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Pergunte e responda 13.1 De onde se origina a personalidade? 549 13.2 Quais são as teorias da personalidade? 557 13.3 O quanto a personalidade é estável? 568 13.4 Como a personalidade é avaliada? 577 13.5 Como conhecemos nossa própria personalidade? 584 Personalidade SEIS ANOS ATRÁS, MARC ROMPEU COM A MULHER com quem estava na- morando há quase uma década. O namoro pela internet era um fenômeno cres- cente, porém Marc estava determinado a não experimentá-lo. Ele iria conhecer alguém do modo antigo: indo para o mundo e buscando seus interesses. Afinal, não sabia exatamente que qualidades estava procurando em uma companheira. Sobretudo, ele queria alguém que não fosse sua ex-namorada. Ele morava em Nova York, onde trabalhava das 9 às 17h. Em algum lugar na cidade, esperava, iria encontrar alguma mulher que gostasse da vida na cidade tanto quanto ele. Que lugar melhor para encontrar uma pessoa com a mesma opinião senão em um concerto, um museu, um parque ou um evento cultural? Em outras palavras, Marc queria encontrar alguém sendo ele mesmo. Não estava interessado em vender alguma versão de si na web. Desde o surgimento dos encontros pela internet na década de 1990, cada vez mais pessoas têm procurado on-line parceiros românticos e companheiros para toda a vida. Segundo uma pesquisa realizada pela Pew Foundation, quase um terço dos norte-americanos conhece alguém que usou um site de relacionamentos on-line, e 1 em cada 6 adultos conhece alguém que esteve em um relacionamento de longa duração com alguém que conheceu na internet (Madden & Lenhart, 2006). Depois de alguns meses sozinho, Marc ouviu histórias de sucesso sobre ca- sais que haviam se conhecido on-line. Os amigos o encorajaram a experimentar, e ele decidiu tentar. Seguiram-se meses de encontros bizarros. Depois de uma troca de e-mails, um primeiro encontro normalmente envolvia sentar-se à frente de uma pessoa relativamente estranha. Marc colocou as cartas na mesa e se perguntou se a ou- tra pessoa ficaria interessada. Ele havia passado décadas criando aquela versão de si mesmo, e em uma questão de minutos alguém tinha a oportunidade de rejeitá-la completamente: “Desculpe, isso parece não combinar”. Exatamente quando Marc estava farto e pronto para dar um tempo nos en- contros on-line, ele visitou o site usual e viu a foto de uma mulher de aparência elegante. Em seu perfil, ela descrevia qualidades que achou atraentes. Por exem- plo, entre os itens sem os quais aquela mulher não podia viver estavam “uns 13 548 Ciência psicológica tênis legais” e “possibilidades”. Ela parecia positiva, divertida e aberta, não como aquelas mulheres de linguagem dura e reservada com quem ele vinha se encontrando. Nenhuma daquelas mulheres realmente parecia querer es- tar em um relacionamento. Por quase um mês, Marc e a mulher de aparência elegante, Chris- tine, tiveram uma troca de e-mails divertida, algumas vezes emocional- mente carregada. Finalmente, eles se encontraram em um domingo chu- voso. Ele gostou do jeito bonito como ela tirou sua capa antes de entrar no bar. Ela gostou do sorriso dele. Assim como Marc, Christine estava farta de namoros on-line naquele domingo chuvoso. Apesar dos e-mails algumas vezes excessivamente fran- cos, ela decidiu dar uma chance àquele rapaz porque ele parecia mais pro- missor do que os outros personagens chatos, perdedores e dominadores que ela havia conhecido. Christine tem tendência a ser mais analítica do que Marc e tinha uma percepção mais clara das características que estava pro- curando: um homem autossuficiente e confiável que tivesse suas próprias ideias. Eles agora estão juntos há oito anos. Quando as pessoas escolhem parceiros românticos, descrevem seus amigos e inimigos ou tentam entender a si mesmas, elas se baseiam na noção de personalidade. Mas como funciona a personalidade? As pessoas permanecem as mesmas em todas as situações ou agem de maneira dife- rente em momentos diferentes? Marc e Christine são filhos únicos. Eles exi- bem tendências de filhos únicos, como egocentrismo. Eles também evitam os estereótipos, por exemplo, ser emocionalmente expressivo. Alternam entre ser tímidos e extrovertidos. Cada um prefere trabalhar sozinho, mas ambos podem se tornar catalisadores da conversa em uma festa, uma reu- nião ou em algum agrupamento. Observando seus pais e a si mesmos, Christine e Marc sabem muito bem que as personalidades das pessoas provêm da combinação de genes e experiências. Fotos do início da infância mostram Christine e Marc expres- sando muitos dos mesmos traços – a obstinação, o toque dramático – que cada um exibe hoje (FIG. 13.1). Mais ainda, durante seus oito anos juntos, Marc e Christine despertaram as melhores qualidades um do outro. Marc se desenvolveu emocionalmente porque tem alguém a quem se dedicar. Por- que Christine o aceita por ele ser quem é, Marc sabe que o trabalho de ser ele mesmo valeu a pena. Christine é menos propensa a deixar que seus tra- ços melancólicos construam uma parede entre ela e os outros. Como seu namorado é também seu melhor amigo, ela se sente suficientemente confiante para mostrar o melhor de si para o mundo. De onde se origina a personalidade? As pessoas conseguem mudar sua per- sonalidade? Situações na vida, como relacionamentos de longa duração, modi- ficam as personalidades? As pessoas constantemente tentam decifrar as outras pessoas – compreender por que elas se portam de certas maneiras – e prever seu comportamento. Na verdade, muitos estudantes fazem cursos de psicologia (a) (b) FIGURA 13.1 Feitos um para o outro?. (a) Mesmo quando menino, na presença de um fo- tógrafo profissional, Marc estava determinado a ser ele mesmo. (b) Quando menina, Christine representava a sua versão da Mu- lher Maravilha. Capítulo 13 Personalidade 549 em parte porque querem saber o que motiva as outras pessoas a se comportar de determinadas maneiras. Um dos desafios ao tentar decifrar as pessoas é que elas podem agir de formas diferentes em situações diferentes. O que o compor- tamento de uma pessoa nos diz a respeito da sua personalidade? 13.1 De onde se origina a personalidade? Imagine se todos se sentissem, pensassem e agissem da mesma maneira. A vida seria aborrecida porque as diferenças individuais dão um gosto especial à vida. Por exem- plo, Marc e Christine formam um bom casal porque suas diferenças complementam um ao outro. Esse capítulo explora as diferenças entre as pessoas. O quadro que se apresenta é familiar na psicologia: a personalidade é uma combinação da genética das pessoas, das forças no seu ambiente e das escolhas que fazem na vida. Para os psicólogos, a personalidade consiste dos pensamentos, das respostas emocionais e dos comportamentos característicos das pessoas. Alguns psicólogos da personalidade estão mais interessados em compreender as pessoas como um todo. Isto é, eles tomam uma pessoa, como Marc, e tentam conhecer o máximo possível sobre ela como indivíduo. Outros psicólogos da personalidade estudam a forma como carac- terísticas particulares, como autoestima ou timidez, influenciam o comportamento. Por exemplo, eles querem saber em que aspectos as pessoas com autoestima baixa diferem daquelas com alta autoestima. Seu interesse é em como características particulares influenciam o comportamento. Cada característica é um traço de personalidade: um padrão de pensamento, emoções e comportamentos que é relativamente consistente ao longo do tempo e em diferentes situações (Funder, 2012). Traços são predisposições a pensar, agir ou sentir de formas previsíveis em determinadas situações. No entanto, a personalidade não é apenas uma lista de traços. Gordon Allport, um dos fundadores desse campo, deu uma definição clássica de personalidade: “A organização dinâmica dentro do indivíduo daqueles sistemas psicofísicos que de- terminam o comportamento e o pensamento característico [do indivíduo]” (1961, p. 28; FIG. 13.2). Essa definição inclui muitos dosconceitos mais importantes para uma compreensão contemporânea da personalidade. A noção de organização indica que a personalidade é um todo coerente. Esse todo organizado é dinâmico na medida em que busca objetivos, é sensível a contextos particulares e adaptativo ao ambiente da pessoa. Ao enfatizar os sistemas psicofísicos, Allport reuniu duas ideias: destacou a natureza mental da personalidade (i.e., a parte psico do psicofísico) e re- conheceu que a personalidade se origina de processos biológicos básicos (i.e., a parte física). Além disso, essa definição enfatiza que a personali- dade leva as pessoas a terem comportamentos e pensamentos (e senti- mentos) característicos. Em outras palavras, as pessoas fazem, pensam e sentem coisas de modo relativamente consistente ao longo do tempo. Nas últimas décadas, surgiram evidências de que fatores bioló- gicos – como os genes, as estruturas cerebrais e a neuroquímica – de- sempenham um papel importante na determinação da personalidade. Obviamente, todos esses fatores são afetados pela experiência. Confor- me discutido no Capítulo 3, cada célula no corpo contém o genoma, ou a receita básica, que fornece instruções detalhadas para os processos físicos. A expressão genética – se um gene é desligado ou ligado – está