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O livro Por uma Gramática de Línguas de Slnais é 
uma tentativa pioneira de descrição -linguística da 
Lingua Brasileira de Sinais (LIBRAS) que visa fornecer 
subsídios para que se chegue, no futuro, a uma explici-
tação de sua Gramática. Para um -tii'elhor estudo de 
alguns de seus aspectos morfológicos, sintáticos, 
semânticos e pragmáticos recorreu-se, neste livro, à 
comparação de sua estrutura linguística com aquela de 
outras línguas de sinais e, às vezes, com a de línguas 
orais-auditivas. Esta descrição da estrutura da LIBRAS, 
por Lucinda Ferreira, revela, de forma original, quão 
complexa e abstrata pode ser uma língua espaço-visual, 
contrariamente ao que se pensava, no mundo, e ao que 
ainda se pensa, no Brasil. Sua estrutura morfo-sintática 
altamente elaborada, a abundância de conceitos 
abstratos que nela se encontram e o uso do espaço para 
marcar relações tais como as manifestadas pelas 
preposições, conjunções, partículas comparativas e 
outras tomam este livro extremamente atraente para 
aqueles que quiserem se iniciar nos estudos de línguas 
de sinais e na sua comparação com línguas orais como o 
português, o inglês, etc. 
ISBN 852820069 - 8 
tb 
Lucinda Ferreira 
Por uma Gramática 
LÍNGUAS DE SINAIS 
''.\ 
' ' 
-'- ' 
"t::::b tempo brasileiro 
CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros 
F439p Ferreira, Lucinda 
Por uma gramática de línguas de sinais /Lucinda 
Ferreira. - [reimpr.] . Rio de Janeiro: Tempo 
Brasileiro, 201 O. 
273p.; il. 
ISBN 85-282-0069-8 
1. Línguas de sinais . 2. Surdos - Meios de 
comunicação. 3. Surdos - Educação. I. Título. 
CDD-419 
CDU - 81221.24 
Lucinda Ferreira 
Por uma Gramática 
de Línguas de Sinais 
Rio de Janeiro 
Tempo Brasileiro 
CAPÍTULO 1 
VISÃO GERAL DE ASPECTOS LINGUÍSTICOS 
QUE SERÃO ABORDADOS 
O objetivo deste trabalho é descrever alguns aspectos linguísticos 
da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, conhecidos, no presente, 
por nós. A descrição aborda aspectos de vários níveis linguísticos da 
LIBRAS, tais como o fonológico, o morfossintático, o semântico e o 
pragmático e, por esse motivo, não resulta em tratamento linguístico 
profundo. Entretanto, ela já evidencia que a LIBRAS é uma língua 
natural, com estrutura própria, regida também por princípios universais. 
Aspectos de outras línguas de sinais serão abordados aqui a título de 
comparação. O objetivo dessa descrição linguística não é nem sempre 
a discussão de teorias linguísticas, já que para isso teríamos que delimitar 
muito mais nosso objeto de estudo. O objetivo mais central desse 
trabalho é despertar o interesse científico pela estrutura da LIBRAS, o 
interesse em documentá-la como mais uma de nossas riquezas culturais 
e, ao mesmo tempo, tentar resgatá-la como língua natural e apresentar 
nossas reflexões sobre a filosofia educacional mais adequada, no 
momento, à educação e à integração social do surdo. 
Abordaremos apenas alguns aspectos da estrutura linguística da 
LIBRAS, que são rapidamente mencionados inicialmente e vistos com 
mais detalhes adiante. Antes, porém, dessas observações gerais, vejamos 
como se dão os empréstimos linguísticos em LIBRAS. 
