Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Microeconomia 2 Notas de Aula MICROECONOMIA 2 – GRADUAÇÃO Departamento de Economia, Universidade de Braśılia Notas de Aula 3 – Externalidades e Bens Públicos Prof. José Guilherme de Lara Resende 1 Externalidades 1.1 Introdução Definição: Externalidade. Dizemos que ocorre uma externalidade quando o bem-estar de um agente econômico (indiv́ıduo ou firma) é afetado diretamente pelas ações de outro agente econômico, que não por meio de mercados. A externalidade pode ser negativa (se piora o bem-estar do agente) ou positiva (se melhora o bem-estar do agente). Uma externalidade de consumo ocorre quando a ação de um agente afeta a utilidade (ou utilidades) de outro agente (outros agentes). Uma externalidade de produção ocorre quando a tecnologia de alguma ou algumas firmas afeta o bem-estar de outros agentes. Assim como a externalidade de consumo, a externalidade de produção pode ser positiva ou negativa. O ponto principal da externalidade em termos econômicos é a inexistência do mercado para o bem ou serviço gerado pela atividade causadora da externalidade. Quando ocorre uma externali- dade, o custo (se a externalidade for negativa) ou o benef́ıcio (se a externalidade for positiva) social da ação do agente será diferente do custo ou benef́ıcio privado. Esta discrepância entre o custo ou benef́ıcio social e o custo ou benef́ıcio privado pode tornar a decisão privada distinta da decisão socialmente ótima, mesmo em um mercado perfeitamente competitivo. No caso de uma externalidade negativa, o ńıvel de atividade estará acima de seu ńıvel social- mente ótimo. No caso de uma externalidade positiva, o ńıvel de atividade estará abaixo de seu ńıvel socialmente ótimo. Isso ocorre porque o custo (ou benef́ıcio) associado à externalidade não é levado em conta pelo agente causador da externalidade. Nesse caso, o primeiro teorema do bem-estar não é mais válido em geral : na presença de externalidades, a alocação de mercado pode ser ineficiente no sentido de Pareto. Exemplos: • Fumantes e não fumantes: dois colegas de quarto, um fumante e outro não fumante. Ao fumar, o fumante diminui o bem-estar do seu colega. • Poluição: uma firma que polui um rio, sem considerar o dano que atinge o rio e a comunidade ribeirinha presente. • Trens e fáıscas (Coase): a passagem de trens pelos trilhos gera fáıscas que podem causar incêndios em plantações. • Abelhas e polinização: exemplo clássico de externalidade positiva, em que abelhas ajudam a polinizar plantações. José Guilherme de Lara Resende 1 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula Para ajudar o entendimento, vamos supor um modelo simples (Varian (2012), caṕıtulo 34, “Externalidades”, e Nicholson and Snyder (2008), caṕıtulo 19, “Externalities and Public Goods”) com duas firmas, A e B, onde a firma A, ao produzir o seu bem na quantidade yA, escolhe uma quantidade xA de poluição, que afeta os custos de produção da firma B, denotados por cB(yB;xA). As duas firmas estão inseridas em mercados competitivos, logo tomam os preços dos bens que produzem como dados e procuram maximizar os seus lucros. O problema de maximização de lucro da firma A é: max yA,xA pAyA − cA(yA, xA) , onde pA denota o preço do bem que a firma A produz e a função custo da firma A satisfaz ∂cA/∂yA > 0, ∂2cA/∂y 2 A > 0, ∂cA/∂xA < 0. Note que estamos assumindo que quanto maior o ńıvel de produção de poluição, menor será o custo de produzir o bem yA pela firma A. Podemos modificar essa hipótese de diversas formas, como, por exemplo, assumir que a produção de yA gera diretamente um ńıvel único de poluição xA, de tal modo que a decisão da firma A é relativa apenas à quantidade de yA que irá produzir, que gera uma quantidade de poluição associada. As condições de primeira ordem do problema da firma A resultam em: (yA) : ∂cA(yA, xA) ∂yA = pA (xA) : ∂cA(yA, xA) ∂xA = 0 A primeira CPO é a condição usual preço igual a custo marginal, que determina