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A contribuição de Hegel o reino patriarcal

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ESTUDO DE CASO EM 
HUMANIDADES E MEIO AMBIENTE
A contribuição de Hegel: o reino patriarcal, o 
estado livre e a monarquia moderna
As idéias hegelianas (termo empregado para designar o pensamento de Hegel) 
foram marcadas após um intervalo temporal que ficou conhecido por despotismo 
(lembremos que se trata de uma forma de governo em que o poder é centralizado 
nas mãos de somente um governante), classificação lembrada por Bobbio (1988). 
A obra hegeliana foi marcada pela convergência de duas concepções fundamentais 
já vivenciadas anteriormente em Vico e Montesquieu, respectivamente: a 
predominância de uma ideia histórica das formas de governo e o conhecimento 
geográfico espacial. Hegel adotou ambas as percepções que atuaram de forma 
decisiva para a formação de um sistema abrangente e complexo, herdeiro de quase 
dois milênios de reflexão filosófica. 
Em uma de suas principais obras, “Lições de Filosofia da História” de 1821 apresenta 
o momento final da evolução de suas idéias, de sua teoria política quando dedica 
um capítulo introdutório às reflexões sobre “a base geográfica da história mundial” 
que teve como foco central a explicação de que a história mundial pode ser dividida 
em três fases, que logicamente serão caracterizadas por tipologias diversas de 
caráter geográfico: 
1. O altiplano, caracterizado por suas extensas estepes e planuras, uma paisagem comum à Ásia 
central e que tipifica a origem das comunidades nômades, com destaque para as pastoris; 
2. A planície fluvial, elemento típico das terras do Indus, do Ganges, do Tigre e do Eufrates que se 
estende até o Rio Nilo, região em que a terra cuja fertilidade apresenta altos índices favoráveis 
à prática da agricultura; 
3. Finalmente, toda a zona costeira cujo maior aspecto é a tendência para o desenvolvimento do 
comércio e para a formação de novas riquezas e circunstâncias para o progresso civil.
Esses elementos ficam mais ilustrativos nas próprias palavras do Hegel:
De modo geral, o mar dá origem a um tipo especial de existência. 
O elemento indeterminado nos dá a ideia do ilimitado e infinito; 
sentindo-se nessa infinitude, o homem adquire coragem para superar 
o limitado. O próprio mar é infinito, e não aceita demarcações 
pacíficas de Estados, como a terra firme. A terra, a planície fluvial, 
fixa o homem ao solo; sua liberdade é restringida assim por imenso 
complexo de vínculos. O mar, porém, o leva à conquista, mas também 
ao ganho e à aquisição. (HEGEL apud BOBBIO, 1988, p.146). 
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Neste sentido, os historiadores Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas defendem 
a ideia de que
[...] a pressuposição essencial das metodologias propostas para a 
análise de textos em investigação histórica é que um documento é 
sempre portador de um discurso que, assim considerado, não pode 
ser visto como algo transparente. (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.37).
Ao relacionar as características ambientais do pensamento de Hegel com uma 
perspectiva econômica, ou como diria Montesquieu, a partir do ponto de vista 
do “modo de subsistência”, podemos considerar que sua teoria fundamenta-se 
na analogia (entendida como relação de semelhanças entre objetos diferentes) 
entre as atividades pastoril, agrícola e comercial, representantes das “três fases do 
desenvolvimento da sociedade humana” que por sua vez, correspondem às regiões 
de maior dimensão da Terra: a natureza do solo irá determinar assim a diferença 
social entre os grupos de homens. 
Em outras palavras, Hegel se utiliza da comparação para identificar as três fases da 
civilização às três distintas zonas terrenas por meio da demonstração de que 
a evolução das sociedades não ocorre apenas em momentos 
sucessivos do tempo, como se acreditava, e no mesmo espaço (como 
se viu com o espaço de Vico que, salvo o ocupado por povos selvagens, 
é essencialmente a Europa), mas sim mediante um deslocamento de 
área em área. (BOBBIO, 1988, p.146). 
Tais afirmações nos levam a compreender que Hegel acreditava que uma variação 
temporal equivale também a uma variação de tempo no espaço, com direção 
própria: do Oriente para o Ocidente, ou seja, tais variações acompanham o sentido 
do sol. Mas o que esse pensamento traz de relevante para o pensamento político? 