Empréstimos Linguísticos em LIBRAS 
Vários são os tipos de empréstimo a que recorrem os usuários da 
LIBRAS: lexical, inicialização, sinais de outras línguas dos sinais, 
domínios semânticos e, até mesmo, empréstimos de ordem fonética, 
21 
como tem demonstrado a pesquisa da professora ElizabethA. S. Siqueira 
(comunicação oral). 
a) Para os empréstimos lexicais, a LIBRAS desenvolveu um alfabeto 
manual que é constituído de Configurações de Mão constitutivas 
dos sinais, as quais representam as letra~ dq alfabeto da língua 
portuguesa. Através da "datilologia" ou soletração digital, este 
alfabeto é utilizado para traduzir nomes próprios ou palavras para 
as quais não se encontram equivalentes prontos em LIBRAS ou 
para explicar o significado de um sinal a um ouvinte. O conceito 
CERT0,1 por exemplo, pode ser soletrado digitalmente ou 
representado por um sinal, como ilustra a Figura 1.1. 
SOLETRAÇÃO DIGITAL SINAL 
C - E - A - T - O 
C-E-R-T-0 CERTO 
Figura 1.1. 
Exemplos de outros empréstimos lexicais podem ser: #M-A-R-I-A2 
(soletração completa da palavra); #M-0-Ç-A e #N-U-N-C-A (em vias 
de entrar na estrutura da LIBRAS devido ao ritmo especial que 
adquiriram) e #A-Z-U-L (soletração apenas da primeira e da última 
letras, com um movimento característico entre elas, o que toma este 
item lexical um sinal bem específico da LIBRAS, com apenas alguns 
resquícios de empréstimo). 
22 
b) Inicialização é o nome comumente dado ao empréstimo que 
recorre à utilização de uma Configuração de Mão (CM) que 
corresponde, no alfabeto manual, à primeira letra da palavra 
equivalente em português. Os exemplos abaixo ilustram esse tipo 
de empréstimo: 
#BRASIL [Bb] = b 
# BRANCO (RE)3 [Bb] = b 
#PRETO (RE) [K] = p 
#VERDE (RE) M= V 
# MARROM (RE) [W]= m 
#ROSA(RE) [R] = r 
#CINZA(RE) [C] = e 
#ROXO (RE) [R] = r 
sinal CM letra 
BRASIL, BRASILEIRO 
Figura 1.2. 
c) Empréstimo de itens lexicais de outras línguas de sinais pode ser 
ilustrado pelos sinais: #ANO, cuja origem parece ser o sinal de 
mesmo valor semântico da Língua de Sinais Americana (ASL ); 
#VERMELHO e #LARANJA, possivelmente emprestados da 
ASL ou da Língua de Sinais Francesa (LSF). 
d) Empréstimo de domínio semântico: em Recife, quase todos os 
termos básicos para cores da LIBRAS são empréstimos 
linguísticos; não são termos nativos. Dos onze termos básicos 
para cores encontrados por E. A. S. Siqueira, neste local, apenas 
um, o AMARELO, não constitui um empréstimo. Temos, pois, 
aqui, um domínio semântico que parece não ter tanta relevância, 
em LIBRAS, quanto outros constituídos de termos nativos. É 
interessante notar que outras línguas de sinais, tais como a de 
Renell, a Holandesa e a LSKB (Língua de Sinais Kaapor 
Brasileira) também foram apresentadas por pesquisadores como 
não possuidoras de termos básicos específicos para cores. É 
possível que, no caso deste domínio semântico, a existência de 
muitos empréstimos não se deva ao desprestígio ou uso restrito 
da língua, mas sim às restrições impostas pela modalidade espaço-
visual de língua. Resultados de testes aplicados a surdos brasileiros 
e norte-americanos mostram que, ao descrever objetos em línguas 
de sinais, os surdos salientam muito mais características, tais como 
forma, tamanho e movimento dos objetos, do que a cor dos 
mesmos. 
