Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
115 UNIDADE 3 O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • refletir sobre a questão das relações étnico-raciais, entendendo-as como um desafio, bem como uma potencialidade para o campo educacional e para as novas estratégias de democratização e transformação da sociedade; • analisar a questão da diversidade em seus aspectos biológicos e culturais, com ênfase nas questões de gênero; • reconhecer a constituição das diferentes culturas manifestadas na escola. Esta unidade está dividida em três tópicos e em cada um deles você encontrará atividades que o ajudarão a aplicar os conhecimentos apresentados. TÓPICO 1 – O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE TÓPICO 2 – AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA TÓPICO 3 – O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Assista ao vídeo desta unidade. 116 117 TÓPICO 1 O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO O espaço do debate sobre gênero e sexualidade na educação exige o reconhecimento dos aspectos biológicos e culturais da questão de gênero e sexualidade, bem como a compreensão das identidades de gênero presentes em nossa sociedade e, por consequência, na escola. Inicialmente, lembremo-nos das formas como a questão de gênero se expressa no contexto da escola. De forma geral, a distinção entre meninos e meninas fica restrita à realização de atividades como jogos, por exemplo. Fora dessas situações não são observadas outras distinções realizadas de forma sistemática. Porém, as diferenças de gênero se expressam em outras formas, como as expectativas dos professores, rituais escolares ou ainda no currículo oculto (GIDDENS, 2005). As representações de gênero podem ser observadas nos livros que são utilizados nas escolas. Grande parte dos livros para meninos retrata meninos em situações de independência e aventura em cenários variados, enquanto as histórias para meninas mostram personagens mais passivas e, quando envolvidas numa trama de aventura, essa se desenrola em um ambiente doméstico ou escolar (GIDDENS, 2005). Reconhecendo a tarefa de promover o respeito às identidades de gênero como desafio e partindo do pressuposto de que é fundamental manter um diálogo aberto e democrático no que compete à educação, buscaremos, neste tópico, apresentar aspectos das teorias do gênero e da sexualidade com o objetivo de ampliar nossas possibilidades de reflexão acerca dessa temática. 2 POR QUE TRATAR DA QUESTÃO DE GÊNERO E SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO? Caro(a) acadêmico(a), convidamos você a ler atentamente o trecho a seguir: Em um episódio da série televisiva Law and Order, um grupo de policiais é julgado por homicídio doloso, por haver deixado de atender ao pedido de auxílio de um colega policial que havia sido atingido (e, em seguida, morto) por um bandido. Esse colega era gay. A cena do julgamento mostra a acusação apontando para UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 118 inúmeros antecedentes de preconceito e discriminação que os réus tinham em relação à vítima, e a defesa apela para o fato de que os réus (policiais) haviam demonstrado sentimentos coerentes com os da maioria das pessoas. Para apoiar seu argumento, a defesa chama um psiquiatra que afirma que a homofobia é um sentimento comum, bastante frequente, especialmente entre homens. Interpelado pelo promotor, o psiquiatra explica que a manifestação de raiva extrema é patológica e, por isso, é involuntária. Apelando para os jurados, a defesa pede-lhes para pensar se não têm sentimentos semelhantes aos dos acusados (ou seja, sentimentos de repulsa ou de rejeição) em relação aos homossexuais e conclui: ‘Eles nada mais fizeram do que manter e preservar os valores da comunidade em que viviam – e essa era sua função como policiais’. O episódio termina com a absolvição de todos os réus. O final talvez possa surpreender, mas, ao mesmo tempo, por mais intolerável que seja, também parece coerente com o que se costuma ver na chamada ‘vida real’ (LOURO, 2007, p. 203). Em primeiro plano é preciso considerar que as questões de gênero e sexualidade são parte das relações sociais que atravessam nossa sociedade, não constituem um universo paralelo. Tais questões podem, inclusive, gerar certo desconforto quando debatidas, por expor práticas de preconceito e exclusão e propiciar o questionamento da ordem social vigente. Como nos mostra Louro (2007), gênero e sexualidade estão presentes em instituições, discursos, normas e práticas e, por este motivo, atribuem sentido à sociedade. E para compreender essas questões é necessário passar a pensá- las como questões individuais e passar a reconhecê-las como sociais e culturais: “As formas de viver a sexualidade, de experimentar prazeres e desejos, mais do que problemas ou questões de indivíduos, precisam ser compreendidas como problemas ou questões da sociedade e da cultura” (p. 204). As questões de gênero e sexualidade compõem esse universo, na medida em que a escola vivencia os reflexos de situações como a violência contra a mulher e a homofobia. Considerando esse contexto, fica evidente a relevância desse debate para a educação e para a promoção da garantia do acesso e permanência de todos na escola e no respeito à diversidade. 3 GÊNERO E SEXUALIDADE: RESGATANDO CONCEITOS Para compreender o que representam de fato os desafios apresentados acima, relembramos que os conceitos de gênero e sexualidade são socialmente construídos e carregados de intencionalidade. TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 119 Os conceitos de gênero e sexualidade foram apresentados na Unidade 1. Faça uma pausa e releia o texto para relembrar a importância desses conceitos no contexto da diversidade. As discussões de gênero constantemente fazem referência à obra “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir (1980, p. 9), e a célebre frase “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A obra colaborou para a afirmação do gênero como construção social e para a superação de visões estritamente biológicas dessa questão. Educação sexual: precisamos falar sobre Romeo... ... Iana, Roberta e Emilson. A escola trata com preconceito quem desafia as normas de papéis masculinos e femininos. A seguir, uma discussão sobre sexo, sexualidade e gênero O pequeno Romeo Clarke tem cinco anos e adora usar seus mais de 100 vestidos para as atividades do dia a dia. "Eles são fofos, bonitos e têm muito brilho", explicou ao tabloide britânico Daily Mirror. Clarke virou notícia em maio do ano passado. O projeto de contraturno que ele frequentava na cidade de Rugby, no Reino Unido, considerou as roupas impróprias. O menino ficou afastado até que decidisse - palavras da instituição - "se vestir de acordo com seu gênero". [...] Paradoxalmente, quem tem ensinado a escola a agir no respeito à diversidade são os próprios estudantes. "Na contemporaneidade, multiplicaram-se os grupos, os sujeitos e os movimentos, as maneiras de se identificar com gêneros e de viver a sexualidade. Não há apenas uma forma de ser, mas tantas quantas são os seres humanos", afirma Guacira Lopes Louro, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das principais referências na área de estudos de gênero. [...] A instituição deve ser um ambiente em que todos os alunos se sintam acolhidos. Para que isso aconteça, é importante que a sexualidade seja discutida constantemente, mostrando que não há uma única maneira possível de explorá-la. Também é preciso apoiar alunos que busquem os educadores para discutir sua sexualidade. Nas regras de convivência e nas ações concretas de gestorese professores, deve estar claro que situações de homofobia e piadinhas não são toleráveis. FONTE: NOVA ESCOLA. Disponível em: <http://novaescola.org.br/conteudo/80/ educacao-sexual-precisamos-falar-sobre-romeo?fb_comment_id=75936716415 4935_889649957793321>. Acesso em: 2 nov. 2016. ATENCAO UNI UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 120 A partir dos anos 1960 a questão da identidade ganha espaço no debate cultural na medida em que estudantes, negros, mulheres, minorias sexuais e étnicas passam a questionar os padrões sociais excludentes e consolidados até então. O foco inicial era dar visibilidade a diferentes modos de viver e, ao longo do processo, passaram a travar uma luta pela representatividade (LOURO, 2008). Essas lutas, incluindo movimentos sociais organizados, como o feminista e das minorias sexuais, buscou acesso e controle de espaços culturais: “[...] a mídia, o cinema, a televisão, os jornais, os currículos das escolas e universidades eram fundamentais” (LOURO, 2008, p. 20). Observamos que essas lutas se davam no âmbito dinâmico das transformações culturais, pois até então a voz que dominava era branca e masculina, era necessário ocupar esses espaços para mostrar que havia outras vozes e representações na sociedade. Observe com atenção a tirinha de Laerte: FIGURA 28 - GÊNERO E EDUCAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS SOCIAIS FONTE: Disponível em: <https://docencialpesquisa.files.wordpress.com/2010/06/ copadomundo-laerte-1.