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educacao_e_diversidade_-unidad (2)

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115
UNIDADE 3
O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO 
COTIDIANO ESCOLAR
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir desta unidade você será capaz de:
•	 refletir	sobre	a	questão	das	relações	étnico-raciais,	entendendo-as	como	um	
desafio,	bem	como	uma	potencialidade	para	o	campo	educacional	e	para	as	
novas	estratégias	de	democratização	e	transformação	da	sociedade;
•	 analisar	a	questão	da	diversidade	em	seus	aspectos	biológicos	e	culturais,	
com	ênfase	nas	questões	de	gênero;
•	 reconhecer	a	constituição	das	diferentes	culturas	manifestadas	na	escola.
Esta	unidade	está	dividida	em	três	tópicos	e	em	cada	um	deles	você	encontrará	
atividades	que	o	ajudarão	a	aplicar	os	conhecimentos	apresentados.
TÓPICO 1 – O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE
TÓPICO 2 – AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE 
BRASILEIRA
TÓPICO 3 – O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA 
NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Assista ao vídeo 
desta unidade.
116
117
TÓPICO 1
O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
O	 espaço	 do	 debate	 sobre	 gênero	 e	 sexualidade	 na	 educação	 exige	 o	
reconhecimento	 dos	 aspectos	 biológicos	 e	 culturais	 da	 questão	 de	 gênero	 e	
sexualidade,	bem	como	a	compreensão	das	identidades	de	gênero	presentes	em	
nossa	sociedade	e,	por	consequência,	na	escola.
Inicialmente,	 lembremo-nos	 das	 formas	 como	 a	 questão	 de	 gênero	
se	 expressa	no	 contexto	da	 escola.	De	 forma	geral,	 a	distinção	 entre	meninos	 e	
meninas	 fica	 restrita	 à	 realização	 de	 atividades	 como	 jogos,	 por	 exemplo.	 Fora	
dessas	 situações	 não	 são	 observadas	 outras	 distinções	 realizadas	 de	 forma	
sistemática.	Porém,	as	diferenças	de	gênero	se	expressam	em	outras	formas,	como	
as	 expectativas	 dos	 professores,	 rituais	 escolares	 ou	 ainda	 no	 currículo	 oculto	
(GIDDENS,	2005).
As	 representações	 de	 gênero	 podem	 ser	 observadas	 nos	 livros	 que	 são	
utilizados	 nas	 escolas.	 Grande	 parte	 dos	 livros	 para	 meninos	 retrata	 meninos	
em	 situações	 de	 independência	 e	 aventura	 em	 cenários	 variados,	 enquanto	 as	
histórias	para	meninas	mostram	personagens	mais	passivas	e,	quando	envolvidas	
numa	trama	de	aventura,	essa	se	desenrola	em	um	ambiente	doméstico	ou	escolar	
(GIDDENS,	2005).	
Reconhecendo	a	tarefa	de	promover	o	respeito	às	 identidades	de	gênero	
como	desafio	e	partindo	do	pressuposto	de	que	é	fundamental	manter	um	diálogo	
aberto	 e	 democrático	 no	 que	 compete	 à	 educação,	 buscaremos,	 neste	 tópico,	
apresentar	 aspectos	 das	 teorias	 do	 gênero	 e	 da	 sexualidade	 com	 o	 objetivo	 de	
ampliar	nossas	possibilidades	de	reflexão	acerca	dessa	temática.
2 POR QUE TRATAR DA QUESTÃO DE GÊNERO E 
SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO?
Caro(a)	acadêmico(a),	convidamos	você	a	ler	atentamente	o	trecho	a	seguir:
Em	um	episódio	da	série	televisiva	Law	and	Order,	um	grupo	de	
policiais	é	julgado	por	homicídio	doloso,	por	haver	deixado	de	
atender	ao	pedido	de	auxílio	de	um	colega	policial	que	havia	sido	
atingido	(e,	em	seguida,	morto)	por	um	bandido.	Esse	colega	era	
gay.	A	cena	do	 julgamento	mostra	a	acusação	apontando	para	
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
118
inúmeros	 antecedentes	 de	 preconceito	 e	 discriminação	 que	 os	
réus	tinham	em	relação	à	vítima,	e	a	defesa	apela	para	o	fato	de	que	
os	 réus	 (policiais)	 haviam	demonstrado	 sentimentos	 coerentes	
com	os	da	maioria	das	pessoas.	Para	 apoiar	 seu	argumento,	 a	
defesa	 chama	 um	 psiquiatra	 que	 afirma	 que	 a	 homofobia	 é	
um	 sentimento	 comum,	 bastante	 frequente,	 especialmente	
entre	homens.	 Interpelado	pelo	promotor,	o	psiquiatra	explica	
que	a	manifestação	de	raiva	extrema	é	patológica	e,	por	isso,	é	
involuntária.	Apelando	para	os	jurados,	a	defesa	pede-lhes	para	
pensar	 se	 não	 têm	 sentimentos	 semelhantes	 aos	 dos	 acusados	
(ou	 seja,	 sentimentos	 de	 repulsa	 ou	 de	 rejeição)	 em	 relação	
aos	 homossexuais	 e	 conclui:	 ‘Eles	 nada	 mais	 fizeram	 do	 que	
manter	e	preservar	os	valores	da	comunidade	em	que	viviam	–	e	
essa	era	sua	função	como	policiais’.	O	episódio	termina	com	a	
absolvição	de	 todos	os	 réus.	O	final	 talvez	possa	 surpreender,	
mas,	 ao	mesmo	 tempo,	por	mais	 intolerável	que	 seja,	 também	
parece	coerente	com	o	que	se	costuma	ver	na	chamada	‘vida	real’	
(LOURO,	2007,	p.	203).
Em	 primeiro	 plano	 é	 preciso	 considerar	 que	 as	 questões	 de	 gênero	 e	
sexualidade	são	parte	das	 relações	sociais	que	atravessam	nossa	sociedade,	não	
constituem	 um	 universo	 paralelo.	 Tais	 questões	 podem,	 inclusive,	 gerar	 certo	
desconforto	 quando	 debatidas,	 por	 expor	 práticas	 de	 preconceito	 e	 exclusão	 e	
propiciar	o	questionamento	da	ordem	social	vigente.
Como	nos	mostra	Louro	(2007),	gênero	e	sexualidade	estão	presentes	em	
instituições,	 discursos,	 normas	 e	 práticas	 e,	 por	 este	 motivo,	 atribuem	 sentido	
à	 sociedade.	 E	 para	 compreender	 essas	 questões	 é	 necessário	 passar	 a	 pensá-
las	como	questões	individuais	e	passar	a	reconhecê-las	como	sociais	e	culturais:	
“As	formas	de	viver	a	sexualidade,	de	experimentar	prazeres	e	desejos,	mais	do	
que	 problemas	 ou	 questões	 de	 indivíduos,	 precisam	 ser	 compreendidas	 como	
problemas	ou	questões	da	sociedade	e	da	cultura”	(p.	204).
As	questões	de	gênero	e	sexualidade	compõem	esse	universo,	na	medida	
em	que	a	escola	vivencia	os	reflexos	de	situações	como	a	violência	contra	a	mulher	
e	a	homofobia.	Considerando	esse	contexto,	fica	evidente	a	relevância	desse	debate	
para	a	educação	e	para	a	promoção	da	garantia	do	acesso	e	permanência	de	todos	
na	escola	e	no	respeito	à	diversidade.
3 GÊNERO E SEXUALIDADE: RESGATANDO CONCEITOS
Para	 compreender	 o	 que	 representam	 de	 fato	 os	 desafios	 apresentados	
acima,	 relembramos	 que	 os	 conceitos	 de	 gênero	 e	 sexualidade	 são	 socialmente	
construídos	e	carregados	de	intencionalidade.
TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE
119
Os conceitos de gênero e sexualidade foram apresentados na Unidade 1. Faça 
uma pausa e releia o texto para relembrar a importância desses conceitos no contexto da 
diversidade.
As	 discussões	 de	 gênero	 constantemente	 fazem	 referência	 à	 obra	 “O	
segundo	sexo”,	de	Simone	de	Beauvoir	 (1980,	p.	 9),	 e	 a	 célebre	 frase	“ninguém	
nasce	mulher,	 torna-se	mulher”.	A	 obra	 colaborou	para	 a	 afirmação	do	 gênero	
como	construção	social	e	para	a	superação	de	visões	estritamente	biológicas	dessa	
questão.
Educação sexual: precisamos falar sobre Romeo...
... Iana, Roberta e Emilson. A escola trata com preconceito quem desafia as normas 
de papéis masculinos e femininos. A seguir, uma discussão sobre sexo, sexualidade e 
gênero
O pequeno Romeo Clarke tem cinco anos e adora usar seus mais de 100 vestidos 
para as atividades do dia a dia. "Eles são fofos, bonitos e têm muito brilho", explicou ao 
tabloide britânico Daily Mirror. Clarke virou notícia em maio do ano passado. O projeto 
de contraturno que ele frequentava na cidade de Rugby, no Reino Unido, considerou as 
roupas impróprias. O menino ficou afastado até que decidisse - palavras da instituição - "se 
vestir de acordo com seu gênero". [...]
Paradoxalmente, quem tem ensinado a escola a agir no respeito à diversidade são os 
próprios estudantes. "Na contemporaneidade, multiplicaram-se os grupos, os sujeitos e 
os movimentos, as maneiras de se identificar com gêneros e de viver a sexualidade. Não 
há apenas uma forma de ser, mas tantas quantas são os seres humanos", afirma Guacira 
Lopes Louro, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das 
principais referências na área de estudos de gênero. [...]
A instituição deve ser um ambiente em que todos os alunos se sintam acolhidos. Para que 
isso aconteça, é importante que a sexualidade seja discutida constantemente, mostrando 
que não há uma única maneira possível de explorá-la. Também é preciso apoiar alunos 
que busquem os educadores para discutir sua sexualidade. Nas regras de convivência e nas 
ações concretas de gestorese professores, deve estar claro que situações de homofobia e 
piadinhas não são toleráveis.
FONTE: NOVA ESCOLA. Disponível em: <http://novaescola.org.br/conteudo/80/
educacao-sexual-precisamos-falar-sobre-romeo?fb_comment_id=75936716415
4935_889649957793321>. Acesso em: 2 nov. 2016.
ATENCAO
UNI
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
120
A	partir	dos	anos	1960	a	questão	da	 identidade	ganha	espaço	no	debate	
cultural	 na	 medida	 em	 que	 estudantes,	 negros,	 mulheres,	 minorias	 sexuais	 e	
étnicas	 passam	 a	 questionar	 os	 padrões	 sociais	 excludentes	 e	 consolidados	 até	
então.	O	foco	inicial	era	dar	visibilidade	a	diferentes	modos	de	viver	e,	ao	longo	
do	processo,	passaram	a	travar	uma	luta	pela	representatividade	(LOURO,	2008).
Essas	lutas,	incluindo	movimentos	sociais	organizados,	como	o	feminista	e	
das	minorias	sexuais,	buscou	acesso	e	controle	de	espaços	culturais:	“[...]	a	mídia,	
o	cinema,	a	 televisão,	os	 jornais,	os	currículos	das	escolas	e	universidades	eram	
fundamentais”	 (LOURO,	2008,	p.	20).	Observamos	que	essas	 lutas	se	davam	no	
âmbito	dinâmico	das	transformações	culturais,	pois	até	então	a	voz	que	dominava	
era	 branca	 e	masculina,	 era	 necessário	 ocupar	 esses	 espaços	 para	mostrar	 que	
havia	outras	vozes	e	representações	na	sociedade.	Observe	com	atenção	a	tirinha	
de	Laerte:
FIGURA 28 - GÊNERO E EDUCAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DE PAPÉIS SOCIAIS
FONTE: Disponível em: <https://docencialpesquisa.files.wordpress.com/2010/06/
copadomundo-laerte-1.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016.
E	agora	a	tirinha	do	personagem	Armandinho,	de	Alexandre	Beck:
TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE
121
FIGURA 29 - GÊNERO E EDUCAÇÃO: IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
FONTE: Disponível em: <http://67.media.tumblr.com/6d7a7307cceedffec629ca9d19cb8f19/
tumblr_ngndroNIX01u1iysqo1_1280.png>. Acesso em: 15 nov. 2016.
Afinal,	é	possível	definir	atividades	para	meninos	e	para	meninas?	Como	
a	escola	reproduz	padrões	de	gênero?	Identifique	situações,	como	a	mostrada	na	
tirinha,	que	reproduzem	padrões	sociais	preestabelecidos.