a oferta ótima de uma firma competitiva. A segunda CPO diz que a firma irá escolher a quantidade ótima de poluição de modo a igualar o custo marginal de poluir a zero. Já o problema de maximização de lucros da firma B é dado por: max yB pByB − cB(yB, xA) , que resulta na CPO pB = ∂cB(yB, xA)/∂yB. A quantidade de poluição gerada pela firma A afeta os custos da firma B, mas a firma A não leva esse efeito em conta. Temos então uma externalidade negativa gerada na produção do bem yA. Vamos encontrar qual a quantidade de poluição socialmente ótima, levando em conta os efeitos sobre a firma B. Uma forma de encontrar esse valor é por meio de uma fusão das duas firmas, que passa então a maximizar o seu lucro produzindo os dois bens yA e yB: max yA,yB ,x pAyA + pByB − cA(yA, x)− cB(yB, x) , As CPOs desse problema resultam em: (yA) : ∂cA(yA, x) ∂yA = pA (yB) : ∂cB(yB, x) ∂yB = pB (x) : ∂cA(yA, x) ∂x = −∂cB(yB, x) ∂x As duas primeiras CPOs mostram que a firma integrada continua a decidir a quantidade ótima a ser produzida de cada bem igualando preço ao custo marginal para cada um desses bens. José Guilherme de Lara Resende 2 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula A terceira CPO mostra que a quantidade socialmente ótima de x é determinada igualando o custo marginal em A de emissão de x ao negativo do custo marginal em B com a emissão ocorrida de x. Vemos então que a firma integrada internalizou o custo da poluição sobre a firma B em seu processo decisório. Vamos supor que os custos marginais de produção de A e de B em x são crescentes. Isso leva ao gráfico abaixo, que mostra que a quantidade socialmente ótima de poluição, denotada por x∗∗, é menor do que a quantidade privada, denotada por x∗. Portanto, a solução privada leva a uma quantidade de poluição superior ao socialmente desejável. 6 - Preço x � � � � � � � � � � � � � � � � �� ∂cB/∂x Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q QQ −∂cA/∂x � �� x∗x∗∗ s x∗∗ : Ótimo Social x∗ : Ótimo Privado x∗∗ < x∗ De modo geral, se o mercado operar livremente numa situação de externalidade negativa, a quantidade produzida pelo mercado será maior que a quantidade ótima do ponto de vista social (qM > qS, na figura abaixo). Portanto, a existência de uma externalidade leva a uma ineficiência, pois o benef́ıcio marginal total de uma atividade não se iguala ao seu custo marginal total (custo marginal privado somado ao custo marginal social). Nesses casos, é posśıvel melhorar a alocação de mercado (isto é, alcançar uma alocação Pareto-ótima). Obviamente, isso não significa que toda intervenção feita será perfeita ou fact́ıvel de ser implementada na prática. Diversos problemas, como assimetrias informacionais, podem dificultar esse processo de intervenção. 6 - Preço Quantidade � � � � � � � � � � � � � � �� Oferta (custo privado) � � � � � � � � � � � � �� Custo social Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q QQ Demanda qM s Equiĺıbrio de Mercado qS sÓtimo Social José Guilherme de Lara Resende 3 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula 1.2 Soluções As soluções para o problema de externalidades consistem em: 1. Impostos, subśıdios, quotas (imposto de Pigou); 2. Alocação de direitos de propriedade (Teorema de Coase); 3. Criação de mercados. As soluções para o problema de externalidades consistem em “internalizar” a externalidade, no sentido de que todos os custos (ou benef́ıcios, no caso de uma externalidade positiva) sociais sejam levados em conta na hora de decidir o ńıvel ótimo de externalidade a ser produzido. Três soluções clássicas são relacionadas a: 1) impostos Pigouvianos, 2) Teorema de Coase, e 3) criação de mercados. Impostos de Pigou Um outro mecanismo de correção da ineficiência gerada por uma externalidade é colocar um imposto sobre a produção no valor do custo social da externalidade (Pigou,1920). Neste caso, a curva de custo marginal privado se desloca para cima, coincidindo com a curva de custo