23 
e) Empréstimo de ordem fonética: este tipo de empréstimo é obtido 
pela tentativa de representação visual do som que constitui a 
palavra em português, tal como ela é percebida pelo surdo. Em 
São Paulo, a expressão coloquial utilizada, em LIBRAS, para 
DICIONÁRIO é #PÁ BURRO, expressão esta derivada da 
expressão portuguesa "pai dos burros". Esse exemplo mostra que, 
neste caso, o usuário da LIBRAS percebeu uma parte do 
significado literal do termo ('"'burro"), porém, não percebeu a 
outra ("pai") e esta última ele a traduz como se fosse um som 
oclusivo+vogal a 'pá', o qual e representado em sinais por um 
movimento energético e de reténção forte da mão direita em [B] 
(mão aberta, dedos unidos, polegar saliente), palma voltada para 
a esquerda, sobre a palma da mão esquerda, também em [B], 
orientada para cima. 
Aspectos Estruturais 
A estrutura sublexical da LIBRAS, assim como a de outras línguas 
de sinais, é constituída a partir de parâmetros (Klima e Bellugi, 1979) 
que se combinam, principalmente com base na simultaneidade. Tais 
parâmetros são em geral: 
CONFIGURAÇÃO DE MÃO (CM) 
MOVIMENTO (M) 
PONTO DE ARTICULAÇÃO (PA) 
Figura 1.3. 
PA 
M 
CM 
A orientação pode ser um quarto parâmetro fundamental, mas, até o 
momento, isso ainda continua sendo uma polêmica.As figuras 1.4, 1.5 
e 1.6 ilustram pares mínimos que comprovam o valor distintivo desses 
parâmetros. 
24 
Sendo uma língua multidimensional, os parâmetros podem ser 
alterados para a obtenção de modulações aspectuais, incorporação de 
informações gramaticais e lexicais, quantificação, negação e tempo 
(ver H. Pisciotta, Comunicação Oral). 
Os aspectos pontual, continuativo, durativo e iterativo são obtidos 
através de alterações do Movimento e/ou da Configuração de Mão. 
Como exemplo, temos o verbo FALAR (pontual), em "ele falou"; 
FALAR (continuativo), em: "ele fala sem parar"; OLHAR (pontual), 
em: "ele olhou"; OLHAR ( durativo ), em: "ele ficou olhando"; OLHAR 
( durativo ), em: "todos ficaram olhando"; VIAJAR (pontual), em: "ele 
viajou"; VIAJAR (iterativo), em: "ele viaja sempre", que descreveremos 
mais detalhadamente no capítulo 2. 
Este mecanismo de mudança de um ou mais parâmetros evidencia a 
exploração do espaço, através da simultaneidade, para a inclusão de 
informações gramaticais no item lexical. Para marcar a quantificação, 
o mesmo processo é utilizado. Veja os exemplos: 
UMA-VEZ, DUAS-VEZES, TRÊS-VEZES 
NERVOSO, MUITO-NERVOSO, MUITO NERVOSO 
ABORRECIDO, MUITO-ABORRECIDO, MUITO ABORRECIDO 
LONGE, MUITO-LONGE, MUITO LONGE 
A incorporação de informação léxico-sintática se dá pela super-
posição da informação lexical somada à informação de ordem sintática 
(objeto direto, locativo, sujeito). 
Exemplo: 
COMER-> COMER-MAÇÃ 
BEBER, TOMAR-> BEBER-CAFÉ 
PAGAR+ MÊS-> ALUGAR, PAGAR-MENSALMENTE 
Caso especial de incorporação são os verbos chamados direcionais 
ou com flexão, os quais fazem recurso à direção do Movimento, 
marcando, grosso modo, o ponto inicial do M, o sujeito e o ponto final 
do M, o objeto. Esta incorporação equivaleria às flexões verbais da 
língua portuguesa e será ilustrada no capítulo 2. 
1EMPRESTAR2 (=eu empresto para você) 
2EMPRESTAR1 (=você emprestar para mim) 
2EMPRESTAR3 (=você empresta para ele ou ela) 
25 
Os verbos direcionais aqui considerados são denominados, na lite-
ratura mais recente, verbos com flexão. O primeiro termo está reservado 
a outros tipos de verbos que também marcam a direcionalidade, porém 
sem flexão verbal. 