Vale	lembrar	que	a	proposta	feminista	não	representa	a	luta	pela	construção	
de	um	padrão	onde	o	 feminino	 é	 superior	 ao	masculino.	O	 feminismo	busca	 a	
igualdade	de	gênero	através	da	superação	da	dominação	masculina	que	prevalece	
em	 nossa	 sociedade.	 Os	 exemplos	 dessa	 dominação	 podem	 ser	 observados	 na	
violência	contra	a	mulher	no	mercado	de	trabalho,	com	média	salarial	inferior	em	
relação	aos	homens.	Acompanhe	na	figura	a	seguir	as	diferentes	identidades	de	
gênero	e	suas	representações.
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
122
FIGURA 30 - IDENTIDADE DE GÊNERO
FONTE: Disponível em: <http://comarte.upf.br/wp-content/uploads/2013/11/
Alessandra-Formagini.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016. 
Gênero e educação
Guacira Lopes Louro e Dagmar Estermann Meyer
 
Organizar este dossiê consistiu, para nós, um grande desafio. Por certo, não precisamos "inventar" 
justificativas para a oportunidade de sua publicação: de um lado, porque a demanda pela inclusão 
na REF de artigos voltados para a Educação já vem se manifestando há algum tempo; de outro 
lado, porque reconhecemos que as questões de gênero e sexualidade vêm ganhando espaço 
nas análises e pesquisas educacionais, ainda que não com o ritmo ou da forma como muitas 
de nós, estudiosas feministas, desejávamos e esperávamos. De qualquer modo, entendemos 
que a articulação entre Educação e Estudos Feministas é um processo em curso e que o dossiê 
deveria ser representativo desse processo. Tal tarefa nos parecia, contudo, quase impossível de ser 
realizada a contento.
Diversas questões e temáticas, com distintas perspectivas teóricas e enfoques metodológicos, 
vêm sendo priorizadas e assumidas por educadores, trabalhadores culturais e intelectuais. Esses 
estudiosos estão, por sua vez, espalhados em diversos centros de pesquisa, universidades ou 
escolas, formam núcleos e grupos de estudos ou trabalham isoladamente, em várias regiões do 
UNI
TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE
123
país, e tentam estabelecer um diálogo com a teorização e a produção internacional da área. Seria 
preciso reconhecer, ainda, que, não apenas nestes espaços, mas também em escolas e centros 
comunitários, alguns docentes e estudantes questionam suas experiências e ensaiam práticas sob 
a ótica do gênero. Um processo, portanto, plural, polêmico e complexo, no qual práticas educativas 
e pedagógicas cotidianas incitam questões e problemas teóricos, ao mesmo tempo que novas 
teorias e movimentos sociais provocam ou transformam as práticas pedagógicas. Seria possível 
expressar adequadamente essa multiplicidade?
O presente dossiê traz apenas uma pequena amostra desse quadro. Os artigos que se seguem, 
produzidos por estudiosos de algumas instituições brasileiras, são construídos a partir de diferentes 
posições disciplinares e teóricas e elegem algumas temáticas relevantes para o campo educacional, 
mais uma vez, distintamente concebidas. O leitor atento poderá perceber pontos divergentes e de 
tensão entre eles. Entendemos, contudo, que essa característica se constitui em uma das "marcas" 
mais instigantes e produtivas do feminismo e que, portanto, não há sentido em negá-la.
No artigo que abre o dossiê: "Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo", Fúlvia 
Rosemberg questiona a esperada articulação entre os estudos de gênero e o campo da educação 
e, com apoio de dados quantitativos recentes, apresenta um quadro crítico da situação de 
homens e mulheres no sistema educacional brasileiro. A autora analisa, ainda, as metas nacionais 
e internacionais hoje afirmadas em relação à igualdade de oportunidades de gênero na educação 
e põe em discussão algumas das interpretações convencionais.
Em "Teoria queer: uma política pós-identitária para a Educação", Guacira Lopes Louro busca 
analisar questões significativas da teorização queer e indicar alguns desafios que ela pode sugerir 
ao campo educacional. "Como", pergunta a autora, "uma tal teoria, declaradamente não propositiva, 
pode 'falar' a um campo que, tradicionalmente, vive de projetos e de intenções, objetivos e planos 
de ação?" A transgressão de fronteiras sexuais e de gênero e o questionamento da dicotomia 
heterossexualidade/homossexualidade – centrais na análise queer – servem aqui de mote para 
refletir sobre o atravessamento e a contestação de muitos outros binarismos importantes para o 
campo educacional. 
Para construir o artigo intitulado "Mau aluno, boa aluna? Como os professores avaliam meninos e 
meninas", Marília Carvalho recorre a uma pesquisa qualitativa realizada com docentes de uma escola 
pública de Ensino Fundamental em São Paulo. Os depoimentos favorecem uma aproximação mais 
'direta' ao cotidiano escolar e permitem à autora uma análise interessante dos critérios de avaliação 
e das opiniões dos docentes sobre comportamentos, atitudes, sucessos e insucessos de meninos 
e meninas.
Helena Altmann privilegia uma questão que, nos últimos anos, ocupa (e preocupa) professoras 
e professores das escolas brasileiras, ou seja, as diretrizes dos PCN. No artigo "Orientação Sexual 
nos parâmetros curriculares nacionais", a estudiosa discute como o dispositivo da sexualidade é 
apresentado neste documento oficial e as proposições que são feitas para operar nas escolas com 
este 'tema transversal'. Finalmente, ela se volta para os efeitos de tais propostas nas salas de aula, 
mais particularmente, nas atividades da Educação Física.
O artigo que encerra o dossiê: "Mídia e educação da mulher: uma discussão teórica sobre modos 
de enunciar o feminino na TV", assinado por Rosa Fischer, sai do espaço escolar e assume a 
educação em seu sentido mais amplo. Recorrendo a conceitos de Michel Foucault e Homi Bhabha, 
bem como às formulações de Maria Rita Kehl sobre a enunciação do feminino, a autora analisa 
criticamente o discurso que a televisão brasileira vem produzindo sobre as mulheres.
Longe de sugerirconclusões ou propostas definitivas, esperamos que este conjunto de textos 
estimule o debate e suscite outros estudos e análises sobre possíveis articulações entre a Educação 
e os Estudos Feministas.
FONTE: Revista Estudos Feministas. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0104-026X2001000200010>. Acesso em: 2 nov. 2016.
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
124
4 GÊNERO E EDUCAÇÃO NO BRASIL
Para	compreender	as	diferentes	dinâmicas	que	se	desdobram	das	questões	
de	gênero	no	Brasil,	retomamos	a	trajetória	da	expansão	do	acesso	à	educação	em	
nosso	país	considerando	o	acesso	de	homens	e	mulheres	ao	ensino	e	sua	relação	
com	a	estrutura	social	brasileira.
Os	reflexos	dos	desafios	sociais	apresentados	até	aqui	tiveram	repercussão	
na	educação	brasileira.	Um	dos	exemplos	é	o	chamado	hiato	de	gênero	(genger	
gap),	ou	seja,	as	desigualdades	no	acesso	à	educação.	Esse	hiato	levou	à	formação	
de	uma	estrutura	social	na	qual	a	educação	era	privilégio	masculino.	O	avanço	
no	acesso	à	escola	no	último	século	 representou	um	passo	 significativo	para	as	
mulheres	(BELTRÃO;	ALVES,	2009).
A	história	da	educação	no	Brasil	foi	marcada	pela	exclusão	das	mulheres	
do	 contexto	 educacional.	 No	 período	 colonial,	 a	 estrutura	 social	 e	 as	 relações	
familiares	 patriarcais	 colocam	 o	 homem	 como	 figura	 de	 poder	 e	 autoridade,	
portanto,	não	havia	necessidade	para	as	mulheres	aprenderem	a	 ler	 e	 escrever.	
Além	 disso,	 somavam-se	 a	 esse	 contexto	 a	 influência	 da	 sociedade	 ibérica	 que	
considerava	a	mulher	como	inferior,	e	a	obra	educativa	da	Companhia	de	Jesus	
orientada	pelos	valores	religiosos	(BELTRÃO;	ALVES,	2009).
FIGURA 31 - PRIMEIRAS ESCOLAS NO BRASIL E A PREDOMINÂNCIA MASCULINA
FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-gjfGMRMPAIc/TViJMF5BSkI/
AAAAAAAABnc/GFcL34HuCFo/s1600/escola_1910.png>. Acesso em: 2 nov. 
2016.
A	vinda	da	família	real	para	o	Brasil	e,	posteriormente,	a	Independência,	
tornaram	mais	 complexa	a	estrutura	 social	brasileira.	Somente	nesse	 contexto	a	
educação	feminina	se	tornou	uma	preocupação,	pois	as	imigrações	internacionais	e	
a	diversidade	econômica	modificaram	a	visão	da	sociedade	em	relação	à	educação.	
A	partir	desse	momento,	a	educação	passa	a	ser	vista	como	um	instrumento	de	
ascensão	 social.	O	Estado	passou	 a	 ter	 responsabilidade	pela	 educação,	porém,	
devido	 à	 falta	 de	 professores,	 esse	 movimento	 não	 chegou	 à	 grande	 parte	 da	
TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE
125
população	(BELTRÃO;	ALVES,	2009).
Esse	 cenário	 se	 transforma,	 no	 início	 do	 século	 XIX,	 com	 as	 primeiras	
instituições	de	educação	para	mulheres.
[...]	 começaram	 a	 aparecer	 as	 primeiras	 instituições	 destinadas	 a	
educar	 as	 mulheres,	 embora	 em	 um	 quadro	 de	 ensino	 dual,	 com	
claras	 especializações	 de	 gênero.	 Ao	 sexo	 feminino	 cabia,	 em	 geral,	
a	 educação	 primária,	 com	 forte	 conteúdo	moral	 e	 social,	 dirigido	 ao	
fortalecimento	 do	 papel	 da	mulher	 como	mãe	 e	 esposa.	A	 educação	
secundária	feminina	ficava	restrita,	em	grande	medida,	ao	magistério,	
isto	é,	à	formação	de	professoras	para	os	cursos	primários.	As	mulheres	
continuaram	excluídas	dos	graus	mais	elevados	de	instrução	durante	o	
século	XIX.	A	tônica	permanecia	na	agulha,	não	na	caneta	(BELTRÃO;	
ALVES,	2009,	p.	128).
Enquanto	avanços	eram	observados	no	ensino	básico,	no	ensino	superior	
a	situação	era	adversa	para	as	mulheres,	que	não	foram	integradas	aos	primeiros	
cursos	superiores	no	Brasil	e,	sem	acesso	ao	ensino	secundário,	não	se	habilitavam	
para	as	faculdades.	Contudo,	as	taxas	de	matrículas	das	mulheres	no	ensino	básico	
ampliaram-se	no	século	XX,	mas	ainda	em	proporção	menor	que	a	dos	homens	
(BELTRÃO;	ALVES,	2009).
 
Com	 o	 impulso	 da	 industrialização,	 a	 partir	 dos	 anos	 1930,	 as	 novas	
exigências	 do	 mercado	 de	 trabalho	 levaram	 ao	 surgimento	 das	 primeiras	
escolas	 públicas	 de	massa	 e	 à	 expansão	 do	 ensino.	 Porém,	 o	 desenvolvimento	
do	 capitalismo	não	 se	deu	de	 forma	homogênea	no	 território	 e,	dessa	 forma,	 a	
expansão	 do	 ensino	 se	 deu	 nas	 áreas	 mais	 desenvolvidas	 economicamente.	 A	
educação,	 além	 de	 distribuída	 de	 forma	 desigual	 pelo	 território,	 era	 elitizada.	
Apenas	com	a	Lei	de	Diretrizes	e	Bases	de	1961	o	Estado	garantiu	o	acesso	de	todos	
ao	sistema	educacional	(BELTRÃO;	ALVES,	2009).
Para	 além	 do	 acesso	 de	 homens	 e	mulheres	 ao	 ensino	 em	 nosso	 país	 –	
que	demonstra	o	 longo	caminho	que	temos	a	percorrer	para	validar	a	noção	de	
educação	para	 todos	 –,	 cabe	 aqui	 ampliar	 nosso	 olhar	 para	 a	 não	neutralidade	
da	 educação.	 Já	 afirmamos	que	o	gênero	 é	uma	 construção	 social	 carregada	de	
intencionalidades	e	o	mesmo	acontece	com	a	educação.	Educar	não	é	tarefa	neutra,	
é	uma	ação	carregada	de	intencionalidades.	
Partindo	desse	pressuposto,	afirma-se	que	através	da	educação	ensinamos	
e	aprendemos	quais	atitudes	e	padrões	são	socialmente	aceitos	e	quais	emoções	
podemos	 externalizar	 e	 quando	 podemos	 ou	 não	 externalizá-las.	 Isso	 ocorre	
porque	a	educação	permite	a	elaboração	de	noções	políticas	e	sociais,	bem	como	de	
princípios	religiosos,	regras	morais	e	modos	de	ser,	viver	e	se	comportar	(PASSOS;	
ROCHA;	BARRETO,	2011).