social. Esse tipo de imposto, chamado imposto de Pigou (ou subśıdio, no caso de uma externalidade positiva) tenta corrigir a ineficiência causada pela externalidade. A taxa é escolhida de modo que o ńıvel socialmente ótimo da atividade geradora da externalidade seja alcançado. Em ambos os tipos de externalidade, o efeito da taxa (ou subśıdio) é fazer com que o agente gera- dor da externalidade incorpore em sua tomada de decisão o custo real de suas ações (“internalizar” a externalidade). Voltando ao nosso exemplo acima das firmas A e B, caso o governo institua um imposto no valor t por unidade de poluição emitida, o problema da firma A se torna: max yA,xA pAyA − cA(yA, xA)− txA , As condições de primeira ordem do problema da firma A resultam em: (yA) : ∂cA(yA, xA) ∂yA = pA (xA) : ∂cA(yA, xA) ∂xA = t Se o governo fixar t∗ = ∂cB(y ∗∗ B , x ∗∗)/∂x, então observe que a firma A irá escolher a quantidade socialmente ótima x∗∗ e não mais a quantidade x∗. O imposto Pigouviano t∗ fez com que a firma A internalizasse em seu processo decisório o custo que emitir x gera sobre a firma B. O governo poderia alternativamente fixar uma quota e limitar a emissão de x da firma A ao máximo de x∗∗. Ou poderia dar um subśıdio s = −t à firma A para cada unidade de x emitida. Neste caso, o custo de oportunidade para A de emitir x não é mais zero e sim o valor do subśıdio, o que faz com que a firma A reduza a sua emissão de x para o ńıvel socialmente ótimo. As três poĺıticas alcançam o objetivo de alcançar o ńıvel socialmente ótimo de emissão de x, mas possuem consequências distributivas diferentes. José Guilherme de Lara Resende 4 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula Observações sobre Solução via Impostos, Subśıdios, Quotas: 1. O governo deve taxar a atividade geradora da externalidade diretamente (por exemplo, taxar o lucro não diminuirá o ńıvel de externalidade). 2. O governo pode optar por um esquema de subśıdio para redução da externalidade, ao invés de taxar a externalidade. 3. A solução exige que o governo conheça os benefićıos e custos exatos que envolvem o problema de externalidade. Se esse é o caso, o governo poderia simplesmente impor quotas de produção ou exigir diretamente que a firma produzisse a quantidade socialmente ótima do bem. Alocação de Direitos de Propriedade O problema de externalidade pode ser visto como um problema de alocação incorreta ou de inexistência de direitos de propriedade. No nosso exemplo, se firma B fosse dona dos direitos de propriedade de ambiente limpo, ela passaria levar em consideração a deterioração do rio em sua decisão de produção. Logo, direitos de propriedade bem definidos podem fazer desaparecer a falha de mercado gerada pelo problema de externalidade. Exemplo: Suponha que os direitos de propriedade da atividade geradora da externalidade sejam alocados ao agente X. Ou seja, o agente Y não pode incorrer na atividade geradora da externalidade sem a concordância de X. Suponha que o agente Y faz uma oferta ao agente X de pagar T para poder produzir a externalidade. O agente Y escolherá T de modo que a sua oferta seja aceita. Nesse caso, pode ser mostrado que o ńıvel socialmente ótimo da externalidade é alcançado com a alocação do direito de propriedade da atividade geradora da externalidade. Esse resultado é resumido pelo teorema de Coase. Teorema de Coase. Se a externalidade puder ser transacionada e se não existirem custos de transação nem efeito renda (no caso de externalidades de consumo), então o resultado eficiente será alcançado pelo mercado, independentemente de quem possua os direitos de propriedade da atividade geradora da externalidade (Coase, 1960). Do ponto de vista de eficiência, é irrelevante quem ganha os direitos de propriedade. Porém, a alocação dos direitos influencia a distribuição de renda. Em geral, a quantidade produzida de uma externalidade de consumo na alocação eficiente depende da distribuição dos direitos de propriedade