subjacente a toda atividade psicológica. Em última análise, os genes produzem efeitos somente se forem expressos. O ambiente determina quando ou se a expressão genética acontece. Por meio das mudanças epigenéticas, os genes se tornam mais ou menos prováveis de ser ex- pressos. Lembre-se do Capítulo 3 que epigenética se refere a alterações na expressão ou não dos genes, não a alterações no DNA subjacente. A carga genética predispõe a certos traços ou características da per- sonalidade, mas a expressão desses genes depende das circunstâncias Objetivos de aprendizagem � Resumir os resultados de estudos com gêmeos e de adoção na medida em que esses resultados dizem respeito à personalidade. � Entender o papel de genes específicos na personalidade. � Identificar temperamentos distintos. � Revisar pesquisas que avaliam os traços de personalidade entre animais não humanos. Personalidade Pensamentos, respostas emocionais e comportamentos característicos de uma pessoa. Traço de personalidade Um padrão de pensamentos, emoções e comportamentos que é relativamente consistente ao longo do tempo e em diferentes situações. FIGURA 13.2 Gordon Allport. Em 1937, Allport publicou o primeiro manual de psicologia da personalidade. Seu livro definiu o campo. Ele também advo- gou o estudo dos indivíduos e estabele- ceu os traços como um conceito central na pesquisa da personalidade. 550 Ciência psicológica únicas que cada pessoa enfrenta na vida. Por exemplo, conforme observado no Ca- pítulo 3, crianças com uma determinada variação genética se revelaram com maior probabilidade de se tornarem criminosos violentos quando adultas se tivessem sido abusadas durante a infância. Um tema importante ao longo deste livro é que a natureza e a criação trabalham em conjunto para produzir os indivíduos, e esse tema vale parti- cularmente para a personalidade. A personalidade tem base genética Há evidências irrefutáveis de que quase todos os traços de personalidade têm um componente genético (Plomin & Caspi, 1999; Turkheimer, Petterson, & Horn, 2014). Um dos primeiros estudos a documentar a hereditariedade da personalidade foi con- duzido por James Loehlin e Robert Nichols (1976). Os pesquisadores examinaram semelhanças na personalidade em mais de 800 pares de gêmeos. Entre uma ampla variedade de traços, os gêmeos idênticos demonstraram ser muito mais semelhantes do que os gêmeos fraternos. Esse padrão reflete as ações dos genes, uma vez que gêmeos idênticos compartilham quase os mesmos genes, enquanto gêmeos fraternos não. Posteriormente, inúmeros estudos com gêmeos en- contraram que a influência genética representa aproxima- damente metade da variância (40-60%) entre os indivíduos para todos os traços de personalidade, bem como em ati- tudes específicas que refletem esses traços, como atitudes em relação a pena de morte, aborto e o gosto por andar na montanha-russa (Olson, Vernon, Harris, & Jang, 2001). Além disso, a base genética dos traços demonstrou ser a mesma entre as culturas (Yamagata et al., 2006). Esses pa- drões persistem tanto nas situações em que os gêmeos ava- liam a si mesmos como nas situações em que os amigos, a família ou observadores treinados os avaliam (FIG. 13.3). Obviamente, gêmeos idênticos recebem tratamento mais similar do que outros irmãos, e o tratamento pode explicar as semelhanças na personalidade. As melhores evidências que refutam essa ideia foram obtidas por Tho- mas Bouchard e colaboradores (1990). Conforme descri- to no Capítulo 3, esses pesquisadores identificaram que gêmeos criados separados são com frequência tão seme- lhantes quanto, ou até mais semelhantes do que gêmeos criados juntos. Esse achado sugere que a personalidade se desenvolve de forma muito parecida para os gêmeos durante suas vidas, independen- temente de terem sido criados na mesma família ou não. ESTUDOS DE ADOÇÃO Evidências adicionais da base genética da personalidade provêm de estudos de adoção. Digamos que duas crianças sem parentesco biológico são criadas na mesma família como irmãos adotivos. Essas duas crianças tendem a ser mais parecidas na personalidade do que duas crianças estranhas escolhidas aleatoriamente na rua (Plomin & Caspi, 1999). Além do mais, as personalidades de crianças adotadas não apresentam relação significativa com as dos pais adotivos. Em conjunto, esses achados sugerem que o estilo parental pode ter relativamente pouco impacto na personalidade. Na verdade, evidências atuais sugerem que o estilo parental tem muito menos im- pacto do que se presumia (Turkheimer et al., 2014). Por exemplo, os estudos comumen- te encontram pequenas correlações na personalidade