Em outras palavras, a perspectiva de que a civilização ao alcançar seu estágio 
maior de maturidade no continente europeu deverá iniciar sua próxima fase 
de desenvolvimento na América que, no século XIX, passava por processos de 
independência colonial, ganhando dessa forma, uma previsão hegeliana de que 
esse espaço seria o seguinte destinatário do rápido “progresso econômico e 
demográfico”, em quase uma ação de profetizar, como afirma Bobbio, 
de que a América “é o continente do futuro” e “para o qual se inclinará 
o interesse da história universal, nos tempos futuros...”. (BOBBIO, 1988, 
p.146).
Não podemos esquecer-nos da influência do pensamento de Montesquieu que, 
sobretudo, transpõe a idealização geográfica do desenvolvimento histórico e que 
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se estabelece principalmente na definição da teoria hegeliana sobre as formas de 
governo, elemento central da história do pensamento político. 
Para Hegel, a tipologia das formas de governo e sua sucessão são marcadas ao 
longo da história por três modelos: o despotismo (oriental – era infantil da história), 
a república (antiga) e a monarquia (moderna). Ademais, Hegel trabalhou com o 
conceito de Constituição entendido como “a porta pela qual o momento abstrato 
do Estado penetra na vida e na realidade”, ou seja, o que irá definir a transição da 
“ideia abstrata de Estado à sua forma concreta e histórica” é a “diferença entre 
quem governa e quem é governado”. (BOBBIO, 1998, p.147). Tal prerrogativa fica 
mais clara por meio do trecho a seguir: 
Com razão, portanto, as constituições têm sido classificadas 
universalmente nas categorias de monarquia, aristocracia e 
democracia. É preciso, porém observar, em primeiro lugar, que 
a própria monarquia pode ser distinguida em despotismo e em 
monarquia como tal... (HEGEL apud BOBBIO, 19988, p.147). 
Logo após defender a divisão entre os conceitos de monarquia e de despotismo 
que derivam do mesmo gênero, Hegel analisa a luz da concepção de liberdade 
e de como ela é estendida à sociedade, o lugar de tais constituições na história 
universal. 
A história universal é o processo mediante o qual se dá a educação 
do homem, que passa da fase desenfreada da vontade natural à 
universal, e à liberdade subjetiva. O Oriente sabia e sabe que um 
só é livre; o mundo grego e romano, que alguns são livres; o mundo 
germânico, que todos são livres. Por isso, a primeira forma que 
encontramos na história universal é o despotismo, a segunda é a 
democracia e a aristocracia, a terceira é a monarquia. (HEGEL apud 
BOBBIO, 1988, p.147). 
Ao interpretar o comentário hegeliano, percebemos que o autor se remete às 
distinções das constituições por meio de como a forma de governo irá se apresentar 
na totalidade da vida do Estado.
Na primeira forma, encontramos as seguintes características: primeiro, a totalidade 
do Estado não sofreu evolução e suas representações peculiares não atingiram o 
status de autonomia; na segunda, tais representações e com elas os sujeitos, se 
transformam em seres livres e finalmente, na terceira, o espaço em que os indivíduos 
são livres efetivamente e adotam um modo de produção voltado à universalização.
Ao estabelecer analogias com as considerações elaboradas anteriormente neste 
capítulo quando da comparação hegeliana acerca das três fases da Terra e de sua 
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evolução civilizatória, podemos afirmar que visualizamos em cada Estado, os tipos 
de reino, quais sejam: patriarcal, pacífico e guerreiro, como justifica Bobbio. 
Esta primeira manifestação (patriarcal) doEstado é despótica e 
instintiva. Mas, mesmo na obediência e na violência, no medo de um 
dominador, ela é já um complexo da vontade. Mas tarde se manifesta 
a particularidade: são aristocratas, esferas singulares, órgãos 
democráticos, indivíduos que dominam. Nesses indivíduos se cristaliza 
uma aristocracia acidental, e ela se transforma em novo reino, em 
monarquia. O fim, portanto, é a sujeição dessas particularidades a um 
poder tal que fora dele necessariamente as diversas esferas tenham 
sua autonomia – é o monárquico. É preciso distinguir, assim, entre um 
primeiro e um segundo tipo de poder real. (BOBBIO, 1988, p.148). 
