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O Direito à mudança de nome e sexo

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COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA 
FACULDADE CESUSC 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
ADAILTO RICHARD MENDES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DIREITO À MUDANÇA DE NOME E SEXO: A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA 
ESFERA PESSOAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FLORIANÓPOLIS, 
NOVEMBRO, 2018
 Adailto Richard Mendes 
 
 
 
 
 
 
 
 
O direito à mudança de nome e sexo: a intervenção do Estado na esfera 
pessoal 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado ao Curso de Graduação em 
Direito da Faculdade de Ciências Sociais 
de Florianópolis como requisito à 
obtenção do título de Bacharel em 
Direito. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Msc. Larissa Tenfen Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis, 
Novembro, 2018 
 
 
Adailto Richard Mendes 
 
 
 
O direito à mudança de nome e sexo: a intervenção do Estado na esfera pessoal 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da 
Faculdade Cesusc como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito, 
submetido à Banca Examinadora e considerado aprovado em __/__/___. 
 
 
 
 
_____________________________________________________ 
Prof. Msc. Larissa Tenfen Silva 
Orientador - Cesusc 
 
 
 
_____________________________________________________ 
Denise Maria Nunes 
Membro da Banca - Cesusc 
 
 
 
_____________________________________________________ 
Christiane Heloisa Kalb 
Membro da Banca – Cesusc 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar.” 
(Carlos Drummond de Andrade) 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço, primeiramente, a minha avó, Maria Neuzi Mendes, por ter sido 
conjuntamente, mãe e avó, bem como, por me proporcionar uma educação de 
qualidade e uma visão humanitária do mundo. Ao meu pai, Richard Gentil Mendes, 
por buscar estar sempre presente e apesar das dificuldades, buscou auxiliar em 
minha formação acadêmica. Ao meu pai de criação, Ciro Chiappini, que junto com 
minha avó, cuidou de mim desde o nascimento. Por fim, agradeço à minha 
orientadora por toda a paciência e auxílio ao longo do semestre. 
. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
O trabalho irá analisar em que medida e de que forma o Estado pode e faz a 
intervenção na vida privada do indivíduo, em especial, no tocante a mudança de 
nome e sexo para os Transgêneros, sendo assim, abordará os direitos inerentes de 
todos os seres humanos, como os Direitos Humanos e tratados internacionais 
específicos à sexualidade e gênero. De modo secundário, será analisado como o 
Estado intervém na esfera privada do indivíduo limitando sua autonomia. Para 
elucidar o que foi proposto, o primeiro capítulo irá analisar a origem do atual Estado 
Democrático de Direito, para isto, teremos como ponto inicial, as teorias 
contratualistas acerca das primeiras sociedades não jurídicas, passando para outras 
modificações do Estado que ocorreram em razão das mudanças dos indivíduos da 
sociedade e os direitos conquistados através dessas mudanças. O segundo capítulo 
irá dirimir acerca da Teoria dos Transgêneros, portando, mostrará como foi criado o 
termo “transgênero”, tornando claro o motivo por trás da classificação da 
sexualidade e do gênero, demonstrando como essa classificação binária homem-
mulher se perpetua na sociedade ao longo dos anos e o surgimento de movimentos 
sociais que vão de encontro com este ideal de gênero, será exemplificado algumas 
expressões da sexualidade humana e os estigmas sofridos por apresentarem-se 
fora do sistema binário. Por fim, o último capítulo irá explicar sobre a origem do 
nome e como individualiza o indivíduo na sociedade, também será feita a análise 
jurisprudencial demonstrando a disparidade entre as decisões proferidas no país, 
findando com a análise crítica da decisão do Supremo Tribunal Federal, que por 
meio de decisão, pacificou o tema sobre a mudança de nome e sexo para os 
transgêneros. Utilizou-se do método dedutivo juntamente de pesquisa bibliográfica e 
jurisprudencial. 
 
Palavras-chave: Intervenção do Estado. Transgêneros. Direito à identidade. 
Mudança de nome. 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 
2 O ESTADO DE DIREITO E INTERVENÇÃO: DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE .................................................................. 10 
2.1 ESTADO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO....................................... 10 
2.2 ESTADO MODERNO .......................................................................................... 13 
2.2.1 Estado absolutista ......................................................................................... 13 
2.2.2 Estado liberal .................................................................................................. 14 
2.3 ESTADO SOCIAL ............................................................................................... 17 
2.4 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ............................................................ 18 
2.4.1 Estado Democrático de Direito no Brasil ..................................................... 20 
2.5 DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO FORMA DE INTERVENÇÃO ESTATAL ... 22 
2.5.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e direitos relacionados ......... 23 
2.5.2 Direito da personalidade ................................................................................ 25 
3 TEORIA DOS TRANSGÊNEROS .......................................................................... 28 
3.1 GÊNERO E SISTEMA BINÁRIO ......................................................................... 28 
3.1.2 O Patriarcado e a Heteronormatividade ....................................................... 31 
3.1.3 O Feminismo e o Movimento LGBT .............................................................. 32 
3.2 TRANSGÊNERO ................................................................................................. 34 
3.2.1 Transexuais .................................................................................................... 35 
3.2.2 Travesti ............................................................................................................ 37 
3.2.3 Crossdresser .................................................................................................. 37 
3.3. ESTIGMA SOCIAL DOS TRANSGÊNEROS ..................................................... 38 
4 A MUDANÇA DE NOME E SEXO COM BASE NA LEI DE REGISTROS 
PÚBLICOS: UMA ANÁLISE ACERCA DA AÇÃO DIRETA DE 
INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4275 ...................................................................... 42 
4.1 LEI DE REGISTROS PÚBLICOS (LEI 6.015/73): IMUTABILIDADE DO NOME E 
POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS ......................................................................... 42 
4.2 ANÁLISE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4275 ........... 43 
4.2.1 O pedido inicial ............................................................................................... 43 
 
 
4.2.3 Votos e divergências...................................................................................... 45 
4.3 PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA ........................................................................ 49 
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 53 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 56 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Os transgêneros fazem parte de uma minoria política existente no país, 
apesar de todos os direitos positivados na Constituição,direitos infraconstitucionais, 
pactos e tratados internacionais que deviam garantir o desenvolvimento pleno 
daqueles que fogem do padrão heteronormativo, isto não ocorre por uma 
diversidade de fatores, essa não aceitação do transgênero é algo institucionalizado e 
existe desde o início de algumas sociedades. Essa institucionalização parte pelos 
próprios agentes que compõe o ente estatal, dada à inexistência de norma que 
delimita o tema transgênero. 
O presente trabalho visa demonstrar a invisibilidade dos transgêneros 
mesmo com a existência dos direitos fundamentais, que mesmo não definindo 
gênero e sexo, acaba por não dar eficácia às normas essenciais para o transgênero 
expressar sua personalidade. A violação das normas e princípios constitucionais são 
características da minoria política e a falta de representatividade desta comunidade 
na sociedade. 
Portanto, o Estado, como responsável, de certa forma, pelo convívio e a 
relação entre os indivíduos na sociedade, é inerte no que tange os transgêneros. Na 
medida em que os direitos existentes não são mais eficazes, fazem-se necessárias 
novas normas para englobar e conceder eficácia as normas que pertencentes ao 
grupo violado, sem qualquer distinção. É possível notar este fenômeno nas 
mudanças ocorridas no Estado, desde o Absolutismo até o Estado atual. 
Os movimentos sociais são de extrema importância para a conquista dos 
direitos civis, sendo amplamente demonstrado na construção do Estado, que, diga-
se de passagem, é o meio existente para aperfeiçoar o indivíduo e de maneira 
alguma, priva-lo de desenvolver-se igual aos demais. 
O tema possuía diversas decisões judiciais conflitantes desde o início do 
século, o que não garantia uma segurança jurídica para o transgênero, tendo em 
vista que, ora era deferida a mudança do nome, ora indeferida. As diversas 
expressões da sexualidade humana sofrem em razão do binarismo, que desde o 
nascimento, cria um padrão a ser seguido, padrão perpetuado ainda nos dias de 
9 
 
 
hoje. É nesta linha de pensamento, transgeneridade e intervenção estatal, que o 
trabalho irá seguir. Para isto, foi divido em três capítulos, o primeiro irá tratar acerca 
da origem do Estado ao Estado Democrático de Direito, visando demonstrar em que 
pontos o Estado necessita de mudança e o por qual motivo, findando o capítulo com 
os direitos fundamentais conquistados ao longo dos anos. O segundo capítulo tem 
como escopo, a transgeneridade, desta forma, será demonstrado como surgiu a 
classificação existente, quais são os estigmas criado em razão da exclusão do 
convívio da sociedade. O último capítulo irá abordar acerca da conquista da 
mudança de nome e sexo pela via judicial, criticando-o. Utilizou-se do método 
dedutivo juntamente de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
 
2 O ESTADO DE DIREITO E INTERVENÇÃO: DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE 
 
Uma análise acerca da origem do Estado ao Estado Democrático de 
Direito, relacionando-os com os direitos fundamentais e direitos da personalidade. 
 