entre os consumidores. Porém, se a utilidade for quaselinear, a quantidade produzida de externalidade independe da distribuição dos direitos de propriedade e será, portanto, a mesma em toda alocação Pareto ótima. Utilidades quaselineares resultam em efeito renda nulo, condição necessária para a validade do Teorema de Coase no caso de externalidades de consumo. Observe também que a distribuição de riqueza final dependerá da distribuição dos direitos de propriedade. A solução dada pelo teorema de Coase exige apenas que o governo aloque e garanta direitos de propriedade. Logo, não é necessário que o governo conheça os benef́ıcios e custos associados à externalidade. Sob esse ponto de vista informacional, a solução de Coase é mais fácil de ser implementada. A hipótese de ausência de custos (ou custos baixos) de transação é crucial. Altos custos de transação podem impedir que a solução eficiente seja alcançada. José Guilherme de Lara Resende 5 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula Criação de Mercado A presença de externalidade pode ser associada à ausência de mercados competitivos para a externalidade. Para criar novos mercados, é necessário que os direitos de propriedade estejam bem definidos e que exista um mercado competitivo para a atividade que gera a externalidade. O mercado, nesse caso, age como um procedimento de barganha. Nessa solução, um novo mercado é criado, de modo que a externalidade passa a ser negociada como um bem tradicional. Exemplo: Mercado de Crédito de Carbono. O mercado de crédito de carbono é uma tentativa de solução para o problema de poluição do ar por gás carbônico (CO2). Créditos de carbono são certificados concedidos que permitem a emissão de uma tonelada de dióxido de carbono por cada unidade de crédito de carbono. Esses créditos podem ser negociados no mercado internacional. O mercado de créditos de carbono limita o ńıvel de poluição, ao limitar o número de créditos existentes. Além disso, permite que seja alcançada uma alocação eficiente, pois os créditos serão comprados pelas atividades produtivas que geram maior riqueza. A solução via “mercado de créditos” exige menos informação do que uma solução via “imposto de Pigou”, pois o governo deve conhecer apenas o ńıvel agregado socialmente ótimo de externalidade. A alocação de direitos de propriedade não afeta o resultado de eficiência, porém tem consequências distributivas. Esse tipo de solução cria incentivos para as firmas adotarem tecnologias que diminuam a sua produção de externalidade, já que a externalidade passa a ser um custo para a firma. Voltando ao nosso exemplo inicial das duas firmas A e B, vamos supor que se cria um mercado para poluição e que x passe a ser transacionado a um preço px. Vamos supor que a firma B possui os direitos de propriedade sobre poluição, de modo que qualquer poluição emitida, a receita gerada vai para ela. O problema de maximição de lucros da firma A se torna: max yA,xA pAyA − cA(yA, xA)− pxxA , As condições de primeira ordem do problema da firma A resultam em: (yA) : ∂cA(yA, xA) ∂yA = pA (xA) : − ∂cA(yA, xA) ∂xA = px Já o problema de maximição de lucros da firma B se torna: max yA,xA pByB + pxxB − cB(yB, xB) , As condições de primeira ordem do problema acima resultam em: (yB) : ∂cB(yB, xB) ∂yB = pB (xB) : ∂cB(yB, xB) ∂xB = px Igualando as CPOs dos problemas das duas firmas em x, por meio de px, obtemos que: ∂cB(yB, xB) ∂xB = −∂cA(yA, xA) ∂xA , José Guilherme de Lara Resende 6 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula ou seja, o ńıvel ótimo de x será igual ao ńıvel socialmente ótimo. Por que isso ocorre? A firma A passa a ter um custo px para emitir x. Elairá comprar x até que o custo marginal de emissão de x se iguale ao preço px. A firma B, que recebe a receita dessa venda de x por possuir os direitos de propriedade de x, irá vender uma quantidade de x até que a receita marginal dessa venda, dado por px, se iguale ao seu custo marginal de arcar