entre irmãos biológicos ou entre os filhos e seus pais biológicos. Essas correlações são ainda maiores do que para crian- ças adotadas. Em outras palavras, as semelhanças na personalidade entre irmãos bio- lógicos e entre os filhos e seus pais biológicos parecem ter algum componente genético. Por que, então, crianças que são criadas juntas na mesma família (que não são gêmeas idênticas) são tão diferentes (Plomin & Daniels, 2011)? Uma explicação é que as vidas dos irmãos divergem quando eles estabelecem amizades fora de casa (Rowe, Woulbroun, & Gulley, 2013). Os tipos de pares que as crianças têm afetam como elas Capítulo 13 Personalidade 551 pensam, se comportam e se sentem, e os pensamentos, comportamentos e sentimen- tos podem influenciar o desenvolvimento da personalidade (Harris; 2011). Mesmo que os irmãos sejam criados na mesma família, seus ambientes em casa diferem em função da idade e do fato de terem irmãs ou irmãos mais novos ou mais velhos, e seus pais respondem diferentemente a cada um deles (Avinun & Knafo, 2014). As per- sonalidades dos irmãos lentamente se separam à medida que suas diferenças iniciais são ampliadas pelas suas interações com o mundo. Embora as pequenas correlações na personalidade entre os irmãos impliquem que o estilo parental tem pouco efeito, isso não quer dizer que os pais não sejam importantes (ver Cap. 9, “Desenvolvimento humano”). David Lykken (2000), um im- portante pesquisador da genética do comportamento, defendeu que crianças criadas com parentalidade inadequada não são socializadas apropriadamente e, portanto, têm muito mais probabilidade de se tornarem delinquentes ou de apresentarem com- portamento antissocial. Dessa forma, um nível mínimo de parentalidade é crucial, mas o estilo particular da parentalidade pode ter menor impacto na personalidade. É claro que os pais influenciam muitos aspectos das vidas dos seus filhos, por exemplo, escolhendo onde a família mora. O bairro escolhido pode ter um impacto importante nos grupos de pares dosfilhos e em outras experiências que moldam a personalidade. Ao escolherem bairros com boas escolas e baixos índices de crimina- lidade, os pais influenciam a probabilidade de seus filhos se envolverem com grupos bons ou ruins. Incentivando talentos atléticos ou artísticos, os pais podem aumentar a probabilidade de seus filhos conhecerem crianças com os mesmos interesses ou que tenham experiências que estimulem interesses futuros. Por conseguinte, os pais desempenham um papel importante na escolha dos ambientes que moldam a perso- nalidade dos seus filhos. EXISTEM GENES ESPECÍFICOS PARA A PERSONALIDADE? Pesquisas revelaram os componentes genéticos para comportamentos particulares, como o hábito de assis- tir à televisão ou o fato de se divorciar, e até mesmo para atitudes específicas, como sentimentos em relação à pena capital ou o gosto por jazz (Tesser, 1993). Esses acha- dos não significam, obviamente, que genes escondidos em nosso DNA determinam a quantidade ou os tipos de programas de televisão a que assistimos. O que ocorre Monozigóticos Dizigóticos 0 Para cada traço, as correlações para gêmeos monozigóticos foram maiores do que para gêmeos dizigóticos. Correlação entre pares de gêmeos 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 Traço A m ab ili da de Es cr up ul os id ad e N eu ro tic is m o Ex tr ov er sã o D is po ni bi lid ad e FIGURA 13.3 Correlações em gêmeos. Pesquisadores examinaram as correlações entre 123 pares de gêmeos idênticos (monozigóticos) e 127 pares de gêmeos fraternos (dizigóticos) em Vancouver, Canadá. Este gráfico resume alguns dos seus achados (esses traços, denominados cinco grandes fatores – Big Five, são discutidos na p. 563). 552 Ciência psicológica é que eles nos predispõem a ter certos traços de personalidade. Os traços de perso- nalidade estão associados a tendências comportamentais, cognitivas ou emocionais, referidas como disposições. Na maioria dos casos, os pesquisadores observam a in- fluência de múltiplos genes que interagem de forma independente com o ambiente do indivíduo para produzir as disposições gerais. Por exemplo, genes e ambiente juntos podem resultar em que uma pessoa prefira atividades em ambientes fechados a ativi- dades em ambientes ao ar livre. Estudos iniciais encontraram que os genes podem estar ligados a alguma espe- cificidade dos traços de personalidade. Por exemplo, um gene que regula um receptor dopaminérgico particular foi associado à procura de novidade, ao desejo de buscar novas experiências (Cloninger, Adolfsson, & Svarakic, 1996; Ekelund, Lichtermann, Jaervelin, & Peltonen, 1999). A teoria é de