2.1 ESTADO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
 
O presente capítulo busca investigar acerca da origem do Estado e sua 
evolução ao longo da história, findando com características atuais e sua importância 
em prol da sociedade. 
Jean-Jaques Rousseau (2001 p. 11) diz que a origem do Estado está 
ligada com o conceito de família, pois considera como uma forma inicial de 
relacionar-se em grupo, sendo o pai, chefe da família, detém a soberania. 
[...] é a família, portanto, o primeiro modelo das sociedades políticas; o 
chefe é a imagem do pai, o povo dos filhos, e havendo nascidos todos livres 
e iguais, não alienam a liberdade a não ser em troca da sua utilidade. Toda 
a diferença consiste em que, na família o amor do pai pelos filhos o 
compensa dos cuidados que lhes dá, ao passo que no Estado, o prazer de 
comandar substitui o amor que o chefe não sente por seus povos. 
(Rousseau, 2001, p. 11) 
 
O Dalmo De Abreu Dallari (DALLARI, 1972, p. 45) acredita que para 
entendermos a origem e a formação do Estado, é necessário analisar a etimologia 
da palavra Estado, que ao longo do tempo foi mudando sua definição. Ainda para 
Dalmo, a definição de Estado é atrelada a ideia de convivência permanente e ligada 
a uma sociedade política, tal ideia foi difundida por Maquiavel (2009, p. 29.), que 
detém a seguinte frase: “Todos os Estados que existem e já existiram são e foram 
sempre repúblicas ou principados”. 
De acordo com Dallari, a partir de Maquiavel, a palavra Estado foi 
utilizada de diversas formas, ora para definir a consistência de um estado, ora para 
falar de grandes propriedades rurais de domínio privado, como era difundido na 
Espanha do século XVIII, a ideia de Estado ao longo da história sempre foi a mesma 
em sua essência, porém, com alterações em seu nome. 
Para o Darcy Azambuja (1978, p. 9), também foi a partir de Maquiavel, em 
11 
 
 
seu livro O Princípe, que discorria sobre formas de governo, que diversos escritores 
passaram a estudar acerca do Estado, citando que: 
Machiavelli, no século XVI, escreve o Príncipe, e lança os fundamentos da 
política, como arte de governar os Estados, ou mais exatamente, como arte 
de atingir, exercer e conservar o poder. Dessa época em diante avoluma-se 
a corrente dos escritores que se dedicam ao estudo do Estado sob todos os 
aspectos e ao sabor das mais variadas orientações doutrinárias. 
 
Das diversas teorias do aparecimento do Estado, Dalmo (1972, p. 46) 
sendo que uma delas existe a ideia que o Estado sempre existiu, pois os indivíduos 
sempre foram ligados em uma sociedade não jurídica, mas com normas de convívio 
que regulavam a vida em grupo. Sendo assim, escreve que: 
[...] o Estado, assim como a própria sociedade, existiu sempre, pois desde 
que o homem vive sobre a Terra, acha-se integrado numa organização 
social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento 
de todo o grupo. 
 
Outra gama de autores, segundo Dallari (1972, p. 46), acreditam que o 
Estado surge para melhor atender as necessidades do grupos sociais, que unidos 
poderiam defender-se de atos violentos. Sendo assim, escreve que “a sociedade 
humana existiu sem o Estado durante certo período” e complementa informando que 
“[...] este foi constituído para atender às necessidades ou às conveniências dos 
grupos sociais.”. Ainda para Dallari, alguns doutrinadores apenas acreditam que o 
Estado é Estado quando apresenta certas características de soberania. Segundo o 
autor: 
Karl Schmidt, diz que o conceito de Estado não é um conceito geral válido 
para todos os tempos, mas é um conceito histórico concreto, que surge 
quando nascem a ideia e a prática da soberania. (DALLARI, 1972, p. 46) 
 
Esse pensamento coaduna com o pensamento de Hobbes (2003, p. 225) 
que diz a sociedade se forma pelo medo recíproco, que todos são possíveis 
ameaças e somente cedendo quota parte de sua liberdade é possível atingir a 
autoconservação. 
Sobre a instituição de um Estado, ocorre quando homens, pactuam seus 
interesses visando uma proteção do coletivo contra agressões de terceiros, visando 
ainda, a convivência em paz da sociedade, Hobbes (1988, p. 107), ainda disciplina 
que: 
Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens 
concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer 
12 
 
 
homem ou assembleia de homens aquém seja atribuído pela maioria o 
direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu 
representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como 
os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões 
desse homem ou assembleia de homens, tal como se fossem seus próprios 
atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem 
protegidos dos restantes homens. 
 
A origem do Estado aindapode ser definida entre Estado Originário, que 
surge a partir de grupos de indivíduos e derivados, que são Estados oriundos de 
Estado pré-existentes. A formação originária, segundo Dallari (1972, p. 48), possuí 
duas teorias, uma segue a ideia de formação natural, ou seja, que não há uma 
causa concreta, nem ato das partes; já a segunda teoria, chamada de formação 
contratualista, acredita que o anseio dos homens de se conglomerar, é ato 
voluntário. Esta tese, faz parte da teoria contratualistas, como por exemplo a de 
Rousseau, Hobbes e Locke. 
Já em relação às causas determinantes para a origem do Estado, os 
autores Dalmo De Abreu Dallari (1972, p. 48-49) e Sahid Maluf (1995, p. 54-56), 
definem da seguinte forma: Origem Familiar, que divide-se em dois grupos, patriarcal 
e matriarcal; Origem em causa econômica ou patrimonial e a Origem por ato de 
força ou violência. 
No caso da Origem Familiar, a teoria ocorre no núcleo familiar, e que 
deste surge um Estado, podemos ter como exemplo, o caso das Famílias Reais; a 
teoria patriarcal se assemelha a estrutura de uma família regida pela parte paterna, o 
Professor Sahid Maluf (1995, p. 54) disciplina que: 
Os pregoeiros da teoria patriarcal encontram na organização do Estado os 
elementos básicos da família antiga: unidade do poder, direito de 
primogenitura, inalienabilidade do domínio territorial etc. Seus argumentos, 
porém, se ajustam mais às monarquias, especialmente às antigas 
monarquias centralizadas, nas quais o monarca representava, efetivamente, 
a autoridade do pater familias. 
 
Ainda segundo Maluf, a origem familiar patriarcal que enseja a criação do 
Estado ocorre com a união de diversas famílias. Em relação a teoria matriarcal, 
acredita-se que em razão da sociedade inicial visar a reprodução, e portanto, seria 
promíscua, ficaria a parte materna responsável pela família primitiva. Sendo assim, 
seria a mãe “autoridade suprema das primitivas famílias, de maneira que o clã 
matronímico, sendo a mais antiga forma de organização familiar”. 
13 
 
 
Analisando a segunda teoria, que seria a origem em razão da causa 
patrimonial ou econômica, e que acredita-se que teve origem com o filósofo Platão, 
seria o Estado formado para que todos os indivíduos integrantes dividissem o 
trabalho em diferentes áreas para assim aproveitarem os benefícios da cooperação 
(DALLARI, 1972, p. 48), o autor ainda cita a expressão de Platão em seu livro II de 
“A República”: 
[...] quando nos “Diálogos”, no Livro II de “A República”, assim se expressa: 
“Um Estado nasce das necessidades dos homens; ninguém basta a si 
mesmo, mas todos nós precisamos de muitas coisas”. E logo depois: 
“...como temos muitas necessidades e fazem-se mister numerosas pessoas 
para supri-las, cada um vai recorrendo à ajuda deste para tal fim e daquele 
para tal outro; e, quando esses associados e auxiliares se reúnem todos 
numa só habitação, o conjunto dos habitantes recebe um nome de cidade 
ou Estado”. 
 
Para a teoria da origem do estado através da força ou violência, entende-
se que ocorreu por meio da guerra e que os mais fortes tornaram-se vitoriosos, 
conseguinte, deste embate surge o Estado (MALUF, 1995, p. 56) e em 
conformidade, o Professor Dallari (1972, p. 48) diz que a origem desta teoria era a 
de exploração econômica dos vencidos no embate. 
Entende-se que o Estado não pode apenas surgir através da força bruta, 
mas também precisa surgir da razão, pois é ela que une, que estabelece uma norma 
e que permite seja realizado a justiça. (MALUF, 1995, p. 57) 
 
2.2 ESTADO MODERNO 
 
A criação e justificação de um Estado centralizado ganha relevo nas 
teorias contratualistas, como se verá abaixo. 
 
2.2.1 Estado absolutista 
 
Este Estado precede o liberalismo, no absolutismo, tem-se que todo o 
poder emana do Rei, é uma ruptura dos poderes do Papado e dos monarcas, sendo 
motivada por uma corrente reacionária, cristalizado pela Reforma Protestante, 
liderada por Martinho Luthero e João Calvino. Com a influência deste movimento, os 
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monarcas concentraram todo o poder, de forma absoluta. Por mais que tenha 
existido essa ruptura com a igreja, era tido que os Reis possuíam um direito divino 
para governar. (MALUF, 1995, p. 119) 
O Sahid Maluf (1995, p. 120), preconiza que as monarquias absolutistas 
não conheciam qualquer limitação de poder, criando até um novo conceito chamado 
de senhoria real, que nada mais era do que a fusão de senhoria, que remetia ao 
senhor feudal, proprietário da terra e, real de realeza, que remete aos antigos 
imperadores. 
No meio do absolutismo, surge uma reação anti absolutista, que foi 
promovida através do racionalistas, que buscavam entendimentos lógicos para 
chegar a uma conclusão, este pensamento permitiu que as classes menos 
favorecidas um entendimento do que seria a liberdade e direitos, esta observação 
fez com que as estruturas da monarquia deixassem de ser tão fortes; o filósofo que 
mais destaca-se neste período é John Locke, que busca a limitação do poder do 
soberano, assim como, que todos ficassem sujeitos às vontades do monarca. 
(MALUF, 1995, p. 121) 
O Estado, segundo a doutrina de Locke, resulta de um contrato entre o Rei 
e o Povo, contrato esse que se rompe quando uma das partes lhe vio- la as 
cláusulas. Os direitos naturais do homem são anteriores e superiores ao 
Estado, por isso que o respeito a esses direitos é uma das cláusulas prin- 
cipais do contrato social. A monarquia absoluta, como forma de governo, 
desconhecendo limitações de qualquer natureza, é incompatível com os 
justos fundamentos da sociedade civil. Se os homens adotaram a forma de 
vida em sociedade e organizaram o Estado, fizeram-no em seu próprio 
benefício, e não é possível, dentro dessa ordem, que o poder se afirme com 
mais intensidade do que o bem público o exige. (MALUF, 1995, p. 121) 
 
