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ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO PARA O CUIDADO Lina Sant Anna Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Analisar os guias alimentares brasileiros para adultos e crianças. � Identificar os pressupostos para uma alimentação saudável no Brasil. � Descrever as refeições padronizadas no Brasil e suas características. Introdução Os problemas de saúde relacionados à nutrição são consequência das mudanças demográficas, epidemiológicas e dietéticas, bem como da globalização e da urbanização. A prevalência de sobrepeso e da obesi- dade cresce a cada dia, mas ainda persistem mazelas como baixo peso ao nascer, anemias e deficiência de nutrientes. Percebemos que os diversos desafios contemporâneos relacionados à alimentação e à nutrição, tanto a desnutrição, ligada à fome e pobreza, como a obesidade, relacionada ao estilo de vida e ao ambiente em que vive a sociedade atual, têm levado os países a determinar políticas e diretrizes voltadas ao estabelecimento de ações para enfrentar essas questões. Para favorecer o entendimento da alimentação saudável pela po- pulação em geral, profissionais de saúde, somados a órgãos oficiais, desenvolveram os guias alimentares como recursos essenciais para au- xiliar os brasileiros a fazer escolhas saudáveis para si e para suas famílias. Esses guias são ferramentas importantes para a educação nutricional, visando comportamentos alimentares desejáveis para prevenir doenças e promover saúde e qualidade de vida. Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições2 Guias alimentares para adultos e crianças Adultos A promoção de práticas alimentares adequadas, associadas à atividade física, se constitui como estratégia de vital importância para o enfrentamento dos problemas relacionados à nutrição, cada vez mais prevalentes nos dias atuais. A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), aprovada no ano de 1999, propõe respeitar, proteger, promover e prover os direitos humanos à saúde e à alimentação. Para isso, foram estabelecidas várias medidas que bus- cam viabilizar escolhas alimentares saudáveis pelos indivíduos. Essas podem ser concretizadas por equipes multiprofissionais que incluem os enfermeiros e serão descritas a seguir: � Medidas de incentivo — Difundem informação e viabilizam práticas educativas, buscando motivar os indivíduos para a adoção de práticas alimentares saudáveis. São as ações educativas nas unidades básicas de saúde, escolas e ambientes de trabalho; as campanhas publicitárias e os eventos de mobilização. � Medidas de apoio — Tornam mais factível a adesão a práticas saudá- veis por indivíduos e coletividades já informados e motivados. São a rotulagem nutricional; os programas de alimentação institucional; as cantinas saudáveis nas escolas e ambientes de trabalho; e o favoreci- mento à amamentação no ambiente de trabalho. � Medidas de proteção — Têm caráter regulatório visando impedir que coletividades e indivíduos fiquem expostos a fatores e situações que estimulem práticas não saudáveis. Incluem a regulamentação da venda e propaganda de alimentos nas cantinas escolares; a regulamentação de publicidade dirigida ao público infantil e a regulamentação da rotulagem de produtos dirigidos a lactentes (BRASIL, 2013b). Vemos, portanto, que as medidas preventivas ocupam lugar de destaque na melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. A Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PAAS) é uma das diretrizes da PNAN, que pressupõe a socialização do conhecimento sobre alimentação e prevenção dos problemas nutricionais, como a desnutrição – incluindo carências de micronutrientes – até a obesidade e demais Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs). Como enfoque prioritário, tem o resgate de hábitos e práticas alimentares regionais que valorizem a produção 3Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições e o consumo de alimentos locais de baixo custo e elevado valor nutritivo, desde os primeiros anos de vida, passando pela idade adulta até a terceira idade (BRASIL, 2014). Visando a socialização do conhecimento, foram criados os guias alimenta- res, que fornecem informações sobre alimentação e nutrição, utilizando uma linguagem que pode ser compreendida facilmente por todas as pessoas e que levam em consideração os aspectos culturais, sociais, econômicos e ambien- tais da escolha de alimentos. Esses guias são baseados no reconhecimento