que pessoas com uma forma desse gene têm deficiência de dopamina. Em consequência, esses indivíduos buscam novas ex- periências para aumentar a liberação de dopamina. Pesquisas sobre a estabilidade emocional implicam um gene que regula a serotonina, embora o efeito seja muito pequeno (Jang et al., 2001; Munafo et al., 2012). De fato, as ligações entre genes es- pecíficos e aspectos específicos da personalidade parecem ser extraordinariamente pequenas (Turkheimer et al., 2014). Em contrapartida, milhares de genes contribuem para traços específicos. Esses genes se combinam para influenciar a personalidade global de uma pessoa (Weiss, Bates, & Luciano, 2008). Segundo David Lykken e colaboradores (1992), é possível que cada agregação fortuita de genes produza um indivíduo único. Esses pesquisadores fazem a analogia de uma mão de pôquer recebida por uma criança. Digamos que a mãe da criança vi- rou um 10 e o rei de copas, e o pai virou um valete, a rainha e o ás de copas. Embora nenhum dos pais isoladamente tenha contribuído com uma mão significativa, juntos eles transmitiram um “royal flush”. É claro que algumas pessoas recebem mãos ven- cedoras e outras recebem mãos difíceis de jogar. A questão é que a personalidade de cada pessoa reflete a mão genética dada por ambos os pais. Além do mais, as experiências de cada pessoa afetam as circunstâncias que podem causar alterações epigenéticas e a expressão seletiva de determinados genes. Dada a com- plexidade da personalidade, a complexidade da base genética subjacente à personalidade não causa surpresa. Mesmo que os estudos com gêmeos forneçam evidências incontestáveis de que os genes representam aproximadamente metade da variância na personalidade, os pes- quisadores nunca conseguem identificar os genes específicos que produzem esses efeitos (Munafo & Flint, 2011). Agregar as alterações epigenéticas que resultam das interações com o ambiente torna ainda mais difícil identificar a influência de um gene específico (Zhang & Mea- ney, 2010). O temperamento é evidente na infância Os genes atuam afetando os processos bioló- gicos. Como os genes influenciam a personali- dade, faz sentido que eles ajudem a produzir diferenças biológicas na personalidade. Es- sas diferenças são denominadas temperamento: tendências gerais a sentir ou agir de determina- das maneiras. Os temperamentos são mais abrangentes do que os traços de perso- nalidade. Experiências na vida podem alterar os traços de personalidade, conforme discutiremos posteriormente neste capítulo, mas os temperamentos representam as estruturas biológicas inatas da personalidade e são mais estáveis (Rothbart, 2011). Temperamento Tendências com base biológica a sentir ou agir de determinadas maneiras. Capítulo 13 Personalidade 553 Arnolf Buss e Robert Plomin (1984) defenderam que três características básicas podem ser consideradas temperamento (FIG. 13.4). Nível de atividade é a quantidade total de energia e de comportamento que uma pessoa exibe. Por exemplo, algumas crianças correm por toda a casa, outras são menos dinâmi- cas e ainda outras têm ritmo lento. Emocionalidade descreve a intensidade das reações emocionais. Por exemplo, crianças que choram com frequência ou ficam facilmente assustadas, assim como adultos que rapidamente ficam irritados, pro- vavelmente têm alta emocionalidade. Finalmente, sociabilidade se refere à ten- dência geral a se afiliar aos outros. Indivíduos com alta sociabilidade preferem estar com outras pessoas a estar sozinhas. Esses temperamentos foram associados a propensão das pessoas a se mu- darem para novas localidades. Um estudo dos padrões de migração na Finlândia encontrou que pessoas com maiores escores em sociabilidade tinham maior pro- babilidade de migrar para áreas urbanas e para lugares que eram muito distantes da sua cidade natal. Aquelas que tinham altos níveis de atividade tinham maior probabilidade, em geral, de migrar para um novo local, independentemente de qual fosse. Finalmente, aquelas com alta emocionalidade tinham probabilidade de migrar para lugares que eram próximos à sua cidade natal (Jokela, Elovai- nio, Kivimaki, & Keltikangas-Jarvinen, 2008). De acordo com Buss e Plomin, esses três estilos de temperamento são os principais fatores de personalidade influenciados pelos genes. De fato, evidências de estudos com gêmeos, estudos de adoção e estudos de famílias indicam um efeito poderoso da hereditariedade nesses temperamentos centrais. Os pesquisadores também identificaram outros temperamentos, por exemplo, até que ponto as crianças conseguem controlar seu comportamento e suas emoções (Caspi, 2000). Existem