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016. E agora a tirinha do personagem Armandinho, de Alexandre Beck: TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 121 FIGURA 29 - GÊNERO E EDUCAÇÃO: IGUALDADE DE OPORTUNIDADES FONTE: Disponível em: <http://67.media.tumblr.com/6d7a7307cceedffec629ca9d19cb8f19/ tumblr_ngndroNIX01u1iysqo1_1280.png>. Acesso em: 15 nov. 2016. Afinal, é possível definir atividades para meninos e para meninas? Como a escola reproduz padrões de gênero? Identifique situações, como a mostrada na tirinha, que reproduzem padrões sociais preestabelecidos. Vale lembrar que a proposta feminista não representa a luta pela construção de um padrão onde o feminino é superior ao masculino. O feminismo busca a igualdade de gênero através da superação da dominação masculina que prevalece em nossa sociedade. Os exemplos dessa dominação podem ser observados na violência contra a mulher no mercado de trabalho, com média salarial inferior em relação aos homens. Acompanhe na figura a seguir as diferentes identidades de gênero e suas representações. UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 122 FIGURA 30 - IDENTIDADE DE GÊNERO FONTE: Disponível em: <http://comarte.upf.br/wp-content/uploads/2013/11/ Alessandra-Formagini.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016. Gênero e educação Guacira Lopes Louro e Dagmar Estermann Meyer Organizar este dossiê consistiu, para nós, um grande desafio. Por certo, não precisamos "inventar" justificativas para a oportunidade de sua publicação: de um lado, porque a demanda pela inclusão na REF de artigos voltados para a Educação já vem se manifestando há algum tempo; de outro lado, porque reconhecemos que as questões de gênero e sexualidade vêm ganhando espaço nas análises e pesquisas educacionais, ainda que não com o ritmo ou da forma como muitas de nós, estudiosas feministas, desejávamos e esperávamos. De qualquer modo, entendemos que a articulação entre Educação e Estudos Feministas é um processo em curso e que o dossiê deveria ser representativo desse processo. Tal tarefa nos parecia, contudo, quase impossível de ser realizada a contento. Diversas questões e temáticas, com distintas perspectivas teóricas e enfoques metodológicos, vêm sendo priorizadas e assumidas por educadores, trabalhadores culturais e intelectuais. Esses estudiosos estão, por sua vez, espalhados em diversos centros de pesquisa, universidades ou escolas, formam núcleos e grupos de estudos ou trabalham isoladamente, em várias regiões do UNI TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 123 país, e tentam estabelecer um diálogo com a teorização e a produção internacional da área. Seria preciso reconhecer, ainda, que, não apenas nestes espaços, mas também em escolas e centros comunitários, alguns docentes e estudantes questionam suas experiências e ensaiam práticas sob a ótica do gênero. Um processo, portanto, plural, polêmico e complexo, no qual práticas educativas e pedagógicas cotidianas incitam questões e problemas teóricos, ao mesmo tempo que novas teorias e movimentos sociais provocam ou transformam as práticas pedagógicas. Seria possível expressar adequadamente essa multiplicidade? O presente dossiê traz apenas uma pequena amostra desse quadro. Os artigos que se seguem, produzidos por estudiosos de algumas instituições brasileiras, são construídos a partir de diferentes posições disciplinares e teóricas e elegem algumas temáticas relevantes para o campo educacional, mais uma vez, distintamente concebidas. O leitor atento poderá perceber pontos divergentes e de tensão entre eles. Entendemos, contudo, que essa característica se constitui em uma das "marcas" mais instigantes e produtivas do feminismo e que, portanto, não há sentido em negá-la. No artigo que abre o dossiê: "Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo", Fúlvia Rosemberg questiona a esperada articulação entre os estudos de gênero e o campo da educação e, com apoio de dados quantitativos recentes, apresenta um quadro crítico da situação de homens e mulheres no sistema educacional brasileiro. A autora analisa, ainda, as metas nacionais e internacionais hoje afirmadas em relação à igualdade de oportunidades de gênero na educação e põe em discussão algumas das interpretações convencionais. Em "Teoria queer: uma política pós-identitária para a Educação", Guacira Lopes Louro busca analisar questões significativas da teorização queer e indicar alguns desafios que ela pode sugerir ao campo educacional. "Como", pergunta a autora, "uma tal teoria, declaradamente não propositiva, pode 'falar' a um campo que, tradicionalmente, vive de projetos e de intenções, objetivos e planos de ação?" A transgressão de fronteiras sexuais e de gênero e o questionamento da dicotomia heterossexualidade/homossexualidade – centrais na análise queer – servem aqui de mote para refletir sobre o atravessamento e a contestação de muitos outros binarismos importantes para o campo educacional. Para construir o artigo intitulado "Mau aluno, boa aluna? Como os professores avaliam meninos e meninas", Marília Carvalho recorre a uma pesquisa qualitativa realizada com docentes de uma escola pública de Ensino Fundamental em São Paulo. Os depoimentos favorecem uma aproximação mais 'direta' ao cotidiano escolar e permitem à autora uma análise interessante dos critérios de avaliação e das opiniões dos docentes sobre comportamentos, atitudes, sucessos e insucessos de meninos e meninas. Helena Altmann privilegia uma questão que, nos últimos anos, ocupa (e preocupa) professoras e professores das escolas brasileiras, ou seja, as diretrizes dos PCN. No artigo "Orientação Sexual nos parâmetros curriculares nacionais", a estudiosa discute como o dispositivo da sexualidade é apresentado neste documento oficial e as proposições que são feitas para operar nas escolas com este 'tema transversal'. Finalmente, ela se volta para os efeitos de tais propostas nas salas de aula, mais particularmente, nas atividades da Educação Física. O artigo que encerra o dossiê: "Mídia e educação da mulher: uma discussão teórica sobre modos de enunciar o feminino na TV", assinado por Rosa Fischer, sai do espaço escolar e assume a educação em seu sentido mais amplo. Recorrendo a conceitos de Michel Foucault e Homi Bhabha, bem como às formulações de Maria Rita Kehl sobre a enunciação do feminino, a autora analisa criticamente o discurso que a televisão brasileira vem produzindo sobre as mulheres. Longe de sugerirconclusões ou propostas definitivas, esperamos que este conjunto de textos estimule o debate e suscite outros estudos e análises sobre possíveis articulações entre a Educação e os Estudos Feministas. FONTE: Revista Estudos Feministas. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0104-026X2001000200010>. Acesso em: 2 nov. 2016. UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 124 4 GÊNERO E EDUCAÇÃO NO BRASIL Para compreender as diferentes dinâmicas que se desdobram das questões de gênero no Brasil, retomamos a trajetória da expansão do acesso à educação em nosso país considerando o acesso de homens e mulheres ao ensino e sua relação com a estrutura social brasileira. Os reflexos dos desafios sociais apresentados até aqui tiveram repercussão na educação brasileira. Um dos exemplos é o chamado hiato de gênero (genger gap), ou seja, as desigualdades no acesso à educação. Esse hiato levou à formação de uma estrutura social na qual a educação era privilégio masculino. O avanço no acesso à escola no último século representou um passo significativo para as mulheres (BELTRÃO; ALVES, 2009). A história da educação no Brasil foi marcada pela exclusão das mulheres do contexto educacional. No período colonial, a estrutura social e as relações familiares patriarcais colocam o homem como figura de poder e autoridade, portanto, não havia necessidade para as mulheres aprenderem a ler e escrever. Além disso, somavam-se a esse contexto a influência da sociedade ibérica que considerava a mulher como inferior, e a obra educativa da Companhia de Jesus orientada pelos valores religiosos (BELTRÃO; ALVES, 2009). FIGURA 31 - PRIMEIRAS ESCOLAS NO BRASIL E A PREDOMINÂNCIA MASCULINA FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-gjfGMRMPAIc/TViJMF5BSkI/ AAAAAAAABnc/GFcL34HuCFo/s1600/escola_1910.png>. Acesso em: 2 nov. 2016. A vinda da família real para o Brasil e, posteriormente, a Independência, tornaram mais complexa a estrutura social brasileira. Somente nesse contexto a educação feminina se tornou uma preocupação, pois as imigrações internacionais e a diversidade econômica modificaram a visão da sociedade em relação à educação. A partir desse momento, a educação passa a ser vista como um instrumento de ascensão social. O Estado passou a ter responsabilidade pela educação, porém, devido à falta de professores, esse movimento não chegou à grande parte da TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 125 população (BELTRÃO; ALVES, 2009). Esse cenário se transforma, no início do século XIX, com as primeiras instituições de educação para mulheres. [...] começaram a aparecer as primeiras instituições destinadas a educar as mulheres, embora em um quadro de ensino dual, com claras especializações de gênero. Ao sexo feminino cabia, em geral, a educação primária, com forte conteúdo moral e social, dirigido ao fortalecimento do papel da mulher como mãe e esposa. A educação secundária feminina ficava restrita, em grande medida, ao magistério, isto é, à formação de professoras para os cursos primários. As mulheres continuaram excluídas dos graus mais elevados de instrução durante o século XIX. A tônica permanecia na agulha, não na caneta (BELTRÃO; ALVES, 2009, p. 128). Enquanto avanços eram observados no ensino básico, no ensino superior a situação era adversa para as mulheres, que não foram integradas aos primeiros cursos superiores no Brasil e, sem acesso ao ensino secundário, não se habilitavam para as faculdades. Contudo, as taxas de matrículas das mulheres no ensino básico ampliaram-se no século XX, mas ainda em proporção menor que a dos homens (BELTRÃO; ALVES, 2009). Com o impulso