É	importante	dizer	que	a	neutralidade	da	educação	não	é	uma	questão	de	
algum	tipo	de	engajamento,	mas	decorre	de	sua	conexão	com	as	estruturas	sociais:
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
126
Teoricamente,	 a	 educação	 se	 coloca	 como	desvinculada	 das	 questões	
econômicas	 e	 sociais	 e	 comprometida	 apenas	 com	 a	 transmissão	 da	
cultura	 e	do	 saber;	 entretanto,	mesmo	quando	não	 segue	orientações	
tendenciosas,	a	exemplo	de	privilegiar	 classes	ou	grupos,	o	 seu	 fazer	
se	 vincula	 a	 princípios	 que	 denunciam	 o	 seu	 engajamento	 social,	
econômico,	político	e	ideológico,	porque,	além	de	receber	as	influências	
sociais,	ela	se	estrutura	a	partir	de	visões	de	mundo	e	de	um	conceito	
acerca	do	ser	humano	(PASSOS;	ROCHA;	BARRETO,	2011,	p.	50).
Diante	 desse	 contexto	 que	 soma	 a	 intencionalidade	 da	 educação	 e	
construção	 social	de	gênero,	 a	 educação	possui	um	papel	 fundamental,	 pois	 se	
propõe	a	contribuir	para	a	transmissão	de	saberes	e	valores.	Porém,	a	educação	
formal	acaba	legitimando	os	padrões	de	dominação	masculina.
Segundo	Passos,	Rocha	e	Barreto	(2011),	entre	as	características	da	educação	
formal	em	relação	ao	gênero	estão:
•	O	conteúdo	dos	livros	didáticos	que	apresentam	tarefas	diferentes	para	homens	
e	para	mulheres,	com	maior	valor	social	para	as	tarefas	dos	homens.
•	Nossa	 educação,	de	maneira	 geral,	 não	 apresenta	homens	 e	mulheres	 como	
detentores	de	direitos	iguais.
•	Não	mostra	aos	alunos	como	se	formam	as	desigualdades	sociais.
•	Reproduz	o	modelo	tradicional	de	ensino	que	desloca	o	conhecimento	da	realidade	
valorizando	ou	desvalorizando	características,	atitudes	e	comportamentos.
•	Valoriza	o	silêncio,	a	obediência	e	a	acomodação.
•	Reconhece	a	desobediência	como	característica	natural	para	os	meninos	e	negativa	
para	as	meninas.
Como	 superar	 essa	 realidade	 e	 promover	 uma	 educação	 emancipatória,	
que	respeita	a	diversidade	inclusiva?	Ainda	nas	palavras	de	Passos,	Rocha	e	Barreto	
(2011),	faz-se	necessário	repensar	as	práticas	pedagógicas,	como	os	processos	de	
avaliação	e	a	relação	entre	professor	e	aluno.	A	proposta	pedagógica	deve	estar	
comprometida	com	a	igualdade	e	com	a	liberdade.	
Além	disso,	 a	 inclusão	da	 questão	 de	 gênero	 é	 importante,	 pois	 amplia	
os	horizontes	do	conhecimento.	Através	dela	podemos	discutir	questões	como	a	
desigualdade	e	a	opressão	e	não	só	de	gênero,	mas	também	nas	outras	formas	em	
que	se	expressam	e	se	vivenciam	na	sociedade:
Uma	 educação	 comprometida	 com	 uma	 nova	 ordem	 social	 precisa	
ser	 capaz	 de	 romper	 com	 conceitos	 universais	 e	 imperativos	morais	
e	 investir	 em	uma	prática	que	 respeite	a	 subjetividade	e	proporcioneao	 indivíduo	 o	 exercício	 da	 liberdade.	 Esse	 compromisso	 implica	
na	 existência	 de	 um(a)	 novo(a)	 educador(a),	 de	 novos	 conteúdos	
programáticos,	na	ressignificação	do	processo	de	avaliação,	enfim,	em	
uma	nova	prática	educativa	(PASSOS;	ROCHA;	BARRETO,	2011,	p.	36).
A	 questão	 de	 gênero	 mostra-se	 fundamental	 por	 diferentes	 motivos.	
Incorporar	esse	debate	no	universo	escolar	nos	permite	conhecer	e	acompanhar	
as	 transformações	 culturais	 que	 envolvem	 as	 questões	 de	 identidade	 sexual,	
TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE
127
compreender	o	papel,	o	espaço	e	os	desafios	da	mulher	na	sociedade	e,	como	se	
esses	 já	não	 fossem	motivos	 suficientes,	 amplia	nossos	horizontes	para	 superar	
outras	formas	de	dominação	e	exclusão.
Vale	 lembrar,	caro	acadêmico,	das	discussões	que	você	acompanhou	nas	
Unidades	 1	 e	 2,	 que	mostraram	 os	 desafios	 da	 diversidade	 e	 também	 como	 o	
respeito	à	diversidade	e	o	acesso	à	educação	de	qualidade	para	todos	são	previstos	
na	legislação	brasileira.	
LEITURA COMPLEMENTAR
EXISTE “IDEOLOGIA DE GÊNERO”?
Em	 entrevista	 à	 Pública,	 a	 doutora	 em	 Educação	 Jimena	 Furlani,	 que	
desenvolveu	extensa	pesquisa	sobre	o	assunto,	explica	os	equívocos	do	conceito.
O	que	é	“ideologia	de	gênero”,	afinal?	De	onde	ela	surgiu?
A	ideologia	de	gênero	é	um	termo	que	apareceu	nas	discussões	sobre	os	
Planos	de	Educação,	nos	últimos	dois	anos,	e	tem	sido	apresentado	a	nós	como	
algo	muito	ruim,	que	visa	destruir	as	famílias.	Trata-se	de	uma	narrativa	criada	no	
interior	de	uma	parte	conservadora	da	Igreja	Católica	e	no	movimento	pró-vida	e	
pró-família	que,	no	Brasil,	parece	estar	centralizado	num	site	chamado	Observatório	
Interamericano	 de	 Biopolítica.	 Em	 2015,	 especialmente,	 algumas	 pessoas	 se	
empenharam	em	se	posicionar	contra	a	“ideologia	de	gênero”,	divulgando	vídeos	
em	suas	redes	sociais:	o	senador	pastor	Magno	Malta,	o	deputado	Jair	Bolsonaro,	
o	deputado	pastor	Marco	Feliciano,	o	pastor	Silas	Malafaia,	 a	pastora	Damares	
Alves,	a	pastora	Marisa	Lobo.	Meus	estudos	mostraram	que	o	termo	é	usado	em	
1998,	em	uma	Conferência	Episcopal	da	Igreja	Católica	realizada	no	Peru,	cujo	tema	
foi	“A	ideologia	de	gênero	–	seus	perigos	e	alcances”.	Parece	que	seus	criadores	se	
baseiam	em	dois	livros	para	compor	essa	narrativa	chamada	“ideologia	de	gênero”:	
primeiro,	no	livro	de	Dale	O’Leary	intitulado	Agenda	de	gênero,	de	1996.	O’Leary	
é	uma	militante	pró-vida	que	participou	das	Conferências	da	ONU	(do	Cairo,	em	
1994,	e	de	Pequim,	em	1995)	como	delegada.	Ela	faz	um	relato	dessas	conferências,	
descreve,	sob	o	seu	ponto	de	vista,	a	ação	das	feministas	em	apresentar	o	conceito	
gênero	 e	 como,	 a	partir	dali,	 a	ONU	assume	a	 chamada	perspectiva	de	gênero	
para	 as	 políticas	 públicas	 sobre	 os	 direitos	 das	 mulheres.	 O	 outro	 referencial	
usado	na	construção	dessa	narrativa	é	o	livro	de	Jorge	Scala,	cuja	primeira	edição	
é	intitulada	Ideologia	de	gênero:	o	gênero	como	ferramenta	de	poder,	de	2010,	que	
no	Brasil,	curiosamente,	é	intitulado	Ideologia	de	gênero	–	o	neototalitarismo	e	a	
morte	da	família,	de	2015.	O	autor	é	um	advogado	argentino,	conhecido	defensor	
de	causas	antiaborto	e	contra	os	direitos	das	mulheres,	membro	do	movimento	
pró-vida,	 que	 apresenta	 uma	 série	 de	 interpretações	 dos	 estudos	 de	 gênero,	
extremamente	problemáticas	 e	 convenientemente	 articuladas	para	desqualificar	
tais	estudos	e	apresentá-los	como	danosos	para	a	sociedade.	Portanto,	parecem	ser	
esses	os	principais	referenciais	usados	na	criação	da	narrativa	chamada	“ideologia	
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
128
de	gênero”,	que	nos	últimos	dois	anos	vem	sendo	divulgados	e	exaustivamente	
repetidos	em	vídeos,	textos,	cartilhas,	documentos	da	CNBB,	palestras	etc.	Uma	
retórica	que	afirma	haver	uma	conspiração	mundial	entre	ONU,	União	Europeia,	
governos	de	esquerda,	movimentos	 feminista	e	LGBT	para	“destruir	a	 família”,	
mas	que,	em	última	análise,	objetiva,	sim,	propagar	um	pânico	social	e	voltar	as	
pessoas	contra	os	estudos	de	gênero	e	contra	todas	as	políticas	públicas	voltadas	
para	as	mulheres	e	a	população	LGBT,	sobretudo	nas	questões	relacionadas	aos	
chamados	novos	direitos	humanos,	por	exemplo,	no	uso	do	nome	social,	no	direito	
à	identidade	de	gênero,	na	livre	orientação	sexual.
E	qual	a	diferença	entre	ideologia	de	gênero	e	estudos	de	gênero?
Primeiro,	 entender	 que	 todos	 nós,	 seres	 humanos,	 possuímos	 um	 sexo	
e	 um	 gênero.	 Enquanto	 o	 “sexo”	 é	 o	 conjunto	 dos	 nossos	 atributos	 biológicos,	
anatômicos,	 físicos	 e	 corporais	 que	 nos	 definem	 menino/homem	 ou	 menina/
mulher,	o	gênero	é	tudo	aquilo	que	a	sociedade	e	a	cultura	esperam	e	projetam,	em	
matéria	de	comportamento,	oportunidades,	capacidades	etc.	para	o	menino	e	para	
a	menina.	O	conceito	gênero	só	surgiu	porque	se	tornou	necessário	mostrar	que	
muitas	das	desigualdades	às	quais	as	mulheres	eram	e	são	submetidas,	na	vida	
social,	são	decorrentes	da	crença	de	que	nossa	biologia	nos	faz	pessoas	inferiores,	
incapazes	e	merecedoras	de	menos	direitos.	O	conceito	gênero	buscou	não	negar	
o	fato	de	que	possuímos	uma	biologia,	mas	afirmar	que	ela	não	deve	definir	nosso	
destino	 social.	 Originalmente,	 as	 reflexões	 acerca	 da	 influência	 da	 sociedade	 e	
da	cultura,	no	conjunto	das	definições	que	nos	dizem	o	que	é	“ser	homem”	e	o	
que	é	“ser	mulher”,	se	iniciaram	nas	ciências	sociais	e	humanas,	como	sociologia,	
história,	filosofia	e	antropologia,	mas,	hoje,	os	estudos	de	gênero	 se	 constituem	
num	 campo	 multidisciplinar,	 composto	 por	 várias	 abordagens	 e	 presente	 em	
todas	as	 ciências	–	nas	naturais,	nas	 exatas,	nas	 jurídicas,	nas	da	 saúde,	nas	da	
comunicação,	do	esporte	etc.	Hoje	os	estudos	de	gênero	se	aproximam	também	
das	 discussões	 com	 outras	 identidades,	 como	 raça-etnia,	 classe	 social,	 religião,	
nacionalidade,	condição	física,	orientação	sexual	etc.,	sendo,	por	isso,	chamados	
de	estudos	de	interseccionalidade.	O	conceito	gênero	permite,	ainda,	explicar	os	
sujeitos	LGBT,	especialmente	os	sujeitos	trans,	na	medida	em	que	discutem,	por	
exemplo,	a	identidade	de	gênero	e	o	uso	do	nome	social.	Portanto,	a	perspectiva	
de	gênero	está	na	base	dos	novos	direitos	humanos	e	na	justificativa	das	políticas	
de	amparo	às	mulheres	que	repercute	nas	discussões	acerca	do	conceito	de	vida	e	
das	leis	sobre	direitos	sexuais	e	reprodutivos,	e	aborto	e	à	população	LGBT.	Sem	
dúvida,	se	considerarmos	que	o	conceito	gênero	permite	as	discussões	acerca	da	
posição	da	mulher	na	sociedade,	da	aceitação	dos	novos	arranjos	familiares,	das	
novas	 conjugalidades	nos	 relacionamentos	 afetivos,	 ampliação	da	 forma	de	ver	
os	 sujeitos	 da	 pós-modernidade	 e	 no	 reconhecimento	 da	 chamada	 diversidade	
sexual	e	de	gênero,	então,	não	há	campo	do	conhecimento	contemporâneo	mais	
impactante	 e	 perturbador	 para	 as	 instituições	 conservadoras	 e	 tradicionais	
que	os	efeitos	reflexivos	dos	estudos	de	gênero.	 Isso	nos	 faz	entender	porque	o	
empenho	 tão	 enfático,	 persistente	 e	 até,	 em	 algumas	 situações,	 antiético	 das	
instituições	que	criaram	e	divulgaram	essa	narrativa	denominada	“ideologia	de	
gênero”.	Na	minha	opinião,	há	usos	distintos	da	chamada	“ideologia	de	gênero”.	