diferenças no temperamento entre meninas e meninos? Uma me- tanálise encontrou diferenças de gênero robustas no temperamento no início da infância (Else-Quest, Hyde, Goldsmith, & Van Hulle, 2006). As meninas demons- traram habilidades mais fortes para controlar sua atenção e resistir aos seus impulsos. Os meninos eram mais ativos fisicamente e experimentavam o prazer com alta intensidade, como as brincadeiras de luta. No entanto, não houve dife- renças no temperamento em relação a emoções negativas, como ficar zangado ou neurótico, durante a infância. Mais adiante neste capítulo você irá aprender sobre como mulheres e homens diferem em suas personalidades adultas e como essas diferençasvariam entre as culturas. Há implicações de longo prazo no temperamento Até que ponto o temperamento do bebê prognostica a personalidade adulta? Lembre-se da vinheta de abertura do capítulo, na qual fotos de infância de Marc e Christine mostravam que aspectos das suas personalidades adultas já eram visíveis em idade precoce. Pesquisas recentes documentaram evidências convin- centes de que o temperamento no início da infância influencia significativamente o comportamento e a estrutura da personalidade durante o desenvolvimento da pessoa (Caspi, 2000). Conforme discutido no Capítulo 3, pesquisadores investi- garam a saúde, o desenvolvimento e as personalidades de mais de mil pessoas nascidas no período de um ano (Caspit et al., 2002). Esses indivíduos foram exa- minados aproximadamente a cada dois anos. A maioria deles (97%) permaneceu no estudo até os 21 anos. Aos 3 anos de idade, foram classificados dentro dos tipos de temperamento com base nas avaliações dos examinadores (os tipos de temperamento eram diferentes daqueles identificados por Buss e Plomin). A clas- sificação aos 3 anos de idade prognosticou a estrutura da personalidade e vários comportamentos no início da idade adulta. Por exemplo, crianças socialmente inibidas tinham muito mais probabilidade, quando adultas, de ser ansiosas, ficar deprimidas, ficar desempregadas, ter menos apoio social e tentar suicídio (Caspi, 2000; FIG. 13.5). Esses achados sugerem que o temperamento no início da infân- cia pode ser um bom prognosticador de comportamentos posteriores. O grau de timidez das pessoas na adolescência e idade adulta foi associado a diferenças precoces no temperamento. Pesquisas demonstraram que crianças com (a) (b) (c) FIGURA 13.4 Três tipos de temperamento. Temperamen- to são aspectos da personalida- de que são mais determinados pela biologia. Há três tempera- mentos, os quais estão basea- dos (a) no nível de atividade, (b) na emocionalidade e (c) na sociabilidade de uma criança. 554 Ciência psicológica apenas 6 semanas de idade podem ser identificadas como provavelmen- te tímidas (Kagan & Snidman, 1991). Aproximadamente 15 a 20% dos recém-nascidos reagem a novas situações ou estranham objetos ficando assustados e aflitos, chorando e movendo braços e pernas vigorosa- mente. O psicólogo do desenvolvimento Jerome Kagan se refere a essas crianças como inibidas e vê essa característica como biologicamente determinada. A demonstração de sinais de inibição aos 2 meses de ida- de prediz relatos parentais posteriores de que a criança é tímida aos 4 anos, e provavelmente o será durante a adolescência. Evidências bioló- gicas sugerem que a amígdala – a região do cérebro envolvida nas res- postas emocionais, especialmente o medo – está envolvida na timidez. Embora a timidez tenha um componente biológico, também pos- sui um componente social. Aproximadamente um quarto das crian- ças inibidas comportalmente não é tímido posteriormente na infância (Kagan, 2011). Esse desenvolvimento em geral ocorre quando os pais criam ambientes apoiadores e calmos nos quais os filhos podem lidar com o estresse e a novidade no seu próprio ritmo. Mas esses pais não protegem seus filhos do estresse completamente, portanto as crianças gradualmente aprendem a lidar com seus sentimentos negativos em situações novas. A personalidade é adaptativa O genoma humano foi moldado no curso da evolução. Na verdade, ele continua a ser moldado pela evolução. Por meio dos processos de se- leção natural, as características adaptativas se disseminaram no pa- trimônio genético e foram se manifestando em números crescentes de geração para geração. Assim sendo, podemos esperar que traços de personalidade úteis para a sobrevivência e reprodução tenham sido fa- vorecidos. Por exemplo, é fácil imaginar como o fato de ser competitivo possibilita que os indivíduos obtenham grandes recompensas ou des- frutem de maior valor em seus grupos sociais. Além disso, os