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- 346 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 As Lutas Indígenas na Educação Física para Valorização da Diversidade Cultural Brasileira Everton de Souza1 Introdução As lutas são umas das manifestações corporais mais antigas que se conhece na história da humanidade e se fez necessária para a sobrevivência do homem. Gomes et. al. (2010, p. 208) salientam que as lutas estão presentes na bagagem cultual de diversas civilizações, sendo reconhecidas “como rito, prática religiosa, preparação para a guerra, jogo, exercício físico, entre outros diversos significados que já lhe foram atribuídos” no decorrer da história. Essas manifestações surgiram para atender as necessidades dos povos e foram moldadas pelos costumes e tradições de cada região, assim, cada luta traz com sigo características regionalistas que representam a cultura de seus criadores, resultando em uma infinidade de práticas corporais das mais diferentes formas e cada uma com suas peculiaridades e intencionalidades. Na Base Nacional Comum Curricular – BNCC, as lutas estão caracterizadas como disputas corporais: 1 Especialista em Psicomotricidade, FESL. doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 347 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 [...] nas quais os participantes empregam técnicas, táticas e estratégias específicas para imobilizar, desequilibrar, atingir ou excluir o oponente de um determinado espaço, combinando ações de ataque e defesa dirigidas ao corpo do adversário (BRASIL, 2017, p.218). As lutas são um dos conteúdos estruturantes que compõem a disciplina de Educação Física, entretanto percebe-se que, no contexto escolar, são inúmeros os paradigmas que a acompanham, Carreiro (2005) afirma que as lutas são os conteúdos que enfrentam maior resistência pelos professores devido à ausência de materiais, vestimentas e espaços apropriados. Del Vecchio e Franchini (2006) salientam que os entraves enfrentados pelos professores, ao abordarem o conteúdo de lutas na escola, se dá, em muitos casos, pela formação profissional na graduação, pois alguns cursos limitam-se ao ensino de poucas modalidades, como o judô e a capoeira. Ferreira (2006, p. 44) acrescenta “que alguns profissionais possuem uma visão deturpada do que sejam as lutas, relacionando-as com violência e com agressividade”. Alguns estudos (RUFINO, DARIDO, 2015; CARREIRO, 2005; DEL VECCHIO, FRANCHIN, 2006; FERREIRA, 2006) destacam inúmeros empecilhos que dificultam o desenvolvimento das lutas corporais no contexto escolar. Entretanto este é um dos conteúdos curriculares, de Educação Física, que devem ser trabalhados pelos professores. Sua relevância para o desenvolvimento das capacidades humanas é comentada por autores como Maduro (2015); Alencar et. al. (2015), doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 348 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 Nascimento e Almeida (2007), Hébert (2011), Carreiro (2005), Rufino e Darido (2013) e Lage, Golçalves Junior e Nagamine (2007). Perante ao exposto, este artigo, caracterizado como um relato de experiência, teve como objetivo relatar a inserção do conteúdo de lutas em aulas de Educação Física, por meio das lutas indígenas, em uma escola do campo localizada na Vila Araçá em Abelardo Luz – SC, como contribuição para a valorização da diversidade cultural brasileira. Partimos da premissa que são relevantes as investigações que discutem as práticas pedagógicas desenvolvidas com esse conteúdo, uma vez que Correia e Franchini (2010) e Rufino e Darido (2013) afirmam que são insuficientes as produções sobre o conteúdo de lutas, pois a Educação Física não se apropriou, de maneira satisfatória, destas manifestações corporais. Encaminhamentos Metodológicos e Contexto da Escola Esta investigação, caracterizada como um relato de experiência, foi desenvolvida com a turma do 7º ano matutino - composta por 15 alunos nascidos entre os anos de 2002 e 2005, sendo 13 alunos do sexo masculino e 2 do sexo feminino - de uma escola municipal do campo localizada na Vila Araçá no município de Abelardo Luz – SC. A escola em que foram realizadas as atividades é composta por cerca de 120 alunos. Pelas características das escolas do campo no doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 349 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 Brasil, não pode ser considerada pequena. Porém, nos últimos anos a comunidade escolar passou a enfrentar diversos entraves com o fechamento de turmas e, atualmente, luta contra o fechamento de um período de aula da escola. Outras escolas do campo da rede municipal enfrentaram os mesmos problemas e algumas acabaram sendo fechadas de maneira arbitrária, pois a administração municipal fechou escolas sem seguir as legislações vigentes que orientam a educação no Brasil, demonstrando total descaso com as comunidades do interior e com as leis que regem o sistema educacional brasileiro. Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram dois gravadores de áudios (para reduzir os riscos de perdas de falas dos alunos devido falhas técnicas, optou-se por utilizar dois gravadores) e um diário de campo. Antes de iniciar as aulas foi realizado um teste para verificar a qualidade dos áudios captados pelos gravadores. A utilização desses dois instrumentos, gravadores de áudio e do diário de campo, foi empregada para enriquecer a coleta de dados com uma maior quantidade de informações para serem relatadas e discutidas. A primeira aula ficou restrita a diálogos relacionados às lutas, em geral, e à contextualização das lutas indígenas brasileiras. Na segunda, terceira e quarta aulas foram trabalhadas as lutas Huka- Huka, derruba toco e briga de galo. Durante todas as aulas foram realizados debates objetivando ressignificar os conceitos dos alunos em relação ao conteúdo. Todos os debates e conversas existentes durante as quatro aulas foram gravados em áudio, os quais foram doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 350 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 transcritos e, posteriormente, realizada a análise dos dados junto com as anotações do diário de campo. Para manter o anonimato dos alunos, não foram utilizadas imagens das atividades desenvolvidas nas aulas, todas as imagens usadas neste relato foram retiradas de outras fontes, as quais estão indicadas logo após as fotos. Para manter o sigilo dos nomes e os princípios éticos a serem seguidos, os alunos foram numerados do número 1 até o número 15. Resultados e Discussões Em um primeiro diálogo com os alunos, realizamos o seguinte questionamento: vocês já vivenciaram alguma atividade de luta enquanto conteúdo de Educação Física? Dos quinze alunos da turma, onze (73,3%) responderam que nunca tinham vivenciado atividades de lutas na escola e quatro (26,6%) responderam que sim. Dessa conversa inicial realizada com os alunos, destacamos alguns comentários relacionados as lutas no contexto escolar: No colégio onde que eu estudava, o professor de EducaçãoFísica deu umas aulas de Judô (ALUNO 10). Fizemos uma vez, mas só no caderno, não fizemos a parte prática das lutas (ALUNO 1). Eu nunca, eu nem sabia que podia lutar na escola (ALUNO 4). Eu também nunca participei de aula de luta [...] (ALUNO 6). doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 351 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 As respostas demonstram que a maioria dos alunos nunca participou de atividades relacionadas ao conteúdo de lutas devido este ser pouco abordado pelos professores de Educação Física. Em alguns comentários foi possível observar que determinados professores restringem-se às dimensões conceituais dos conteúdos, enquanto outros limitam-se às dimensões procedimentais. Darido et. al. (2001) comenta sobre este assunto, segundo a autora: Na Educação Física escolar, por conta de sua trajetória histórica e da sua tradição, a preocupação do docente centraliza-se no desenvolvimento de conteúdos de ordem procedimental. Entretanto, é preciso superar essa perspectiva fragmentada, envolvendo, também, as dimensões atitudinal e conceitual (DARIDO et. al. 2001, p.21). Conforme aponta o trecho acima, essa perspectiva fragmentada dos conteúdos de Educação Física é histórica. Entretanto, é necessário modificar este cenário, a autora ainda sugere que na Educação Física: [...] as atitudes, os conceitos e os procedimentos dos conteúdos sejam trabalhados em toda a dimensão da cultura corporal, envolvendo, dessa forma, o conhecimento sobre o corpo, esportes, jogos, lutas, ginásticas, atividades rítmicas e expressivas (DARIDO et. al. 2001, p.21). Sobre a não apropriação do conteúdo de lutas por muitos professores e observado na fala dos alunos, Ferreira (2006), em sua doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 352 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 pesquisa, afirma que apenas 32% dos professores desenvolvem atividades relacionadas ao conteúdo de lutas e 68% relatam nunca terem recorrido a este conteúdo em suas aulas. Ferreira (2006, p. 42) salienta que a maioria dos professores deixam de trabalhar “as lutas, preferindo manter a velha pedagogia da bola em suas aulas, pouco inovando ou não experimentando novas formas de ministrar suas aulas”. Esse conteúdo deve ser melhor explorado pelos professores de Educação Física, pois é uma das unidades temáticas propostas pela BNCC, mesmo assim, é pouco abordado pelos profissionais da área que, muitas vezes, não buscam novos conhecimentos sobre outros conteúdos para diversificarem suas práticas, tornando as aulas repetitivas e entediantes. Almeida