Parece	 que,	 no	 âmbito	 da	 cúpula	 da	 Igreja	 Católica,	 trata-se	 de	 uma	 questão	
TÓPICO 1 | O DEBATE SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE
129
dogmática	e	relacionada	aos	valores	da	ideologia	judaico-cristã,	que,	segundo	seus	
representantes,	 estariam	 sendo	 ameaçados	 pelo	 conceito	 gênero	 por	 causa	 das	
mudanças	no	comportamento	das	mulheres	e	nas	leis	sobre	aborto,	por	exemplo,	
da	aceitação	das	várias	famílias	e	do	reconhecimento	dos	direitos	da	população	
LGBT.	 Outro	 uso	 vem	 de	 representantes	 evangélicos:	 embora	 existam	 aqueles	
católicos	que	se	aproveitam	eleitoralmente	dessa	narrativa,	usar	a	“ideologia	de	
gênero”	e	 sua	 suposta	“ameaça”	às	 crianças	e	à	 família	 tem	sido	mais	presente	
em	candidatosevangélicos	–	vide	a	chamada	bancada	cristã,	que	não	apenas	no	
Congresso	Nacional,	mas	 em	 todos	os	 legislativos	do	país,	 deve	 aumentar,	 nas	
próximas	eleições,	à	custa	de	campanhas	cujo	foco	de	“convencimento”	deverá	ser	
combater	a	ideologia	de	gênero.
FONTE: Existe ideologia de gênero? Pública. Disponível em: <http://apublica.org/2016/08/existe-
ideologia-de-genero/>. Acesso em: 3 nov. 2016.
130
 Neste tópico, você aprendeu que:
•	As	questões	de	gênero	e	sexualidade	são	parte	das	relações	sociais	e	atribuem	
sentido	para	a	sociedade.
•	Os	 conceitos	de	gênero	 e	 sexualidade	vão	 além	dos	 fatores	 biológicos,	 pois	
são	 construídos	 socialmente	e	possuem	 intencionalidades,	na	medida	em	que	
expressam	valores	e	sentidos	sociais.
•	As	lutas	pela	representatividade	ganharam	espaço	a	partir	dos	anos	1960,	visando	
dar	visibilidade	a	diferentes	modos	de	vida.
•	O	feminismo	busca	a	igualdade	de	gêneros	e	a	superação	da	representação	binária	
(masculino/feminino)	que	envolve	as	representações	de	gênero.
•	A	história	da	educação	no	Brasil	remete	a	períodos	de	exclusão	das	mulheres	em	
relação	ao	espaço	escolar,	formando	um	hiato	de	gênero.
•	A	educação	 formal	possui	 características	 que	 acabam	 reforçando	padrões	de	
gênero	excludentes.
•	A	transformação	da	educação,	no	sentido	de	novas	práticas	voltadas	à	emancipação	
e	à	liberdade,	contribui	para	a	superação	das	desigualdades	de	gênero.
RESUMO DO TÓPICO 1
131
1	As	questões	que	envolvem	o	gênero	e	a	educação	no	Brasil	remetem	à	história	
da	educação	brasileira.	Ao	longo	de	boa	parte	da	história	de	nosso	país,	as	
mulheres	não	tiveram	acesso	à	educação,	ou	ainda,	o	acesso	era	restrito	a	uma	
pequena	parcela	da	população.	A	partir	da	década	de	1930	esse	panorama	
passa	por	transformações.	Partindo	desse	contexto,	analise	as	alternativas	e	
assinale	com	V	para	as	verdadeiras	e	F	para	as	falsas:
(	 	)	O	processo	de	industrialização	que	tomou	impulso	nos	anos	30	levou	a	
população	para	as	fábricas,	tornando	o	acesso	à	educação	privilégio	das	elites	
e	impedindo	a	expansão	do	ensino.
(		)	O	desenvolvimento	capitalista	não	ocorreu	de	forma	homogênea	no	território,	
refletindo	nas	desigualdades	do	acesso	à	educação	entre	as	regiões	do	país.
(		)	A	universalização	da	educação	só	é	garantida	pela	Lei	de	Diretrizes	e	Bases	
de	1961,	que	garante	o	acesso	de	todos	ao	sistema	educacional.
(		)	O	surgimento	das	escolas	públicas	de	massa	remete	a	ações	governamentais	
posteriores	à	Lei	de	Diretrizes	e	Bases	de	1961.
Agora,	assinale	a	alternativa	CORRETA:
a)	(		)	F	–	V	–	V	–	F.
b)	(		)	V	–	V	–	V	–	F.
c)	(		)	F	–	F	–	F	–	V.
d)	(		)	V	–	F	–	V	–	F.
2		Partindo	do	pressuposto	de	que	a	questão	de	gênero	é	uma	construção	social	
carregada	de	intencionalidade	e	a	educação	contribui	para	a	transmissão	de	
saberes	e	valores,	é	possível	afirmar	que	a	educação	formal	legitima	os	padrões	
de	dominação	masculina	presentes	em	nossa	sociedade.	Considerando	esse	
contexto,	analise	as	afirmações	a	seguir:
I	–	O	conteúdo	dos	livros	didáticos	sofreu	transformações	nos	últimos	anos	
e	atribuiu	significados	similares	para	os	papéis	de	homens	e	mulheres	na	
sociedade.
II	–	Os	conteúdos	e	práticas	didáticas	procuram	mostrar	como	se	formam	as	
desigualdades	sociais	e	valorizam	a	diversidade.
III	–	A	educação	formal	valoriza	o	silêncio,	a	obediência	e	a	acomodação.
IV	–	Os	significados	sociais	atribuídos	na	escola	veem	a	desobediência	como	
natural	para	os	meninos	e	negativa	para	as	meninas.
Agora,	assinale	a	alternativa	que	apresenta	a	sequência	CORRETA:
a)	(	)	As	afirmações	II	e	IV	estão	corretas.
b)	(	)	A	afirmação	I	está	correta.
c)	(	)	As	afirmações	III	e	IV	estão	corretas.
d)	(	)	As	afirmações	I	e	III	estão	corretas.
AUTOATIVIDADE
132
3	Os	debates	sobre	a	questão	da	diversidade	ganham	espaço	a	partir	dos	anos	
1960,	quando	grupos	de	estudantes,	negros,	mulheres	e	minorias	sociais	e	
étnicas	levantam	questionamentos	em	relação	aos	padrões	sociais	excludentes	
que	 dominavam	nossa	 sociedade.	 Partindo	 desse	 contexto,	 assinale	 a	
alternativa	CORRETA:
a)	 (	 	 )	O	principal	 objetivo	dessas	 lutas	 era	garantir	 o	direito	 ao	voto	 e	 à	
participação	política.
b)	 (	 	 )	O	objetivo	dessas	 lutas	 era	o	 reconhecimento	da	 representatividade	
dessas	identidades.
c)	 (	 	 )	O	debate	da	diversidade	ganha	espaço	quando	os	padrões	sociais	 se	
tornam	includentes.
d)	(		)	Os	padrões	vigentes	reconheciam	a	diversidade	étnica,	mas	excluíam	a	
questão	de	gênero.
Assista ao vídeo de
resolução da questão 1
133
TÓPICO 2
AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO 
DA SOCIEDADE BRASILEIRA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
A	 formação	 da	 sociedade	 brasileira	 é	 constantemente	 representada	 e	
recontada	a	partir	da	noção	de	diversidade	cultural	que	 remete	ao	processo	de	
colonização	 europeia,	das	 tentativas	de	 escravização	dos	povos	 tradicionais,	 ao	
uso	da	mão	de	 obra	 escrava	dos	povos	 africanos	 e	 aos	processos	de	 imigração	
europeia	para	substituição	de	mão	de	obra	após	o	fim	da	escravidão.	
A	sociedade	brasileira	é	formada	pela	mistura	de	diferentes	grupos	étnicos	
que,	 ao	 longo	 da	 nossa	 história,	 formaram	 o	 que	 hoje	 entendemos	 como	povo	
brasileiro	 e	 também	 o	 que	 compreendemos	 como	 cultura	 brasileira.	 Porém,	 o	
reconhecimento	da	diversidade	étnica	e	cultural	de	nossa	população	não	significa	
que	não	há	preconceito	ou	exclusão	social	no	Brasil.
Como	vimos	 na	Unidade	 1,	 as	 questões	 étnicas	 e	 culturais	 representam	
uma	forma	de	desigualdade	constituída	em	nossa	sociedade.	E	o	reconhecimento	
desse	tipo	de	desigualdade	esbarra	no	que	conhecemos	como	mito	da	democracia	
racial.
Partindo	 dessas	 noções	 apresentadas	 na	Unidade	 1,	 discutiremos,	 neste	
tópico,	 as	 implicações	do	 reconhecimento	da	diversidade	étnica	 e	 cultural	para	
a	 educação,	 bem	 como	 os	 usos	 do	 termo	 multiculturalismo	 como	 forma	 de	
compreender	melhor	essas	relações	sociais.	Assim	como,	abordaremos	questões	
que	 procuram	 construir	 uma	 ponte	 entre	 as	 relações	 étnicas,	 o	 conceito	 de	
multiculturalismo	 apresentado	 na	 Unidade	 1	 e	 a	 necessidade	 de	 fazer	 valer	 a	
legislação,	apresentada	na	Unidade	2.
2 RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE 
BRASILEIRA
Para	ampliar	a	discussão	sobre	a	diversidade	e	educação	no	que	diz	respeito	
à	questão	das	relações	étnicas	e	da	diversidade	cultural	brasileira,	é	fundamental	
resgatar	 elementos	 que	 nos	 permitam	 refletir	 sobre	 a	 formação	 da	 população	
brasileira.	Observe	a	obra	“Os	Operários”,	de	Tarsila	do	Amaral:
134
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
FIGURA 32 - OS OPERÁRIOS – TARSILA DO AMARAL
FONTE: Disponível em: <http://galeriadefotos.universia.com.br/
uploads/2012_05_21_23_54_570.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2016.
Os	 rostos	 e	 as	 expressões	 escolhidas	 pela	 artista	 para	 representar	 os	
indivíduos	 que	 formavam	 os	 operários	 no	 período	 inicial	 da	 industrialização	
brasileira	refletem	uma	característica	mais	marcante	da	cultural	e	da	população	
brasileira:	a	diversidade.	O	povo	brasileiro	é	 formado	por	etnias	e	culturas	que	
através	da	miscigenação	formaram	a	sociedade	brasileira.
Segundo	DaMatta	(1986),	a	formação	racial	da	população	brasileira	pode	
ser	representada	pela	noção	de	um	triângulo	social	no	qual	se	encontram	negros,	
brancos	 e	 índios.	 Esse	 triângulo	 se	 opõe	 à	 noção	 binária	 de	 negros	 e	 brancos	
construída	em	outras	nações	e	gera	uma	forma	de	racismo	particular	da	sociedade	
brasileira.	Nesse	contexto	social,	a	sociedade	brasileira	não	possui	uma	forma	clara	
de	preconceito,	como	aquelas	que	separam	negros	e	brancos,	por	exemplo.	