com x na sua atividade produtiva. Portanto, por meio de um mercado para x, a quantidade socialmente ótima de x é alcançada via negociação entre as duas firmas. O que ocorre se mudarmos o direito de propriedade de x para a firma A, de modo que agora a firma B terá que pagar para A reduzir x? Nada em termos da quantidade de externalidade x gerada, conforme prevê o Teorema de Coase. Para confirmarmos isso, vamos analisar o problema da firma A, que agora é dado por: max yA,xA pAyA + pxxA − cA(yA, xA) As condições de primeira ordem do problema da firma A resultam em: (yA) : ∂cA(yA, xA) ∂yA = pA (xA) : ∂cA(yA, xA) ∂xA = px Já o problema de maximição de lucros da firma B se torna: max yA,xA pByB − cB(yB, xB)− pxxB , As condições de primeira ordem do problema acima resultam em: (yB) : ∂cB(yB, xB) ∂yB = pB (xB) : − ∂cB(yB, xB) ∂xB = px Igualando as CPOs dos problemas das duas firmas em x, por meio de px, obtemos que: ∂cB(yB, xB) ∂xB = −∂cA(yA, xA) ∂xA , ou seja, o ńıvel ótimo de x será igual ao ńıvel socialmente ótimo. Como postulou Coase, é irrelevante para fins de alcançar a quantidade socialmente ótima de x quem possui os direitos de propriedade sobre a atividade geradora da externalidade. Logicamente, em termos de bem-estar, essa alocação dos direitos de propriedade possui consequências: se for para a firma A, ela terá um lucro maior do que se fosse para firma B, e vice-versa. Além disso, Coase enfatizava que a hipótese de ausência de custos de transação, impĺıcita no nosso modelo, quase nunca seria satisfeita na prática. Isso torna a solução via criação de mercados e alocação de direitos de propriedade mais complicada de ser implementada. José Guilherme de Lara Resende 7 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula 1.3 Tragédia dos Comuns A “tragédia dos comuns” ocorre quando um bem comunitário sofre de um problema do bem escasso que não tem dono: cada agente tem incentivo a explorá-lo mais que o ótimo social, pois se ele não o fizer outro agente o fará. Hardin (1968) popularizou esse termo em um artigo para a revista Science. Uma solução para este problema é a regulamentação por uma autoridade, usualmente o governo ou uma associação comunitária. Essa regulamentação pode ser por meio de concessões, limitando o montante do bem comum dispońıvel para uso por cada indiv́ıduo. Sistemas de concessão para atividades econômicas extrativistas tais como mineração, pesca, caça, corte de árvores são exemplos desta solução. O governo pode também impor limites de danos admisśıveis ao bem comum. Outra solução que pode ser usada para certos recursos é transformar o bem comum em propri- edade privada, fazendo com que o dono tenha incentivos para garantir a sustentabilidade do bem, preservando-o. Suponha que em uma região foi concedido livre acesso à pastores de ovelhas. Suponha que o preço do metro cúbico de lã é R$ 1, e que a produção total de lã pode ser expressa pela função f(n), em que n é o número de ovelhas no pasto. Vamos assumir que todas as ovelhas geram o mesmo tanto de lã, de tal modo que f(n)/n representa a quantidade de lã gerada por uma ovelha. Suponha que o custo de cada pastor com uma ovelha seja R$ c. O número total de ovelhas será determinado pela condição de lucro zero, já que cada pastor irá introduzir mais uma ovelha no pasto até que a receita obtida com essa ovelha se iguale ao seu custo: π = p× f(n ∗) n∗ − c = 0 ⇒ pf(n ∗) n∗ = c A quantidade socialmente ótima de pastores pode ser determinada maximizando o lucro total da atividade de pastoreio: max n p× f(n)− cn A CPO desse problema resulta em: pf ′(n∗∗) = c Portanto, os dois casos levam a soluções diferentes. No primeiro caso, os pastores igualam o valor do produto médio, p × PMe(n) = pf(n)/n, ao custo marginal c. Já no segundo caso, o valor do produto marginal, p × PMg(n) = pf ′(n), é igualado ao custo marginal. Assumindo que mais uma ovelha diminui a produção total de lã na média, então o produto médio será decrescente. Isso