O quadro 1 a seguir ilustra de forma resumida a explicação das formas históricas 
de constituição hegeliana: 
Formas históricas 
de Constituição
Categorias 
Políticas
Contexto Formas de Sociedade
Reino 
Patriarcal
Despotismo
Violência, Medo e 
Dominação.
Indiferenciada e inarticulada. 
As esferas privadas próprias a 
uma sociedade evoluída (ordens, 
classes ou grupos) ainda 
não elevaram-se a partir da 
unidade inicial (como acontece 
na família, um todo que ainda 
não se compõe de partes 
relativamente autônomas).
Estado 
Livre
República 
Aristocrática 
e Democrática
Liberdade com 
características 
particulares e não 
genéricas.
Surgimento das esferas 
particulares, mas que ainda não 
alcançaram a dimensão total de 
autonomia, caracterizando-se 
pela unidade desagregada e não 
recomposta.
Definida pela 
negação 
das condições 
patriarcal 
e despótica
Monarquia 
O rei governa 
uma sociedade 
articulada em 
representações 
relativamente 
autônomas. 
Pode ser definida 
como Monarquia 
Moderna ou 
Constitucional. 
Recomposição da unidade 
por meio da articulação das 
diferentes partes: identificamos 
nesse quadro a unidade e 
diferenciação em que a primeira 
é compatível com a liberdade 
das partes. A autonomia é 
elemento condicionante para 
sua funcionalidade.
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“O sistema Hegeliano” será retomado por Bobbio ao debater a categoria de 
sociedade civil contida na última fase de seu pensamento nos “Lições de Filosofia 
da História”, de 1821. 
Neste sentido, Hegel propõe, no momento intermediário da eticidade (conceito do 
Direito aplicado à ética) posto entre a família e o Estado, o esquema triádico que 
se contrapõe aos dois modelos diádicos: o Aristotélico – família/Estado (societas 
domestica/societas civilis, civilis de civitas correspondente a politikós de polis); e o 
jusnaturalista – estado da natureza/estado civil. 
Bobbio ainda ressalta que alguns estudiosos chegaram a considerar que na 
construção da seção dedicada à sociedade civil, esta foi concebida como uma 
espécie de categoria residual. Tentando esclarecer a concepção da sociedade civil 
em Hegel, Bobbio propõe que a “sociedade civil hegeliana representa o primeiro 
momento de formação do Estado, o Estado jurídico-administrativo que tinha como 
tarefa regular relações externas, enquanto o Estado propriamente dito representa 
o momento ético-político, cuja tarefa é realizar a adesão íntima do cidadão à 
totalidade de que faz parte, tanto que poderia ser chamado de Estado interno ou 
interior.” Em outras palavras, 
Mais que uma sucessão entre fase pré-estatal e fase estatal de eticidade, 
a distinção hegeliana entre sociedade civil e Estado representa a 
distinção entre um Estado inferior e um superior. Enquanto o último 
é caracterizado pelos poderes constitucionais, o primeiro opera 
através de dois poderes jurídicos subordinados – o poder judiciário 
e o poder administrativo. [...] as categorias hegelianas têm sempre, 
além de uma função sistemática, também uma dimensão histórica: 
são ao mesmo tempo partes interligadas de uma concepção global 
da realidade e figuras históricas. (BOBBIO, 2005, p.32). 
No entanto, para Hegel a sociedade civil não compreende mais o Estado na sua 
globalidade, mas apenas um momento no processo de formação do Estado. Hegel 
restabelece plenamente a distinção entre Estado e sociedade civil, mas põe o 
Estado como fundamento da sociedade civil e da família, é o Estado que funda o 
povo em oposição à concepção democrática. 
É o Estado que triunfa sobre a sociedade civil, absorvendo-a, em clara oposição 
a Rousseau. Para ele o Estado é personificado pelo monarca, havendo uma 
continuidade com o velho absolutismo, amenizado pela visão da monarquia 
constitucional. 
Finalmente, Hegel propõe o Estado neutro e racional – uma entidade racional 
em si mesma à qual a sociedade civil estaria subordinada. Contrário a Rousseau, 
que propõe o Estado liberal e o contrato social, Hegel não acredita que o Estado 
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nasça de um simples contrato social, mas de um longo processo 
histórico em que os interesses de classe são fundamentais.

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