Desta forma, não seria sensato que uma forma de governo não 
respeitasse os direitos individuais, tendo em vista, que foram os indivíduos que 
compactuaram entre si e para seu próprio benefício. É com base nos movimentos 
racionalistas, que fortalecida por diversos outros filósofos, que as massas oprimidas 
puderam criar resistência perante aqueles que detém o poder. (MALUF, 1995, p. 
122) 
2.2.2 Estado liberal 
 
A concepção de Estado liberal ascende com a burguesia da época, que 
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buscava uma maior liberdade econômica e limites do Poder Real, que alcança toda 
a Europa com o surgimento de autores, como Locke, Marcelo Lira Silva (2011, p. 
124) disciplina em seu artigo que o entendimento de Locke sobre o Estado de 
Natureza é determinado pela razão, ou seja, o direito natural é limitado onde começa 
o direito do outro, desta forma, o autor cita que: 
[...] o estado de natureza traçado por Locke no Segundo Tratado sobre o 
Governo Civil é descrito, caracterizado e garantido pela predominância da 
lei de razão, segundo a qual a não invasão à vida, à saúde, à liberdade e à 
propriedade é condição necessária à garantia daquele estado de perfeitas e 
plenas igualdade e liberdade. Trata-se da afirmação e reconstrução 
hipotética de um estado originário, como forma de legitimação de um Estado 
de novo tipo, essencialmente caracterizado pela limitação do poder.(SILVA, 
2011, p. 124) 
 
O liberalismo político buscava a realização dos conceitos trazidos pelos 
contratualistas acerca do direito natural, trazia uma dignificação da humanidade, de 
igualdade entre os seres. Com estes ideias, boa parte das revoluções populares da 
época, buscavam posições semelhantes, conforme disciplina Sahid Maluf (1995, 
p.129): 
[..] os ideais que empolgaram o mundo ao tempo das revoluções populares 
inglesa, norte-americana e francesa: sobe- rania nacional, exercida através 
do sistema representativo de governo; regime constitucional, limitando o 
poder de mando e assegurando a supremacia da lei; divisão do poder em 
três órgãos distintos (Legislativo, Executivoe Judiciário) com limitações 
recíprocas garantidoras das liberdades públicas; separação nítida entre o 
direito público e o direito privado; neutralidade do Estado em matéria de fé 
religiosa; liberdade, no sentido de não ser o homem obrigado a fazer ou 
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; igualdade jurídica, 
sem distinção de classe, raça, cor, sexo, ou crença; igual oportunidade de 
enriquecimento e de acesso aos cargos públicos, às conquistas da ciência e 
à cultura universitária; não intervenção do poder público na economia 
particular [...].(MALUF, 1995, p.129): 
 
Estas ideias que nortearam o estado liberal são os mesmos que iriam 
levá-lo à ruína, pois este não intervencionismo do Estado fez com que as classes 
subalternas ficassem a mercê daqueles que detinham o poder econômico. Desta 
maneira, através da Revolução Industrial, diversos trabalhadores são substituídos 
por máquinas, o que levou ao desemprego em massa, sendo necessário que todos 
da família do proletariado fosse buscar emprego, tanto mulheres, como as crianças. 
(MALUF, 1995, p. 130) 
As ideias liberais modernas têm suas raízes nas guerras religiosas ocorridas 
na Europa do século XVII, em que se proclamava o direito de liberdade 
religiosa, tendo sido acolhidas especialmente na Inglaterra, para 
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fundamentar as pretensões de maior liberdade econômica, e limitação do 
Poder Real, sobretudo no que se refere aos direitos de propriedade e à 
tributação, bandeiras essas empunhadas pela burguesia mercantil e 
industrial ascendente (ALVES, 2008, p. 66). 
 
O poder político, com o avanço da Revolução Francesa, ficou nas mãos 
dos aristocratas, donos de grandes fortunas, que utilizaram do lema “Liberdade, 
igualdade e fraternidade”, que tinha como significado real, a igualdade da burguesia 
com a nobreza, a liberdade econômica, a fraternidade, que nada mais era apenas 
para ganhar o apoio da massa trabalhadora. (LA BRADBURY, 2006) 
Nesse contexto, a classe burguesa emergente detinha o poder econômico, 
enquanto que o poder político estava sob o domínio da realeza e da 
nobreza. Logo, percebe-se que o princípio da não intervenção do Estado na 
economia, defendido pelo Estado Liberal, foi uma estratégia da burguesia 
para evitar a ingerência dos antigos monarcas e senhores feudais nas 
estruturas econômicas da época, garantindo a liberdade individual para a 
expansão dos seus empreendimentos e a obtenção do lucro. (BRADBURY, 
2006). 
 
Assim como: 
O Poder Político, assim, ficava concentrado nas mãos dos proprietários, 
mantendo-se, destarte, uma dimensão aristocrática na estrutura orgânico 
política da sociedade (ALVES, 2008, p. 66). 
 
O aumento da riqueza dos aristocratas criava um abismo entre o os 
patrões e o assalariados, o que aumentou cada vez mais o desequilíbrio social, 
sendo que o Estado da época nada fazia. Todos os ideais do liberalismo apenas 
deram mais poder para os economicamente dominantes, e que diante de todo o 
ocorrido, foi necessário uma reação enérgica para buscarem igualdade, tal situação. 
(MALUF, 1995, p. 130-131) 
[...] o liberalismo que se apresentara perfeito na teoria bem cedo se revelou 
irrealizável por inadequado à solução dos problemas reais da sociedade. 
Converteu-se no reino da ficção, com cidadãos teoricamente livres e 
materialmente escravizados. (MALUF, 1995, p. 130) 
 
É no liberalismo que surge a primeira geração dos direitos fundamentais, 
visando os direitos individuais e que são oponíveis ao Estado. (BONAVIDES, 2001, 
p. 517) 
Por fim, com base no que foi demonstrado por Cleber Francisco Alves, 
Leonardo Cacau Santos La Bradbury e Sahid Maluf, o liberalismo é uma ideologia 
que buscava a autonomia pessoal perante o Estado. De forma resumida, é a 
liberdade econômica, jurídica, tanto para igualdade entre os homens, como também, 
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para o direito e proteção da propriedade. 
 
2.3 ESTADO SOCIAL 
 
A concepção de Estado social surge na medida em que o liberalismo 
falha, já que o não intervencionismo do Estado permitia que a burguesia, que 
detinha a matéria-prima, pudesse controlar o mercado, fazendo com que diversos 
obreiros trabalhassem em condições insalubres e sem direitos. Estado de Bem-estar 
social, que tinha como objetivo corrigir as consequências negativas do Liberalismo, 
que desde a Revolução Francesa de 1789 não havia se preocupado com o 
trabalhador (LA BRADBURY, 2006). 
[...] percebe-se que os direitos públicos subjetivos criados, minimamente, 
pelo liberalismo, exigiam uma postura estatal negativa, enquanto que o 
Estado Social reclamava por uma conduta positiva, dirigente, ativista, onde 
se implementassem políticas governamentais que, efetivamente, 
garantissem o mínimo de bem-estar à população (LA BRADBURY, 2006). 
 
O estopim para as revoluções que originaram o Estado Social, ocorrem 
durante e após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que devido ao excesso de 
trabalho para suprir os fronts da guerra, resultaram numa sociedade sedenta por 
mudanças. A Revolução Russa (1917) é a primeira revolução que introduz o 
Estado Social, bem como, derruba o Czarismo (Realeza Russa), já que o sistema 
econômico Russo era extremamente atrasado, aproximava-se do sistema feudal e 
com a entrada na guerra, que ia contra os anseios da população, foi tido como 
estopim para a queda do czarismo (LA BRADBURY, 2006). 
[...] o Estado liberal, eivado de erros doutrinários, superado pelas realidades 
sociais, se tornara impotente para resolver o conflito, cada vez mais grave, 
entre as classes obreiras e patronais. (MALUF, 1995, p. 135) 
 
Na Europa, a pobreza e a miséria não eram diferentes das encontradas 
no Império Russo, desta forma, para evitar que uma nova revolução com ideais 
semelhantes aos da Revolução Russa, a burguesia europeia, foi conivente com a 
mudança, visando não perder o controle econômico. A partir desse momento, a 
burguesia que proclamava o não intervencionismo econômico, passa a apoiar a 
intervenção do estado na economia, o princípio da igualdade material e a realização 
da justiça social. (LA BRADBURY, 2006) 
18 
 
 
O princípio da igualdade material ou substancial não somente considera 
todas as pessoas abstratamente iguais perante a lei, mas se preocupa com 
a realidade de fato, que reclama um tratamento desigual para as pessoas 
efetivamente desiguais, a fim de que possam desenvolver as oportunidades 
que lhes assegura, abstratamente, a igualdade formal. Surge, então, a 
necessidade de tratar desigualmente as pessoas desiguais, na medida de 
sua desigualdade. (LA BRADBURY, 2006) 
 
As primeiras Constituições que implantam os direitos sociais, são a 
Constituição do México (1917) e a Constituição do Weimar (1919). No Brasil, apenas 
foram implantados os direitos sociais (trabalhistas) na Era Vargas, mais 
precisamente na Constituição de 1934. Desta forma, é possível notar que o Estado 
Social se aproxima do Estado de Direito, pois onde havia o abstencionismo do 
Estado, passou a ter um Estado fiscal, que buscava não só a proteção dos direitos 
individuais, mais também a obrigação de fazê-lo valer no plano real e desta formam 
que surgem os direitos de segunda geração. (LA BRADBURY, 2006) 
Paulo Bonavides (1980, p. 343). entende que é no Estado social que 
realmente surge igualdade, pois retira a abstencionismo e faz com que o Estado, 
além de garantidor de direitos, torne-os eficaz, assim cita em seu livro: 
O Estado social é enfim Estado produtor da igualdade fática. Trata-se de um 
conceito que deve iluminar sempre toda hermenêutica constitucional, em se 
tratando de estabelecer equivalência de direitos. Obriga o Estado, se for o 
caso a prestações positivas; a promover meios, se necessário, para 
concretizar comando normativos de isonomia. 
 