traços fornecem informações importantes sobre as qualidades desejadas e in- desejadas nos parceiros. Pelo comportamento de observação, podemos saber se parceiros potenciais são escrupulosos, agradáveis, neuróticos, etc. David Buss (1999) argumentou que os traços de personalidade for- necem informações importantes relacionadas à escolha do parceiro. Outra explicação possível para as diferenças individuais está rela- cionada às habilidades que possuem os membros dos grupos. Os gru- pos cujos membros possuem habilidades diversas têm uma vantagem seletiva sobre os grupos cujos membros têm um número limitado de habilidades (Caporael, 2001). Consideremos o traço da busca de novi- dade. Ter membros no grupo que procuram e exploram novos territó- rios pode levar à descoberta de novos recursos, como uma abundante provisão de alimentos. Entretanto, aqueles que buscam novidade se ex- põem a riscos maiores, e o grupo sofreria se todos os seus membros se- guissem essa estratégia. Portanto, é vantajoso para o grupo também ter membros cautelosos. Os indivíduos cautelosos podem melhorar o gru- po de outras formas, talvez sendo mais atentos ou dando apoio social. Assim, a diversidade das habilidades torna mais provável o sucesso do grupo. E, é claro, todos os membros de grupos bem-sucedidos têm maior probabilidade de sobrevivência e de reprodução e, dessa forma, podem transmitir seus genes a gerações futuras. PERSONALIDADES DOS ANIMAIS Se você já teve um animal de estimação, prova- velmente percebeu que o seu animalzinho tinha uma personalidade distinta. Durante a maior parte da história da ciência psicológica, sua intuição teria sido considerada com ceticismo. Isto é, os psicólogos teriam presumido que você estava projetando seu próprio senso de personalidade no mascote. Quando consideram se os animais têm personalidade, alguns psicólogos pensam agora em termos dos princípios da evolução. Ou seja, os humanos e outros animais evoluíram à medida que resolveram Porcentagem aos 21 anos Porcentagem aos 21 anos 5 10 15 20 Grupo de temperamento aos 3 anos: 5 10 15 20 Variedade dos delitos aos 21 anos –0,2 0 0,2 0,4 Bem adaptado Inibido Descontrolado Transtorno antissocial Problemas com álcool Crime 0 0 –0,4 FIGURA 13.5 Comportamento preditivo. Pesquisadores investigaram o desenvol- vimento da personalidade de mais de mil pessoas. Conforme apresentado nestes gráficos, os indivíduos avaliados como descontrolados aos 3 anos de idade pos- teriormente tinham maior probabilidade de ser antissociais, ter problemas com álcool e ser criminosos do que aqueles avaliados como bem adaptados ou ini- bidos. Em cada um dos gráficos, a linha pontilhada indica a média para toda a amostra. Capítulo 13 Personalidade 555 desafios adaptativos ocasionalmente similares. Por conseguinte, existe alguma con- tinuidade entre as espécies. Essa visão levanta a possibilidade de que os animais, em várias circunstâncias, podem exibir diferenças individuais consistentes quanto ao comportamento, e estas refletem bases biológicas subjacentes da personalidade (Gosling, 2001). Sam Gosling estudou o comportamento de um grupo de 34 hienas manchadas (Gosling, 1998). A partir desses achados, Gosling criou uma escala de personalidade que consistia de 44 traços aplicáveis tanto aos humanos quanto às hienas. Quatro observadores que conheciam bem as hienas usaram a escala de forma independente para avaliar os animais. A concordância entre os avaliadores foi tão alta quanto é geralmente encontrado em estudos da personalidade de humanos, e esse resultado sugere que os avaliadores avaliaram as hienas com confiabilidade (ver “Pensamento científico: Estudo de Gosling da personalidade nos animais”). Gosling e Oliver John (1999) resumiram os achados de 19 estudos que ava- liaram múltiplas disposições na forma de características duradouras em animais não humanos. Os estudos envolveram amostras de animais de estimação, macacos e outros primatas, porcos, jumentos, animais aquáticos e outrasespécies. Gosling e John encontraram evidências de versões confiáveis dos traços de personalidade, tais como extroversão e emocionalidade, que podem ser observados em muitas espécies, incluindo os humanos. No entanto, somente os chimpanzés mostraram sinais de al- guns traços humanos, como o quanto pareciam ser cuidadosos e controlados. Esse achado não causa surpresa, já que os chimpanzés são os parentes mais próximos dos humanos. De todas as espécies, os humanos exibem de modo mais consistente traços que os psicólogos reconhecem como personalidade. Pensamento científico Estudo de Gosling da personalidade nos animais HIPÓTESE: Animais não