da industrialização, a partir dos anos 1930, as novas exigências do mercado de trabalho levaram ao surgimento das primeiras escolas públicas de massa e à expansão do ensino. Porém, o desenvolvimento do capitalismo não se deu de forma homogênea no território e, dessa forma, a expansão do ensino se deu nas áreas mais desenvolvidas economicamente. A educação, além de distribuída de forma desigual pelo território, era elitizada. Apenas com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 o Estado garantiu o acesso de todos ao sistema educacional (BELTRÃO; ALVES, 2009). Para além do acesso de homens e mulheres ao ensino em nosso país – que demonstra o longo caminho que temos a percorrer para validar a noção de educação para todos –, cabe aqui ampliar nosso olhar para a não neutralidade da educação. Já afirmamos que o gênero é uma construção social carregada de intencionalidades e o mesmo acontece com a educação. Educar não é tarefa neutra, é uma ação carregada de intencionalidades. Partindo desse pressuposto, afirma-se que através da educação ensinamos e aprendemos quais atitudes e padrões são socialmente aceitos e quais emoções podemos externalizar e quando podemos ou não externalizá-las. Isso ocorre porque a educação permite a elaboração de noções políticas e sociais, bem como de princípios religiosos, regras morais e modos de ser, viver e se comportar (PASSOS; ROCHA; BARRETO, 2011). É importante dizer que a neutralidade da educação não é uma questão de algum tipo de engajamento, mas decorre de sua conexão com as estruturas sociais: UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 126 Teoricamente, a educação se coloca como desvinculada das questões econômicas e sociais e comprometida apenas com a transmissão da cultura e do saber; entretanto, mesmo quando não segue orientações tendenciosas, a exemplo de privilegiar classes ou grupos, o seu fazer se vincula a princípios que denunciam o seu engajamento social, econômico, político e ideológico, porque, além de receber as influências sociais, ela se estrutura a partir de visões de mundo e de um conceito acerca do ser humano (PASSOS; ROCHA; BARRETO, 2011, p. 50). Diante desse contexto que soma a intencionalidade da educação e construção social de gênero, a educação possui um papel fundamental, pois se propõe a contribuir para a transmissão de saberes e valores. Porém, a educação formal acaba legitimando os padrões de dominação masculina. Segundo Passos, Rocha e Barreto (2011), entre as características da educação formal em relação ao gênero estão: • O conteúdo dos livros didáticos que apresentam tarefas diferentes para homens e para mulheres, com maior valor social para as tarefas dos homens. • Nossa educação, de maneira geral, não apresenta homens e mulheres como detentores de direitos iguais. • Não mostra aos alunos como se formam as desigualdades sociais. • Reproduz o modelo tradicional de ensino que desloca o conhecimento da realidade valorizando ou desvalorizando características, atitudes e comportamentos. • Valoriza o silêncio, a obediência e a acomodação. • Reconhece a desobediência como característica natural para os meninos e negativa para as meninas. Como superar essa realidade e promover uma educação emancipatória, que respeita a diversidade inclusiva? Ainda nas palavras de Passos, Rocha e Barreto (2011), faz-se necessário repensar as práticas pedagógicas, como os processos de avaliação e a relação entre professor e aluno. A proposta pedagógica deve estar comprometida com a igualdade e com a liberdade. Além disso, a inclusão da questão de gênero é importante, pois amplia os horizontes do conhecimento. Através dela podemos discutir questões como a desigualdade e a opressão e não só de gênero, mas também nas outras formas em que se expressam e se vivenciam na sociedade: Uma educação comprometida com uma nova ordem social precisa ser capaz de romper com conceitos universais e imperativos morais e investir em uma prática que respeite a subjetividade e proporcioneao indivíduo o exercício da liberdade. Esse compromisso implica na existência de um(a) novo(a) educador(a), de novos conteúdos programáticos, na ressignificação do processo de avaliação, enfim, em uma nova prática educativa (PASSOS; ROCHA; BARRETO, 2011, p. 36). A questão de gênero mostra-se fundamental por diferentes motivos. Incorporar esse debate no universo escolar nos permite conhecer e acompanhar as transformações culturais que envolvem as questões de identidade sexual, TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 127 compreender o papel, o espaço e os desafios da mulher na sociedade e, como se esses já não fossem motivos suficientes, amplia nossos horizontes para superar outras formas de dominação e exclusão. Vale lembrar, caro acadêmico, das discussões que você acompanhou nas Unidades 1 e 2, que mostraram os desafios da diversidade e também como o respeito à diversidade e o acesso à educação de qualidade para todos são previstos na legislação brasileira. LEITURA COMPLEMENTAR EXISTE “IDEOLOGIA DE GÊNERO”? Em entrevista à Pública, a doutora em Educação Jimena Furlani, que desenvolveu extensa pesquisa sobre o assunto, explica os equívocos do conceito. O que é “ideologia de gênero”, afinal? De onde ela surgiu? A ideologia de gênero é um termo que apareceu nas discussões sobre os Planos de Educação, nos últimos dois anos, e tem sido apresentado a nós como algo muito ruim, que visa destruir as famílias. Trata-se de uma narrativa criada no interior de uma parte conservadora da Igreja Católica e no movimento pró-vida e pró-família que, no Brasil, parece estar centralizado num site chamado Observatório Interamericano de Biopolítica. Em 2015, especialmente, algumas pessoas se empenharam em se posicionar contra a “ideologia de gênero”, divulgando vídeos em suas redes sociais: o senador pastor Magno Malta, o deputado Jair Bolsonaro, o deputado pastor Marco Feliciano, o pastor Silas Malafaia, a pastora Damares Alves, a pastora Marisa Lobo. Meus estudos mostraram que o termo é usado em 1998, em uma Conferência Episcopal da Igreja Católica realizada no Peru, cujo tema foi “A ideologia de gênero – seus perigos e alcances”. Parece que seus criadores se baseiam em dois livros para compor essa narrativa chamada “ideologia de gênero”: primeiro, no livro de Dale O’Leary intitulado Agenda de gênero, de 1996. O’Leary é uma militante pró-vida que participou das Conferências da ONU (do Cairo, em 1994, e de Pequim, em 1995) como delegada. Ela faz um relato dessas conferências, descreve, sob o seu ponto de vista, a ação das feministas em apresentar o conceito gênero e como, a partir dali, a ONU assume a chamada perspectiva de gênero para as políticas públicas sobre os direitos das mulheres. O outro referencial usado na construção dessa narrativa é o livro de Jorge Scala, cuja primeira edição é intitulada Ideologia de gênero: o gênero como ferramenta de poder, de 2010, que no Brasil, curiosamente, é intitulado Ideologia de gênero – o neototalitarismo e a morte da família, de 2015. O autor é um advogado argentino, conhecido defensor de causas antiaborto e contra os direitos das mulheres, membro do movimento pró-vida, que apresenta uma série de interpretações dos estudos de gênero, extremamente problemáticas e convenientemente articuladas para desqualificar tais estudos e apresentá-los como danosos para a sociedade. Portanto, parecem ser esses os principais referenciais usados na criação da narrativa chamada “ideologia UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 128 de gênero”, que nos últimos dois anos vem sendo divulgados e exaustivamente repetidos em vídeos, textos, cartilhas, documentos da CNBB, palestras etc. Uma retórica que afirma haver uma conspiração mundial entre ONU, União Europeia, governos de esquerda, movimentos feminista e LGBT para “destruir a família”, mas que, em última análise, objetiva, sim, propagar um pânico social e voltar as pessoas contra os estudos de gênero e contra todas as políticas públicas voltadas para as mulheres e a população LGBT, sobretudo nas questões relacionadas aos chamados novos direitos humanos, por exemplo, no uso do nome social, no direito à identidade de gênero, na livre orientação sexual. E qual a diferença entre ideologia de gênero e estudos de gênero? Primeiro, entender que todos nós, seres humanos, possuímos um sexo e um gênero. Enquanto o “sexo” é o conjunto dos nossos atributos biológicos, anatômicos, físicos e corporais que nos definem menino/homem ou menina/ mulher, o gênero é tudo aquilo que a sociedade e a cultura esperam e projetam, em matéria de comportamento, oportunidades, capacidades etc. para o menino e para a menina. O conceito gênero só surgiu porque se tornou necessário mostrar que muitas das desigualdades às quais as mulheres eram e são submetidas, na vida social, são decorrentes da crença de que nossa biologia nos faz pessoas inferiores, incapazes e merecedoras de menos direitos. O conceito gênero buscou não negar o fato de que possuímos uma biologia, mas afirmar que ela não deve definir nosso destino social. Originalmente, as reflexões acerca da influência da sociedade e da cultura, no conjunto das definições que nos dizem o que é “ser homem” e o que é “ser mulher”, se iniciaram nas ciências sociais e humanas, como sociologia, história, filosofia e antropologia, mas, hoje, os estudos de gênero se constituem num campo multidisciplinar, composto por várias abordagens e presente em todas as ciências – nas naturais, nas exatas, nas jurídicas, nas da saúde, nas da comunicação, do esporte etc. Hoje os estudos de gênero se aproximam também das discussões com outras identidades, como