Portanto, como foi citado anteriormente, ante a ausência de amparo do 
Estado para igualar os desiguais, foi necessário uma atuação do Estado para, ao 
menos, diminuir as desigualdades. 
 
2.4ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
 
O Estado Democrático de Direito deve ser analisado através da evolução 
dos Estado já demonstrados, apesar disto, não pode ser considerado com uma 
soma dos Estados preexistentes. (MORAES, 2014, p. 279) 
Desta forma, é possível notar que o Estado, ao longo do tempo, vai 
corrigindo seus defeitos e na medida que falha com os direitos que devia garantir, 
busca renovar-se para incluir aqueles cidadãos que têm seus direitos violados ou 
suprimidos. Portanto, é necessário esclarecer que tanto o Estado Liberal como o 
19 
 
 
Estado Social, trouxeram contribuições importantes para o Estado Democrático de 
Direito, enquanto um traz restrições para o Estado, o outro cria obrigações (LA 
BRADBURY, 2006). 
É nítido o que é o Estado Democrático de Direito, que inicia-se no 
liberalismo, que por sua vez engessa o poder estatal por meio da norma e o Estado 
Democrático, que é o Estado regido pelo voto da maioria, com respeito aos direitos e 
garantias fundamentais, preservando a minoria. A criação destes dois origina a 
criação do Estado democrático de Direito, que pode ser entendido com um conceito 
novo de Estado. (LA BRADBURY, 2006). 
A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade, isto é, 
da concepção para a qual — contrariamente à concepção orgânica, 
dominante na idade antiga e na idade média, segundo a qual o todo 
precede as partes — a sociedade, qualquer forma de sociedade, e 
especialmente a sociedade política, é um produto artificial da vontade dos 
indivíduos (BOBBIO, 2006, p. 34) 
 
E coadunando com Bobbio, segundo José Afonso da Silva (1999, p. 123, 
apud MORAES, 2014, p. 279), cita que: 
A configuração do ‘Estado Democrático de Direito’ não significa apenas unir 
formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. 
Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta 
os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em 
que incorpora um componente revolucionário de transformação do ‘status 
quo. 
 
Fica cristalino que o Estado de Direito, que preconiza a liberdade e a não 
intervenção do Estado, tem papel essencial para o exercício da democracia no 
Estado Democrático de Direito. É neste momento que surgem os direitos de terceira 
geração, que focam no plano dos direitos difusos, sendo assim, Paulo Bonavides 
(2006, p. 563-569) ensina que: 
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da 
terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto 
direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de 
um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm primeiro por 
destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua 
afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os 
publicistas e juristas já o enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o 
caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na 
esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da 
reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio 
ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. 
 
De acordo com Moraes (2014, p. 278), uma grande dificuldade do Estado 
20 
 
 
Democrático de Direito seria impedir que as funções sociais fossem utilizadas como 
dominação, tendo em vista que estado detém o poder da força. 
 
2.4.1 Estado Democrático de Direito no Brasil 
 
No Brasil, o Estado Democrático de Direito possui uma longa história, 
sendo que surge no império, através da Constituição de 1824, porém, além dos três 
poderes habituais, que são: Legislativo, Executivo e Judiciário, surgiu também o 
Poder Moderador, que era do Imperador. (ABRANTES, 2016, p. 127) 
De acordo com o Pedro Lenza (2012, p. 104), diversos movimentos 
populares contra o império surgiram naquela época, como por exemplo: a Revolução 
Farroupilha e a Cabanagem, a Constituição da época, por influência das Revoluções 
Francesas e Americana, possui um viés liberal. 
Rei reinava, governava e administrava, como dissera Itaboraí, ao contrário 
do sistema inglês, onde vigia e vige o princípio de que o Rei reina, mas não 
governa. (SILVA, 2005, p. 76) 
 
Apesar disto, o voto na época era direcionado apenas a uma pequena 
parcela da população, homens e que possuíam uma renda mínima para votar, 
mesmo com a vinda da Constituição de 1891, os votos ainda eram destinados a 
parcela dominante da população, apesar desta Constituição possuir pequena 
alterações, o fato de ser extinto o Poder Moderador foi um grande avanço para a 
democracia. (ABRANTES, 2016, p. 127) 
Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 155-176), os acréscimos em relação 
a Constituição de 1824, são “a introdução da república, da federação e da forma 
presidencial de governo”. Vale ressaltar que o Brasil perde a religião oficial e torna-
se laico. (LENZA, 2012, p. 106), 
Após a Constituição de 1891, surge a Revolução de 1930, que acaba 
colocando um fim da República Velha, com a crise de 1929, havia um movimento 
contra oligarquias da antiga república, bem como, uma classe operária totalmente 
explorada em razão do processo de industrialização, que perdia o trabalho para a 
máquinas. Por ter sido um movimento militar que derrubou a República Velha e 
instaurou um Governo Provisório, passou o Poder Executivo a exercer os outro dois 
21 
 
 
poderes, inclusive, nomeando interventores em cada Estado, a fim de ter um 
controle maior sobre o país. (LENZA, 2012, p. 110) 
Apesar do que foi feito naquela época, foi no Governo Vargas em que foi 
instituído o Código Eleitoral, bem como, o direito de voto às mulheres. Com a vinda 
da Constituição de 1934, ainda sobre o regime Vargas, pôs um fim ao viés liberal 
das constituições anteriores, em razão dos diversos movimentos sociais da época, 
esta constituição possui forte influência da Constituição de Weimar. (LENZA, 2012, 
p. 111) 
Apesar do viés social que aparenta ter esta constituição, naquele 
momento existiam os chamados representantes classistas, que eram escolhidos 
entre os patrões e empregados, desta forma, João Gilberto Lucas Coelho (1986, p. 
3) cita: 
A constituinte, eleita após duras contestações ao governo provisório de 
Vargas, tinha 214 representantes eleitos através de partidos e 
representação proporcional e 40 representantes classistas, escolhidos por 
processos indiretos de entidades patronais e de empregados 
 
No mais, a Constituição durou pouco tempo, e na transição para a 
Constituição de 1937, manteve-se a República, os três poderes, o sistema federal e 
presidencialismo representativo. (LENZA, 2012, p. 111) 
A queda do Governo Vargas ocorre em razão da polarização entre a 
direita, que defendia um estado autoritário e a esquerda, que possuía ideias 
socialistas e sindicais. Em razão da Intentona Comunista, que se tratava de um 
grupo político-militar que detinha apoio do Partido Comunista, tinham como objetivo 
tirar Getúlio Vargas do Poder, porém, não obtiveram sucesso pois Getúlio Vargas, 
juntamente do Congresso Nacional, decretaram Estado de Guerra. Desta forma, 
Getúlio Vargas, pondo fim à tentativa de golpe, extingue o Congresso Nacional e 
centraliza o poder. (LENZA, 2012, p. 114) 
A Constituição de 1937, detém o nome de polaca, em razão de possuir 
características da Constituição polonesa, que possuía cunho fascista. Tanto que foi 
criado um Departamento de Imprensa e Propaganda, que fiscalizava todas as 
notícias, foi extinto todos os partidos e como toda ditadura, existia um polícia 
especial. Apesar dos pesares, foi neste regime que surgiu as leis trabalhistas, que 
existem até a atualidade. (LENZA, 2012, p. 114) 
22 
 
 
Em razão de o Brasil entrar ao lado dos Aliados na Segunda Guerra 
Mundial, o então presidente Getúlio Vargas, perde apoio da população e de 
intelectuais da época, pois era contraditório o governo da época ter um regime que 
centralizava o poder e combaterpaíses com o mesmo regime. Em razão de diversas 
atos arbitrários de Vargas, como nepotismo e nomeações para Prefeitos, Vargas foi 
retirado do poder. Já em 1946, é criada a nova Constituição, que visava a 
redemocratização do país, divergindo ao regime anterior. (LENZA, 2012, p. 118) 
Uma característica importante, é que neste regime de 1946, os direitos 
sociais adquiridos na Era Vargas não foram removidos. A Constituição de 1946, com 
o fim da segunda guerra mundial, normalizou o três poderes, restabeleceu o 
mandado de segurança e a ação popular. (LENZA, 2012, p. 119) 
Em 1964 surge a Golpe Militar, o período em que diversas garantias 
constitucionais são relativizadas. Com o surgimento dos Atos Institucionais, os 
efeitos dos três poderes voltam a centralizar-se, desta forma, era permitido ao 
Presidente suspender direitos políticos, cassa-los sem a apreciação do judiciário. 
Sendo que logo após, as eleições passam a serem indiretas, os cidadãos não 
possuíam mais voto. Formalmente, as Constituições criadas no regime militar não 
alteraram de forma brusca a estrutura do Estado anterior, o que ocorreu foi uma 
relativização da estrutura dos três poderes, da forma federativa e eletiva. (LENZA, 
2012, p. 120-121) 
Após o desmonte do regime militar, surge a Constituição de 1988, 
considerada como uma constituição cidadã, devido ao seu extenso rol garantias 
A Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a 
organização de seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, 
escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu 
governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento se 
seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e 
as respectivas garantias. Em síntese, a Constituição é o conjunto de normas 
que organiza os elementos constitutivos do Estado. (SILVA, 2003, p. 37-38) 
 
2.5 DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO FORMA DE INTERVENÇÃO ESTATAL 
 
Como foi demonstrado anteriormente acerca da origem do Estado ao 
Estado Democrático de Direito, os limites de um Estado são feitos pela criação de 
direitos, tendo como pressuposto, os direitos naturais, ou seja, direitos não 
23 
 
 
positivados anteriores a uma sociedade, os limites acontecem tanto nos poderes 
como nas funções do governo para com seus governados. A Constituição, como foi 
visto anteriormente, abrange a sociedade como um todo, novamente, engessando-a, 
criando obrigações positivas e negativas do Estado. Portanto, o Estado atua 
conforme os dispositivos da lei, não podendo ignorá-los ou mitigá-los. 
Como foi devidamente demonstrado, conforme o Estado falha com 
cidadão ele acaba adaptando-se para resguardar a integridade do indivíduo. A 
transição do Estado Liberal para o Estado Social demonstra bem este 
acontecimento. 
 