Pares Mínimos 
ESTÁTUA DURO 
Figura 1.4. Par de sinais distintos apenas pelo parâmetro CM 
IGUAL MAS (SP) 
Figura 1.5. Par de sinais distintos apenas pelo parâmetro M 
26 
APRENDER SÁBADO 
Figura 1.6. Par de sinais distintos apenas pelo parâmetro PA 
São verbos direcionais também EMPRESTAR, DAR, PERGUN-
TAR, ENSINAR, etc., assim como CONVIDAR e PEGAR, cuja flexão 
dá a impressão de ser marcada de forma inversa (ver capítulo 2). 
A negação pode ser obtida através do item lexical NÃO, pela 
alteração do movimento do sinal (negação interna) como, por exemplo, 
SABER e NÃO-SABER, GOSTAR e NÃO-GOSTAR; ou pelo uso 
simultâneo do lexema verbal e da negação realizada COll). o balancea-
mento da cabeça para os ladqs como em PRECISAR e PRE~ÍsAR; PODER 
----il---- ----n----
e PODER; ACREDITAR e ACREDITAR. 
Em LIBRAS, há um item lexical PASSADO que, acompanhando 
um verbo, indica que a ação ocorreu no passado. Pode-se obter a 
indicação de passado também pela alteração da direção do movimento 
do sinal de 'para frente' para 'para trás', como em ANO e ANO 
PASSADO. Em alguns casos, o item lexical já traz a marca de passado 
como, por exemplo, em ONTEM e ANTEONTEM. O tempo, até onde 
conhecemos a estrutura da LIBRAS, não é marcado no item lexical 
verbal. 
Estudando os atos de fala, mais especificamente os atos de pedir, 
em LIBRAS (L. Ferreira Brito, 1995), observamos que estes obedecem, 
muitas vezes, a princípios específicos restritos pela modalidade de 
língua, tais como o uso frequente de dêixis, a ausência de vocativos e 
nomes próprios como forma de polidez (uso este muito frequente em 
português e inglês) e o uso de expressões faciais (EF) e de Movimentos 
curtos e suaves. 
A dêixis pode ser usada para referir ou identificar terceiras pessoas 
(ou objetos) presentes, ato impolido em português em que não se aponta 
e, nem mesmo, se usam pronomes nestas situações, mas sim nomes 
27 
próprios. A débeis, ao se referir a terceiras pessoas, em LIBRAS, tem 
função pronominal, sendo este uso rude apenas se as pessoas referidas 
não forem íntimas ou familiares ao enunciador. Entre outros, esse fato 
evidencia a importância da variável Intimidade na formulação de 
estratégias de polidez em LIBRAS. Segundo Brown e Levinson (1978), 
as variáveis que desempenham papel central na construção de formas 
de polidez de uma língua seriam a Relação de Poder e a Distância 
Social entre os interlocutores e o Custó do Pedido, se se tratar deste ato 
de fala. 
Quanto ao uso da dêixis para chamar a atenção do receptor, 
observamos casos em que, em pofttiguês, usar-se-iam nomes próprios 
ou formas de tratamento afetivo (vocativos) com a função instrumen-
tal de aproximar e assim persuadir o interlocutor a fazer o que o 
enunciador deseja que ele faça. Em LIBRAS, tal estratégia parece 
inviável, devido a restrições impostas pela modalidade gestual-visual. 
Em lugar de vocativos de chamamento, em LIBRAS, usam-se abanos 
de mãos ou toques no ombro do interlocutor. 
As expressões faciais são uma maneira específica, nesta língua de 
sinais, de preencher a função da entoação dos pedidos da língua 
portuguesa. Funcionam como transformadores de imperativas em 
pedidos (EFp ), como atenuadores da força ilocucionária dos atos 
diretivos, quando o enunciador quer preservar a 'face' do interlocutor; 
ou quando o enunciador quer preservar sua própria 'face'.4 
Uma outra expressão não manual é a expressão facial que traduz 
brincadeira, usada em situações embaraçosas, como atenuadores que 
transformam comentários delicados contidos no pedido em brincadeira. 
