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Por que (não) estudar latim hoje? 
Se a língua latina é considerada a mãe da língua portuguesa e de outras línguas ocidentais, será que seu 
estudo não seria importante ainda hoje? 
por Francisco Edmar Cialdine Arruda1 
 
Qual a importância do latim hoje? Por que estudá-lo? Essas são as perguntas que geralmente nós 
nos fazemos tão logo entramos na primeira aula de latim da faculdade. Motivados pelo medo de alguns 
veteranos, às vezes chegamos até a negar a importância da disciplina com tais questionamentos. É claro 
que, muitas vezes, esse temor é corroborado quando somos obrigados a decorar listas e mais listas de 
desinências de casos, conjugações e etc., todavia, deixar de lado a língua que não só deu origem ao 
português e demais línguas neolatinas, como também influenciou tantas outras, é deixar de lado a 
oportunidade de entender, historicamente, como todas essas línguas se relacionam e se transformam. Foi 
pensando nisso que resolvi escrever esta apologia ao ensino de latim. 
 
O latim nosso de cada dia 
Ao contrário do que muitos possam pensar, o latim não é uma língua morta. Ele está mais vivo do 
que nunca. Não só vivo nas línguas neolatinas, mas em seu uso propriamente dito. Utilizamos a língua latina 
em algumas situações de nosso dia a dia. Deixamos o curriculum vitae nas empresas para conseguir 
emprego, fazemos cursos de pós-graduação lato sensu ou stricto sensu, nossa universidade pode estar 
localizada em diferentes campi etc. Esses são apenas alguns exemplos de expressões latinas comuns ao 
nosso cotidiano. É claro que sua influência se estende a outras línguas, por exemplo - ou melhor e.g.: em 
latim, temos a palavra dominus, que significa "senhor". A partir dessa palavra vieram as palavras "dominar", 
"condomínio" e o dia dedicado ao Senhor ("domingo"). Note que, há alguns séculos, tínhamos o título de 
"dom" (Dom Manuel, Dom Pedro I etc.), que caiu em desuso em português - porém, permanece em 
espanhol. O nome original do seu Madruga, famoso personagem do seriado de TV "Chaves", é, na verdade 
don Ramón. Temos o resquício dessa palavra apenas em seu feminino "dona" e seu diminutivo "donzela" 
(que veio de dominicella). 
Se formos falar de língua inglesa, os exemplos não são menores. Apenas para citar alguns, temos 
university, que significa "universidade" - ambas as palavras vieram do latim universitas, isto é, o "universo", 
a "totalidade das coisas"; e não é essa a ideia de universidade? Outro exemplo curioso: o verbo to delete 
chegou ao português como "deletar", isto é, apagar algo que foi digitado no computador. Mas o verbo inglês 
tem origem latina: delere, "destruir" (incrivelmente, a segunda pessoa do plural do imperativo é delete). Então 
eu deixo a pergunta: será que Kaiser (imperador em alemão) e czar (imperador em russo) têm alguma 
relação com o império dos césares romanos? (Só para dar uma dica, César se escreve Caeser em latim e 
uma possível pronúncia é "cáisser"). 
Voltando para nossa língua, conhecer latim nos faz raciocinar sobre os sentidos das palavras. 
Observe: a palavra latina para água é aqua, daí a natação ser um esporte aquático, os seus peixes ficarem 
em um aquário. Então eu pergunto o que seria aquicultura? Você pode até nem saber ao certo, mas fará 
uma ideia. 
Podemos também falar sobre o que algumas gramáticas chamam de irregularidades da língua e 
perceber que elas têm explicação na sua história. Uma grande pedra no sapato dos alunos é o plural de 
palavras terminadas em "-ão". Na verdade, a irregularidade está em conhecer a origem dos três possíveis 
plurais ("-ãos", "-ões", "-ães"). O plural de "nação" é "nações" porque veio do latim, natione; em "pão" (pane), 
temos "pães", mas "cristãos" para "cristão" (christianu). 
O latim está tão vivo que ainda hoje ele ajuda a criar neologismos. Além do exemplo de "deletar", 
podemos citar mais esse: "marinheiro", em latim, é nauta - daí o porquê do adjetivo náutico para coisas 
ligadas à marinha. De nauta teremos "astronauta" ou "cosmonauta", o navegante dos astros ou dos cosmos. 
Por isso dizemos que quem navega na Internet é internauta. 
 
1 *Francisco Edmar Cialdine Arruda é mestrando em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará, 
pesquisador do Grupo de Pesquisa em Lexicografia, Terminologia e Ensino (LETENS), atuando principalmente com 
os temas Terminologia, Ensino, Lexicografia, Surdez e Latim. 
 