2.5.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e direitos relacionados 
 
A Dignidade da Pessoal Humana é o principal fundamento para os direitos 
da personalidade. Tal princípio é o escudo de cada característica do indivíduo, 
valendo para além do que é físico (integridade física), como também, intimidade, 
psique e moral. Assim disciplina o jurista Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 55), que 
cita: 
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva 
de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e 
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste 
sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a 
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, 
como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma 
vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-
responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos 
demais seres humanos. 
 
Este princípio encontra-se na Constituição Federal, especificamente no 
art. 1º, III, tal princípio, não pode ser confundido com os Direitos Fundamentais, pois 
se trata de um princípio basilar, que serve de parâmetro para os Direitos 
Fundamentais (BARROSO, 2010, p.14), este princípio possui valores históricos que 
visam uma finalidade a ser realizada, protegendo a existência do ser, com todos as 
suas qualidades e defeitos, no meio da sociedade. (BARROSO, 2010, p. 21-22) 
Princípios são normas jurídicas com certa carga axiológica, que consagram 
valores ou indicam fins a serem realizados, sem explicitar comportamentos 
específicos.(BARROSO, 2010, p.12). 
 
De acordo com Barroso (2010, p.17), cada pessoa deve ser tratada como 
24 
 
 
um fim em si mesmo, ou seja, o âmago de cada um somente lhe diz respeito, não 
podendo ter suas características suprimidas por vontade ou preconceito dos 
governantes, ainda segundo Barroso (2010, p. 22), o Estado surge para que o 
indivíduo se desenvolva, sendo assim, não poderia o Estado criar obstáculos para 
que indivíduo não atinja esse objetivo. 
Para Sarlet (2011, p. 77-78), o princípio da dignidade da pessoa humana 
é um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito e que isto 
demonstra que a pessoa humana vem antes do Estado, ou seja, a finalidade do 
Estado é o desenvolvimento do indivíduo. 
Cada pessoa tem autonomia para decidir sobre a própria vida, suas 
escolhas, sua personalidade, não podendo sofrer sanções externas, salvo se violar 
direito de outros, assim é o pensamento de Barroso (2010, p. 24), que cita: 
A dignidade como autonomia envolve, em primeiro lugar, a capacidade de 
autodeterminação, o direito do indivíduo de decidir os rumos da própria vida 
e de desenvolver livremente sua personalidade. Significa o poder de fazer 
valorações morais e escolhas existenciais sem imposições externas 
indevidas. Decisões sobre religião, vida afetiva, trabalho, ideologia e outras 
opções personalíssimas não podem ser subtraídas do indivíduo sem violar 
sua dignidade 
 
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está atrelada aos direitos e 
garantias fundamentais, sendo que tal princípio permite que os direitos fundamentais 
sejam ponderados entre si, bem como, que sejam estes direitos protegidos por parte 
do Estado, dando a devida eficácia para cada um destes. Desta forma, a nossa 
Constituição atual, possui alguns direitos que tornariam o desenvolvimento pleno da 
personalidade do indivíduo.(SARLET, 2011, p. 101) 
Ainda temos alguns direitos inerentes da Dignidade da Pessoa Humana, 
que são: direito à liberdade, à igualdade, à identidade e à intimidade, ao nome, entre 
outros, sendo todos são necessários para o desenvolvimento da personalidade. 
(SARLET, 2011, p. 101) 
É necessário discorrer sobre estes direitos necessários para que o 
indivíduo tenha pleno desenvolvimento de sua personalidade para relacioná-los com 
o problemática desta pesquisa. 
O Direito à liberdade, é uma das bases da Dignidade da Pessoa Humana, 
é disciplinada como sendo necessária para que o indivíduo realize suas paixões, 
25 
 
 
projetos, anseios. Para isso, o Estado precisa prestar condições para que a 
liberdade seja de fato exercida, tal direito pode chocar-se com direitos alheios, como 
por exemplo: uma violação à honra ou intimidade. (ANDRADE, 2003, p. 319) 
E em relação à prestação positiva do Estado, Andrade (2003, p. 319) 
ainda cita que: “Não é verdadeiramente livre aquele que não tem acesso à educação 
e à informação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, ao lazer”. Sendo assim, 
entende-se que é necessário uma prestação positiva e uma negativa do Estado, ou 
seja, uma atuação e uma abstenção, respectivamente. 
Para Barroso e Osório (2016, p. 3), a igualdade é intrínseca para com a 
ideia de democracia, preceitua-se que todos possuem o mesmo valor, portanto, 
impede que haja tratamentos diferentes, a não ser para corrigir diferenças. 
[...] a igualdade se expressa particularmente em três dimensões: a 
igualdade formal, que funciona como proteção contra a existência de 
privilégiose tratamentos discriminatórios; a igualdade material, que 
corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem estar 
social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido 
às minorias, sua identidade e sua diferenças, sejam raciais, religiosas, 
sexuais ou quaisquer outras .(BARROSO; OSÓRIO, 2016, p. 3) 
 
Desta forma, a finalidade é a igualdade, porém, quando há pessoas em 
situação de desigualdade, deve o Estado prestar um tratamento desigual a fim de 
igualar aos demais. Assim é o pensamento de Nery Júnior (1999, p. 42) que diz que 
deve-se “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida 
de suas desigualdades.” 
 
2.5.2 Direito da personalidade 
 
Segundo Carlos Roberto Gonçalves “são direitos inalienáveis, que se 
encontram fora do comércio, e que merecem a proteção legal”. (2013, p. 184) 
Os Direitos da personalidade são inerentes para que o indivíduo se 
desenvolve no seio da sociedade, são direitos próprios, como por exemplo: direito à 
identidade, à intimidade entre vários outros, sendo que devem ser protegidos pelo 
ente estatal (BELTRÃO, 2005, p. 47- 48) 
Para Diniz (2012, p. 135-136), os direitos da personalidade são aqueles 
direitos próprios de todo ser humano, sendo necessário um “comportamento 
26 
 
 
negativo de todos”, ou seja, uma prestação negativa, uma não violação com os 
direitos da personalidade de outros. 
A Constituição Federal mostrou a dimensão dos Direitos da 
personalidade, assim dispõe o art. 5°, X: “são invioláveis a intimidade, a vida 
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo 
dano material ou moral decorrente de sua violação”. 
 [...] reconhece-se nos direitos da personalidade uma dupla dimensão: a 
axiológica, pela qual se materializam os valores fundamentais da pessoa, 
individual ou socialmente considerada, e a objetiva, pela qual consistem em 
direitos assegurados legal e constitucionalmente, vindo a restringir a 
atividade dos três poderes, que deverão protegê-los contra quaisquer 
abusos, solucionando problemas graves que possam advir com o progresso 
tecnológico [...] (DINIZ, 2012, p. 133) 
 
Os Direitos da personalidade surgem com o nascimento e são de extrema 
importância para que o indivíduo construa sua personificação no meio social, tal 
positivação do direito demonstra que o indivíduo é o firma ser tutelado, sendo assim, 
por pensamento lógico, não poderia servir de limitação. (RIZZARDO, 2006, p. 151) 
[...] sob a denominação de direitos de personalidade, compreendem-se 
direitos personalíssimos e os direitos essenciais ao desenvolvimento da 
pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina no corpo do 
Código Civil como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade de 
disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa 
humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte de outros 
indivíduos.(GOMES, 1989, p.153) 
 
Os direitos da personalidade possuem capítulo próprio no Código Civil de 
2002, com início no art. 11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da 
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício 
sofrer limitação voluntária”. Maria Helena Diniz (2012, p. 136), disciplina, com base 
no enunciado n. 4 do Conselho Federal de Justiça, que os direitos da personalidade 
podem ser limitados, desde que não seja uma limitação permanente. 
O art. 13 do Código Civil nos traz a seguinte informação: “Salvo por 
exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar 
diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. 
Segundo Diniz (2012, p. 140, somente são possíveis os atos de disposição do corpo 
quando não tragam prejuízos para a integridade física do indivíduo, salvo quando for 
exigência médica. Ainda aduz que é permitido a correção de genitália naqueles 
casos em que o indivíduo tenha genitália masculina e/ou feminina. (DINIZ, 2012, p. 
27 
 
 
140) 
Por fim, é pertinente destacar os artigos 16º ao 19º, tendo em vista que 
são essenciais para o entendimento desta pesquisa. Estes artigos tutelam o direito 
ao nome e a sua defesa, acerca do direito ao nome, Maria Helena Diniz (2012, p. 
144) informa que “[...] ele integra a personalidade, por ser o sinal exterior pelo qual 
se individualiza a pessoa, identificando-a na família e na sociedade”. 
Por fim, é possível requerer indenização em pecúnia quando violar o 
nome de outrem, seja de forma vexatória ou utilizando do nome para propaganda. 
Isto demonstra a importância do nome para a identidade pessoal. (DINIZ, 2012, p. 
144) 
O Direito de Imagem é autônomo e não depende de outros direitos 
fundamentais, está presente tanto no art. 5º da Constituição Federal, assim como, 
no art. 20 do Código Civil, diz respeito sobre a imagem pessoal e sua exposição, 
sendo que também é cabível reparo em casos de ato ilícito ou exploração indevida. 
(DINIZ, 2012, 145-147) 
Conforme já citado anteriormente, todos os direitos acima constroem a 
identidade do indivíduo, uma problemática atual são aqueles que possuem estes 
direitos, mas que não se identificam com seu sexo biológico, seria necessário uma 
mudança no entendimento destas leis, visando a igualdade de poder construir uma 
identidade não só pessoal, mas no âmbito social. 
 