Outra característica específica dos pedidos em LIBRAS é o 
encurtamento e a suavidade atribuída ao Movimento dos sinais do 
enunciado-pedido. Quanto mais polido o enunciador desejar ser ou 
quanto maior o custo do pedido, menores e mais suaves serão os 
movimentos constitutivos dos sinais. 
Quanto às unidades mínimas distintivas, o termo "fonologia" pode 
parecer estranho quando usado para se referir a níveis linguísticos de 
uma língua que não faz uso do canal oral-auditivo para expressar-se. 
Entretanto, após algumas tentativas em atribuir aos elementos da 
segunda articulação dos itens lexicais de uma língua de sinais outras 
terminologias tais como "cheremes" (CARE-eem, do grego, 
significando "manual") e "allochers" em lugar de "fonema" e "alo fone" 
(Stokoe et alii, 197 6), chegou-se à conclusão de que o mais apropriado 
e prático seria conservar os termos "fonema", "fonologia" e "alofone", 
28 
termos estes já estabelecidos e convencionalizados, em Linguística, 
para as línguas naturais. 
As pesquisas sobre as línguas de sinais têm demonstrado quão 
complexa, completa, abstrata e rica pode ser uma modalidade gestual-
visual de língua. Há algumas décadas, acreditava-se que os sons 
constituíam uma parte essencial da linguagem. Atualmente, considera-
se que estes são apenas a parte externa de um processo interno mais 
profundo, que é a linguagem propriamente dita. Neste caso, não haveria 
danos no processo se os sons fossem substituídos por sinais visuais, o 
que acontece com as línguas de sinais, canal natural de comunicação e 
expressão, para os surdos. Concordamos até certo ponto com esta 
segunda postura diante da língua, já que pensamos que não é o fato de 
usarmos os órgão vocais para produzir sons ou o corpo e, principalmente 
as mãos, como articuladores dos sinais, que irá definir se estamos 
processando ou não a linguagem. 
Entretanto, queremos ressaltar aqui que a modalidade de língua 
(gestual-visual ou oral-auditiva) pode impor restrições à estruturação 
da língua, fato, aliás, enriquecedor para osestudiosos da linguagem, 
que vêm considerando a hipótese da existência de universais linguís-
ticos, contrapondo-se às especificidades próprias de uma língua, de-
corrente de fatores socioculturais. Não levar em consideração as 
restrições decorrentes da modalidade (medium) de língua implica correr 
o risco de encontrar falsos universais linguísticos ou falsas especifici-
dades culturais de uma língua. 
Entre as diferenças existentes entre as línguas orais (Francês, 
Português, Inglês, ... ) e as línguas de sinais, salientamos a ordem 
sequencial linear da fala e a simultaneidade dos parâmetros na 
constituição dos sinais, assim como a simultaneidade de sinais na 
formação de várias orações das línguas de sinais. Obviamente, apesar 
de se passar em espaço multidimensional, as línguas gestuais-visuais 
também fazem uso da linearidade temporal. Por outro lado, as línguas 
orais nem sempre são exclusivamente unidimensionais. Por exemplo, 
no caso da sequência de palavras acompanhadas de entoação e no caso 
dos traços distintivos dos fonemas, há simultaneidade. 
A datilologia (soletração manual) é linear (Figura 1.1). Segue a 
estrutura oral-auditiva. É um recurso do qual se servem os usuários das 
línguas de sinais para os casos de empréstimos vindos das línguas orais, 
consistindo-se de um alfabeto manual criado a partir de algumas 
configurações de mão( s) constituintes dos verdadeiros sinais. Às vezes, 
a datilologia é incorporada à estrutura própria dos sinais ou da língua, 
perdendo seu caráter específico de soletração. 
29 
Ao iniciarmos nosso estudo sobre LIBRAS, deparamo-nos com o 
problema relativo à escolha de método e modelo teórico mais adequado 
à análise de uma língua multidimensional como é o caso da LIBRAS e 
das outras línguas de sinais. 