humanos podem ser descritos em termos dos traços de personalidade básicos. Pesquisadores definiram 44 traços e pediram que os observadores avaliassem 34 hienas manchadas em relação a cada traço. Por meio da análise dos fatores, os 44 traços foram agrupados em cinco dimensões principais: 1 2 ASSERTIVIDADE CURIOSIDADE EXCITABILIDADE AMABILIDADE DIRIGIDA AOS HUMANOS SOCIABILIDADE RESULTADOS: As avaliações dos quatro juízes mostraram a mesma concordância que na maioria dos estudos da personalidade de humanos. As cinco dimensões da personalidade não puderam ser explicadas por outros fatores como gênero ou idade. CONCLUSÃO: O achado de que as hienas podem ser descritas com confiabilidade em termos dos traços de personalidade apoia pesquisas adicionais da personalidade em animais não humanos. FONTE: Gosling, S. D. (1998). Personality dimensions in spotted hyenas (Crocuta crocuta). Journal of Comparative Psychology, 112, 107–118. 556 Ciência psicológica Resumindo De onde se origina a personalidade? � Personalidade são os pensamentos, as respostas emocionais e os comportamentos caracte- rísticos de uma pessoa. Um traço de personalidade é um padrão de pensamentos, emoções e comportamentos que é relativamente consistente ao longo do tempo e entre as situações. � Resultados de estudos de gêmeos e estudos de adoção sugerem que 40 a 60% da varia- ção da personalidade é produto da variação genética. � Os pais desempenham um papel importante na escolha dos ambientes que moldam a per- sonalidades de seus filhos. � As características da personalidade são influenciadas por múltiplos genes que interagem com o ambiente para produzir disposições gerais. � É difícil identificar a influência de genes específicos na personalidade. Alguns traços, como a busca de novidade, foram associados a um gene associado aos níveis de dopamina, e a estabilidade emocional foi associada a um gene associado aos níveis de serotonina. � O temperamento, tendência da personalidade com base biológica, é evidente no início da infância e tem implicações de longo prazo no comportamento adulto. � Existem diferenças de gênero no temperamento. As meninas são mais capazes de con- trolar a atenção e os impulsos, e os meninos são mais ativos e obtêm mais prazer com a atividade física. � O temperamento na infância pode prognosticar traços de personalidade adultos. Os tra- ços de personalidade que facilitam a sobrevivência e a reprodução são adaptativos. As diferenças individuais na personalidade dentro de um grupo podem ser vantajosas para a sobrevivência do grupo. � Pesquisas forneceram evidências de traços de personalidade básicos em animais não hu- manos, sugerindo que alguns traços têm uma base biológica. Avaliando 1. Quais das afirmações a seguir são verdadeiras no que tange à relação entre ambiente, genes, traços de personalidade e temperamento? Escolha todas as afirmações que se aplicam: a. O ambiente interage com os traços de personalidade para moldar o temperamento. b. O ambiente interage com o temperamento para moldar os traços de personalidade. c. Os genes atuam para produzir o temperamento. d. O temperamento afeta o modo como cada criança responde e molda seu ambiente. e. A influência dos genes no temperamento e nos traços de personalidade muda durante a vida. 2. Quais dos seguintes foram identificados como temperamentos? a. nível de atividade, emocionalidade, sociabilidade b. nível de atividade, controle, curiosidade c. emocionalidade, amabilidade, extroversão d. sociabilidade, inibição, escrupulosidade 3. Pesquisas revelaram qual dos seguintes aspectos como relacionado às crianças identi- ficadas como inibidas aos 3 anos de idade? a. As crianças inibidas mostraram sinais de abuso e trauma quando adultas, evidenciando que a personalidade é moldada pela experiência. b. As crianças inibidas continuaram a ser tímidas durante a adolescência e experimenta- ram mais depressão e ansiedade quando adultas, sugerindo que a personalidade tem um viés biológico. c. As crianças inibidas desenvolveram personalidades extrovertidas quando adultas, com- provando que a personalidade é aprendida no ambiente do indivíduo. d. As crianças inibidas apresentaram sinais de disfunção cognitiva, oferecendo evidên- cias de um viés biológico para a personalidade. RESPOSTAS: (1) As opções b, c, d são verdadeiras. (2) a. nível de atividade, emocionalidade, sociabilidade. (3) b. As crianças inibidas continuaram a ser tímidas durante a adolescência e experimentaram mais depres- são e ansiedade quando adultas, sugerindo que a personalidade tem um viés biológico. Ana Retângulo
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