 
 
 
 
 
 
 
28 
 
 
3 TEORIA DOS TRANSGÊNEROS 
 
Será analisado a origem da Teoria dos Transgêneros e de que forma essa 
classificação se perpetua no tempo, assim como, os estigmas sofridos na população 
transgênera na sociedade. 
 
3.1 GÊNERO E SISTEMA BINÁRIO 
 
A sociedade foi criada no sistema binário homem-mulher, sendo que seu 
gênero, ou seja, seu modo de se expressar seria de forma masculina ou feminina, 
esse binarismo também diz respeito às práticas sexuais, que deveriam ser somente 
entre os binários, não podendo fugir deste grupo. (MODESTO, 2013, p. 52) 
Desde que nascemos, somos condicionados a agir conforme nossa 
aparência, sexo biológico, grande parte do nosso modo de agir em meio à sociedade 
são criações sociais e não biológicas, sendo assim, a sociedade determina o modo 
de agir do indivíduo com base no seu sexo. As características, tanto masculinas ou 
femininas, mudam ao redor do mundo em razão da diversificação dos seres. 
(JESUS, 2012a, p. 5-6) 
O termo “sexo”, também conhecido como sexo biológico ou genital, refere-
se essencialmente à genitália que cada indivíduo traz entre as pernas ao 
nascer. (LANZ, 2014, p.39 ) 
 
 O que determina o gênero é o meio social, ou seja, como a pessoa se 
identifica e se expressa no âmbito social, não levando em consideração seu sexo 
biológico. Desta forma, o termo “transgênero” engloba aqueles que o gênero não 
coaduna com o sexo biológico, que são os casos das crossdressers e transexuais. 
(JESUS, 2012a, p. 5-6) 
Gênero diz respeito às expectativas sociais de desempenho que cada ser 
humano deve atender tendo em vista o seu sexo genital. O gênero é uma 
construção social que varia intensamente de cultura para cultura e de época 
para época.(LANZ, 2014, p. 39) 
 
Atualmente, o binarismo não coaduna com a sociedade atual, em razão 
das diversas expressões da sexualidade humana, não fazendo sentido em existir, 
pois não explica a orientação sexual nem o gênero. (MODESTO, 2013, p. 56) 
29 
 
 
De acordo com Lanz (2014, p. 39-40), há registros de inúmeras 
diversidades de gênero pelo mundo, sendo considerado algo comum pela sociedade 
de algumas culturas, ou seja, não ficam presas ao sistema binário. É extremamente 
importante, segundo a autora, elucidar que tanto o sexo biológico, quanto o gênero, 
não possuem quaisquer ligações com a orientação sexual. Porém, dependendo da 
cultura, é algo que seria conexo com os termos “sexo” e “gênero”. 
O sexo biológico, na maioria daqueles que fazem o ultrassom, é descobrir 
qual a genitália da criança, sendo quea partir deste ponto, todos as peças de 
roupas, brinquedos e tantos outros itens que se adquire com a vinda de uma criança, 
são ligadas ao seu sexo biológico, portanto, desde antes do nascimento, a criança já 
possui um gênero definido e que ao longo do seu desenvolvimento, ela vai sendo 
condicionada a agir de acordo com seu sexo biológico. (SILVA, 2017, p. 13) 
Beauvoir (1980, p. 9), também entende desta maneira, com sua famosa 
frase “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, que diz que o gênero é uma 
construção social, ou seja, desde o nascimento há um condicionamento de como 
agir, os trejeitos etc. 
Thomas Laqueur (2001, p. 19) segue com o mesmo entendimento, 
disciplinando que o gênero é cultural e que antes de existirem estudos voltados para 
o tema, existia o “modelo de sexo único”, que significava a igualdade entre sexo e 
gênero. O autor ainda salienta que tal distinção está direcionada ao fracasso. 
Contrariando o sistema binário, surgiu a teoria queer, que entende que o 
sistema binário está incorreto, que a formação da nossa identidade não é 
determinada ao sexo biológico e sim pela cultura, em contrapartida, disciplina a 
teoria que a identidade de formaria de maneira fluída, diversa e variável, caso não 
houvesse influência cultura. Esta teoria tem a finalidade de quebrar a barreira do 
binarismo, acredita-se que o sistema binário surgiu como forma de regulação social, 
visando classificar a sociedade. (CÂNDIDO, 2016, p. 1) 
[...] convencionou chamar na história de Teoria Queer, como método 
analítico que além de defender a desnaturalização da sexualidade e do 
gênero – como fenômenos não implícitos da natureza, mas de ordem 
também política, social e cultural – percebe as identidades e a própria 
sexualidade de forma muito mais fluída, apontando as fraturas e 
contradições da estrutura social. (FERREIRA, AGUINSKY, 2013, p. 226) 
 
Segundo Ferreira e Aguinsky (2013, p. 224-225), todas as possibilidades 
30 
 
 
de sexualidade sempre existiram, porém, o que foge do padrão heteronormativo é 
considerado moralmente errado. Parte deste preconceito tem fundamento histórico, 
sendo de cunho religioso, como por exemplo, o Cristianismo. 
Antes do Cristianismo, a relação entre pessoas do mesmo sexo era tido 
como algo comum, sendo que desta forma que se passava o conhecimento acerca 
das práticas sexuais, com o crescimento do cristianismo, a prática sexual entre 
pessoas do mesmo sexo ou pessoas que tivessem um “desvio” na personalidade e, 
por ventura, comportassem de forma adversa ao seu sexo biológico, eram tidas 
como doentes ou pecadoras. (FERREIRA, AGUINSKY, 2013, p. 226) 
Ao falar de gênero, torna-se necessário explicar a distinção de sexo e 
orientação sexual. De início, ressalta-se que os termos não são sinônimos, como 
será visto a seguir. 
Os estudos acerca da orientação sexual existem há muito tempo, pois 
bem, percebe-se que a heterosexualidade não é estudada como a 
homossexualidade, a condição do homossexual era entendida como uma patologia, 
ou seja, uma doença que precisava ser explicada. (MENEZES, BRITO e 
HENRIQUES, 2010, p. 245) 
Alguns estudos entendem que é possível que a nossa espécie não tenha 
uma orientação sexual definida, logo, a cultura e os estímulos sexuais que formam a 
orientação sexual do indivíduo. Há outros estudos que divergem desta teoria, onde a 
heterossexualidade seria o natural e, portanto, não necessita ser explicada. 
(MENEZES, BRITO e HENRIQUES, 2010, p. 246) 
[...] a orientação sexual pode ser observada a partir de um continuum de 
sete possíveis classificações: (1) Exclusivamente heterossexual; (2) 
Predominantemente heterossexual com episódios raros de 
homossexualidade; (3) Predominantemente heterossexual com múltiplos 
episódios de homossexualidade; (4) Tanto heterossexual quanto 
homossexual; (5) Predominantemente homossexual com múltiplos episódios 
de heterossexualidade; (6) Predominantemente homossexual com episódios 
raros de heterossexualidade; (7) Exclusivamente homossexual. (MENEZES, 
BRITO e HENRIQUES, 2010, p. 246) 
 
A ideia do que é orientação sexual varia conforme os pesquisadores, mas 
algo em comum é que orientação sexual está ligada ao desejo sexual e a excitação 
física. O desejo é visto como algo psicológico, social e está relacionado com o outro, 
ou seja, o parceiro. Já a excitação física está ligada ao corpo, ao toque, sendo uma 
31 
 
 
resposta fisiológica. (CARDOSO, 2008, p. 73) 
 
3.1.2 O Patriarcado e a Heteronormatividade 
 
A ideia do patriarcado, remete à Roma Antiga, onde a ideia de família 
tinha o homem como chefe, a mulher, assim como os filhos, ficavam sujeitos ao 
patriarca até o falecimento deste. O Patriarcado é uma construção social e está 
enraizado na sociedade, tem como pressupostos a hierarquização dos sexos, 
colocando a mulher e os homens mais novos como subordinados. (NARVAZ, 
KOLLER, p. 50) 
Para Barreto (2004, p. 64), o patriarcalismo é instituído em todas as 
sociedades modernas, segue a ideia da dominação do homem, como chefe da 
família, sob as mulheres e os filhos. 
É caracterizado por uma autoridade imposta institucionalmente, do homem 
sobre mulheres e filhos no ambiente familiar, permeando toda organização 
da sociedade, da produção e do consumo, da política, à legislação e à 
cultura.(BARRETO, 2004, p. 64) 
 