e Calduro (2007, p. 1) comentam sobre esse assunto, para os autores muitos professores de Educação Física privilegiam “apenas o esporte durante as aulas, isto é, sempre o mesmo conteúdo em várias séries, a mesma aula, durante vários anos”. A ausência de diferentes manifestações corporais ocasiona, em muitos casos, no desinteresse dos escolares pelas aulas de Educação Física, pois conforme apontam Rosa e Krug (2010), quando os professores de Educação Física limitam-se ao ensino dos esportes, a disciplina perde sua real dimensão educacional tornando-se uma atividade qualquer. doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 353 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 Procurando conhecer as representações dos alunos sobre as lutas, fizemos o seguinte questionamento: vocês acreditam que a prática de lutas estimula a violência? Dos quinze alunos da turma, doze (79,9%) responderam que as lutas estimulam a violência, enquanto os outros três (19,9%) responderam que não estimulam, conforme pode ser observado em alguns comentários a seguir: Eu acho que sim, os caras ficam lá trocando socos e quem está assistindo vai querer fazer a mesma coisa depois (ALUNO 4). Eu vi uma vez na televisão dois lutadores brigando num posto de combustível, eles sabem lutar e são fortes daí saem batendo nos outros. Então eu acho que sim (ALUNO 7). Acho que não, acho que vai de pessoa pra pessoa, se alguém já é violento e aprende alguma luta, ele vai se achar o fortão e vai querer brigar com todo mundo, mas se é uma pessoa de boa, ela aprende e vai querer usar só quando precisar se defender (ALUNO 13). Diante dos comentários dos alunos, observamos que a maioria (79,9%) relacionam as lutas com violência, determinados alunos acreditam que tanto quem pratica algum tipo de luta se torna violento como também quem acompanha as modalidades de lutas se tornam mais agressivos. Essa relação entre luta e violência, destacada pela maioria dos alunos, é explicada por Ueno (2011, p.3), de acordo com a autora: doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 354 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 Os meios de comunicação de massa, com bastante influência no meio social, podem induzir parte da população que não conhece os ensinamentos e a filosofia das lutas de que essa prática aumenta a agressividade de seus praticantes, transformando- os em um tipo de ameaça para a sociedade. Antes de iniciar as atividades práticas, realizou-se uma conversa com os alunos objetivando superar esses conceitos que relacionam as lutas com violência, explicando a importância destas práticas para o desenvolvimento de capacidades como autocontrole, disciplina, respeito, autoestima, entre outras. Este diálogo com os alunos perdurou por, aproximadamente, vinte minutos. Após, foi realizada a contextualização das lutas indígenas por meio de vídeos, imagens e slides, abordando as dimensões conceituais do conteúdo. Devido à ausência de um tatame, as atividades práticas foram desenvolvidas em um espaço gramado, próximo à escola, visando evitar possíveis contusões causadas pelo impacto com o solo durante as quedas. Para reduzir os riscos de lesões, também foram realizados aquecimentos e alongamentos específicos antes de cada atividade prática, pois as lutas indígenas são intensas e envolvem muito contato físico entre os competidores. Durante as aulas foram trabalhadas três lutas indígenas brasileiras: Huka-Huka (Kamayurás do Alto Xingu - MT): os competidores iniciam a luta em pé ou ajoelhados. O objetivo da luta é derrubar o oponente com a região lombar no solo ou apanhar suas pernas; derruba toco (Pataxós – MG e BH): os combates iniciam com doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 355 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 os competidores dentro de um círculo de 8 metros e um toco ao centro, o qual deve ser derrubado pelos lutadores utilizando qualquer parte do corpo do oponente, a luta também pode ser vencida com a exclusão de um competidor para fora do círculo; briga de galo (Manchineri da Aldeia Extrema - AC): inicia-se com os lutadores dentro de um círculo, onde eles devem estar com o tronco inclinado até a cintura e com as mãos unidas atrás dos membros inferiores. O objetivo é excluir oponente para fora do círculo utilizando apenas o tronco. Em nenhuma das três lutas são permitidos socos, chutes, tapas entre outras ações que podem machucar o adversário. As regras e características de cada luta, assim comooutros conteúdos relacionados às lutas indígenas, estão disponíveis detalhadamente no site Portal do Professor2. Na segunda aula, iniciamos as dimensões procedimentais com a luta Huka-Huka. Primeiramente foi explicado aos alunos as regras e todos os cuidados que deveriam ter para não machucar o oponente e nem a si mesmo. Por