de que a nutrição é fundamental para manter níveis ótimos de saúde, não só para diminuir as taxas de sobrepeso e obesidade, mas também para reduzir as deficiências nutricionais. Um guia alimentar tem como objetivo ser uma referência para a alimentação de uma população, além de determinar políticas agrícolas e programas de educação nutricional visando hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis . Ele orienta sobre alimentos, grupos de alimentos e padrões alimentares capazes de fornecer os nutrientes necessários ao público em geral e assim promover a saúde e prevenir as DCNTs. O guia alimentar para a população brasileira teve sua primeira edição em 2006, apresentando as primeiras diretrizes oficiais sobre alimentação saudável. Diante das transformações nutricionais vivenciadas pela sociedade brasileira, porém, foi necessária a revisão das orientações. A segunda edição do guia alimentar ocorreu em 2014 e teve, como principais objetivos, a promoção da autonomia das pessoas e a defesa do direito humano à alimentação. Algumas características do guia são descritas a seguir: � Linguagem — Clara e acessível a todos. Com base no referencial positivo de suas recomendações, enfatiza os benefícios de uma alimentação equilibrada e utiliza termos como “prefira”, “escolha”, “acrescente”, “consuma” e “substitua”. � Facilidade de leitura e tamanho do documento — Contém 150 páginas, mas utiliza letras grandes, muitas figuras e fotos, além de vários exem- plos ilustrativos, proporcionando leitura fácil e dinâmica. Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições4 � Conteúdo sobre o papel simbólico e emocional dos alimentos, pratos e refeições — Valoriza questões como o prazer de comer, a construção de memórias e costumes, bem como o reforço de relações e conexões, que são aspectos de saúde e bem-estar. São discutidas questões específicas relacionadas à alimentação como, por exemplo, quando, por que, onde e com quem as refeições são consumidas. � Didática — Não trabalha com a ideia de porções de alimentos ou medidas caseiras, mas com em orientações-chave para facilitar a compreensão; � Valorização da cultura alimentar e do meio ambiente — Valoriza forte- mente a culinária do país, propondo o preparo de alimentos regionais. Além disso, há também grande preocupação com o meio ambiente e as práticas sustentáveis de produção de alimentos (ANDRADE; BOCCA, 2016). O guia alimentar para a população brasileira foi criado para uso nas casas das pessoas, nas unidades de saúde, nas escolas e em todo e qualquer espaço onde tenham lugar atividades de promoção da saúde, como centros comunitários, centros de assistência social, cursos de formação, etc. É dividido em cinco capítulos, descritos a seguir (BRASIL, 2014): � No primeiro capítulo, são abordados os princípios de sua elaboração, relacionados à alimentação de forma abrangente, sem especificar nutrientes e alimentos. Em vez disso, enfatiza as questões que norteiam a escolha dos mesmos, como as socioeconômicas, culturais e ambientais, além dos padrões de alimentação e os problemas de saúde a ela relacionados. � No segundo capítulo, o guia enuncia as quatro recomendações gerais para a construção de uma alimentação saudável, que são coerentes com os princípios orientadores anteriormente apresentados. � O terceiro capítulo traz orientações sobre como combinar alimentos na forma de refeições. Essas orientaçõesse baseiam em refeições consumidas por uma parcela substancial da população brasileira que ainda consome alimentos in natura ou minimamente processados e nas preparações culinárias feitas com esses alimentos. � No quarto capítulo, apresentam-se orientações sobre o ato de comer e a comen- salidade, abordando as circunstâncias — tempo e foco, espaço e companhia — que influenciam o aproveitamento dos alimentos e o prazer proporcionado pela alimentação. As fotos apresentadas nessa parte do guia remetem claramente à ideia de comensalidade. 5Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições � Por fim, o quinto capítulo 5 examina fatores que podem ser obstáculos para a adesão das pessoas às recomendações do guia — informação, oferta, custo, habilidades culinárias, tempo e publicidade. Propõe sua superação pela combinação de ações no plano pessoal e familiar e no plano do exercício da cidadania. � Ao final do guia, como síntese do conteúdo, são apresentados os 10 passos para uma alimentação saudável. Crianças menores de dois anos Os dois primeiros anos de vida são fundamentais para uma criança pois é nesse período que ocorrem crescimento e desenvolvimento acelerados, prin- cipalmente no que tange à habilidade para mastigar e digerir outros alimentos, além do leite materno. Além disso, é nessa fase que os hábitos alimentares são formados e, portanto, a prática de aleitamento materno e a introdução da alimentação complementar são determinantes para garantir a formação de hábitos saudáveis. Devido às particularidades das crianças menores de dois anos, o Minis- tério da Saúde desenvolveu um guia específico para esse público, que traz recomendações e informações sobre a alimentação nesse período inicial da vida. Além de apoiar a família no cuidado diário, o guia promove ações de educação nutricional, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como em outros setores, como escolas, creches e na comunidade. Atualmente, existem duas edições do guia alimentar para menores de dois anos. A primeira edição foi lançada em 2002 e a segunda em 2010, sendo reimpressa em 2013. Tendo em vista as transformações sociais e mudanças nas práticas alimentares ocorridas nos últimos anos, está sendo elaborada a terceira edição, com previsão de lançamento para novembro de 2018. As recomendações do guia foram elaboradas com a participação de profis- sionais de saúde que trabalham com crianças em todo o país, tanto em serviços de saúde quanto nas universidades. O guia apresenta o panorama atual da situação de nutrição e alimentação de crianças menores de dois anos no Brasil e abrange os problemas comuns a todas as regiões. Os estudos indicam que: � Houve melhoria do estado nutricional e redução da mortalidade infantil, porém a desnutrição continua a ser um problema nesta faixa etária, em que a alimentação tem papel fundamental. Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições6 � As taxas de aleitamento materno ainda são insatisfatórias e a mamadeira é amplamente utilizada, mesmo em crianças pequenas amamentadas ao peito. � Ocorre a introdução precoce de alimentos, antes de a criança completar seis meses de vida e as dietas tendem a ser monótonas, especialmente para o grupo de seis a onze meses. � As dietas são, em geral, consideradas adequadas quanto ao conteúdo energético e de proteínas, porém deficientes em ferro. � Houve uma redução no consumo de alimentos in natura e aumento das taxas de obesidade infantil, que pode trazer consequências a longo prazo (BRASIL, 2013a). A elaboração do guia teve como objetivo superar esses problemas e promo- ver uma dieta saudável. Assim, deve ser usado por profissionais de diversas instituições, como nutricionistas, enfermeiros, médicos, professores da rede de ensino e de universidades, planejadores de saúde, agroindústria e cidadãos interessados. Seguindo a mesma proposta do Guia Alimentar para a População Brasileira, o guia para crianças menores de dois anos também conta com os dez passos para uma alimentação saudável (Quadro 1), que são orientações práticas e deverão nortear os conteúdos das mensagens a serem repassadas para a população-alvo. Passo Descrição 1 Dar somente leite materno até os seis meses, sem oferecer água, chás ou qualquer outro alimento. 2 Ao completar seis meses, introduzir outros alimentos de forma lenta e gradual, mantendo o leite materno até os dois anos de idade ou mais. 3 Ao completar seis meses, dar alimentos complementares (cereais, tubérculos, carnes, leguminosas, frutas e legumes) três vezes ao dia, se a criança estiver em aleitamento materno. 4 A alimentação complementar deve ser oferecida de acordo com os horários de refeição da família, em intervalos regulares e de forma a respeitar o apetite da criança. Quadro 1. Dez passos para uma alimentação saudável para crianças menores de 2 anos (Continua) 7Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições Fonte: Adaptado de Brasil (2013). Quadro 1. Dez passos para uma alimentação saudável para crianças menores de 2 anos Passo Descrição 5 A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e oferecida de colher. Iniciar com a consistência pastosa (papas/purês) e, gradativamente, aumentar a consistência até chegar à alimentação da família. 6 Oferecer, à criança, diferentes alimentos ao dia. Uma alimentação variada é uma alimentação colorida. 7 Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições. 8 Evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas, nos primeiros anos de vida. Usar sal com moderação. 