raça-etnia, classe social, religião, nacionalidade, condição física, orientação sexual etc., sendo, por isso, chamados de estudos de interseccionalidade. O conceito gênero permite, ainda, explicar os sujeitos LGBT, especialmente os sujeitos trans, na medida em que discutem, por exemplo, a identidade de gênero e o uso do nome social. Portanto, a perspectiva de gênero está na base dos novos direitos humanos e na justificativa das políticas de amparo às mulheres que repercute nas discussões acerca do conceito de vida e das leis sobre direitos sexuais e reprodutivos, e aborto e à população LGBT. Sem dúvida, se considerarmos que o conceito gênero permite as discussões acerca da posição da mulher na sociedade, da aceitação dos novos arranjos familiares, das novas conjugalidades nos relacionamentos afetivos, ampliação da forma de ver os sujeitos da pós-modernidade e no reconhecimento da chamada diversidade sexual e de gênero, então, não há campo do conhecimento contemporâneo mais impactante e perturbador para as instituições conservadoras e tradicionais que os efeitos reflexivos dos estudos de gênero. Isso nos faz entender porque o empenho tão enfático, persistente e até, em algumas situações, antiético das instituições que criaram e divulgaram essa narrativa denominada “ideologia de gênero”. Na minha opinião, há usos distintos da chamada “ideologia de gênero”. Parece que, no âmbito da cúpula da Igreja Católica, trata-se de uma questão TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE 129 dogmática e relacionada aos valores da ideologia judaico-cristã, que, segundo seus representantes, estariam sendo ameaçados pelo conceito gênero por causa das mudanças no comportamento das mulheres e nas leis sobre aborto, por exemplo, da aceitação das várias famílias e do reconhecimento dos direitos da população LGBT. Outro uso vem de representantes evangélicos: embora existam aqueles católicos que se aproveitam eleitoralmente dessa narrativa, usar a “ideologia de gênero” e sua suposta “ameaça” às crianças e à família tem sido mais presente em candidatosevangélicos – vide a chamada bancada cristã, que não apenas no Congresso Nacional, mas em todos os legislativos do país, deve aumentar, nas próximas eleições, à custa de campanhas cujo foco de “convencimento” deverá ser combater a ideologia de gênero. FONTE: Existe ideologia de gênero? Pública. Disponível em: <http://apublica.org/2016/08/existe- ideologia-de-genero/>. Acesso em: 3 nov. 2016. 130 Neste tópico, você aprendeu que: • As questões de gênero e sexualidade são parte das relações sociais e atribuem sentido para a sociedade. • Os conceitos de gênero e sexualidade vão além dos fatores biológicos, pois são construídos socialmente e possuem intencionalidades, na medida em que expressam valores e sentidos sociais. • As lutas pela representatividade ganharam espaço a partir dos anos 1960, visando dar visibilidade a diferentes modos de vida. • O feminismo busca a igualdade de gêneros e a superação da representação binária (masculino/feminino) que envolve as representações de gênero. • A história da educação no Brasil remete a períodos de exclusão das mulheres em relação ao espaço escolar, formando um hiato de gênero. • A educação formal possui características que acabam reforçando padrões de gênero excludentes. • A transformação da educação, no sentido de novas práticas voltadas à emancipação e à liberdade, contribui para a superação das desigualdades de gênero. RESUMO DO TÓPICO 1 131 1 As questões que envolvem o gênero e a educação no Brasil remetem à história da educação brasileira. Ao longo de boa parte da história de nosso país, as mulheres não tiveram acesso à educação, ou ainda, o acesso era restrito a uma pequena parcela da população. A partir da década de 1930 esse panorama passa por transformações. Partindo desse contexto, analise as alternativas e assinale com V para as verdadeiras e F para as falsas: ( ) O processo de industrialização que tomou impulso nos anos 30 levou a população para as fábricas, tornando o acesso à educação privilégio das elites e impedindo a expansão do ensino. ( ) O desenvolvimento capitalista não ocorreu de forma homogênea no território, refletindo nas desigualdades do acesso à educação entre as regiões do país. ( ) A universalização da educação só é garantida pela Lei de Diretrizes e Bases de 1961, que garante o acesso de todos ao sistema educacional. ( ) O surgimento das escolas públicas de massa remete a ações governamentais posteriores à Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Agora, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) F – V – V – F. b) ( ) V – V – V – F. c) ( ) F – F – F – V. d) ( ) V – F – V – F. 2 Partindo do pressuposto de que a questão de gênero é uma construção social carregada de intencionalidade e a educação contribui para a transmissão de saberes e valores, é possível afirmar que a educação formal legitima os padrões de dominação masculina presentes em nossa sociedade. Considerando esse contexto, analise as afirmações a seguir: I – O conteúdo dos livros didáticos sofreu transformações nos últimos anos e atribuiu significados similares para os papéis de homens e mulheres na sociedade. II – Os conteúdos e práticas didáticas procuram mostrar como se formam as desigualdades sociais e valorizam a diversidade. III – A educação formal valoriza o silêncio, a obediência e a acomodação. IV – Os significados sociais atribuídos na escola veem a desobediência como natural para os meninos e negativa para as meninas. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) As afirmações II e IV estão corretas. b) ( ) A afirmação I está correta. c) ( ) As afirmações III e IV estão corretas. d) ( ) As afirmações I e III estão corretas. AUTOATIVIDADE 132 3 Os debates sobre a questão da diversidade ganham espaço a partir dos anos 1960, quando grupos de estudantes, negros, mulheres e minorias sociais e étnicas levantam questionamentos em relação aos padrões sociais excludentes que dominavam nossa sociedade. Partindo desse contexto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O principal objetivo dessas lutas era garantir o direito ao voto e à participação política. b) ( ) O objetivo dessas lutas era o reconhecimento da representatividade dessas identidades. c) ( ) O debate da diversidade ganha espaço quando os padrões sociais se tornam includentes. d) ( ) Os padrões vigentes reconheciam a diversidade étnica, mas excluíam a questão de gênero. Assista ao vídeo de resolução da questão 1 133 TÓPICO 2 AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO A formação da sociedade brasileira é constantemente representada e recontada a partir da noção de diversidade cultural que remete ao processo de colonização europeia, das tentativas de escravização dos povos tradicionais, ao uso da mão de obra escrava dos povos africanos e aos processos de imigração europeia para substituição de mão de obra após o fim da escravidão. A sociedade brasileira é formada pela mistura de diferentes grupos étnicos que, ao longo da nossa história, formaram o que hoje entendemos como povo brasileiro e também o que compreendemos como cultura brasileira. Porém, o reconhecimento da diversidade étnica e cultural de nossa população não significa que não há preconceito ou exclusão social no Brasil. Como vimos na Unidade 1, as questões étnicas e culturais representam uma forma de desigualdade constituída em nossa sociedade. E o reconhecimento desse tipo de desigualdade esbarra no que conhecemos como mito da democracia racial. Partindo dessas noções apresentadas na Unidade 1, discutiremos, neste tópico, as implicações do reconhecimento da diversidade étnica e cultural para a educação, bem como os usos do termo multiculturalismo como forma de compreender melhor essas relações sociais. Assim como, abordaremos questões que procuram construir uma ponte entre as relações étnicas, o conceito de multiculturalismo apresentado na Unidade 1 e a necessidade de fazer valer a legislação, apresentada na Unidade 2. 2 RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA Para ampliar a discussão sobre a diversidade e educação no que diz respeito à questão das relações étnicas e da diversidade cultural brasileira, é fundamental resgatar elementos que nos permitam refletir sobre a formação da população brasileira. Observe a obra “Os Operários”, de Tarsila do Amaral: 134 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR FIGURA 32 - OS OPERÁRIOS – TARSILA DO AMARAL FONTE: Disponível em: <http://galeriadefotos.universia.com.br/ uploads/2012_05_21_23_54_570.