Ao	analisar	a	formação	do	povo	brasileiro,	Ribeiro	(1995)	analisa	a	formação	
das	 classes	 sociais	 e	 sua	 relação	 com	 as	 estruturas	 de	 poder.	Nessa	 concepção,	
as	 classes	 sociais	 brasileiras	 são	 representadas	 por	 uma	 elite	 dominante,	 uma	
classe	 intermediária	 formada,	 principalmente,	 por	 profissionais	 liberais	 que	 se	
aproximaram	dosideais	da	elite	dominante	ou	se	rebelaram	contra	o	sistema,	e	
uma	 classe	 subalterna.	 Nessa	 classe	 ficam	mais	 evidentes	 as	 relações	 étnicas	 e	
raciais:
Abaixo	desses	bolsões,	 formando	a	 linha	mais	ampla	do	 losango	das	
classes	 sociais	 brasileiras,	 fica	 a	 grande	massa	 das	 classes	 oprimidas	
dos	chamados	marginais,	principalmente	negros	e	mulatos,	moradores	
das	 favelas	 e	 periferias	 da	 cidade.	 São	 os	 enxadeiros,	 os	 boias-frias,	
os	 empregados	 na	 limpeza,	 as	 empregadas	 domésticas,	 as	 pequenas	
prostitutas,	quase	 todos	analfabetos	e	 incapazes	de	organizar-se	para	
reivindicar.	 Seu	 desígnio	 histórico	 é	 entrar	 no	 sistema,	 o	 que	 sendo	
impraticável,	os	situa	na	condição	da	classe	intrinsecamente	oprimida,	
cuja	luta	terá	de	ser	a	de	romper	com	a	estrutura	de	classes.	Desfazer	a	
sociedade	para	refazê-la	(RIBEIRO,	1995,	p.	209).	
TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
135
Para	exemplificar	essa	forma	de	estratificação	típica	da	sociedade	brasileira,	
observe	a	divisão	elaborada	por	Ribeiro	(1995):
FIGURA 33 - ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA
FONTE: A autora
É	 evidente	 que	 a	 sociedade	 brasileira	 passou	 por	 transformações	 desde	
a	publicação	dessas	análises,	porém	é	 importante	observar	que	as	estruturas	de	
poder	e	desigualdades	sociais	ainda	permanecem	em	nossa	sociedade.
Considerando	 esse	 cenário,	 a	 sociedade	 brasileira	 não	 possui	 uma	
igualdade	 racial,	 apesar	 de	 reafirmar	 constantemente	 o	 valor	 da	 diversidade	
cultural.	Tem	por	característica	um	preconceito	velado,	algo	como	um	preconceito	
de	ter	preconceito.
[...]	 Numa	 sociedade	 onde	 não	 há	 igualdade	 entre	 as	 pessoas,	 o	
preconceito	 velado	 é	 uma	 forma	muito	mais	 eficiente	 de	 discriminar	
pessoas	de	cor,	desde	que	elas	fiquem	no	seu	lugar	e	‘saibam’	qual	ele	
é.	[...]	A	mistura	de	raças	foi	um	modo	de	esconder	a	profunda	injustiça	
social	contra	negros,	índios	e	mulatos,	pois	situando	no	biológico	uma	
questão	profundamente	social,	econômica	e	política,	deixava-se	de	lado	
a	problemática	mais	básica	da	sociedade	(DAMATTA,	1986,	p.	47).
Essa	 noção	 de	mistura	 e	 de	 diversidade	 permitiu	 conceber	 a	 sociedade	
brasileira	como	uma	sociedade	democrática	racialmente,	porém	essa	democracia	
136
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
só	existe	quando	todos	sabem	exatamente	o	lugar	a	que	pertencem.	Observe	com	
atenção	a	tirinha	de	Quino:
FIGURA 34 - IDENTIDADE, RAÇA E EDUCAÇÃO
FONTE: Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/sites/default/files/images/mafalda_-_
preconceito_racial1.jpg>. Acesso em: 2 nov. 2016.
Quais	são	as	formas	mais	comuns	de	preconceito	que	você	observa	no	seu	
cotidiano?	E	a	escola,	em	quais	situações	a	escola	reproduz	discursos	ou	práticas	
que	excluem	negros	e	indígenas,	por	exemplo?
Seria	 possível	 então	 pensar	 em	 uma	 democracia	 racial	 brasileira?	 Na	
concepção	de	DaMatta	 (1986),	 tal	 realidade	 seria	possível	 na	medida	 em	que	o	
acesso	ao	direito	básico	da	igualdade,	previsto	a	todos	os	brasileiros	na	legislação,	
se	tornasse	uma	prática	social.
3 USOS DO TERMO MULTICULTURALISMO E AS 
RELAÇÕES ÉTNICAS NA EDUCAÇÃO
O	termo	multiculturalismo	é	utilizado	em	diferentes	áreas	do	conhecimento.	
No	caso	da	educação,	nos	possibilita	refletir	e	compreender	melhor	o	universo	de	
sujeitos	e	trajetórias	diversas	com	as	quais	nos	deparamos	no	cotidiano	da	escola	
e	da	literatura	em	educação.
A	discussão	que	 resgata	 as	noções	de	 igualdade	 e	desigualdade	 recorre	
a	 terminologias	diversas	que	provocam	a	 reflexão	de	pensadores	em	diferentes	
áreas.	 Para	 compreender	 melhor	 essa	 multiplicidade,	 vamos	 acompanhar	 as	
palavras	de	Santos	e	Nunes	(2003,	p.	25):
Multiculturalismo,	 justiça	multicultural,	direitos	 coletivos,	 cidadanias	
plurais	 são	 hoje	 alguns	 termos	 que	 procuram	 jogar	 com	 as	 tensões	
entre	a	diferença	e	a	 igualdade,	 entre	a	exigência	do	 reconhecimento	
da	diferença	e	de	redistribuição	que	permita	a	igualdade.	Essas	tensões	
estão	no	centro	das	 lutas	de	movimentos	e	 iniciativas	emancipatórias	
que,	contra	as	reduções	eurocêntricas	dos	termos	fundamentais	(cultura,	
justiça,	 direitos,	 cidadania),	 procuram	propor	 noções	mais	 inclusivas	
e,	 simultaneamente,	 respeitadoras	 da	 diferença	 de	 concepções	 da	
dignidade	humana.
TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
137
Esse	 movimento	 em	 direção	 a	 novas	 concepções	 diante	 da	 diferença	 e	
das	desigualdades	coloca	diante	de	nós	desafios	significativos	em	relação	à	ação	
pedagógica.	Apenas	 reconhecer	 a	 diversidade	 e	 afirmar	 que	 a	 educação	 é	 para	
todos	não	significa	que	deixamos	de	reproduzir	práticas	de	exclusão	social.	
FIGURA 35 - DIVERSIDADE CULTURAL
FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-N5Q-z6TUteY/UUHyCRNK8tI/
AAAAAAAAAmw/nEWdiJKoLvo/s1600/banner.JPG>. Acesso em: 2 nov. 2016.
Quando	falamos	em	multiculturalismo,	nos	referimos	a	uma	pluralidade	
de	culturas	e	à	 compreensão	da	complexidade	das	 relações	de	 significados	que	
incorporam	 diferentes	 etnias,	 nacionalidades,	 sexualidades,	 gerações	 e	 classes	
sociais.	Nesse	sentido,	a	afirmação	de	uma	sociedade	marcada	pela	diversidade	
remete	 ao	 reconhecimento	da	pluralidade	de	grupos	 sociais,	 étnicos	 e	 culturais	
que	fazem	parte	dessa	sociedade	(MACHADO,	2002).
Entretanto,	vale	ressaltar	que	apenas	fazer	uso	do	termo	multiculturalismo	
não	significa	a	superação	de	noções	etnocêntricas,	pois	a	perspectiva	multicultural	
exige	dar	 voz	 às	múltiplas	 culturas:	 "É	preciso	 estipular	 formas	de	 intervenção	
e	 educação	para	uma	 sociedade	multicultural.	Ao	 falar	de	multiculturalismo,	 é	
necessário	que	se	dê	visibilidade	para	diferenças	étnicas,	sexuais,	regionais	etc.”	
(MACHADO,	 2002,	 p.	 32).	 É	 preciso	mais	 que	 admitir	 a	 existência	 de	 diversas	
culturas,	é	preciso	superar	os	juízos	de	valor	atribuídos	a	elas.	
Considerando	os	debates	em	relação	ao	multiculturalismo,	é	 importante	
também	apresentar	as	críticas	ao	uso	do	termo:
138
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
FIGURA 36 - CRÍTICAS AO MULTICULTURALISMO
FONTE: Adaptado de Souza e Nunes (2003)
A	resposta	a	essas	críticas,	segundo	Souza	e	Nunes	(2003),	caminha	no	sentido	
de	reconhecer	que	o	uso	do	termo	multiculturalismo	representa	a	designação	de	
diferentes	culturas	em	contextos	transnacionais	e	globais.	Porém,	ainda	persistem	
contradições	nesse	processo.	O	foco	deve	estar	no	caráter	emancipatório	do	termo.
A	 ideia	 de	 movimento,	 de	 articulação	 de	 diferenças,	 de	 emergência	
de	configurações	culturais	baseadas	em	contribuições	de	experiências	
e	 de	 histórias	 distintas	 tem	 levado	 a	 explorar	 as	 possibilidades	
emancipatórias	 do	 multiculturalismo,	 alimentando	 os	 debates	 e	
iniciativas	sobre	novas	definições	de	direitos,	de	identidades,	de	justiça	
e	de	cidadania	(SOUSA;	NUNES,	2003,	p.	33).
É	preciso	ressaltar	que	essas	relações	são	influenciadas	pelas	dinâmicas	que	
produzem	e	reproduzem	as	desigualdades	e	levam	à	marginalização	de	grandes	
grupos	 populacionais	 em	 todo	 o	mundo.	 Nesse	 contexto,	 a	 cultura	 representa	
um	espaço	privilegiado	no	desenrolar	da	articulação	e	 reprodução	das	 relações	
sociais	e	também	nos	movimentos	que	afirmam	antagonismo	em	relação	a	essas	
configurações	(SOUZA;	NUNES,	2003).
Observamos	aqui	 a	 relevância	de	dar	voz	ao	outro,	 ao	diferente.	Afinal,	
como	um	aluno	irá	se	identificar,	ou	ainda,	desenvolver	interesse	em	um	conteúdo	
que	omite	a	contribuição	de	sua	cultura	para	a	história,	que	nega	sua	presença	na	
sociedade	e/ou	menospreza	seu	papel	na	sociedade?	Todas	as	diversas	formas	de	
expressão	cultural	devem	ter	espaço	no	processo	de	ensino-aprendizagem.
TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
139
Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural 
de Boaventura de Sousa Santos
Trata-se	de	um	vasto	conjunto	de	estudos	em	que	se	dáconta	de	como,	
em	diferentes	países,	os	grupos	sociais	subalternos	se	organizam	para	resistir	à	
exclusão	social	produzida	pela	globalização	neoliberal	e	o	fazem	em	nome	da	
aspiração	por	um	mundo	melhor	que	julgam	possível	e	a	que	sentem	ter	direito.
Um	 dos	 campos	 de	 resistência	 e	 de	 formulação	 de	 alternativas	 é	 o	
multiculturalismo,	tema	deste	volume,	entendido	como	aspiração	emancipatória	
de	combinar	a	luta	pela	igualdade	com	a	luta	pelo	reconhecimento	da	diferença.	
Nele	cabem	as	políticas	identitárias	e	os	direitos	coletivos	dos	povos	indígenas	
e	das	mulheres,	os	movimentos	regionais	emancipatórios	e	de	 luta	pela	 igual	
dignidade	 das	 orientações	 sexuais,	 o	 pluralismo	 jurídico	 e	 as	 concepções	
multiculturais	 dos	 direitos	 humanos.	 São	 analisados	 lutas	 e	 movimentos	 no	
Brasil,	Colômbia,	Índia,	África	do	Sul,	Moçambique	e	Portugal.
FONTE: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Reconhecer para libertar: os caminhos 
do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
Nesse	sentido,	o	uso	do	termo	multiculturalismo	apresenta	uma	conotação	
geralmente	positiva:
[…]	refere-se	à	coexistência	enriquecedora	de	diversos	pontos	de	vista,	
interpretações,	 visões,	 atitudes,	 provenientes	 de	 diferentes	 heranças	
culturais.	Seu	conceito	pressupõe	uma	posição	aberta	e	flexível,	baseada	
no	 respeito	 dessa	 diversidade	 e	 na	 rejeição	 a	 todo	 preconceito	 ou	
hierarquia.	As	várias	perspectivas	de	compreensão	do	mundo	devem	
ser	 consideradas	 igualmente	 e	 só	 podem	 ser	 julgadas	 em	 relação	 ao	
ponto	de	vista	cultural	(MACHADO,	2002,	p.	37).
Destaca-se	aqui	a	superação	do	estabelecimento	de	hierarquia	que	coloca	
a	 cultura	das	elites	dominantes	em	um	patamar	de	 superioridade	em	relação	à	
cultura	das	classes	populares.	Bem	como,	na	diferenciação	entre	 representações	
culturais	devido	a	questões	étnicas	ou	que	envolvam	orientação	sexual.	Na	visão	
do	multiculturalismo,	o	ser	humano	é	capaz	de	se	relacionar	com	outras	culturas.