volta de um minuto após iniciar o primeiro combate, foi necessário interrompê-lo e modificar uma regra. Os combates passaram a ser realizados somente com os alunos ajoelhados, devido as várias quedas bruscas que podem ocorrer 2 A aula disponível no site Portal do Professor é de autoria do professor Luciano Silveira Coelho, da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG. Além das regras e características gerais das lutas, na sugestão de aula do professor Luciano Silveira Coelho encontram-se diversos vídeos para auxiliar na contextualização das lutas indígenas. doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 356 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 mesmo sendo respeitadas as regras e tomados todos os cuidados possíveis, como pode ser observado na imagem abaixo: Imagem 1: queda durante a luta Huka-Huka. Fonte: BJJFANATICS. Ao longo dos combates, nenhuma outra alteração nas regras foi necessária para o desenvolvimento desta luta. Em determinados momentos, alguns alunos que estavam aguardando ao lado iniciavam combates sozinhos, os quais eram rapidamente encerrados para que todos fossem acompanhados e orientados pelo professor, evitando que alguma situação indesejável acontecesse. Na terceira aula foi trabalhada a luta derruba toco. Para evitar machucaduras utilizamos como toco um cone pequeno de borracha que há na escola, foi necessário fazer esta alteração devido à possibilidade de os alunos serem derrubados sobre o toco, causando ferimentos nos mesmos. Foram explicadas as regras e os cuidados a serem tomados para evitarem lesões e, então, iniciamos os combates. doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 357 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 Imagem 2: luta derruba toco. Fonte: Mari Ultramaratonista Ultra. Nesta luta não foi necessário modificar as regras. Os alunos mostraram-se muito interessados, os combates foram mais intensos e em questão de minutos ficavam exaustos, mas não queriam que a luta fosse interrompida para terem um tempo de descanso. Os alunos que estavam aguardando sua vez de lutar, demonstravam-se desassossegados e ansiosos para chegar rápido as suas lutas. Um ponto importante a ser destacado é em relação às vestimentas. Como são lutas em que ocorrem muitas pegadas3 e puxões, alguns alunos tiveram pequenos danos nas roupas que estavam vestindo, mesmo sendo recomendado para que eles tivessem cuidados com o oponente e viessem à escola com vestes de tecidos flexíveis ou com roupas mais velhas. 3 Termo utilizado no mundo das lutas para designar técnicas de agarramento. doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 358 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 Na quarta aula, utilizamos a primeira metade para trabalhar a luta briga de galo. Não foi necessário modificar nenhuma das regras. Apesar de todos praticarem, foi a luta em que os alunos demonstraram menor interesse. Acredita-se que os alunos tenham demonstrado mais interesse na luta Huka-Huka e na luta derruba toco por serem lutas mais intensas e exigem mais das capacidades e habilidades dos escolares do que na briga de galo. Imagem 3: luta briga de galo. Fonte: Portal do Professor. Na segunda metade da quarta aula, realizamos uma conversa sobre as atividades desenvolvidas. Durante a conversa, ficou evidenciado a aceitação das lutas indígenas por todos os alunos, a importância de se trabalhar as lutas para o desenvolvimento das capacidades dos alunos e para difundir o conhecimento sobre os povos indígenas, conforme pode ser observado nos diálogos a seguir: doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 359 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 Foi muito legal, a que eu mais gostei foi a luta do cone (derruba toco), tinha que tomar cuidado pra não derrubar o cone e também não ser tirado para fora do círculo (ALUNO 9). Eu gostei, nem sabia que existiam essas lutas, mas gostei muito (ALUNO 14). Eu quase morri de canseira nas duas primeiras, mas foi divertido lutar com o pessoal da sala. Às vezes em casa eu e meu irmão brincamos de lutar, um tentando imobilizar o outro e também é legal (ALUNO 8). [...] a gente às vezes já estava com raiva do adversário, daí o professor parava a luta até eu se acalmar e depois continuava. Acho que foi bom pra gente começar a ter mais controle nas situações quando está nervoso (ALUNO 2). Foi bom que aprendemos um pouco mais sobre os índios, porque quando a gente lembra deles é eles caçando, pescando ou dançando e nem imagina todas as outras coisas que eles fazem. É bom que aprendemos se divertindo (ALUNO 7). O cenário encontrado na aplicação dessas quatro aulas foi o oposto do encontrado por Maldonado e Bocchini (2013), os autores relatam que ao inserirem um projeto de lutas na escola enfrentaram muitos problemas em