 
A importância do latim 
 
A despeito de tudo isso há as questões culturais que circundam a língua. "Velho" em latim é senex. 
Em Roma, surgiu uma instituição que era composta pelos mais velhos, tidos como mais sábios - o membro 
dessa instituição era conhecido como senator. Temos, então, a origem do senado em Roma. 
Outro detalhe, o latim é uma língua muito precisa por conta de seus casos e declinações, de modo 
que ela foi muito utilizada nas ciências e, principalmente, no Direito. Na Biologia, por exemplo, a taxonomia 
nomenclatura as palavras baseadas nos termos da língua latina, por isso, para a palavra “laranjeira” temos 
citrus aurantium, para o “mosquito da dengue” temos aedes aegypti, para “golfinho” temos delphinus delphis, 
etc. Ainda hoje, em alguns países da Europa, é possível escrever uma tese em latim. De igual modo, a 
língua oficial da Igreja Católica Apostólica Romana é o latim. Perceba que o latim é um ponto em comum 
entre a Ciência e a Igreja. 
Não podemos também esquecer que o latim está vivo também nas músicas. Temos desde cantos 
religiosos (canto gregoriano), óperas "profanas" (como trechos de Carmina Burana) e até de bandas de 
heavy metal que fazem músicas em latim (vide box). 
Por fim, cabe-nos agora hipotetizar sobre as razões que levam a língua latina a ser considerada 
persona non grata dos cursos de Letras. O primeiro motivo, certamente, é a ausência de metodologias de 
ensino que ultrapassem os tradicionais e extensos exercícios de declinação e conjugação. Os alunos muitas 
vezes se veem obrigados a decorar listas e mais listas de terminações sem compreenderem como aquele 
conteúdo pode contribuir com a formação de um professor de língua portuguesa. De fato, apesar de o latim 
contribuir para a solidificação profissional do aluno e mesmo para o aprendizado de outras disciplinas da 
grade curricular, não raro a língua latina é estudada sincronicamente isolada. A língua latina pode fornecer 
bases sólidas para estudos históricos da língua, estudos de análise sintática, estudos literários e de crítica 
literária e até mesmo estudos sociolinguísticos - desde que o professor de latim apresente ao aluno essas 
relações interdisciplinares. De igual modo, outras disciplinas podem contribuir para o desenvolvimento dos 
estudos clássicos. Um exemplo seria as contribuições possíveis que as novas teorias de ensino e 
aprendizagem de língua, desenvolvidas no campo da Linguística aplicada, podem oferecer. Esse campo 
tem crescido muito - mas apenas em nível de línguas modernas. Também a Lexicografia moderna, hoje 
voltada para a sala de aula, poderia oferecer ferramentas metodológicas para a produção de dicionários 
acessíveis ao grande público. Essas ideias, inclusive, poderiam ajudar a combater a crença negativa de que 
não há nenhum caráter científico nos estudos clássicos. 
Outra barreira para o sucesso do ensino do latim nos cursos superiores é a acessibilidade ao material 
didático. O pouco material existente em língua portuguesa é raro, caro e feito em uma linguagem imprópria 
para iniciantes. Muitos deles datam de décadas atrás, quando os estudos clássicos eram comuns nas 
escolas. É claro que, se o aluno lê em outras línguas, as opções se ampliam, na verdade, há uma 
considerável gama de material em alemão, francês ou mesmo inglês. 
De modo geral, são essas barreiras que acabam por difamar o ensino do latim nas faculdades. Por 
outro lado, é a existência de tais barreiras e a possibilidade de superá-las que tornam esse campo de estudos 
um ambiente fértil de pesquisa. 
PEQUENOVOCABULÁRIO 
alibi: em outro lugar 
alter ego: outro eu 
a posteriori: a partir do que vem depois 
a priori: a partir do que vem antes 
Agnus Dei: Cordeiro de Deus 
carpe diem: aproveite o dia 
Corpus Christi: Corpo de Cristo 
curriculum vitae: percurso de vida 
exempli gratia (e.g.): por exemplo 
et caetera (etc): e outras coisas 
habeas corpus: que tenhas o corpo 
in loco: no lugar 
in memoriam: em memória de 
in vitro: no vidro 
ipsis litteris: pelas mesmas letras 
lato sensu: no sentido lato, geral 
per capita: por cabeça 
persona non grata: pessoa indesejada 
pro forma: por mera formalidade 
quo vadis?: aonde vais? 
sine qua non: sem a qual não 
stricto sensu: sentido restrito 
tabula rasa: tábua raspada

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