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2016. Os rostos e as expressões escolhidas pela artista para representar os indivíduos que formavam os operários no período inicial da industrialização brasileira refletem uma característica mais marcante da cultural e da população brasileira: a diversidade. O povo brasileiro é formado por etnias e culturas que através da miscigenação formaram a sociedade brasileira. Segundo DaMatta (1986), a formação racial da população brasileira pode ser representada pela noção de um triângulo social no qual se encontram negros, brancos e índios. Esse triângulo se opõe à noção binária de negros e brancos construída em outras nações e gera uma forma de racismo particular da sociedade brasileira. Nesse contexto social, a sociedade brasileira não possui uma forma clara de preconceito, como aquelas que separam negros e brancos, por exemplo. Ao analisar a formação do povo brasileiro, Ribeiro (1995) analisa a formação das classes sociais e sua relação com as estruturas de poder. Nessa concepção, as classes sociais brasileiras são representadas por uma elite dominante, uma classe intermediária formada, principalmente, por profissionais liberais que se aproximaram dosideais da elite dominante ou se rebelaram contra o sistema, e uma classe subalterna. Nessa classe ficam mais evidentes as relações étnicas e raciais: Abaixo desses bolsões, formando a linha mais ampla do losango das classes sociais brasileiras, fica a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. São os enxadeiros, os boias-frias, os empregados na limpeza, as empregadas domésticas, as pequenas prostitutas, quase todos analfabetos e incapazes de organizar-se para reivindicar. Seu desígnio histórico é entrar no sistema, o que sendo impraticável, os situa na condição da classe intrinsecamente oprimida, cuja luta terá de ser a de romper com a estrutura de classes. Desfazer a sociedade para refazê-la (RIBEIRO, 1995, p. 209). TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 135 Para exemplificar essa forma de estratificação típica da sociedade brasileira, observe a divisão elaborada por Ribeiro (1995): FIGURA 33 - ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA FONTE: A autora É evidente que a sociedade brasileira passou por transformações desde a publicação dessas análises, porém é importante observar que as estruturas de poder e desigualdades sociais ainda permanecem em nossa sociedade. Considerando esse cenário, a sociedade brasileira não possui uma igualdade racial, apesar de reafirmar constantemente o valor da diversidade cultural. Tem por característica um preconceito velado, algo como um preconceito de ter preconceito. [...] Numa sociedade onde não há igualdade entre as pessoas, o preconceito velado é uma forma muito mais eficiente de discriminar pessoas de cor, desde que elas fiquem no seu lugar e ‘saibam’ qual ele é. [...] A mistura de raças foi um modo de esconder a profunda injustiça social contra negros, índios e mulatos, pois situando no biológico uma questão profundamente social, econômica e política, deixava-se de lado a problemática mais básica da sociedade (DAMATTA, 1986, p. 47). Essa noção de mistura e de diversidade permitiu conceber a sociedade brasileira como uma sociedade democrática racialmente, porém essa democracia 136 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR só existe quando todos sabem exatamente o lugar a que pertencem. Observe com atenção a tirinha de Quino: FIGURA 34 - IDENTIDADE, RAÇA E EDUCAÇÃO FONTE: Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/sites/default/files/images/mafalda_-_ preconceito_racial1.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016. Quais são as formas mais comuns de preconceito que você observa no seu cotidiano? E a escola, em quais situações a escola reproduz discursos ou práticas que excluem negros e indígenas, por exemplo? Seria possível então pensar em uma democracia racial brasileira? Na concepção de DaMatta (1986), tal realidade seria possível na medida em que o acesso ao direito básico da igualdade, previsto a todos os brasileiros na legislação, se tornasse uma prática social. 3 USOS DO TERMO MULTICULTURALISMO E AS RELAÇÕES ÉTNICAS NA EDUCAÇÃO O termo multiculturalismo é utilizado em diferentes áreas do conhecimento. No caso da educação, nos possibilita refletir e compreender melhor o universo de sujeitos e trajetórias diversas com as quais nos deparamos no cotidiano da escola e da literatura em educação. A discussão que resgata as noções de igualdade e desigualdade recorre a terminologias diversas que provocam a reflexão de pensadores em diferentes áreas. Para compreender melhor essa multiplicidade, vamos acompanhar as palavras de Santos e Nunes (2003, p. 25): Multiculturalismo, justiça multicultural, direitos coletivos, cidadanias plurais são hoje alguns termos que procuram jogar com as tensões entre a diferença e a igualdade, entre a exigência do reconhecimento da diferença e de redistribuição que permita a igualdade. Essas tensões estão no centro das lutas de movimentos e iniciativas emancipatórias que, contra as reduções eurocêntricas dos termos fundamentais (cultura, justiça, direitos, cidadania), procuram propor noções mais inclusivas e, simultaneamente, respeitadoras da diferença de concepções da dignidade humana. TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 137 Esse movimento em direção a novas concepções diante da diferença e das desigualdades coloca diante de nós desafios significativos em relação à ação pedagógica. Apenas reconhecer a diversidade e afirmar que a educação é para todos não significa que deixamos de reproduzir práticas de exclusão social. FIGURA 35 - DIVERSIDADE CULTURAL FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-N5Q-z6TUteY/UUHyCRNK8tI/ AAAAAAAAAmw/nEWdiJKoLvo/s1600/banner.JPG>. Acesso em: 2 nov. 2016. Quando falamos em multiculturalismo, nos referimos a uma pluralidade de culturas e à compreensão da complexidade das relações de significados que incorporam diferentes etnias, nacionalidades, sexualidades, gerações e classes sociais. Nesse sentido, a afirmação de uma sociedade marcada pela diversidade remete ao reconhecimento da pluralidade de grupos sociais, étnicos e culturais que fazem parte dessa sociedade (MACHADO, 2002). Entretanto, vale ressaltar que apenas fazer uso do termo multiculturalismo não significa a superação de noções etnocêntricas, pois a perspectiva multicultural exige dar voz às múltiplas culturas: "É preciso estipular formas de intervenção e educação para uma sociedade multicultural. Ao falar de multiculturalismo, é necessário que se dê visibilidade para diferenças étnicas, sexuais, regionais etc.” (MACHADO, 2002, p. 32). É preciso mais que admitir a existência de diversas culturas, é preciso superar os juízos de valor atribuídos a elas. Considerando os debates em relação ao multiculturalismo, é importante também apresentar as críticas ao uso do termo: 138 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR FIGURA 36 - CRÍTICAS AO MULTICULTURALISMO FONTE: Adaptado de Souza e Nunes (2003) A resposta a essas críticas, segundo Souza e Nunes (2003), caminha no sentido de reconhecer que o uso do termo multiculturalismo representa a designação de diferentes culturas em contextos transnacionais e globais. Porém, ainda persistem contradições nesse processo. O foco deve estar no caráter emancipatório do termo. A ideia de movimento, de articulação de diferenças, de emergência de configurações culturais baseadas em contribuições de experiências e de histórias distintas tem levado a explorar as possibilidades emancipatórias do multiculturalismo, alimentando os debates e iniciativas sobre novas definições de direitos, de identidades, de justiça e de cidadania (SOUSA; NUNES, 2003, p. 33). É preciso ressaltar que essas relações são influenciadas pelas dinâmicas que produzem e reproduzem as desigualdades e levam à marginalização de grandes grupos populacionais em todo o mundo. Nesse contexto, a cultura representa um espaço privilegiado no desenrolar da articulação e reprodução das relações sociais e também nos movimentos que afirmam antagonismo em relação a essas configurações (SOUZA; NUNES, 2003). Observamos aqui a relevância de dar voz ao outro, ao diferente. Afinal, como um aluno irá se identificar, ou ainda, desenvolver interesse em um conteúdo que omite a contribuição de sua cultura para a história, que nega sua presença na sociedade e/ou menospreza seu papel na sociedade? Todas as diversas formas de expressão cultural devem ter espaço no processo de ensino-aprendizagem. TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 139 Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural de Boaventura de Sousa Santos Trata-se de um vasto conjunto de estudos em que se dáconta de como, em diferentes países, os grupos sociais subalternos se organizam para resistir à exclusão social produzida pela globalização neoliberal e o fazem em nome da aspiração por um mundo melhor que julgam possível e a que sentem ter direito. Um dos campos de resistência e de formulação de alternativas é o multiculturalismo, tema deste volume, entendido como aspiração emancipatória de combinar a luta pela igualdade com a luta pelo reconhecimento da diferença. Nele cabem as políticas identitárias e os direitos coletivos dos povos indígenas e das mulheres, os movimentos regionais emancipatórios e de luta pela igual dignidade das orientações sexuais, o pluralismo jurídico e as concepções multiculturais dos direitos humanos. São analisados lutas e movimentos no Brasil, Colômbia, Índia, África do Sul, Moçambique e Portugal. FONTE: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Nesse sentido, o uso do termo multiculturalismo apresenta uma conotação geralmente positiva: […] refere-se à coexistência enriquecedora de diversos pontos de vista, interpretações, visões, atitudes, provenientes de diferentes heranças culturais. Seu conceito pressupõe uma posição aberta e flexível, baseada no respeito dessa diversidade e na rejeição a todo preconceito ou hierarquia. As várias perspectivas de compreensão do mundo devem ser consideradas igualmente e só podem ser julgadas em relação ao ponto de vista cultural (MACHADO, 2002, p. 37). Destaca-se aqui a superação do estabelecimento de hierarquia que coloca a cultura das elites dominantes em um patamar de superioridade em relação à cultura das classes populares. Bem como, na diferenciação entre representações culturais devido a questões étnicas ou que envolvam orientação sexual. Na visão do multiculturalismo, o ser humano é capaz de se relacionar com outras culturas. O multiculturalismo apregoa uma visão da vida e da fertilidade do espírito humano, na qual cada indivíduo transcende o marco estreito da sua própria formação cultural e é capaz de ver, sentir e interpretar por meio de outras tendências culturais. O modelo humano resultante é compreensivo, amplo, sensível e fundamentalmente rico; a capacidade interpretativa, de observação e até mesmo a emotiva multiplicam-se (MACHADO, 2002, p. 37-38). Considerando essa perspectiva, é possível não somente conviver com outras culturas, diferentes da nossa, mas também nos relacionarmos com elas e ampliar nossa capacidade de observação, interpretação e, especialmente, de compreensão da visão do outro. 