implica que o produto marginal será sempre menor do que o produto médio. A figura abaixo ilustra essa situação. José Guilherme de Lara Resende 8 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula 6 - PMe, PMg n c HHH HHH HHH HHH HHH HHH HHH PMe @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @PMg s n∗∗ s n∗ A figura acima mostra que a quantidade socialmente ótima n∗∗ é menor do que a quantidade determinada na solução do bem de recurso comum, n∗. Um pastor, ao colocar mais uma ovelha no pasto, afeta todos os outros pastores, pois uma ovelha a mais diminui a quantidade total de pasto dispońıvel. Temos um problema de externalidade negativa. A externalidade negativa neste caso é consequência de o pasto ser um bem de recurso comum, o que leva a uma sobreutilização dele. Uma forma de resolver o problema seria transformar o pasto um bem privado. Deste modo, o criador de ovelhas, dono do pasto, irá levar em conta o efeito de cada ovelha sobre todas as outras e internalizará a externalidade. Outras soluções são posśıveis. Uma seria estabelecer n∗∗ como o número máximo de ovelhas permitidas. Pastores podem ter direito a um certo número de ovelhas e transacionar esses direitos entre si, com o limite de manter o número total de ovelhas igual a n∗∗. Elinor Ostrom, ganhadora do prêmio Nobel em Economia em 2009, conjuntamente com Oliver Williamson, fez importantes contribuições sobre problemas como a tragédia dos comuns e outros semelhantes. O seu livro Governing the Commons se tornou uma referência clássica sobre o assunto (Ostrom, 2015). José Guilherme de Lara Resende 9 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula 2 Bens Públicos 2.1 Definições Samuelson (1954, 1955) definiu bem público (puro) como um bem com duas caracteŕısticas: 1. Não-rival: O consumo do bem por uma pessoa não limita ou diminui a quantidade dispońıvel para consumo por outras pessoas; 2. Não-excludente: Não é posśıvel (ou é muito custoso) excluir indiv́ıduos do seu consumo. Bens públicos podem ser vistos como um problema de externalidade de consumo onde todas as pessoas são obrigadas a consumir a mesma quantidade do bem. Essa parte da nota de aula baseia-se em Varian (2012), caṕıtulo 36 (“Bens Públicos”) e Nicholson and Snyder (2008), cap. 19 - “Externalities and Public Goods” . Classificamos os tipos de bens com relação à rivalidade e à possibilidade de exclusão do consumo do seguinte modo (a tabela abaixo resume a terminologia descrita): • Os bens privados são bens excludentes e rivais. Exemplos são bens de consumo, tais como laranja, sorvete, automóvel. • Os bens públicos são não-excludentes e não-rivais. Exemplos são segurança pública, ilu- minação pública, defesa nacional, estradas sem pedágio descongestionadas. • Os bens de recursos comuns são não-excludentes e rivais. Exemplos são peixes no oceano ou em um rio, meio ambiente, estradas sem pedágio congestionadas. • Os bens de clube são excludentes, mas não rivais. Exemplos são TV a cabo, estradas com pedágio não congestionadas, corpo de bombeiro. Rival Não Rival Excludentes Bens Privados Bens de Clube Não excludente Recursos Comuns Bens Públicos Até agora lidamos sempre com bens privados: bens em que é posśıvel privar o consumo por alguma pessoa, bastando para isso não vender o bem, e rivais no consumo, ou seja, se o bem for consumido por alguém, ele não tem como ser consumido por outro pessoa. 