O	multiculturalismo	 apregoa	 uma	 visão	 da	 vida	 e	 da	 fertilidade	 do	
espírito	humano,	na	qual	cada	 indivíduo	 transcende	o	marco	estreito	
da	sua	própria	formação	cultural	e	é	capaz	de	ver,	sentir	e	interpretar	
por	meio	de	outras	tendências	culturais.	O	modelo	humano	resultante	é	
compreensivo,	amplo,	sensível	e	fundamentalmente	rico;	a	capacidade	
interpretativa,	 de	 observação	 e	 até	mesmo	 a	 emotiva	multiplicam-se	
(MACHADO,	2002,	p.	37-38).
Considerando	essa	perspectiva,	é	possível	não	somente	conviver	com	outras	
culturas,	diferentes	da	nossa,	mas	também	nos	relacionarmos	com	elas	e	ampliar	
nossa	capacidade	de	observação,	interpretação	e,	especialmente,	de	compreensão	
da	visão	do	outro.
140
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
LEITURA COMPLEMENTAR
MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: VERTENTES 
HISTÓRICAS E REPERCUSSÕES ATUAIS NA EDUCAÇÃO
Gilberto	Ferreira	da	Silva
Da multiculturalidade para a construção do conceito de uma educação 
intercultural
A	observação	que	se	pode	fazer	em	relação	aos	conceitos	trabalhados	no	
âmbito	 do	 debate	 acadêmico	 sobre	 a	 educação	 e	 multiculturalidade	 pode	 ser	
localizada	em	duas	direções.	A	primeira	e	mais	conhecida	trata	das	questões	dentro	
de	um	corpo	 teórico	denominado	 educação	multicultural;	 a	 segunda,	 educação	
intercultural.
O	contato	com	a	produção	de	pesquisadores	que	buscaram	construir	uma	
conceitualização	leva	a	um	conjunto	de	características	diversas	enquanto	definição	
teórica	e,	consequentemente,	formas	de	orientação	para	implementação	de	políticas	
e	práticas	no	sistema	escolar.
Uma	 primeira	 constatação	 é	 a	 utilização	 indistinta,	 na	 grande	 maioria	
dos	 estudos,	 dos	 termos	 educação multicultural e educação intercultural.	 Por	
outro	lado,	no	interior	da	educação	multicultural	encontram-se	representações	de	
concepções	do	multiculturalismo	mais	geral.	O	discurso	que	envolve	a	compreensão	
de	educação	multicultural	pode	ser	localizado	pelo	viés	histórico	de	origem	anglo-
saxã.	Essa	apropriação	não	se	limita	exclusivamente	a	esse	aspecto,	mas	apresenta	
concepções	que	organizo	a	partir	das	seguintes	características.
1)	a	integração	de	elementos	culturais	de	grupos	étnicos	distintos	da	sociedade	no	
programa	curricular,	tais	como	datas	comemorativas,	celebrações,	mitos,	heróis	
etc.;
2)	centralidade	das	preocupações	a	partir	das	diferenças	culturais	visíveis	de	grupos	
minoritários	na	sociedade,	tais	como	negros,	índios,	ciganos,	imigrantes	etc.;
3)	movimento	de	preservação	da	 cultura	histórica	de	um	determinado	grupo	
minoritário	étnico;
4)	 centralidade	no	debate	 sobre	 os	 fenômenos	multiculturais	 das	 sociedades	
contemporâneas	e	o	próprio	contexto	cultural	das	instituições	escolares.
[…]
Em	síntese,	pode-se	focalizar	essa	noção	na	direção	de	um	contexto	amplo	
de	 configurações	 caracterizadas	 como	multiculturais.	Nesse	 sentido,	 a	 ideia	 de	
uma	 sociedade	 multicultural,	 constituída	 por	 diferentes	 expressões	 culturais	
definidas	a	partir	de	grupos	minoritários	étnicos,	pode	ser	ilustrativa	da	distinção	
entre	educação	multicultural	e	educação	 intercultural.	 […]	Dada	essa	 tendência	
em	 direção	 a	 uma	 maior	 diversidade	 cultural,	 fomentar	 a	 interculturalidade	
TÓPICO 2 | AS RELAÇÕES ÉTNICAS E A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
141
significa	superar	de	vez	a	assimilação	e	a	coexistência	passiva	de	uma	diversidade	
de	culturas	para	desenvolver	a	autoestima,	assim	como	o	respeito	e	a	compreensão	
aos	outros.
Portanto,	 prefiro	 preservar	 o	 termo	 multicultural	 para	 designação	 ou	
constatação	do	 fato	que	 resulta	dos	 conflitos	das	mais	diferentes	 ordens	 (etnia,	
religião,	cultura,	tradição,	hábitos,	movimentos	migratórios	etc.)	e	dos	movimentos	
de	transformação	social	que	estamos	vivendo	em	praticamente	todas	as	sociedades,	
sejam	do	Primeiro	Mundo,	sejam	do	Terceiro	Mundo.
[…]
No	contexto	acadêmico	brasileiro,	o	debate	tem	ganhado	forma	sob	o	termo	
multiculturalismo,	tendo	sido	incorporado	como	objeto	de	estudo	e	preocupação	
de	um	grupo	restrito	de	pesquisadores	somente	a	partir	das	duas	últimas	décadas.	
Fortemente	influenciadas	pelos	debates	da	academia	norte-americana,	as	produções	
expressam	noções	que	buscam	diferenciar	os	vários	 tipos	de	multiculturalismo,	
sem	apresentar	preocupações	distintivas	no	que	diz	respeito	à	interculturalidade.	
Objetivamente,	 o	 debate	 sobre	 a	 diferença	 cultural	 expressada	 por	 grupos	
étnicos	centra-se	em	discussões	que	envolvem	culturas	indígenas	e	negras	(afro-
brasileiras),	ou	então	o	estudo	com	imigrantes	europeus,	principalmente	no	Sul	
do	 país.	 Da	mesma	maneira,	 constata-se	 que	 o	 debate	 no	 interior	 das	 práticas	
educativas	tem	indicado	alternativas	para	pensar	a	educação	dessas	populações	
de	formas	diversas	e	seccionadas,	sem	levar	em	conta	a	perspectiva	intercultural,	
estando	inserido	em	um	contexto	social	multicultural.
Pontuando	alguns	elementos	desse	debate,	podemos	destacar:
1)	a	trajetória	consolidada	no	campo	dos	estudos	raciais,	especialmente	ligados	à	
discriminação	de	populações	afro-brasileiras	no	espaço	escolar;
2)	propostas	pedagógicas	de	intervenção	na	realidade	nacional	multicultural	a	partir	
de	projetos	específicos	para	atender	e	valorizar	expressões	culturais	de	grupos	e	
culturas	distintas	(principalmente	negros	e	índios);
3)	em	grande	medida,	os	trabalhos	desenvolvidos	no	âmbito	da	pesquisa	acadêmica	
buscam	explicitar/denunciar	a	realidade	da	discriminação	racial	de	que	são	vítimas	
as	populações	afro-brasileiras	na	sociedade	de	uma	forma	geral	(característica	dos	
anos	1970	até	metade	dos	anos	1990);
4)	a	combinação	de	diferentes	culturas	convivendo	em	um	mesmo	território,	seus	
cruzamentos,	processos	híbridos	forjadores	de	novas	identidades	culturais	ainda	
não	ganham	 interesse	de	pesquisadores,	 restringindo-se	 a	um	grupo	muito	
pequeno.	[…]
Por	 essas	 razões,	 a	noção	de	 educação	multicultural	parece	 responder	 a	
uma	 definição	 conceitualque	 tanto	 articula	 em	 seu	 interior	 aspectos	 herdados	
do	movimento	multiculturalista	norte-americano,	como	a	 luta	por	 justiça	social,	
quanto	potencializa	a	convivência	de	diferentes	culturas	em	um	mesmo	território,	
142
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
o	 diálogo	 e	 a	 comunicação	 entre	 os	 próprios	 sujeitos,	 resultando	 em	processos	
formadores	de	identidades	híbridas/mestiças.
Ainda	que	 se	 encontre	 em	um	estágio	 no	 qual	 as	 formulações	 apontam	
para	caminhos	a	serem	seguidos,	o	debate	está	em	seu	processo	embrionário.	Resta	
uma	longa	jornada	até	que	se	possa,	de	forma	clara	e	precisa,	alinhar	definições	
conceituais	com	práticas	coerentes	no	âmbito	de	uma	educação	pluralista	que	seja	
capaz	de	potencializar	os	diferentes	elementos	culturais	expressos	pelos	diferentes	
grupos	étnicos	no	conjunto	da	estrutura	social.	[…]
FONTE: SILVA, Gilberto Ferreira. Multiculturalismo e educação multicultural: vertentes históricas 
e repercussões atuais na educação. In: FLEURI, Reinaldo Matias. Educação intercultural: 
medições necessárias. DP&A, 2003. 
143
Neste tópico, você aprendeu que:
•	A	 formação	 étnica	 brasileira	 é	 resultado	 do	 encontro	 de	 diferentes	 etnias	
representadas	pelo	triângulo	racial	formado	por	negros,	índios	e	brancos.
•	As	relações	étnicas	brasileiras	representam	diversas	formas	de	preconceito	que	
vão	além	da	diferenciação	entre	brancos	e	negros.
•	As	diferentes	 formas	de	preconceito	 esbarram	no	mito	da	democracia	 racial,	
no	qual	a	valorização	da	diversidade	cultural	representaria	uma	sociedade	sem	
preconceitos.
•	O	uso	do	termo	multiculturalismo	se	refere	à	pluralidade	cultural	e	à	complexidade	
de	significados	que	essas	diversidades	produzem	em	termos	de	padrões	culturais	
e	sociais.
•	As	noções	de	 igualdade	 e	desigualdade	 são	 centrais	para	 a	 compreensão	do	
conceito	de	multiculturalismo,	pois	remetem	aos	padrões	de	exclusão	e	valorização	
das	culturas.
•	As	críticas	ao	uso	do	termo	multiculturalismo	remetem	ao	excesso	de	valorização	
de	determinadas	culturas	e	à	criação	de	uma	nova	forma	de	puritanismo.
•	A	cultura	representa	um	espaço	privilegiado	para	a	superação	dos	padrões	de	
reprodução	das	desigualdades	e	da	marginalização	de	grupos	sociais.
•	A	educação	multicultural	 requer	o	 reconhecimento	da	multiplicidade	cultural	
sem	atribuição	de	juízo	de	valor	para	classificar	as	representações	culturais	e	a	
promoção	do	respeito	à	diversidade	cultural.
RESUMO DO TÓPICO 2
144
AUTOATIVIDADE
1	As	práticas	excludentes	que	observamos	em	nossas	escolas	são	reflexo	das	
dinâmicas	sociais	presentes	em	nossa	sociedade	e	reproduzem	as	desigualdades	
sociais,	assim	como	levam	à	marginalização	de	determinados	grupos	sociais.	
Considerando	o	multiculturalismo	como	uma	noção	que	pode	nos	auxiliar	na	
superação	dessa	realidade,	assinale	a	alternativa	CORRETA:
a)	(		)	A	cultura	reproduz	a	exclusão	social	e,	dessa	forma,	não	permite	o	respeito	
à	diversidade.
b)	(		)	O	espaço	da	cultura	é	privilegiado,	por	permitir	a	valorização	de	diferentes	
representações.
c)	(		)	O	antagonismo	entre	as	culturas	é	natural	e	ocupa	parte	significativa	do	
processo	de	aprendizagem.
d)	(		)	A	marginalização	das	culturas	garante	a	adaptação	da	população	ao	
contexto	da	globalização.
2	O	 reconhecimento	 da	 diversidade	 representa	 desafios	 para	 a	 prática	
pedagógica,	pois	a	educação	tradicional	não	foi	capaz	de	desenvolver	práticas	
inclusivas,	pelo	contrário,	as	práticas	pedagógicas	tradicionais	são	consideradas	
homogeneizantes.	Considerando	esse	cenário,	analise	as	afirmações	a	seguir:
I	-	O	multiculturalismo	se	refere	à	compreensão	da	complexidade	dos	diferentes	
significados	produzidos	pelas	culturas.
II	–	A	ideia	de	diversidade	cultural	representa	a	necessidade	de	questionar	os	
padrões	culturais	através	da	educação.
III	 –	O	conceito	de	multiculturalismo	não	se	aplica	à	 realidade	da	educação	
brasileira,	pois	a	miscigenação	cultural	forma	um	único	padrão	de	cultura.
IV	–	É	preciso	criar	novas	formas	de	intervenção	e	educação	que	abarquem	os	
desafios	das	sociedades	multiculturais.	