Os primeiros estudos sobre o nível fonológico.da Üngua de Sinais 
Americana (ASL) consistiram em um tratamento estruturalista da 
mesma (Stokoe, 1960; Stokoe, Casterline e Cromeberg, 1965; Fried-
man, 1977; Supalla e Newport, 1978; Klima e Bellugi, 1979; Mandel, 
1981 ). Essas abordagens da ASL consideraram a existência de 
parâmetros constituídos de elementos que distinguem itens lexicais ou 
sinais através de seus traços. Os traços de tais elementos são distintivos ass~m como o são os traços que caracterizam os fonemas das língua~ 
orais. 
Os primeiros enfoques da estrutura sublexical das línguas de sinais 
européias também seguiram o mesmo modelo (Bergman, 1982; 
Deuchar, 1984). 
Ultimamente, entretanto, tem havido um questionamento sobre a 
validade dos parâmetros propostos pelos autores acima, os quais serão 
apresentados e descritos na Parte II. A consideração desses parâmetros 
ressaltou o fato de que vários elementos das línguas de sinais interagem 
simultaneamente. Assim sendo, apesar de não negar a existência de 
sequencialidade nessas línguas gestuais-visuais (como bem ressaltou 
Stokoe, principalmente para o parâmetro Movimento) houve uma 
grande ênfase no aspecto contínuo dos elementos e na superposição 
dos mesmos na constituição dos sinais. 
Liddell ( 1984 e 1985) e Sandler ( 1986) defenderam a existência de 
segmentos menores nos sinais. Esses autores apresentaram urna análise 
de aspectos fonológicos daASLdentro do quadro teórico da Fonologia 
Auto-Segmenta!. Apesar de a abordagem auto-segmenta! denominar-
se não linear, por considerar os fenômenos fonológicos em camadas 
relacionadas hierarquicamente, ela tem favorecido uma segmentação 
ainda maior dos componentes dos sinais, o que resulta em uma 
discretização, em nossa opinião, algumas vezes excessiva. Certos 
componentes dos sinais parecem privilegiar, por sua própria natureza 
a continuidade e, como tal, deveriam receber tratamento especial. ' 
30 
Segundo Liddell (1984 ), existem duas categorias principais de sinais: 
a) unitários (apenas um conjunto de um componente de cada 
parâmetro ou prime), os quais podem ser constituídos de apenas 
movimento ou de apenas retenção (hold), estando, neste último 
caso, o movimento ausente; 
b) sequenciais (dois ou mais conjuntos de um componente de cada 
parâmetro). 
Os sinais unitários em ASL, segundo o autor, são minoria. Grande 
part~ dos. sinais dessa língua são segmentáveis em retenção, que 
eqmvalena a uma consoante em língua oral e em movimento 
equivalente a urna vogal. ' 
O sinal para THINK, por exemplo, em ASL, não é, na concepção de 
Liddell, um sinal simples ou unitário como o modelo tradicional nos 
leva a crer que seria. Ele é constituído de um movimento (M) e de uma 
retenção (R), os quais, por sua vez, seriam ambos constituídos de um 
conjunto separado de segmento (seg), Configuração de Mão (CM), 
Orientação (Or), Localização (Loc), +ou - Contato (Con) e Signos 
Não Manuais (SNM), conforme apresentado por Liddell (1984: 383). 
A Figura 1. 7 ilustra o sinal THINK em ASL, acompanhado de uma 
descrição do sinal e da transcrição de Stokoe et alii ( 1969), assim como 
da transcrição proposta por Liddell. 