2.2 Alocação Eficiente Suponha que existam apenas dois indiv́ıduos, que podem consumir dois bens, umbem privado, denotado por x, e um bem público, denotado por G. Vamos supor que G é perfeitamente diviśıvel e normalizar o preço do bem privado em um (px = 1). Suponha que c(G) representa o custo de prover G unidades do bem público. A utilidade do agente i, i = 1, 2, é ui(xi, G). Vamos representar por wi a riqueza do indiv́ıduo i, i = 1, 2. O problema de maximização que determina as alocações Pareto eficientes é: max x1,x2,G u1(x1, G) s.a. i) u2(x2, G) = ū2, ii) x1 + x2 + c(G) = w1 + w2 José Guilherme de Lara Resende 10 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula O Lagrangeano do problema acima é: L = u1(x1, G) + λ(ū2 − u2(x2, G)) + µ(w1 + w2 − x1 − x2 − c(G)) As CPOs resultam em: (x1) : ∂u1(x1, G) ∂x1 = µ (x2) : − λ ∂u2(x2, G) ∂x2 = µ (G) : ∂u1(x1, G) ∂G − λ∂u2(x2, G) ∂G = µ ∂c(G) ∂G Se dividirmos a terceira CPO por µ e substituirmos nela os valores de µ e λ/µ dados pela primeira e segunda CPOs, obtemos: ∂u1(x1,G) ∂G ∂u1(x1,G) ∂x1 + ∂u2(x2,G) ∂G ∂u2(x2,G) ∂x2 = ∂c(G) ∂G Em termos da TMS entre o bem privado e o bem público, temos que: |TMS1(G, x1)|+ |TMS2(G, x2)| = CMg(G) Ou seja, em uma alocação Pareto eficiente, a soma do valor absoluto das taxas marginais de substituição entre os bens público e privado dos dois consumidores deve ser igual ao custo marginal de provisão do bem público (a soma da propensão marginal a pagar tem que ser igual ao custo marginal). Esse resultado se mantém válido para o caso geral de I indiv́ıduos: I∑ i=1 |TMSi(G, xi)| = CMg(G) (1) Vamos supor que a utilidade de cada indiv́ıduo seja quaselinear na quantidade consumida do bem público G: ui(G, xi) = Ui(G) + xi, onde xi representa a quantidade consumida do bem privado, cujo preço é normalizado em 1, e Ui(G) é uma função estritamente côncava (por exemplo, U(G) = ln(G) ou U(G) = √ G). Vamos denotar a renda do indiv́ıduo i por mi e o custo de provisão de G unidades do bem público por c(G). Logo, a equação (1), que define a quantidade socialmente ótima de bem público, encontrada para o caso geral, neste caso se torna: I∑ i=1 U ′i(G ∗) = c′(G∗) A hipótese de quaselinearidade da utilidade permite analisar o mercado do bem público isolada- mente. Além disso, ela tem como consequência a existência de um único ńıvel eficiente de provisão do bem público. Logo, agora teremos uma única solução para o ńıvel ótimo do bem público, in- dependente da distribuição do bem privado entre os consumidores. Esse resultado é consequência da hipótese de utilidades quaselineares e não necessariamente ocorre no caso geral, em que podem existir diversos ńıveis ótimos para G, que se relacionam com a divisão considerada do bem privado entre os consumidores. José Guilherme de Lara Resende 11 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula 2.3 Provisão Privada de um Bem Público Suponha o mesmo arcabouço descrito na subseção anterior, com utilidades quaselineares, e que exista agora um mercado privado para a provisão do bem público. Cada indiv́ıduo i deve escolher a quantidade gi para comprar ao preço p. O problema do consumidor i é dado por: max gi,xi Ui ( gi + ∑ k 6=i ḡk ) + xi s.a. xi + pgi = mi . onde ḡk denota a quantidade ótima consumida pelo indiv́ıduo k, ∀k 6= i. Esse problema pode ser escrito de modo simplificado como: max gi Ui ( gi + ∑ k 6=i ḡk ) + (mi − pgi) , A CPO do problema do consumidor i resulta em: U ′i ( ḡi + ∑ k 6=i ḡk ) = p ⇒ U ′i(Ḡ) = p , onde Ḡ = ∑ k ḡk Do lado da oferta, suponha uma firma competitiva que toma o preço p do bem público como dado e possui uma função custo denotada por c(Q), onde Q representa a quantidade de bem público. A oferta ótima do bem público é encontrada resolvendo o problema de maximização de lucro abaixo: max Q≥0 pQ− c(Q) A CPO do problema acima resulta na conhecida condição preço igual a custo marginal: p = c′(Q̄) No equiĺıbrio devemos ter que a quantidade demandada de bem público é igual a quantidade ofertada, ou seja, Ḡ = Q̄. Observe que utilizando os resultados acima, obtemos: c′(Ḡ) = p = U ′i(Ḡ) < I∑ k=1 U ′k(Ḡ) = c ′(G∗) Como o custo marginal de provisão do bem público é crescente (c′′ > 0), obtemos: Ḡ < G∗ , ou seja, no caso de provisão privada de um bem público, o ńıvel de produção de mercado é inferior ao ńıvel socialmente ótimo. O gráfico a seguir ilustra essa situação. José Guilherme de Lara Resende 12 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula 6 -G $ c′(G) ∑ i g ′(G) U ′I(G) s G∗ s Ḡ A caracteŕıstica de não