Agora,	assinale	a	alternativa	que	representa	a	sequência	CORRETA:
a)	(		)	As	alternativas	I	e	IV	estão	corretas.
b)	(		)	As	alternativas	II	e	IV	estão	corretas.
c)	(		)	As	alternativas	II,	III	e	IV	estão	corretas.
d)	(		)	As	alternativas	I,	II	e	III	estão	corretas.
3	A	formação	racial	da	população	brasileira,	através	da	mistura	entre	índios,	
negros	 e	brancos,	 imprime	um	contexto	particular	no	que	diz	 respeito	 às	
relações	étnicas,	pois	esse	triângulo	racial	compõe	uma	relação	que	vai	além	
da	distinção	binária	entre	brancos	e	negros.	Partindo	desse	contexto,	avalie	as	
alternativas	e	assinale	V	para	verdadeiras	e	F	para	falsas:
(		)	O	preconceito	racial	brasileiro	segue	o	mesmo	padrão	daquele	encontrado	
em	outros	países,	pois	diferencia	brancos	dos	negros.
145
(		)	A	noção	de	igualdade	racial	brasileira,	através	da	valorização	da	miscigenação	
cultural,	representa	o	mito	da	democracia	racial	brasileira.
( 		) 	O	preconceito	racial	no	Brasil	é	uma	forma	de	preconceito	explícita	baseada	
na	noção	de	desvalorização	das	contribuições	africanas	para	nossa	cultura.
(	 	 )	O	preconceito	racial	brasileiro	é	considerado	velado,	porque	a	forma	de	
discriminar	é	garantir	que	as	pessoas	fiquem	no	seu	lugar	e	saibam	qual	é	
seu	lugar.
Agora,	assinale	a	alternativa	que	representa	a	sequência	CORRETA:
a)	(		)	F	–	V	–	F	–	V.
b)	(		)	V	–	V	–	F	–	F.
c)	(		)	F	–	F	–	V	–	F.
d)	(		)	V	–	F	–	V	–	V.	
Assista ao vídeo de
resolução da questão 2
Assista ao vídeo de
resolução da questão 3
146
147
TÓPICO 3
O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO 
SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA 
CIDADANIA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Os	 caminhos	 para	 chegar	 à	 universalização	 do	 acesso	 à	 educação	 de	
qualidade	 impõem	 a	 professores,	 gestores,	 alunos	 e	 pesquisadores	 da	 área	 da	
educação	a	tarefa	de	refletir	sobre	a	formação	de	nossa	sociedade,	compreender	as	
formas	de	preconceitos	existentes	e	buscar	metodologias	e	práticas	didáticas	que	
permitam	reconfigurar	as	relações	sociais	no	sentido	do	respeito	à	diversidade	e	
educação	democrática	capaz	de	formar	sujeitos	críticos	e	autônomos	em	relação	à	
sociedade	em	que	vivemos.	
Conscientes	do	desafio	que	essas	tarefas	representam,	apresentamos,	neste	
tópico,	 reflexões	 teóricas	 que	 nos	 apontam	 novos	 entendimentos	 através	 das	
noções	de	alteridade	e	multiculturalismo.	A	ênfase	em	nosso	último	tópico	está	no	
papel	do	docente	e	na	função	social	da	escola	perante	o	respeito	à	diversidade	e	à	
construção	da	cidadania.
Convidamos	você,	caro	acadêmico,	a	mais	uma	vez	relembrar	os	conceitos	
trabalhados	 na	 Unidade	 1	 e	 resgatar	 as	 direções	 que	 a	 legislação	 nos	 mostra	
apresentadas	na	Unidade	2	para,	então,	refletir	sobre	o	papel	do	docente.
2 DIVERSIDADE, ALTERIDADE E EDUCAÇÃO 
A	noção	de	 alteridade,	 assim	como	a	de	multiculturalismo,	nos	permite	
ampliar	nossa	reflexão	em	relação	à	diversidade.	Considerando	a	área	da	educação,	
a	alteridade	representa	nosso	encontro	com	o	outro	e	os	desafios	e	enfrentamentos	
que	esse	encontro	provoca	para	alunos,	professores,	gestão	e	para	a	comunidade	
escolar.
A	 escola	 constitui	 um	 espaço	de	 estranhamento,	 pois	 o	 encontro	 com	o	
outro	revela	um	processo	de	entrar	em	contato	com	o	desconhecido,	um	processo	
de	estranhamento	e	desperta	diversos	sentimentos.
Com	 efeito,	 os	 diferentes	 modos	 de	 reagir	 à	 presença	 do	 outro,	
representante	 do	 estranho,	 dependem	 de	 como	 o	 sujeito	 reconhece	
o	Outro,	 como	 se	 coloca	 a	 ele	 a	 questão	 da	 alteridade.	A	 relação	 do	
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
148
estranhamento	 com	o	 outro	 pode	 ser	 realizada	 na	medida	 em	que	 o	
outro	 representa	 o	 estranho,	 provocando	 estranheza,	 suscitando	 a	
angústia	(THONES;	PEREIRA,	2013,	p.	510).
Observa-se	na	relação	de	encontro	com	o	outro	a	necessidade	de	estabelecer	
uma	conexão	de	proximidade,como	 também	a	necessidade	do	afastamento.	Esses	
sentimentos	estão	presentes	nas	relações	sociais.	No	contato	com	o	outro	se	desenvolve	
tanto	a	hostilidade,	quanto	a	necessidade	de	aproximação	(THONES;	PEREIRA,	2013).
Considerando	 esse	 contexto,	 a	 alteridade	 se	 constrói	 de	 duas	 formas:	
“existe	a	tentativa	de	fusão	com	o	outro,	não	sendo	reconhecida	a	sua	diferença”	
(THONES;	PEREIRA,	2013,	p.	510),	ou	seja,	o	momento	em	que	o	encontro	com	
o	 estranho	 desperta	 a	 necessidade	 de	 contato,	 de	 aproximação,	 de	 criação	 de	
laços;	e	em	outra	forma,	“a	impossibilidade	de	identificação	com	o	outro,	de	um	
sujeito	que	se	depara	com	uma	alteridade	para	a	qual	é	apresentada	uma	diferença	
sobremaneira	radical”	(THONES;	PEREIRA,	2013,	p.	510),	nesse	ponto	desenvolve-
se	o	estranhamento,	a	angústia	e	a	hostilidade	diante	do	outro,	diante	daquele	que	
é	diferente	de	nós.
Na	atualidade,	verifica-se	uma	deficiência	no	reconhecimento	do	outro:	
na	 contemporaneidade,	 coexistem	 dois	 imperativos,	 o	 ‘seja	 igual’	 e	
o	 ‘seja	 diferente’.	 Porém,	 pode-se	 afirmar	 que	 o	 seja	 diferente	 é	 um	
imperativo	ilusório,	pois	significa	uma	exigência	de	ser	original,	de	ser	
criativo,	desde	que	se	mantenha	o	mesmo,	desde	que	sejam	mantidas	as	
regras	do	espetáculo	(THONES;	PEREIRA,	2013,	p.	510).	
Nesse	 sentido,	o	diferente	 remete	 à	 construção	de	uma	 imagem	própria	
e	não	ao	reconhecimento	do	outro	(THONES;	PEREIRA,	2013).	Nas	relações	que	
demonstram	agressividade	em	relação	ao	outro	o	que	ocorre	é	uma	agressividade	
em	relação	ao	sentimento	de	estranhamento	que	o	outro	desperta	no	sujeito.	Em	
situações	como	essas	fica	evidente	como	distanciamos	a	figura	do	outro,	o	quanto	
não	reconhecemos	o	diferente	de	nós	com	familiaridade	e	negamos	a	alteridade.
Em	 quais	 momentos	 observamos	 esse	 movimento	 em	 nosso	 cotidiano?	
Como	o	outro	é	reconhecido	na	atualidade?	Thones	e	Pereira	(2013)	nos	mostram	
que	o	outro	pode	estar	em	qualquer	lugar,	mas	na	contemporaneidade	o	principal	
espaço	 de	 reconhecimento	 do	 outro	 é	 na	 participação	 do	 consumismo:	 “quem	
consome	 é	 reconhecido,	 quem	não	 consome	 está	 fora”	 (p.	 511).	Na	medida	 em	
que	um	determinado	grupo	está	distante	dos	padrões	de	consumo	estabelecidos	
pela	 sociedade,	 ele	 se	 torna	 distante	 dessa	 sociedade,	 mesmo	 quando	 está	
geograficamente	próximo	de	outros	grupos	sociais.
Enfatizar	a	necessidade	do	 reconhecimento	do	outro	não	significa	que	a	
situação	ideal	é	aquela	em	que	se	vivencia	a	aproximação	absoluta.	A	diferença	
é	parte	da	sociedade	e	da	constituição	dos	sujeitos.	É	importante	o	convívio	com	
os	 iguais,	 aqueles	 sujeitos	 que	 reconhecemos	 como	 iguais,	 mas	 a	 diferença	 é	
fundamental	para	o	sujeito.	Quando	reconhecemos	essa	relação	é	possível	superar	
a	crueldade	em	relação	ao	diferente,	pois	vamos	reconhecer	que	não	somos	nós	
mesmos	sem	o	reconhecimento	do	outro	(THONES;	PEREIRA,	2013).
149
TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Observe,	 caro	 acadêmico,	 na	 tirinha	 de	 Quino,	 que	 ao	 levantar	 um	
questionamento	para	um	grupo	de	pessoas	é	possível	observar	respostas	diferentes	
construídas	a	partir	de	visões	de	mundo	diferentes:
FIGURA 37 - DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO: RECONHECENDO A CONCEPÇÃO DE MUNDO DO 
OUTRO
FONTE: Disponível em: <http://www.vestibulandoweb.com.br/enem/simulado-enem-2014-
tirinhas-charges-parte-1_5.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2016.
Ao	trazer	a	análise	da	alteridade	para	o	contexto	mais	específico	da	educação,	
Thones	 e	 Pereira	 (2013)	 afirmam	que	 fatos,	 acontecimentos,	 pessoas	 ou	 objetos	
de	estudos	não	trazem	um	significado	pronto.	Não	há	definição	preestabelecida	
para	objetos	ou	relações.	A	classificação	que	estabelecemos	entre	os	sujeitos	ocupa	
planos	diferentes.	As	noções	de	visibilidade	ou	invisibilidade	de	um	objeto	vêm	do	
julgamento	e	classificação	que	atribuímos	a	eles,	ou	seja,	é	o	sujeito	que	determina	
quem	ele	é	e	quem	são	outros.
Nesse	 sentido,	 podemos	 destacar	 a	 questão	 da	 deficiência	 como	
anormalidade.	No	contexto	educacional	o	deficiente	representa	a	anormalidade.	
Ao	 realizar	 o	 julgamento	 de	 reconhecer	 a	 si	mesmo	 ou	 ao	 outro	 se	 estabelece	
também	o	incluir	e	o	excluir,	ou	seja,	se	configura	uma	organização	que	determina	
quem	está	dentro	e	quem	está	fora	(THONES;	PEREIRA,	2013).
Quando	atribuímos	à	pedagogia	a	noção	de	pilar	da	educação	no	sentido	
de	 formar	 a	 base	 da	 educação	 do	 sujeito,	 atribuímos	 à	 pedagogia	 a	 tarefa	 de	
reconhecer	no	sujeito	em	formação	a	figura	do	outro	e	colocar	diante	dele	nossa	
cultura.	Porém,	é	preciso	estar	atento	à	forma	como	se	encaminha	esse	processo.
A	integração	e	a	adaptação	de	um	indivíduo	são	o	projeto	civilizatório	
de	conquista	da	felicidade	de	modo	que	a	aderência	do	sujeito	a	uma	
comunidade	 constitui-se	 como	 uma	 atividade	 altruísta.	 Todavia,	 ela	
não	se	dá	de	maneira	harmônica	quanto	se	poderia	pensar,	sobretudo	
porque	a	necessidade	de	satisfação	 individual	pode	se	chocar	com	as	
necessidades	de	uma	dada	coletividade	(THONES;	PEREIRA,	2013,	p.	
515).
Em	nossa	cultura,	a	forma	como	os	indivíduos	são	educados	coloca	o	bem	
maior	como	objetivo.	Educando	com	essa	noção,	as	diversidades	–	étnicas,	raciais,	
de	classes,	de	gênero,	de	orientação	sexual,	entre	outras	–	são	reprimidas	e	dão	
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
150
espaço	para	a	 ideia	de	que	quando	 todos	 são	 iguais	e	 se	 submetem	às	mesmas	
regras,	a	harmonia	social	é	garantida	(THONES;	PEREIRA,	2013).