O termo “heteronormatividade” foi criado por Michael Warner, desde então 
é utilizado para explicar o conceito cultural de padronização do sexo e gênero. 
(PETRY; MEYER, 2011, p. 196) 
Lanz (2014, p. 41) disciplina sobre o que é a heteronormatividade, que 
seria do que a imposição do sistema binário a todas as relações sociais, excluindo 
todos os diversos gêneros existentes. 
A heteronormatividade é de extrema importância para o entendimento do 
estigma que os transgêneros podem sofrem desde o nascimento, portanto, o termo é 
entendido como “um padrão de sexualidade que regula o modo com as sociedades 
ocidentais estão organizadas”. (PETRY; MEYER, 2011, p. 196) 
Tanto a heterossexualidade, quanto a heteronormatividade são culturais, 
é algo taxado como “normal”, o que foge deste padrão é anormal e, portanto, busca-
se corrigir o que é fora do padrão heteronormativo através da medicina. (PETRY; 
MEYER, 2011, p. 196) 
Para Tiburi (2018, p. 76-77), aqueles que não correspondem ao sistema 
heteronormativo, receberam classificações e ainda utilizam-se destas marcações 
32 
 
 
para poder questionar a dominação, segundo a autora, adaptar-se a este sistema 
que busca marcar aqueles que não se adequam a heteronormatividade, não é 
“naturalizar” as marcações, mas sim criar um direito de existir e de estar presente. 
Tiburi (2018, p. 81) questiona quem se beneficia da identidade e 
exemplifica ao falar da questão racial, disciplinando que o termo “Negro” foi criado 
por senhores de escravos, sendo assim, pode-se concluir que os outros termos, 
como por exemplo, o dos transgêneros foi criado como forma de opressão, já que 
favorece apenas à dominação do homem, outro exemplo, segundo a autora, é a 
origem do nome feminista, que assim que surgiu tinha uma conotação negativa. 
 
3.1.3 O Feminismo e o Movimento LGBT 
 
Para Silva e Campos (2014, p. 3), os movimentos feministas possuem 
uma longa história e foram responsáveis por diversas conquistas, não apenas para 
as mulheres. Podendo ser divido em ondas, a primeira onda do feminismo no Brasil, 
é o movimento pelo sufrágio feminino, foi a luta pelo direito de votar. O direito de 
votar as mulheres foi positivado em 1932, pelo código Eleitoral, porém, apenas foi 
possível o exercício com a promulgação da Constituição de 1946. Por sem um 
período de industrialização, também houveram movimentos feministas para igualar o 
salário entre homem e mulheres, bem como, para questionar a jornada dupla de 
trabalho. 
Para Tiburi (2018, p. 13-14, 27), o feminismo também surge no período de 
industrialização, portanto, do capitalismosurge o feminismo, a autora também faz 
uma crítica a dupla jornada de trabalho, em que mulheres trabalham recebendo 
remuneração e também trabalham no lar. O feminismo busca quebrar a ideia de 
naturalidade do patriarcado, sendo assim, quer desconstruir a ideia de 
hierarquização dos gêneros. 
A segunda onda do feminismo, segundo Alves e Pitanguy (1982, p. 9), 
surge com a finalidade de reinventar a ideia de sexo, sendo que, independe de ser 
homem ou mulher, o indivíduo não precisa adaptar-se ao modelo padronizado. 
De acordo com Vianna (2015, p. 794), os movimentos sociais, tanto o 
33 
 
 
feminismo quanto o LGBT, estão diretamente ligados com a ausência de direitos por 
uma minoria política ou que não são reconhecidos perante o Estado e a sociedade. 
 A sigla LGBT significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais 
e Transgêneros, há divergências em relação à sigla, porém, existe um entendimento 
que é necessário incluir mais gêneros e sexualidades. (VIANNA, 2015, p. 794) 
Para Tiburi (2018, p. 41, 77), “o feminismo é um operador criativo que 
libera todos das coações patriarcais, desonera as pessoas da dívida de gênero”, 
sendo assim, a autora também disciplina que o feminismo auxilia aqueles que são 
humilhados e oprimidos, em razão das diferenças culturais construídas ao longo da 
história, para terem suas reivindicações ouvidas na sociedade. 
Para Alves e Pitanguy (1982, p. 54, 58), a partir da década de 60 que o 
movimento feminista possui nova frente de luta, não ligado apenas ao sexo feminino, 
mas também aproximando grupos politicamente minoritários, reivindicando direitos a 
fim de diminuir a desigualdade. Ainda, segundo as autoras, o feminismo surge como 
um movimento de massas e passa a ter um grande poder de mudança social. Um 
dos movimentos sociais originários é o Movimento LGBT. 
Simões e Facchini (2009, p. 45), entendem que o grande marco da luta 
LGBT ocorreu em um bar gay chamado Stonewall Inn, localizado em Nova York, 
onde ocorreu uma tentativa de interdição do bar por parte da polícia local, tal 
tentativa resultou em uma reação por parte dos próprios integrantes do bar, portanto, 
uma população que vivia escondida em razão discriminação, passou a ser uma 
manifestação de orgulho por serem quem são. 
Para Simões e Facchini (2009, p. 45), o movimento responsável por 
chamar atenção ao termo “orientação sexual”, foi o movimento LGBT. Sendo assim, 
o movimento tinha a homossexualidade como algo inerente da personalidade do 
indivíduo e imutável, ainda segundo os autores, no século 19, já haviam estudos em 
relação a condição do homossexual, onde argumentava-se que não era uma opção 
do indivíduo, era algo inerente do indivíduo e estava presente em outras espécies, 
portanto, não poderia dizer que tal condição era uma doença. 
O movimento social LGBT permitiu a criação de uma identidade coletiva, 
que foi construída por variedade de pessoas que possuem um interesse em comum, 
que é o reconhecimento da sua sexualidade e gênero, portanto, buscam a liberdade 
34 
 
 
para desenvolverem-se sem empecilhos da sociedade e do Estado, desta forma, é 
um movimento social de extrema importância pelo viés identitário que carrega, 
abrangendo diversas concepções de gênero e sexualidade (VIANNA, 2015, p. 794) 
A criação deste viés identitário, segundo Tiburi (p. 54-55), faz surgir a 
ideia de “lugar de fala”, que permite a politização daqueles que sofrem em razão da 
heteronormatividade, assim, é possível criar um diálogo entre aqueles que não se a 
assemelham com o padrão heteronormativo, como também, com os que se 
assemelham ao padrão, visando desconstruir essa classificação existente e criando 
certa empatia com diversas outras minorias políticas. Sustenta ainda, que lutar por 
um lugar de fala, seja qual for o movimento de minorias políticas, é lutar pelo direito 
de todos, pois permite que outras minorias se manifestem em público. 
 
3.2 TRANSGÊNERO 
 
Sustenta Lanz (2014, p. 66, 71) que aquele que diverge da 
heteronormatividade que foi estabelecida ao nascer, se torna transgênero, que como 
a própria autora define “transgressão de gênero”. O conceito de transgênero é 
amplo, possuindo um enorme rol de possibilidades, consequentemente, engloba 
todos que possuem divergência de gênero, portanto, não se trata de um novo 
gênero, mas como preceitua Lanz (2014, p. 70) “[...] uma circunstância sociopolítica 
de inadequação e/ou discordância e/ou desvio e/ou não-conformidade com o 
dispositivo binário de gênero, presente em todas as identidades gênero-divergentes”. 
A primeira coisa a se dizer sobre o termo transgênero é que não se trata 
de mais uma‘ identidade gênero-divergente, mas de uma circunstância sociopolítica 
de inadequação e/ou discordância e/ou desvio e/ou não-conformidade com o 
dispositivo binário de gênero, presente em todas as identidades gênero-divergentes. 
 Para Santos, a identidade de gênero, é como o indivíduo se identifica e 
se expressa no meio da sociedade, mas sem relação com seu sexo biológico, 
portanto, nos casos dos transsexuais, a percepção de si não se coaduna com a sua 
genitália. Ainda de acordo com Santos, há relatos de pessoas que não se identificam 
com seu sexo biológico e não querem/necessitam de cirurgia de redesignação 
sexual, ou seja, conseguem viver normalmente com essa dualidade. (SANTOS, 
35 
 
 
2018, p .5-6 ) 
Como já foi suscitado por Santos (2018, 5-6), existem pessoas que 
mesmo não se identificando com seu sexo biológico, também se identificam com o 
sexo oposto, portanto, como disciplina Lanz (2014, p. 71), “sua identidade de gênero 
não se enquadra em nenhuma das duas categorias disponíveis”, podemos pegar 
como exemplo as crossdresser, que são homens que possuem trejeitos e formas de 
se vestir com aspecto feminino e que não se identificam com o binômio homem-
mulher, desta forma, classificam-se como um terceiro gênero. (JESUS, 2012a, p. 9) 
Se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o próprio construto 
chamado “sexo” seja tão culturalmente construído quanto o gênero; a rigor, 
talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre 
sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma. Se o sexo é, ele próprio, 
uma categoria tomada em seu gênero, não faz sentido definir o gênero 
como uma interpretação cultural do sexo. O gênero não deve ser 
meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo 
previamente dado. (BUTLER, 2003 apud MOURA, 2014, p. 1) 
 
É importante ressaltar que a identidade de gênero não possui qualquer 
relação com a orientação sexual, em vista disto, não é possível identificar a 
identidade do indivíduo apenas com olhos, pois é algo extremamente pessoal. 
(LANZ, 2014, p. 74-75) 
 