ser posśıvel excluir uma pessoa do consumo do bem público, ou seja, o fato de que o bem público comprado por um consumidor fica dispońıvel para todos os outros consumidores, torna o mercado ineficiente na provisão de bens públicos. Isto justifica a ação do Estado para corrigir a alocação de mercado. No caso de provisão privada de um bem público, o ńıvel de produção de mercado é inferior ao ńıvel socialmente ótimo. Observe que a ineficiência é resultado da caracteŕıstica de não ser posśıvel excluir nenhum indiv́ıduo do consumo do bem público. Isso cria a situação onde cada consumidor deseja pegar carona no consumo do bem público pago pelos outros (free-riding problem). O carona é o agente econômico que se beneficia do bem sem pagar por ele. Suponha que U ′1(G) < U ′ 2(G) < · · · < U ′I(G), para todo G ≥ 0. Nesse caso, é posśıvel mostrar que o ńıvel de equiĺıbrio Ḡ de provisão privada do bem público satisfaz U ′I(Ḡ) = c ′(Ḡ), ou seja, quem tem o maior benef́ıcio marginal com o bem público é quem define a quantidade provida desse bem. Essa ineficiência da quantidade privada ótima ser menor do que a quantidade socialmente ótima pode ser corrigida por meio de um imposto compulsório, que obriga todos a contribúırem para o provimento do bem público. Porém, há um outro problema: cada indiv́ıduo poderá não revelar corretamente o benef́ıcio que obtém com o bem público, o que impossibilitaria calcular a quantidade socialmente ótima de bem público que deve ser provida. A questão então é se existe alguma forma de induzir cada indiv́ıduo a revelar o seu verdadeiro benef́ıcio com o bem público. Este é um problema t́ıpico de desenho de mecanismos. José Guilherme de Lara Resende 13 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos Microeconomia 2 Notas de Aula Referências Coase, R. H. (1960). The problem of social cost. Journal of Law and Economics , 3 , 1-44. Hardin, G. (1968). The tragedy of the commons. Science, 162 , 1243-1248. Nicholson, W., & Snyder, C. (2008). Microeconomic theory - basic principles and extensions (10th edition). Mason, OH: South-Western Cengage Learning. Ostrom, E. (2015). Governing the commons. the evolution of institutions for collective action. New York: Cambridge University Press. Pigou, A. C. (1920). The economics of welfare. London: Macmillan and Co. Samuelson, P. A. (1954). The pure theory of public expenditure. The Review of Economics and Statistics , 36:4 , 387-389. Samuelson, P. A. (1955). Diagrammatic exposition of a theory of public expenditure. The Review of Economics and Statistics , 37:4 , 350-356. Varian, H. (2012). Microeconomia – uma abordagem moderna (8a edição). Elsevier/Editora Campus. Exerćıcios 1. (P1-1/19) Suponha um grupo de 5 indiv́ıduos, que consomem um bem público e um bem privado. A utilidade do indiv́ıduo i é: ui(xi, G) = i× lnG+ xi , onde xi denota a quantidade do bem privado consumido por i e G a quantidade de bem público. Suponha que o preço do bem privado é normalizado em 1 e que cada indiv́ıduo tem a mesma dotação desse bem privado, eix = 10, para todo i = 1, . . . , 5. O bem público possui um custo de provimento igual a C(G) = 5G. (a) Calcule a quantidade socialmente ótima de bem público. (b) Suponha que cada indiv́ıduo contribui com o mesmo valor para prover a quantidade socialmenteótima do bem público. Qual será o valor da contribuição individual e da total? (c) Suponha que os indiv́ıduos 2, 3, 4 e 5 contribuem cada um com 3 u.m. para a provisão do bem público. Qual será o valor de bem público que o indiv́ıduo 1 irá adquirir, caso o bem público seja provido em um mercado privado, em que o seu preço é igual ao seu custo marginal de provimento? (dica: lembre-se que o consumo de um bem é sempre maior ou igual a zero). (d) Interprete intuitivamente o resultado encontrado no item (c) e discuta qual seria a solução no caso de provisão privada do bem público. José Guilherme de Lara Resende 14 NA 3 – Externalidades e Bens Públicos
Compartilhar