, cresce a demanda dos
músculos e do coração, que promove aumento do débito cardíaco
e vasodilatação para incrementar o fluxo sanguíneo nesses terri¬
tórios. Enquanto vasos normais reagem ao aumento de demanda
mediante vasodilatação, vasos lesados não conseguem se adaptar
a essa situação e o órgão sofre isquemia.
Isquemia pode ser relativa ou absoluta, temporária ou
persistente. Suas consequências dependem do tipo do órgão
atingido (se mais ou menos sensível à hipoxia ou anóxia),
do tipo de irrigação, da existência de circulação colateral,
da velocidade da obstrução (aguda ou crónica), do momento
funcional do órgão (p. ex., sobrecarga) e da capacidade do
Obstrução parcial
_
/
Disfunçãoceiulai ciônica
Energia minima para
manter a (unção
Energia minima para
manter a estrutura
Tempo
Fig. 6.24 Isquemia parcial persistente cau¬
sando disfunção celular (p. ex.. hibernação
do miocárdio).
114 PATOLOGIA
0
D
0
o
s
C
g
5>
i
LU
Oclusão
vascular
Morre celular
Energia mínima para
manter a função
Disfunção
celular
Energia mínima para
manter a estrutura
Tempo
Fig. 6.25 Conscqiicncias da isque-
mia para as células cm função de
sua intensidade e duração.
sangue de transportar O, (Fig. 6.26). Órgãos com irrigação
dupla (pulmões, fígado) ou com sistema comunicante (polígono
de Willis no encéfalo) sofrem menos os efeitos da obstrução
de um vaso. Por outro lado, nos estados de anemia ou de insu¬
ficiência cardíaca, obstrução de um vaso, ainda que parcial,
pode resultar em morte celular.
Isquemia relativa temporária
Instala-senos casos de obstrução vascular parcial quando há
aumento da atividade metabólica de um órgão ou setor do orga¬
nismo (Quadro 6.9). O exemplo mais conhecido é o da isquemia
miocárdica (angina) que surge em indivíduos com aterosclerose
coronarianasubmetidosaesforço físico ou a emoções (no repouso a
Necrose
Fig.6.26A.Consequências da obstrução arterial quando hácirculação colateral. Os territórios das artérias 1 e 2são interligados por pequenasanasto¬
moses (seta). B. Oclusão rápida (trombo,êmbolo) interrompe o fluxo da artéria 1;os vasos anastomosados drenamsangue dc 2 para 1,mas, como o
fluxo c insuficiente,ocorre infartono território da artéria 1.C.Obstrução lentada artéria 1estimula o desenvolvimento de anastomoses, aumentando
o fluxo dc sangue no território de 1.D.Oclusão da artéria 1 não causa isquemia por causa do fluxo aumentado pelas anastomoses desenvolvidas.
DISTÚRBIOS DA CIRCULAÇÃO 115
Quadro 6.9 Causas c achados clínicos da isquemia relativa temporária
Vaso atingido Fator desencadeante Manifestação clínica
Vasos normais
Artéria mesentérica
superior
Vasos com estenose parcial
(circulação suficiente no repouso)
Artérias coronárias
Artérias femorais
Corrida de maratona
Atividade física
Taquicardia emocional
Espasmos vasculares
Andor depressa, subir
escada
"Dionéia do corredor"
(isquemia da mucosa intestinal)
Angina do peito
Idem
Idem
Claudicação intermitente
Artérias mcscntéricas
Artérias cerebrais
Refeição opulenta
1IipotensSo arterial
Angina abdominal
Isquemia cerebral transitória
circulaçãoeoronariana é suficiente para manter o trabalho cardíaco.
surgindo dor apenas quando há sobrecarga). Esse fenómeno ocorre
também quando há necessidade de redistribuir o sangue no orga¬
nismo, como acontece na hipoperfusão intestinal durante uma
longa corrida; nesse caso, o sangue das artérias mesentéricas é
desviado para as artérias dos membros inferiores.
Emgeral, na isquemia relativa temporária a energia não cai
abaixo do limitecrítico,as células não morrem e nemhá seqtlelas
morfológicas. Quando a isquemia dura um pouco mais, pode
haver morte de células parenquimatosas isoladas, enquanto as
doestroma conjuntivo-vascular sobrevivem.Éo que aconiece na
angina do peito mais prolongada, na qual alguns miocardiócitos

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