relação a brigas entre os alunos, segundo os autores: Tivemos algumas dificuldades para tematizar as lutas no 5º ano do Ensino Fundamental. Primeiramente, percebemos que os alunos eram muito violentos e no início das aulas, todas as dinâmicas propostas geravam brigas entre as crianças. Mesmo adaptando as modalidades de lutas realizadas nas aulas, essas atividades exigem contato físico e no nosso contexto, as crianças doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 360 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 resolvem os desentendimentos na briga e não na conversa (MALDONADO; BOCCHINI; 2013, p.2013). Diferentemente do contexto encontrado por Maldonado e Bocchini (2013), a escola em que aplicamos as aulas não enfrenta problemas com violência entre os alunos e no decorrer das atividades não houve nenhuma briga entre os participantes. Contudo, tanto na Huka-Huka quanto na derruba toco, observamos que em determinados momentos alguns alunos estavam se excedendo no uso de força e passando a ter um comportamento mais agressivo, quando observávamos isso a luta era imediatamente interrompida para relembrar os objetivos da atividade e dialogar sobre a situação, procurando desenvolver um espírito pacífico nos alunos para enfrentarem seus entraves futuros. Esta pequena sequência de quatro aulas, sobre as lutas indígenas brasileiras, foi uma experiência positiva tanto aos alunos que vivenciaram atividades que fazem parte da cultura nacional - mas são desconhecidas pela maioria da população – quanto ao professor que conseguiu diversificar suas práticas docentes, tornando as aulas mais atrativas e, também, ressignificando os conceitos dos alunos em relação aos estereótipos que permeiam as lutas. Considerações finais As práticas envolvendo o conteúdo de lutas no contexto escolar aindasão escassas, mesmo sendo um dos conteúdos doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 361 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 curriculares da disciplina. É responsabilidade dos professores de Educação Física desenvolver este conteúdo proporcionando aos alunos todos os ganhos possíveis que elas podem oferecer. Maduro (2015, p.102) salienta que temos “o desafio de apresentar aos nossos alunos e à comunidade escolar os aspectos positivos deste componente integrante da cultura corporal do movimento”. Diante do desenvolvimento das aulas de lutas indígenas, relatadas neste trabalho, evidenciou-se que as explicações dadas por muitos professores de que na graduação não tiveram uma formação que contemplasse satisfatoriamente as lutas ou não possuem materiais e espaço adequado, não justifica o abandono destas práticas no contexto escolar. Nascimento e Almeida (2007, p.100) acrescentam que os professores não precisam ser especialistas em lutas, desde que o “objetivo não esteja pautado na formação de atletas/lutadores, mas na produção de conhecimento nas aulas de Educação Física”. Quando o professor está interessado em buscar novos conhecimentos e práticas para levar a seus alunos ele, provavelmente, conseguirá. Mas quando entra no comodismo do “não é possível” - pois não tem material, não tem espaço, não aprendeu na faculdade - apenas corroboram para a desvalorização da Educação Física. As atividades e diálogos que foram desenvolvidos no decorrer das aulas, e aqui expostos, devem servir apenas como uma sugestão de prática e um alicerce aos demais professores para diversificarem suas ações pedagógicas, pois conforme Nascimento e Almeida (2007, doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 362 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 p.95) “qualquer proposta, ao ser universalizada sem considerar o contexto no qual se insere, está condenada ao fracasso”. Diante de todos os diálogos existentes e das práticas desenvolvidas no decorrer das aulas, concluímos que as lutas indígenas brasileiras apresentam-se como um excelente meio para introduzir o conteúdo de lutas no contexto escolar, proporcionando aos alunos a oportunidade de conhecerem mais sobre os povos nativos do Brasil e vivenciarem as práticas corporais destas populações, valorizando a diversidade cultural do país. doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 - 363 - Educação básica e atuação docente: experiências e possibilidades / João Batista da Silva (Organizador). – Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2020. 372 p. ISBN 978-65-86953-03-9 doi.org/10.35417/978-65-86953-03-9 Referências ALENCAR Y.O. et. al. As lutas no ambiente escolar: uma proposta pedagógica. Revista Brasileira de Ciência e Movimento. Brasília, v. 23, n.53, p. 53-63, jul./set. 2015. ALMEIDA, P. C.; CAUDURO, M. T. O desinteresse pela Educação Física no ensino médio. Lecturas: Educación Física y Deportes. 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