3.2.1 Transexuais 
 
O transexualismo tem relação com a identidade de gênero e apenas, não 
tem afinidade com sua orientação sexual, havendo casos em que a auto 
identificação surge no início da vida ou ao longo da vida, o que ocorre em razão da 
sociedade, pois se desde o nascimento da criança apenas se conhece o sistema 
binário, torna difícil o entendimento de que ter tendência ao transexualismo é algo 
natural e pessoal do ser humano. (JESUS, 2012a, p. 8) 
A condição do transexual não depende da cirurgia, como acredita-se 
popularmente. Vale ressaltar que a mulher transexual é aquela que reivindica o 
conhecimento como mulher, o mesmo vale para o homem transexual. Ambos devem 
ser reconhecidos com o gênero em que se identificam. Sendo assim, a mulher 
transexual, que antes de se identificar como trans, era homem cisgênero e hétero, 
36 
 
 
passa a ser mulher transexual homossexual. (JESUS, 2012a, p. 8-9) 
Pereira (2006, p. 472) assinala que todos os transgêneros, independente 
de suas vontades em relação a si, apenas querem ser conhecidos perante o Estado. 
O transexualismo desde a origem é tido como uma patologia, portanto, 
tentava-se entender se de fatoera uma doença, como surgiu e como repará-la. 
(PEREIRA, 2006, p. 471) 
Lanz (2014, p. 162) expõe que há muito tempo os biólogos entendem que 
não há fator biológico na identidade de gênero, ou seja, a classificação binária em 
conluio com a heteronormatividade excluem aqueles que não se encaixam no 
binarismo. 
Atualmente, classifica-se o transexual de duas formas, o primário e o 
secundário. O primário é aquele que durante a evolução da sua personalidade, isto 
é, da infância até a vida adulta, não se identifica com seu sexo biológico e entende 
que nasceu no corpo errado, por conseguinte, entende que o único meio de 
adequação é a intervenção cirúrgica. O secundário, é aquele que se identifica com o 
gênero oposto, que é homossexual, porém, sentem-se adequação entre o seu 
gênero e sexo biológico. (SILVA, 2017, p. 39) 
Apesar das pequenas mudanças sobre esta temática, a Organização 
Mundial de Saúde1, após 28 anos, retirou o transexualismo do rol das doenças 
mentais2, o que permite o livre desenvolvimento da personalidade, assim como, 
impede que seja estudada com uma patologia. 
Essa mudança, após os 28 anos da permanencia do transexulismo como 
doença mental ocorreu em razão dos movimentos feitos pelos próprios 
transgêneros, que há muito tempo já buscavam essa despatologização. (JESUS, 
2012b, p. 1) 
[...] a ótica da mobilização social como forma de influência dos grupos 
sociais marginalizados, em que as pessoas que vivenciam a dimensão das 
transgeneridades (ou transgeneralidades), orientadas por políticas de cunho 
identitário, tornem a sua realidade cada vez visível, e continuem lutando, 
dentro dos sistemas legais e políticos, para propiciar um maior 
reconhecimento de sua humanidade e da justeza de suas várias demandas. 
 
1 OMS. Organização Mundial de Saúde. Classificação de transtornos mentais e de 
comportamento da CID-10: descrição clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: OMS; 1993. 
 
37 
 
 
(JESUS, 2012b, p. 1) 
 
 
3.2.2 Travesti 
 
A denominação travesti é condição de identidade tipicamente brasileira, 
das transgressões de gêneros existentes no Brasil, esta é a de maior destaque. 
(LANZ 2014, p. 148) 
As travestis são aquelas pessoas que possuem trejeitos e se expressam 
como do gênero feminino, muitas não se identificam com o sexo masculino, 
tampouco com o feminino, entendem ser uma nova classificação de gênero. 
(JESUS, 2012a, p. 9) 
Travesti, para Lanz (2014, p. 149, 153, 157), é toda pessoa que utiliza-se 
de roupas do sexo oposto, por consequência, pode-se concluir que todos os 
transgêneros se travestem, mas o principal problema, é que no Brasil, o termo 
“travesti” é associado à prostituição. Tanto o transexual, quanto a travesti, sofrem 
com o que se chama de “homossuexualidade compulsória”, isto é, associam o 
gênero com a orientação sexual, tal associação entre ambos é uma falácia. 
[...] pode designar indistintamente qualquer pessoa que se apresente 
socialmente usando vestuário culturalmente definido como de uso próprio 
do gênero oposto ao dela. Assim, estritamente dentro do conceito de 
travestismo/crossdressing como o ato de uma pessoa vestir-se com roupas 
reservadas ao gênero oposto ao seu, concluímos que tanto dragqueens, 
como travestis, transformistas, crossdressers e transexuais (que, a rigor, 
não estão se travestindo, já que acreditam ‘pertencer‘ originalmente ao 
gênero oposto...), todas essas categorias gênerodivergentes se travestem. 
(LANZ 2014, p. 149) 
 
A imagem das travesti é extremamente ligada ao de profissionais do sexo, 
como também, “vestuário erótico, exibicionismo, baixa renda, baixa 
escolaridade”.(LANZ 2014, p. 152) 
 
3.2.3 Crossdresser 
 
As crossdressers, apesar de serem semelhante as travesti, não requerem 
conhecimento acerca do seu gênero, possuem o prazer de usar roupas femininas, 
mas se identificam com seu sexo biológico, outra diferença é que as crossdressers 
38 
 
 
são momentâneas, isto é, se vestem esporadicamente, por prazer momentâneo, já 
as travestis vivem diariamente como pertencente do gênero feminino. (JESUS, 
2012a, p. 10) 
A definição de crossdresser se assemelha ao de travesti, mas o termo 
surgiu para diferenciar das travesti em razão desta última ser amplamente conhecida 
como profissionais do sexo, as crossdresser possuem o medo de serem 
descobertas, tanto que muitas apenas se travestem em suas casas, no geral, as 
crossdresser são de classes mais favorecidas economicamente. (LANZ, 2014, p. 
173-174) 
As principais características que as diferenciam são meramente 
econômicas, como vimos no tópico anterior, muitas travestis são colocadas para fora 
de casa desde muito cedo, portanto, ante a necessidade econômica, torna-se 
profissionais do sexo. O que diverge dos crossdresser, que segundo Lanz (2014, p. 
175-176) são em grande parte da classe do topo da pirâmide econômica. 
 
3.3. ESTIGMA SOCIAL DOS TRANSGÊNEROS 
 
A transgeneridade pode surgir em qualquer momento da vida, há casos 
de crianças, adultos, adultos com filhos, outros já idosos. Muitas vezes é devido a 
falta de conhecimento e a heteronormatividade, essa falta de conhecimento em 
relação a transgeneridade, faz com que a maior parte dos transgêneros continuam 
ocultos, talvez por medo ou falta de autoconhecimento. O medo de se expor 
publicamente como um transgressor de gênero provoca o ocultamento deste lado do 
indivíduo, que muita vezes, passa a vida toda sem poder expressar plenamente toda 
sua personalidade ante heteronormatividade. (LANZ, 2014, p. 138-139, 129) 
Para o transgênero, encaixar-se na sociedade é extremamente 
importante, porém, precisa suprimir sua verdadeira personalidade, visando não 
apenas sentir-se parte da sociedade, mas também para evitar violências. (LANZ, 
2014, p. 130) 
[...] assim, uma função de legitimação da identidade, através da alteridade 
proporcionada pelo ‘olhar do outro‘, nos relacionamentos interpessoais 
diários da pessoa transgênera com outras pessoas (cis ou trans). Dentro 
dessa concepção altamente predominante dentro do mundo transgênero, o 
‘outro‘ tem uma importância crucial na ‘confirmação‘ ou na ‘invalidação‘ da 
39 
 
 
identidade de gênero que o indivíduo quer expressar ao mundo. (LANZ, 
2014, p.130) 
 
O desconhecimento acerca dos transgêneros é tanta, que por mero 
preconceito, os próprios pais expulsam seus filhos de casa, tendo em vista que 
alguns demonstrar pertencer ao gênero oposto desde o nascimento, havendo casos 
em que a violência física se perpetua dentro do lar, sendo uma tentativa 
preconceituosa de “corrigir” o infante. (MAGNO, DOURADO, SILVA, 2018, p. 6) 
[...] não foram raras as narrativas sobre expulsão de travestis e mulheres 
transexuais de casa por conta da performance “afeminada”, que 
demonstram tanto a estereotipia, quanto a separação das travestis e 
mulheres transexuais do convívio familiar com aquelas pessoas 
consideradas apropriadamente generificadas, reforçando, portanto, um 
sistema de gênero binário oposicional, baseado na coerência sexo, gênero 
e desejo. “Meu pai quando chegava às vezes e dizia: ‘Não quero afeminado 
dentro de casa’. Ai eu já com 13, 14 anos. (...) Então, eu fugi com uma 
travesti pra o Rio de Janeiro” (Angélica, travesti, 26 anos, prostituta). “Eu 
sempre fui afeminado desde criança e fui crescendo assim (...) quis sair da 
companhia da minha mãe, mas ela também mandava eu ir me embora. (...) 
Então, eu desde 14 anos que eu vivo só pelo mundo afora...” (Adélia, 61 
anos, travesti, não tem ocupação no momento). (MAGNO; DOURADO; 
SILVA, 2018, p. 6) 
 
Bento (2009, p. 97), na mesma linha de raciocínio, diz que a descoberta 
da corpo e a identificação de pertencer a outro gênero acarreta em agressões 
físicas, verbais e até rejeição familiar. 
Em razão de algumas não conseguirem se manter na escola, devido a 
serem expulsas de casa ou não aguentarem a discriminação no âmbito escolar,

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