Figura 1. 7. A mão direita ou dominante movimenta-se para cima a 
partir de seu lugar de repouso. Quando se aproxima do nível da testa, 
assume a configuração de G (ver Quadro das Configurações de Mão 
no Capítulo 11), com a ponta do indicador orientando-se em direção à 
testa. Então, sem parar, a mão em G move-se em direção à testa e a 
ponta do indicador estabelece contato com ela, mantendo-se aí por 
um curto período de tempo 
31 
Transcrição do sinal THINK em ASL: 
Stokoe el alli Liddel 
CM: G Seg: AP(M) R 
PA: n CM: r 1 
M: X Or: Í TI 
conjunto Loc: •' • • .FT FH 
simultâneo de Con: + 
elementos SNM: 
Obs.: 1 é a convenção utilizada por Liddell para o tipo de CM que 
Stokoe et alii chamam de G; TI é a orientação da ponta do dedo para o 
ponto de articulação (ou localização); n é o símbolo para o que Liddell 
chama de FH (testa). O modelo tradicional considera que há um 
movimento de contato-X, o que para Liddell não constituiria parte do 
movimento, mas sim um componente em separado que ocorreria, nesse 
sinal, no momento em que há retenção. O movimento, para Liddell, 
nesse caso, é um movimento de aproximação (AP). 
O modelo seminal de Stokoe et alii originou uma série de outros 
trabalhos nos Estados Unidos e na Europa. Foi desenvolvido e 
aperfeiçoado por Klima & Bellugi (1979) e por Supalla & Newport 
( 1978), os quais levaram em consideração também uma certa 
sequencialidade, principalmente no que diz respeito ao parâmetro 
Movimento que descrevemos na Parte II. 
De fato, um modelo que leva em consideração a existência de camada 
e de segmentos de cada camada parece poder ser aplicado 
adequadamente à análise do nível fonológico de uma língua gestual-
visual, posto que, mesmo o modelo tradicional já considerava a 
existência de tais camadas ao considerar os parâmetros M, CM e PA 
(localização). O que parece ser necessário investigar é a hierarquia 
existente entre eles e a hipótese, que ora levantamos, de que a tendência 
das línguas de sinais é a de se discretizar muito mais em termos de 
simultaneidade do que em termos de segmentos sequenciais. E se 
observarmos a descrição apresentada por Liddell para o sinal TIITNK 
em ASL, parece ser esse o caso. Seg, CM, Or, Loc, Con, SNM 
apresentam-se simultaneamente. Além do mais, com exceção de 
Movimento e Retenção, os outros elementos são geralmente repetidos 
na descrição de Liddell, redundância esta que talvez fosse conveniente 
evitar por parecer muitas vezes desnecessária. 
32 
Também, em lugar de considerar Retenção em oposição a 
Movimento, seria talvez o caso de considerar um parâmetro Movimento 
como constituído de translação e retenção e, provavelmente, de outros 
componentes. Em outras palavras, não seria a Retenção o ponto zero 
do Movimento ou um movimento sem translação? 
Devido a isso e a vários outros problemas surgidos na aplicação do 
modelo autossegmental às línguasde sinais, Liddell e outros adeptos 
desse modelo têm sido alvo de inúmeras críticas (Edmondson, 1987). 
Nossa preocupação em investigar essa problemática tem por objetivo 
futuro dois pontos centrais: a) questionar a validade tanto do modelo 
tradiciona1 quanto do modelo auto-segmentai à luz de dados da LI-
BRAS, buscando assim o modelo que melhor se adapte à descrição e 
análise de uma língua espaço-visual em seu nível fonológico; b) 
consequentemente, chegar a uma sistematização da estrutura sub lexical 
da LIBRAS que forneça subsídios para que possamos descrever e 
classificar gramaticalmente os sinais que constituirão entradas do 
dicionário da LIBRAS que estamos elaborando. 
Notas 
1 As palavras em letras maiúsculas referem-se a conceitos representados 
pelos sinais e não a palavras da língua portuguesa. 
2 A separação de letras de uma palavra por um hífen é uma convenção para 
mostrar que se está fazendo recurso à soletração digital, mesmo que esta 
esteja em vias de se perder. 
(RE) salienta que o sinal referido aqui é uma variante regional, no caso, de 
Recife. (SP) é São Paulo e (RJ) é Rio de Janeiro. 
4 O termo 'face' tem, aqui, o mesmo sentido daquele utilizado por Brown e 
Levinson (1978), ou seja, o de 'imagem pública'. 
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