140 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR LEITURA COMPLEMENTAR MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: VERTENTES HISTÓRICAS E REPERCUSSÕES ATUAIS NA EDUCAÇÃO Gilberto Ferreira da Silva Da multiculturalidade para a construção do conceito de uma educação intercultural A observação que se pode fazer em relação aos conceitos trabalhados no âmbito do debate acadêmico sobre a educação e multiculturalidade pode ser localizada em duas direções. A primeira e mais conhecida trata das questões dentro de um corpo teórico denominado educação multicultural; a segunda, educação intercultural. O contato com a produção de pesquisadores que buscaram construir uma conceitualização leva a um conjunto de características diversas enquanto definição teórica e, consequentemente, formas de orientação para implementação de políticas e práticas no sistema escolar. Uma primeira constatação é a utilização indistinta, na grande maioria dos estudos, dos termos educação multicultural e educação intercultural. Por outro lado, no interior da educação multicultural encontram-se representações de concepções do multiculturalismo mais geral. O discurso que envolve a compreensão de educação multicultural pode ser localizado pelo viés histórico de origem anglo- saxã. Essa apropriação não se limita exclusivamente a esse aspecto, mas apresenta concepções que organizo a partir das seguintes características. 1) a integração de elementos culturais de grupos étnicos distintos da sociedade no programa curricular, tais como datas comemorativas, celebrações, mitos, heróis etc.; 2) centralidade das preocupações a partir das diferenças culturais visíveis de grupos minoritários na sociedade, tais como negros, índios, ciganos, imigrantes etc.; 3) movimento de preservação da cultura histórica de um determinado grupo minoritário étnico; 4) centralidade no debate sobre os fenômenos multiculturais das sociedades contemporâneas e o próprio contexto cultural das instituições escolares. […] Em síntese, pode-se focalizar essa noção na direção de um contexto amplo de configurações caracterizadas como multiculturais. Nesse sentido, a ideia de uma sociedade multicultural, constituída por diferentes expressões culturais definidas a partir de grupos minoritários étnicos, pode ser ilustrativa da distinção entre educação multicultural e educação intercultural. […] Dada essa tendência em direção a uma maior diversidade cultural, fomentar a interculturalidade TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA 141 significa superar de vez a assimilação e a coexistência passiva de uma diversidade de culturas para desenvolver a autoestima, assim como o respeito e a compreensão aos outros. Portanto, prefiro preservar o termo multicultural para designação ou constatação do fato que resulta dos conflitos das mais diferentes ordens (etnia, religião, cultura, tradição, hábitos, movimentos migratórios etc.) e dos movimentos de transformação social que estamos vivendo em praticamente todas as sociedades, sejam do Primeiro Mundo, sejam do Terceiro Mundo. […] No contexto acadêmico brasileiro, o debate tem ganhado forma sob o termo multiculturalismo, tendo sido incorporado como objeto de estudo e preocupação de um grupo restrito de pesquisadores somente a partir das duas últimas décadas. Fortemente influenciadas pelos debates da academia norte-americana, as produções expressam noções que buscam diferenciar os vários tipos de multiculturalismo, sem apresentar preocupações distintivas no que diz respeito à interculturalidade. Objetivamente, o debate sobre a diferença cultural expressada por grupos étnicos centra-se em discussões que envolvem culturas indígenas e negras (afro- brasileiras), ou então o estudo com imigrantes europeus, principalmente no Sul do país. Da mesma maneira, constata-se que o debate no interior das práticas educativas tem indicado alternativas para pensar a educação dessas populações de formas diversas e seccionadas, sem levar em conta a perspectiva intercultural, estando inserido em um contexto social multicultural. Pontuando alguns elementos desse debate, podemos destacar: 1) a trajetória consolidada no campo dos estudos raciais, especialmente ligados à discriminação de populações afro-brasileiras no espaço escolar; 2) propostas pedagógicas de intervenção na realidade nacional multicultural a partir de projetos específicos para atender e valorizar expressões culturais de grupos e culturas distintas (principalmente negros e índios); 3) em grande medida, os trabalhos desenvolvidos no âmbito da pesquisa acadêmica buscam explicitar/denunciar a realidade da discriminação racial de que são vítimas as populações afro-brasileiras na sociedade de uma forma geral (característica dos anos 1970 até metade dos anos 1990); 4) a combinação de diferentes culturas convivendo em um mesmo território, seus cruzamentos, processos híbridos forjadores de novas identidades culturais ainda não ganham interesse de pesquisadores, restringindo-se a um grupo muito pequeno. […] Por essas razões, a noção de educação multicultural parece responder a uma definição conceitualque tanto articula em seu interior aspectos herdados do movimento multiculturalista norte-americano, como a luta por justiça social, quanto potencializa a convivência de diferentes culturas em um mesmo território, 142 UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR o diálogo e a comunicação entre os próprios sujeitos, resultando em processos formadores de identidades híbridas/mestiças. Ainda que se encontre em um estágio no qual as formulações apontam para caminhos a serem seguidos, o debate está em seu processo embrionário. Resta uma longa jornada até que se possa, de forma clara e precisa, alinhar definições conceituais com práticas coerentes no âmbito de uma educação pluralista que seja capaz de potencializar os diferentes elementos culturais expressos pelos diferentes grupos étnicos no conjunto da estrutura social. […] FONTE: SILVA, Gilberto Ferreira. Multiculturalismo e educação multicultural: vertentes históricas e repercussões atuais na educação. In: FLEURI, Reinaldo Matias. Educação intercultural: medições necessárias. DP&A, 2003. 143 Neste tópico, você aprendeu que: • A formação étnica brasileira é resultado do encontro de diferentes etnias representadas pelo triângulo racial formado por negros, índios e brancos. • As relações étnicas brasileiras representam diversas formas de preconceito que vão além da diferenciação entre brancos e negros. • As diferentes formas de preconceito esbarram no mito da democracia racial, no qual a valorização da diversidade cultural representaria uma sociedade sem preconceitos. • O uso do termo multiculturalismo se refere à pluralidade cultural e à complexidade de significados que essas diversidades produzem em termos de padrões culturais e sociais. • As noções de igualdade e desigualdade são centrais para a compreensão do conceito de multiculturalismo, pois remetem aos padrões de exclusão e valorização das culturas. • As críticas ao uso do termo multiculturalismo remetem ao excesso de valorização de determinadas culturas e à criação de uma nova forma de puritanismo. • A cultura representa um espaço privilegiado para a superação dos padrões de reprodução das desigualdades e da marginalização de grupos sociais. • A educação multicultural requer o reconhecimento da multiplicidade cultural sem atribuição de juízo de valor para classificar as representações culturais e a promoção do respeito à diversidade cultural. RESUMO DO TÓPICO 2 144 AUTOATIVIDADE 1 As práticas excludentes que observamos em nossas escolas são reflexo das dinâmicas sociais presentes em nossa sociedade e reproduzem as desigualdades sociais, assim como levam à marginalização de determinados grupos sociais. Considerando o multiculturalismo como uma noção que pode nos auxiliar na superação dessa realidade, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A cultura reproduz a exclusão social e, dessa forma, não permite o respeito à diversidade. b) ( ) O espaço da cultura é privilegiado, por permitir a valorização de diferentes representações. c) ( ) O antagonismo entre as culturas é natural e ocupa parte significativa do processo de aprendizagem. d) ( ) A marginalização das culturas garante a adaptação da população ao contexto da globalização. 2 O reconhecimento da diversidade representa desafios para a prática pedagógica, pois a educação tradicional não foi capaz de desenvolver práticas inclusivas, pelo contrário, as práticas pedagógicas tradicionais são consideradas homogeneizantes. Considerando esse cenário, analise as afirmações a seguir: I - O multiculturalismo se refere à compreensão da complexidade dos diferentes significados produzidos pelas culturas. II – A ideia de diversidade cultural representa a necessidade de questionar os padrões culturais através da educação. III – O conceito de multiculturalismo não se aplica à realidade da educação brasileira, pois a miscigenação cultural forma um único padrão de cultura. IV – É preciso criar novas formas de intervenção e educação que abarquem os desafios das sociedades multiculturais. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) As alternativas I e IV estão corretas. b) ( ) As alternativas II e IV estão corretas. c) ( ) As alternativas II, III e IV estão corretas. d) ( ) As alternativas I, II e III estão corretas. 3 A formação racial da população brasileira, através da mistura entre índios, negros e brancos, imprime um contexto particular no que diz respeito às relações étnicas, pois esse triângulo racial compõe uma relação que vai além da distinção binária entre brancos e negros. Partindo desse contexto, avalie as alternativas e assinale V para verdadeiras e F para falsas: ( ) O preconceito racial brasileiro segue o mesmo padrão daquele encontrado em outros países, pois diferencia brancos dos negros. 145 ( ) A noção de igualdade racial brasileira, através da valorização da miscigenação cultural, representa o mito da democracia racial brasileira. ( ) O preconceito racial no Brasil é uma forma de preconceito explícita baseada na noção de desvalorização das contribuições africanas para nossa cultura. ( ) O preconceito racial brasileiro é considerado velado, porque a forma de discriminar é garantir que as pessoas fiquem no seu lugar e saibam qual é seu lugar. Agora, assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA: a) ( ) F – V – F – V. b) ( ) V – V – F – F. c) ( ) F – F – V – F. d) ( ) V – F – V – V. Assista ao vídeo de resolução da questão 2 Assista ao vídeo de resolução da questão 3 146 147 TÓPICO 3 O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Os caminhos para chegar à universalização do acesso à educação de qualidade impõem a professores, gestores, alunos e pesquisadores da área da educação a tarefa de refletir sobre a formação de nossa sociedade, compreender as formas de preconceitos existentes e buscar metodologias e práticas didáticas que permitam reconfigurar as relações sociais no sentido do respeito à diversidade e educação democrática capaz de formar sujeitos críticos e autônomos em relação à sociedade em que vivemos. Conscientes do desafio que essas tarefas representam, apresentamos, neste tópico, reflexões teóricas que nos apontam novos entendimentos através das noções de alteridade e multiculturalismo. A ênfase em nosso último tópico está no papel do docente e na função social da escola perante o respeito à diversidade e à construção da cidadania. Convidamos você, caro acadêmico, a mais uma vez relembrar os conceitos trabalhados na Unidade 1 e resgatar as direções que a legislação nos mostra apresentadas na Unidade 2 para, então, refletir sobre o papel do docente. 2 DIVERSIDADE, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO A noção de alteridade, assim como a de multiculturalismo, nos permite ampliar nossa reflexão em relação à diversidade. Considerando a área da educação, a alteridade representa nosso encontro com o outro e os desafios e enfrentamentos que esse encontro provoca para alunos, professores, gestão e para a comunidade escolar. A escola constitui um espaço de estranhamento, pois o encontro com o outro revela um processo de entrar em contato com o desconhecido, um processo de estranhamento e desperta diversos sentimentos. Com efeito, os diferentes modos de reagir à presença do outro, representante do estranho, dependem de como o sujeito reconhece o Outro, como se coloca a ele a questão da alteridade. A relação do UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 148 estranhamento com o outro pode ser realizada na medida em que o outro representa o estranho, provocando estranheza, suscitando a angústia (THONES; PEREIRA, 2013, p. 510). Observa-se na relação de encontro com o outro a necessidade de estabelecer uma conexão de proximidade,como também a necessidade do afastamento. Esses sentimentos estão presentes nas relações sociais. No contato com o outro se desenvolve tanto a hostilidade, quanto a necessidade de aproximação (THONES; PEREIRA, 2013). Considerando esse contexto, a alteridade se constrói de duas formas: “existe a tentativa de fusão com o outro, não sendo reconhecida a sua diferença” (THONES; PEREIRA, 2013, p. 510), ou seja, o momento em que o encontro com o estranho desperta a necessidade de contato, de aproximação, de criação de laços; e em outra forma, “a impossibilidade de identificação com o outro, de um sujeito que se depara com uma alteridade para a qual é apresentada uma diferença sobremaneira radical” (THONES; PEREIRA, 2013, p. 510), nesse ponto desenvolve- se o estranhamento, a angústia e a hostilidade diante do outro, diante daquele que é diferente de nós. Na atualidade, verifica-se uma deficiência no reconhecimento do outro: na contemporaneidade, coexistem dois imperativos, o ‘seja igual’ e o ‘seja diferente’. Porém, pode-se afirmar que o seja diferente é um imperativo ilusório, pois significa uma exigência de ser original, de ser criativo, desde que se mantenha o mesmo, desde que sejam mantidas as regras do espetáculo (THONES; PEREIRA, 2013, p. 510). Nesse sentido, o diferente remete à construção de uma imagem própria e não ao reconhecimento do outro (THONES; PEREIRA, 2013). Nas relações que demonstram agressividade em relação ao outro o que ocorre é uma agressividade em relação ao sentimento de estranhamento que o outro desperta no sujeito. Em situações como essas fica evidente como distanciamos a figura do outro, o quanto não reconhecemos o diferente de nós com familiaridade e negamos a alteridade. Em quais momentos observamos esse movimento em nosso cotidiano? Como o outro é reconhecido na atualidade? Thones e Pereira (2013) nos mostram que o outro pode estar em qualquer lugar, mas na contemporaneidade o principal espaço de reconhecimento do outro é na participação do consumismo: “quem consome é reconhecido, quem não consome está fora” (p. 511). Na medida em que um determinado grupo está distante dos padrões de consumo estabelecidos pela sociedade, ele se torna distante dessa sociedade, mesmo quando está geograficamente próximo de outros grupos sociais. Enfatizar a necessidade do reconhecimento do outro não significa que a situação ideal é aquela em que se vivencia a aproximação absoluta. A diferença é parte da sociedade e da constituição dos sujeitos. É importante o convívio com os iguais, aqueles sujeitos que reconhecemos como iguais, mas a diferença é fundamental para o sujeito. Quando reconhecemos essa relação é possível superar a crueldade em relação ao diferente, pois vamos reconhecer que não somos nós mesmos sem o reconhecimento do outro (THONES; PEREIRA, 2013). 149 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Observe, caro acadêmico, na tirinha de Quino, que ao levantar um questionamento para um grupo de pessoas é possível observar respostas diferentes construídas a partir de visões de mundo diferentes: FIGURA 37 - DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO: RECONHECENDO A CONCEPÇÃO DE MUNDO DO OUTRO FONTE: Disponível em: <http://www.vestibulandoweb.com.br/enem/simulado-enem-2014- tirinhas-charges-parte-1_5.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2016. Ao trazer a análise da alteridade para o contexto mais específico da educação, Thones e Pereira (2013) afirmam que fatos, acontecimentos, pessoas ou objetos de estudos não trazem um significado pronto. Não há definição preestabelecida para objetos ou relações. A classificação que estabelecemos entre os sujeitos ocupa planos diferentes. As noções de visibilidade ou invisibilidade de um objeto vêm do julgamento e classificação que atribuímos a eles, ou seja, é o sujeito que determina quem ele é e quem são outros. Nesse sentido, podemos destacar a questão da deficiência como anormalidade. No contexto educacional o deficiente representa a anormalidade. Ao realizar o julgamento de reconhecer a si mesmo ou ao outro se estabelece também o incluir e o excluir, ou seja, se configura uma organização que determina quem está dentro e quem está fora (THONES; PEREIRA, 2013). Quando atribuímos à pedagogia a noção de pilar da educação no sentido de formar a base da educação do sujeito, atribuímos à pedagogia a tarefa de reconhecer no sujeito em formação a figura do outro e colocar diante dele nossa cultura. Porém, é preciso estar atento à forma como se encaminha esse processo. A integração e a adaptação de um indivíduo são o projeto civilizatório de conquista da felicidade de modo que a aderência do sujeito a uma comunidade constitui-se como uma atividade altruísta. Todavia, ela não se dá de maneira harmônica quanto se poderia pensar, sobretudo porque a necessidade de satisfação individual pode se chocar com as necessidades de uma dada coletividade (THONES; PEREIRA, 2013, p. 515). Em nossa cultura, a forma como os indivíduos são educados coloca o bem maior como objetivo. Educando com essa noção, as diversidades – étnicas, raciais, de classes, de gênero, de orientação sexual, entre outras – são reprimidas e dão UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 150 espaço para a ideia de que quando todos são iguais e se submetem às mesmas regras, a harmonia social é garantida (THONES; PEREIRA, 2013). Para compreender o outro em relação à sua individualidade não podemos olhar para o outro como objeto de nossos pensamentos. É preciso ser um receptor dos pensamentos do outro. Segundo Veiga (2010, p. 37), “o pensar sobre o outro precisa ser substituído pelo pensar seguindo o outro". Isso significa deixar os pensamentos em segundo plano para abrir espaço e observar como o outro desenvolve uma linha de pensamento diferente. Compreender a individualidade do outro vai além de identificar características genéricas, o outro é muito mais que um conjunto de características externas. Nesse sentido, para compreender o papel social do outro também se exige esse movimento de pensar seguindo o outro, pois não é possível avaliar e/ou julgar o outro com base em atribuições externas. Esse pensamento nos direciona para a superação da discriminação e das desigualdades, na medida em que nos leva a superar preconceitos em relação ao outro (VEIGA, 2010). 