Para	compreender	o	outro	em	relação	à	sua	individualidade	não	podemos	
olhar	para	o	outro	como	objeto	de	nossos	pensamentos.	É	preciso	ser	um	receptor	
dos	pensamentos	do	outro.	Segundo	Veiga	(2010,	p.	37),	“o	pensar	sobre	o	outro	
precisa	 ser	 substituído	 pelo	 pensar	 seguindo	 o	 outro".	 Isso	 significa	 deixar	
os	 pensamentos	 em	 segundo	plano	 para	 abrir	 espaço	 e	 observar	 como	 o	 outro	
desenvolve	uma	linha	de	pensamento	diferente.	
Compreender	 a	 individualidade	 do	 outro	 vai	 além	 de	 identificar	
características	genéricas,	o	outro	é	muito	mais	que	um	conjunto	de	características	
externas.	Nesse	 sentido,	 para	 compreender	 o	 papel	 social	 do	 outro	 também	 se	
exige	esse	movimento	de	pensar	seguindo	o	outro,	pois	não	é	possível	avaliar	e/ou	
julgar	o	outro	com	base	em	atribuições	externas.	Esse	pensamento	nos	direciona	
para	a	superação	da	discriminação	e	das	desigualdades,	na	medida	em	que	nos	
leva	a	superar	preconceitos	em	relação	ao	outro	(VEIGA,	2010).
3 DESAFIOS DO PROFESSOR EM RELAÇÃO À ALTERIDADE
Caro	acadêmico,	para	iniciar	nossa	reflexão	a	respeito	do	papel	do	professor	
diante	dos	desafios	impostos	pela	relação	entre	diversidade	e	educação,	recorremos	
às	palavras	de	Pinheiro	(2010,	p.	39),	em	sua	análise	sobre	educação	e	alteridade:
Algo	urgente	chama	nossa	atenção	nas	atuais	discussões	sobre	a	questão	
da	alteridade:	a	necessidade	de	uma	formação	que	 insira	a	 tolerância	
como	 fundamental	 no	 processo	 de	 educação,	 principalmente	 se	 a	
ideia	de	 educação	pretendia	 seguir	 os	princípios	normativos	de	uma	
educação	voltada	para	o	pleno	desenvolvimento	do	espírito	cidadão	e	
democrático	de	cada	um.	
A	tolerância	é	essencial	para	pensarmos	em	uma	educação	de	qualidade	
e	 na	 construção	 de	 um	 processo	 formativo	 no	 qual	 todos	 os	 sujeitos	 possam	
encontrar	as	mesmas	condições	para	adquirir	novos	conhecimentos	e	desenvolver	
competências	e	habilidades.	Entretanto,	tal	tarefa	é	um	desafio	para	a	escola	e	para	
os	professores,	isto	porque	exige	uma	postura	aberta	para	o	outro.	
151
TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Educação igual para todos?
Beatriz Vargas Dorneles
Está na hora de reencontrarmos as necessidades individuais dos alunos e repensarmos o 
nosso papel na sua formação, não só dos ditos “diferentes”, mas de todos aqueles com os 
quais temos um compromisso educacional.
Nunca tivemos um percentual tãogrande da população mundial na escola. Mesmo assim, 
ainda estamos longe de uma educação para todos. Mas o que é exatamente isso? É uma 
educação em que a maioria das pessoas tem acesso à escola? No Brasil, já existe esse acesso, 
mas não há uma educação para todos. Então se trata de uma educação em que todos têm as 
mesmas oportunidades educacionais, mesmo chegando desiguais à escola? Talvez, porém 
essa meta é mais difícil, e nós ainda precisamos caminhar muito para chegar lá. O que está 
faltando?
Já dispomos de uma legislação que garante a todas as crianças o direito à escola e uma rede 
de escolarização que recebe essas crianças. Contudo, nós, professores, ainda não sabemos 
como real¬mente efetivar essa escolarização. Continuamos esperando que nossas turmas 
sejam homogêneas, que possamos fazer um único plano para todos os alunos e que eles 
cumpram suas tarefas de acordo com o planejamento. A realidade, no entanto, tem sido dura: 
temos alunos que não aprendem no ritmo que pretendemos e que nem sequer aprendem os 
conteúdos que ensinamos. O que fazer com eles?
Essa pergunta torna-se emblemática para o momento atual da chamada educação para 
todos: quase todas as crianças estão na escola, mas não sabemos o que fazer com muitas 
delas. Até pouco tempo atrás, essas crianças não passavam dos primeiros anos do Ensino 
Fundamental e depois eram enviadas para escolas especiais, porém, hoje elas chegam aos 
últimos anos e inclusive ao Ensino Médio.
[...] A nossa escola pública desenvolveu-se historicamente voltada para a homogeneização. 
O início da ideia de escola pública para todos no século XVIII e sua expansão no século 
XIX aconteceram para preparar a mão de obra necessária para atender aos processos de 
industrialização crescente que a Revolução Industrial estava a impor. Era preciso aprender a 
ser bom trabalhador para produzir, e isso incluía uma forma mais educada de agir e um certo 
domínio da leitura e escrita, aspectos que a escola garantia. [...]
Contudo, a sociedade do século XXI é cada vez mais híbrida; as mudanças são muito rápidas 
e radicais; as diferenças sociais, econômicas e culturais têm se acentuado. Para viver em tal 
complexidade, teremos de preparar nossos alunos. Vivemos em uma sociedade heterogênea 
e complexa, e essa heterogeneidade faz parte da riqueza humana, da essência da natureza 
humana. Por complexa entendo uma sociedade formada por várias facetas culturais, sociais, 
familiares, educacionais e políticas que se inter-relacionam de diferentes formas. [...]
As mudanças trazem sempre novos desafios, inseguranças e incertezas, tal como ocorre 
com a ideia de uma escola para todos. Perseguimos durante centenas de anos um ideal de 
homogeneidade que não encontramos e que, nas poucas vezes em que o vislumbramos, 
mostrou-se empobrecido. A diversidade como elemento essencial na nossa história humana 
tem se mostrado produtiva e enriquecedora da prática cotidiana. Precisamos aceitar tal 
diversidade com estudo, reflexão e construção de alternativas pedagógicas que nos façam 
desenvolver cotidianamente a tolerância como um valor, reciclando-nos no dia a dia. [...]
FONTE: DORNELLES, Beatriz Vargas. Educação igual para todos? Disponível em: <http://loja.
grupoa.com.br/revista-patio/artigo/6328/educacao-igual-para-todos.aspx>. Acesso 
em: 2 nov. 2016.
UNI
UNIDADE 3 | O ESPAÇO DA DIVERSIDADE NO COTIDIANO ESCOLAR
152
O	 encontro	 com	 o	 outro,	 mesmo	 despertando	 o	 sentimento	 de	
estranhamento	e	angústia,	pode	ser	um	momento	positivo.	Quando	os	atores	da	
educação	oferecem	um	caminho	para	o	encontro	com	o	outro	é	possível	construir	
uma	relação	que	supere	a	angústia	e/ou	agressividade	que	emergem	no	encontro	
com	outros	significantes.	É	possível	conduzir	um	encontro	que	leve	à	construção	
da	familiaridade	e	não	da	agressividade	em	relação	ao	outro,	ao	novo,	ao	diferente.	
Para	tanto,	é	necessário	que	todos	os	atores	envolvidos	nesse	processo	–	incluindo	
o	professor	–	estejam	abertos	para	o	outro	(THONES;	PEREIRA,	2013).
Além	disso,	é	 fundamental	que	o	professor	esteja	atento	à	 sua	 tarefa	do	
próprio	reconhecimento.	Devemos	admitir	o	caráter	desafiador	e	até	desesperador	
dessa	tarefa.	Afinal,	a	educação	“é	o	lugar	por	excelência	do	escamoteamento	do	
vazio	que	nos	constituiu	e	que	constitui	nossas	regras,	normas	de	conduta	e	projeto	
civilizatório”	(THONES;	PEREIRA,	2013,	p.	516).	Bem	como,	há	uma	resistência	
em	relação	a	 tal	 tarefa,	quando	o	sujeito	não	olha	a	 si	mesmo	acaba	negando	a	
existência	do	outro.	
Diante	desse	impasse,	a	mudança	de	comportamento	em	relação	à	forma	
de	lidar	consigo	mesmo	e	com	o	outro	é	imprescindível	para	promover	o	respeito	
à	diversidade.	Mudar	a	forma	como	reconhecemos	a	nós	mesmos	abre	caminho	
para	reconhecer	o	outro.
Thones	e	Pereira	(2013)	nos	mostram	como	desenvolvemos	um	sentimento	
de	 angústia	 no	 encontro	 com	o	 outro.	O	outro,	 nesse	 caso,	 faz	 referência	 a	um	
sujeito	com	características	culturais,	étnicas	ou	sociais	diferentes	das	nossas.	Esse	
sentimento	de	 angústia	 e/ou	 estranhamento	 se	 faz	presente	 quando	não	 somos	
capazes	de	enquadrar	ou	classificar	outros	sujeitos	em	nosso	universo,	em	nossas	
regras	 ou	 ainda	 em	 nossos	 valores.	 A	 dificuldade	 de	 enquadramento	 é	 uma	
representação	simbólica	da	influência	da	cultura	na	sociedade	e	na	construção	da	
identidade	de	cada	indivíduo.	Reconhecemos	quem	somos	–	e	aqueles	diferentes	
de	nós	–	através	da	cultura.	
Nesse	 sentido,	 quando	 nos	 deparamos	 com	 o	 outro,	 com	 o	 diferente,	
sentimos	 um	 estranhamento	 e	 essa	 percepção	 é	 natural,	 pois	 em	 diversos	
momentos	não	desenvolvemos	uma	identificação	ou	empatia	imediata	em	relação	
a	 indivíduos	 diferentes	 de	 nós	 e	 tentamos	 enquadrá-los	 em	 nossos	 padrões	
culturais	 (THONES;	PEREIRA,	 2013).	Em	outras	palavras,	 a	 educação	pode	 ser	
diferente.	É	possível	olhar	para	o	diferente,	para	aquele	que	não	se	encaixa	nos	
padrões	socialmente	estabelecidos,	reconhecendo	o	estranho	não	como	algo	a	ser	
transformado,	adaptado,	escondido	ou	excluído,	mas	como	parte	da	nossa	própria	
percepção.	
A	 pedagogia	 pode	 ser	 antipedagogizante	 quando	 parte	 da	 condição	 do	
não	 saber.	Nessa	pedagogia	 os	 olhares	 se	 voltam	a	nós	mesmos	 como	o	outro.	
Para	tanto	é	necessário	abrir	mão,	por	vezes,	do	já	conhecido	ou	preestabelecido.	
Abrir	espaço	para	o	outro	é	também	abrir	espaço	para	o	novo	através	de	novas	
metodologias.	Desse	modo,	podemos	ver	o	outro	e	abrir	espaço	para	o	novo	com	
familiaridade	e	proximidade	(THONES;	PEREIRA,	2013).
153
TÓPICO 3 | O PAPEL DO DOCENTE E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Outro	 elemento	 a	 ser	 considerado	 nesse	 contexto	 são	 os	 impactos	 da	
modernidade	 e	 da	 globalização	 para	 a	 sociedade	 e	 seus	 reflexos	 na	 educação.	
Conforme	 nos	mostra	Nabuco	 (2010),	 com	 a	 globalização	mundializou-se	 uma	
condição	 humana	 que	 produziu	 um	grande	 número	de	 excluídos,	 pessoas	 que	
são	consideradas	desnecessárias	para	a	sociedade	e,	consequentemente,	não	fazem	
parte	das	instituições	sociais.	“As	práticas	de	inclusão	e	a	educação	estão	às	voltas	
com	essa	modernidade	 líquida	e	com	o	fluxo	da	 informação	sem	fronteiras	que	
aparece	como	desestruturação	e	esgarçamento	dos	laços	sociais,	o	que	não	deixa	
de	acelerar	o	processo	de	segregação/exclusão”	(p.	72).
Esse	 novo	 contexto	da	 educação	no	 espaço	 social	 abre	 outros	 espaços	 e	
concepções	 sobre	 os	 indivíduos,	 especialmente	 para	 aqueles	 que	 fazem	 parte	
dos	grupos	que	devem	ser	incluídos	no	processo	educativo.	As	novas	formas	de	
compreender	o	outro	na	modernidade	permitem	superar	categorias	reducionistas,	
como	 aquelas	 comumente	 utilizadas	 para	 pessoas	 com	 deficiência	 (NABUCO,	
2010).	Com	as	transformações	nos	limites	entre	o	normal	e	o	patológico	já	não	é	
possível	reduzir	esses	indivíduos	a	pressupostos	já	construídos.
Saímos	da	era	da	educação	repressiva	e	entramos	na	era	da	invenção	e	
da	criação	fora	da	norma,	fora	da	complementaridade.

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