3 DESAFIOS DO PROFESSOR EM RELAÇÃO À ALTERIDADE Caro acadêmico, para iniciar nossa reflexão a respeito do papel do professor diante dos desafios impostos pela relação entre diversidade e educação, recorremos às palavras de Pinheiro (2010, p. 39), em sua análise sobre educação e alteridade: Algo urgente chama nossa atenção nas atuais discussões sobre a questão da alteridade: a necessidade de uma formação que insira a tolerância como fundamental no processo de educação, principalmente se a ideia de educação pretendia seguir os princípios normativos de uma educação voltada para o pleno desenvolvimento do espírito cidadão e democrático de cada um. A tolerância é essencial para pensarmos em uma educação de qualidade e na construção de um processo formativo no qual todos os sujeitos possam encontrar as mesmas condições para adquirir novos conhecimentos e desenvolver competências e habilidades. Entretanto, tal tarefa é um desafio para a escola e para os professores, isto porque exige uma postura aberta para o outro. 151 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Educação igual para todos? Beatriz Vargas Dorneles Está na hora de reencontrarmos as necessidades individuais dos alunos e repensarmos o nosso papel na sua formação, não só dos ditos “diferentes”, mas de todos aqueles com os quais temos um compromisso educacional. Nunca tivemos um percentual tãogrande da população mundial na escola. Mesmo assim, ainda estamos longe de uma educação para todos. Mas o que é exatamente isso? É uma educação em que a maioria das pessoas tem acesso à escola? No Brasil, já existe esse acesso, mas não há uma educação para todos. Então se trata de uma educação em que todos têm as mesmas oportunidades educacionais, mesmo chegando desiguais à escola? Talvez, porém essa meta é mais difícil, e nós ainda precisamos caminhar muito para chegar lá. O que está faltando? Já dispomos de uma legislação que garante a todas as crianças o direito à escola e uma rede de escolarização que recebe essas crianças. Contudo, nós, professores, ainda não sabemos como real¬mente efetivar essa escolarização. Continuamos esperando que nossas turmas sejam homogêneas, que possamos fazer um único plano para todos os alunos e que eles cumpram suas tarefas de acordo com o planejamento. A realidade, no entanto, tem sido dura: temos alunos que não aprendem no ritmo que pretendemos e que nem sequer aprendem os conteúdos que ensinamos. O que fazer com eles? Essa pergunta torna-se emblemática para o momento atual da chamada educação para todos: quase todas as crianças estão na escola, mas não sabemos o que fazer com muitas delas. Até pouco tempo atrás, essas crianças não passavam dos primeiros anos do Ensino Fundamental e depois eram enviadas para escolas especiais, porém, hoje elas chegam aos últimos anos e inclusive ao Ensino Médio. [...] A nossa escola pública desenvolveu-se historicamente voltada para a homogeneização. O início da ideia de escola pública para todos no século XVIII e sua expansão no século XIX aconteceram para preparar a mão de obra necessária para atender aos processos de industrialização crescente que a Revolução Industrial estava a impor. Era preciso aprender a ser bom trabalhador para produzir, e isso incluía uma forma mais educada de agir e um certo domínio da leitura e escrita, aspectos que a escola garantia. [...] Contudo, a sociedade do século XXI é cada vez mais híbrida; as mudanças são muito rápidas e radicais; as diferenças sociais, econômicas e culturais têm se acentuado. Para viver em tal complexidade, teremos de preparar nossos alunos. Vivemos em uma sociedade heterogênea e complexa, e essa heterogeneidade faz parte da riqueza humana, da essência da natureza humana. Por complexa entendo uma sociedade formada por várias facetas culturais, sociais, familiares, educacionais e políticas que se inter-relacionam de diferentes formas. [...] As mudanças trazem sempre novos desafios, inseguranças e incertezas, tal como ocorre com a ideia de uma escola para todos. Perseguimos durante centenas de anos um ideal de homogeneidade que não encontramos e que, nas poucas vezes em que o vislumbramos, mostrou-se empobrecido. A diversidade como elemento essencial na nossa história humana tem se mostrado produtiva e enriquecedora da prática cotidiana. Precisamos aceitar tal diversidade com estudo, reflexão e construção de alternativas pedagógicas que nos façam desenvolver cotidianamente a tolerância como um valor, reciclando-nos no dia a dia. [...] FONTE: DORNELLES, Beatriz Vargas. Educação igual para todos? Disponível em: <http://loja. grupoa.com.br/revista-patio/artigo/6328/educacao-igual-para-todos.aspx>. Acesso em: 2 nov. 2016. UNI UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR 152 O encontro com o outro, mesmo despertando o sentimento de estranhamento e angústia, pode ser um momento positivo. Quando os atores da educação oferecem um caminho para o encontro com o outro é possível construir uma relação que supere a angústia e/ou agressividade que emergem no encontro com outros significantes. É possível conduzir um encontro que leve à construção da familiaridade e não da agressividade em relação ao outro, ao novo, ao diferente. Para tanto, é necessário que todos os atores envolvidos nesse processo – incluindo o professor – estejam abertos para o outro (THONES; PEREIRA, 2013). Além disso, é fundamental que o professor esteja atento à sua tarefa do próprio reconhecimento. Devemos admitir o caráter desafiador e até desesperador dessa tarefa. Afinal, a educação “é o lugar por excelência do escamoteamento do vazio que nos constituiu e que constitui nossas regras, normas de conduta e projeto civilizatório” (THONES; PEREIRA, 2013, p. 516). Bem como, há uma resistência em relação a tal tarefa, quando o sujeito não olha a si mesmo acaba negando a existência do outro. Diante desse impasse, a mudança de comportamento em relação à forma de lidar consigo mesmo e com o outro é imprescindível para promover o respeito à diversidade. Mudar a forma como reconhecemos a nós mesmos abre caminho para reconhecer o outro. Thones e Pereira (2013) nos mostram como desenvolvemos um sentimento de angústia no encontro com o outro. O outro, nesse caso, faz referência a um sujeito com características culturais, étnicas ou sociais diferentes das nossas. Esse sentimento de angústia e/ou estranhamento se faz presente quando não somos capazes de enquadrar ou classificar outros sujeitos em nosso universo, em nossas regras ou ainda em nossos valores. A dificuldade de enquadramento é uma representação simbólica da influência da cultura na sociedade e na construção da identidade de cada indivíduo. Reconhecemos quem somos – e aqueles diferentes de nós – através da cultura. Nesse sentido, quando nos deparamos com o outro, com o diferente, sentimos um estranhamento e essa percepção é natural, pois em diversos momentos não desenvolvemos uma identificação ou empatia imediata em relação a indivíduos diferentes de nós e tentamos enquadrá-los em nossos padrões culturais (THONES; PEREIRA, 2013). Em outras palavras, a educação pode ser diferente. É possível olhar para o diferente, para aquele que não se encaixa nos padrões socialmente estabelecidos, reconhecendo o estranho não como algo a ser transformado, adaptado, escondido ou excluído, mas como parte da nossa própria percepção. A pedagogia pode ser antipedagogizante quando parte da condição do não saber. Nessa pedagogia os olhares se voltam a nós mesmos como o outro. Para tanto é necessário abrir mão, por vezes, do já conhecido ou preestabelecido. Abrir espaço para o outro é também abrir espaço para o novo através de novas metodologias. Desse modo, podemos ver o outro e abrir espaço para o novo com familiaridade e proximidade (THONES; PEREIRA, 2013). 153 TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Outro elemento a ser considerado nesse contexto são os impactos da modernidade e da globalização para a sociedade e seus reflexos na educação. Conforme nos mostra Nabuco (2010), com a globalização mundializou-se uma condição humana que produziu um grande número de excluídos, pessoas que são consideradas desnecessárias para a sociedade e, consequentemente, não fazem parte das instituições sociais. “As práticas de inclusão e a educação estão às voltas com essa modernidade líquida e com o fluxo da informação sem fronteiras que aparece como desestruturação e esgarçamento dos laços sociais, o que não deixa de acelerar o processo de segregação/exclusão” (p. 72). Esse novo contexto da educação no espaço social abre outros espaços e concepções sobre os indivíduos, especialmente para aqueles que fazem parte dos grupos que devem ser incluídos no processo educativo. As novas formas de compreender o outro na modernidade permitem superar categorias reducionistas, como aquelas comumente utilizadas para pessoas com deficiência (NABUCO, 2010). Com as transformações nos limites entre o normal e o patológico já não é possível reduzir esses indivíduos a pressupostos já construídos. Saímos da era da educação repressiva e entramos na era da invenção e da criação fora da norma, fora da complementaridade.
Compartilhar