9 Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos; garantir o seu armazenamento e conservação adequados. 10 Estimular a criança doente e convalescente a se alimentar, oferecendo sua alimentação habitual e seus alimentos preferidos e respeitando a sua aceitação. O guia alimentar para crianças menores de 2 anos traz orientações para auxiliar as famílias brasileiras quanto às escolhas alimentares saudáveis, higiene, preparo adequado dos alimentos e esclarece as dúvidas mais comuns sobre a alimentação no dia a dia das crianças. Acesse-o no link o a seguir. https://goo.gl/jvW6gn Pressupostos para uma alimentação saudável no Brasil A formulação dos guias alimentares tem base nos pressupostos de uma ali- mentação saudável. Alguns desses pressupostos são comuns às recomendações Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições8 dietéticas internacionais e outros são específicos para a realidade brasileira. As- sim, a abordagem dos guias reflete a culinária brasileira e a atual preocupação com a relação entre doenças, alimentação e estilo de vida. Esses pressupostos são encontrados nos guias alimentares para a população brasileira (BRASIL, 2006, 2014) e serão descritos a seguir. Alimento como referência O ato de alimentar-se envolve diferentes aspectos da vida, relacionados a valores culturais, sociais, afetivos e sensoriais. Assim, as pessoas, diferentemente dos demais seres vivos, não buscam apenas suprir as suas necessidades orgânicas de nutrientes ao se alimentarem. As pessoas não ingerem nutrientes, mas sim, alimentos com cheiro, cor, textura e sabor. Vemos, portanto, que são os alimentos que fornecem os nutrientes e estes devem ser preparados através de inúmeras combinações, utilizando formas de preparo adequadas a fim de preservar as características sociais, culturais e nutricionais das práticas alimentares. As diretrizes baseadas em alimentos, quando devidamente especificadas, são facilmente compreendidas pela população. Por outro lado, verificamos que as pessoas demonstram dificuldades para entender os componentes nu- tricionais dos alimentos, tais como gorduras saturadas, selênio, magnésio e ácido fólico ou complexo B, por exemplo. Mesmo assim, o conhecimento sobre nutrientes é útil para orientação dos consumidores, para entendimento da lista de ingredientesencontrada nos rótulos de alimentos. Autonomia do indivíduo nas escolhas alimentares A autonomia do indivíduo para realizar escolhas alimentares mais saudáveis está relacionada ao próprio sujeito (capacidade de escolher e se auto governar) e ao ambiente onde ele vive (fatores culturais, econômicos, sociais, educa- cionais e acesso aos serviços de saúde e aos alimentos). Podemos citar, como exemplos de ambiente, o custo mais acessível dos alimentos ultraprocessados em relação aos in natura; a necessidade de realizar refeições fora de casa e o acesso a feiras livres. Para que o indivíduo possa ter maior autonomia nas suas escolhas alimentares é necessário que tenha acesso a informações confiáveis sobre as características determinantes da alimentação saudável e, a partir, daí fazer suas próprias es- 9Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições colhas, buscando também mudanças em si mesmo e no ambiente em que vive. Assim, a educação nutricional contribui para o fortalecimento dos indivíduos na busca de habilidades para tomar decisões e transformar a realidade. O guia alimentar para a população brasileira pretende fornecer informações às pessoas comuns e não somente aos profissionais de saúde. Incentiva, portanto, a reflexão e o senso crítico, mostrando a importância da autonomia nas escolhas alimentares. Um exemplo disso é a valorização das habilidades culinárias e do valor simbólico do alimento. Meio ambiente e sustentabilidade As recomendações sobre alimentação devem levar em conta o impacto das formas de produção e distribuição dos alimentos sobre o meio ambiente. Portanto, deve ser estimulado o consumo de alimentos nas formas mais na- turais e produzidos localmente, além de valorizados os alimentos regionais provenientes da agricultura familiar. Essas recomendações, além de modificar os hábitos alimentares para a redução do risco de ocorrência de doenças, também são importantes para valorizar a produção de alimentos com o uso de recursos e tecnologias ambien- talmente sustentáveis, garantindo, assim, a Segurança Alimentar e Nutricional. Em razão disso, é importante considerar alguns aspectos que determinam o impacto social do sistema alimentar, como segue: � tamanho e uso das propriedades rurais que produzem os alimentos; � autonomia dos agricultores na escolha de sementes, de fertilizantes e de formas de controle de pragas e doenças; � condições de trabalho e exposição a riscos ocupacionais; � papel e número de intermediários entre agricultores e consumidores; � capilaridade do sistema de comercialização; � geração de oportunidades de trabalho e renda ao longo da cadeia alimentar; � partilha do lucro gerado pelo sistema entre capital e trabalho (BRASIL, 2014). Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições10 Abordagem integrada e atualizada Observamos, nas últimas décadas, uma mudança nos padrões de alimentação, com a substituição de alimentos in natura ou minimamente processados, de origem vegetal, por produtos alimentícios industrializados. Essas transforma- ções indicam um desequilíbrio na oferta de nutrientes e na ingestão excessiva de calorias, ocasionando um aumento das DCNTs. Em contradição, ainda são altas as taxas de deficiência nutricional e de doenças infecciosas no Brasil. Assim, deve haver uma abordagem integrada, orientada para combater tanto as deficiências quanto as DCNTs. Por isso, o guia alimentar é unificado e leva em conta o cenário da evolução da alimentação e das condições de saúde da população, para que haja a promoção da alimentação saudável e a adoção de modos de vida saudáveis. Recomendações baseadas em diferentes saberes A formulação de recomendações alimentares deve ser baseada em conhe- cimentos gerados por estudos científicos como os experimentais, clínicos, populacionais e antropológicos, pois os mesmos fornecem a base para se entender como diferentes componentes dos alimentos interagem com a fisiologia e o metabolismo e também fornecem informações sobre padrões vigentes de alimentação popular e sua evolução. A partir desses estudos, são elaboradas recomendações consistentes, apropriadas e factíveis, que respeitam a cultura alimentar da população. Os estudos clínicos e experimentais demonstram as funções dos nutrientes no organismo humano. Os estudos populacionais são essenciais para determinar a relevância prática de conhecimentos obtidos pelos estudos experimentais e clínicos e, às vezes, para gerar hipóteses que serão investigadas posteriormente. Os estudos antropológicos contribuem com informações sobre os padrões alimentares da população ao longo do tempo. 11Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições Atributos da alimentação saudável Um dos pressupostos para a alimentação saudável é o resgate de hábitos ali- mentares regionais, com alimentos produzidos localmente, seguros do ponto de vista higiênico sanitário e de elevado valor nutritivo, como frutas, legumes e verduras, grãos integrais, leguminosas, sementes e castanhas. Outros fatores importantes, ao se considerar em uma alimentação saudá- vel, são os comportamentais e afetivos relacionados às práticas alimentares. Assim, uma alimentação saudável deve contemplar alguns atributos básicos como (BRASIL, 2006): � Custo dos alimentos — A alimentação saudável não é cara, pois se baseia em alimentos produzidos regionalmente por pequenos agricultores. � Sabor e cor — A alimentação saudável é saborosa e contempla uma variedade de grupos de alimentos de várias cores, tornando-a atrativa aos sentidos e fornecendo mais nutrientes. � Variedade — A alimentação saudável prevê que o consumo de vários grupos de alimentos fornece diferentes nutrientes e evita a monotonia alimentar. Ressalta-se que diferentes alimentos dentro do mesmo grupo podem ser utilizados para aumentar a variedade. � Harmonia e adequação — A alimentação saudável possui equilíbrio em quantidade e em qualidade dos alimentos consumidos, considerando que tais fatores variam de acordo com a fase do curso da vida e outros fatores, como estado nutricional, estado de saúde, idade, sexo, grau de atividade física e estado fisiológico. � Segurança sanitária — A alimentação saudável exige alimentos seguros do ponto de vista higiênico-sanitário, ou seja, os alimentos não devem conter contaminantes de natureza biológica, física ou química ou outros perigos que comprometam a saúde do indivíduo ou da população. Para a promoção de uma alimentação saudável são necessárias ações que contemplem a formação de hábitos desde a primeira infância, favorecendo o consumo de alimentos in natura e minimamente processados e resgatando padrões mais saudáveis entre grupos populacionais com hábitos já estabelecidos, respeitando a identidade cultural e alimentar de todos. Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições12 Refeições padronizadas no Brasil e suas características A dieta ideal é aquela que, além de garantir o fornecimento de nutrientes essenciais para o corpo, também leva em consideração os valores simbólicos e emocionais dos alimentos, seus pratos e refeições, que proporcionam prazer ao indivíduo por meio do sabor e da construção de memórias e costumes. Portanto, o guia alimentar para a população brasileira ressalta a importância dos pratos e das refeições nos seguintes passos (BRASIL, 2014): � No Passo 5 — Realizar refeições com regularidade e atenção, em am- bientes apropriados e, sempre que possível, com companhia. As refeições devem ser feitas em horários semelhantes todos os dias, de modo lento e apreciativo. Também é importante comer em locais limpos, confortáveis e tranquilos e onde não haja estímulos para o consumo de quantidades ilimitadas de alimento. � No Passo 7 — Desenvolver habilidades culinárias. Se o indivíduo possui essas habilidades, pode desenvolvê-las e partilhá-las. Se não possui, pode adquiri-las por meio da busca de receitas,de consultas à internet, de cursos, etc. � No Passo 8 —Planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela merece. O cardápio e as compras devem ser planejados; a des- pensa deve ser organizada e as atividades domésticas relacionadas ao preparo das refeições devem ser compartilhadas entre os membros da família. Ações como essas são importantes para fazer do preparo de refeições e do ato de comer momentos especiais de convivência e lazer. São consideradas refeições saudáveis aquelas preparadas com alimen- tos variados, com tipos e quantidades adequadas às fases do curso da vida, compondo refeições coloridas e saborosas que incluem alimentos tanto de origem vegetal como animal. Algumas orientações para o preparo de refeições saudáveis são (BRASIL, 2006, 2014): � consumir diariamente alimentos como cereais integrais, feijões, frutas, legumes e verduras, leite e derivados e carnes magras, aves ou peixes; � preferir preparações com alimentos in natura ou minimamente proces- sados que sejam práticas, variadas, saborosas e baratas; 13Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições � observar a quantidade de produtos como sal, óleos, gorduras e açúcar, pois são básicos para temperar e cozinhar alimentos e a quantidade utilizada interfere na qualidade da alimentação; � valorizar a cultura alimentar; � saborear refeições variadas, ricas em alimentos regionais saudáveis e disponíveis na sua comunidade; � escolher os alimentos mais saudáveis, lendo as informações nutricionais dos rótulos dos alimentos. Opções de refeições saudáveis O guia alimentar para a população brasileira descreve exemplos de refeições saudáveis realizados por homens e mulheres de vários grupos etários (a partir de dez anos) das cinco grandes regiões do país, residentes no meio urbano e no meio rural e de todas as classes sociais. As refeições apresentadas não devem ser tomadas como obrigatórias, visto que mostram apenas combinações de alimentos que, em seu conjunto, atendem às recomendações gerais. O guia alimentar não destaca as quantidades de alimentos, uma vez que as necessidades nutricionais das pessoas, particularmente de calorias, são muito variáveis, dependendo da idade, sexo, tamanho (peso, altura) e nível de atividade física. Além disso, há bastante variabilidade entre as pessoas quanto a como distribuem sua alimentação ao longo das refeições do dia. Como variar as refeições Devem ser realizadas variações dos alimentos dentro de um mesmo grupo como, por exemplo, feijões substituídos por lentilhas ou grão-de-bico; batata por mandioca ou cará; pois essas variações tornam a alimentação ainda mais saudável, visto que fornecem maior diversidade no aporte de nutrientes. As variações em torno dos alimentos de um mesmo grupo agradam também aos sentidos, na medida em que permitem diversificar sabores, aromas, cores e texturas da alimentação e são também indispensáveis para acomodar preferências regionais e pessoais. Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições14 Café da manhã Exemplos de cafés da manhã saudáveis e típicos dos brasileiros são aqueles que apresentam café com leite e fruta ou suco de fruta. Incluem-se também alimentos à base de cereais (pão, aveia, bolo de milho) e até mesmo tubér- culos como a tapioca. Queijos e ovos também são boas opções para serem acrescentadas nesta refeição. Almoço e jantar Nessas refeições, a mistura de feijão com arroz aparece quase sempre e demons- tra a realidade alimentar da imensa maioria dos brasileiros que privilegiam alimentos in natura ou minimamente processados. Lentilhas ou grão-de-bico podem ser utilizadas no lugar do feijão. Também é interessante usar a farinha de mandioca no lugar do arroz. Apesar das verduras e legumes serem consumidos em menor quantidade, devem estar sempre presentes para compor uma refeição mais completa. Podem ser preparados crus, em saladas, ou em preparações cozidas ou refogadas. Para o jantar, os legumes e verduras podem ser utilizados no preparo de sopas. Em relação às carnes vermelhas (de gado ou de porco) devem ser priori- zados os cortes magros e as preparações grelhadas ou assadas. Essas podem ser substituídas por frango ou peixe, ovos (omelete) ou legumes (abóbora com quiabo). Como sobremesa, destacamos a presença alternada de frutas e doces caseiros. Pequenas refeições Além das refeições principais (café da manhã, almoço e jantar), algumas pessoas podem sentir necessidade — ou mesmo ter o hábito — de fazer outras refeições ao longo do dia. Crianças e adolescentes, por se encontrarem em fase de crescimento, usualmente precisam fazer uma ou mais pequenas refeições, mas isso pode ocorrer também com pessoas em outras fases do curso da vida. A escolha dos alimentos a serem consumidos nessas refeições deve seguir as recomendações de privilegiar alimentos in natura ou minimamente pro- cessados, limitar os processados e evitar os ultraprocessados. Frutas frescas ou secas são excelentes alternativas, bem como leite, iogurte natural e castanhas ou nozes, na medida em que são alimentos com alto 15Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições teor de nutrientes e grande poder de saciedade, além de serem práticos para transportar e consumir. Para evitar que, por falta de opções seja necessário consumir alimentos ultraproces- sados, é importante se planejar e levar, para o trabalho ou escola, frutas frescas ou secas ou outros alimentos in natura ou minimamente processados, como iogurte natural, ovos ou cereais. Grupos de alimentos que podem ser utilizados no preparo das refeições Para o preparo das refeições é importante que os vários grupos de alimentos sejam combinados entre si. Desse modo serão criadas alternativas de refeições saudáveis e saborosas. No Quadro 1, estão relacionados os grupos e seus respectivos alimentos, usos culinários principais, sugestões de formas de preparo e propriedades nutricionais. Grupo alimentar Alimentos Preparações em que podem ser utilizados Composição nutricional Feijões � Feijões de várias cores, lentilha, grão-de- bico � Tutu de feijão, acarajé, feijoada, saladas � Quantidade moderada de calorias � Proteínas � Fibras � Vitaminas (complexo B) � Minerais (Fe, Zn, Ca) Quadro 1. Grupos de alimentos, variedades, formas de preparo e propriedades nutricionais (Continua) Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições16 Quadro 1. Grupos de alimentos, variedades, formas de preparo e propriedades nutricionais Grupo alimentar Alimentos Preparações em que podem ser utilizados Composição nutricional Cereais � Arroz, milho, trigo � Arroz: risoto, arroz à grega, arroz carreteiro, arroz-doce, arroz de leite � Milho: pamonha, canjica, mingaus, farofa, bolo � Farinha de trigo: bolos, tortas, doces � Trigo em grão: saladas, sopas, tabule � Carboidratos � Fibras � Vitaminas (complexo B) � Minerais Tubérculos � Mandioca, batata- inglesa, batata- doce, batata- baroa, cará, inhame � Cozidos, assados, ensopados, purês � Doces, pudins � Farinha, pirão, cuscuz, farofas, tapioca, pão de queijo � Carboidratos � Fibras � Vitaminas A e C Legumes e verduras � Berinjela, tomate, abóbora, abobrinha, cebola, cenoura, beterraba, jiló, quiabo, chuchu, brócolis, alface, rúcula, radiche, agrião, couve � Crus, cozidos, refogados, assados, gratinados, empanados, ensopados � Fontes de várias vitaminas � Fontes de vários minerais � Fontes de fibras � Quantidade relativamente pequena de calorias � Antioxidantes (proteção contra alguns tipos de câncer) (Continua) (Continuação) 17Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições Fonte: Adaptado de Brasil (2014). Quadro 1. Grupos de alimentos, variedades, formas de preparo e propriedades nutricionais Grupo alimentar Alimentos Preparações em que podem ser utilizadosComposição nutricional Frutas � Banana, laranja, maçã, ameixa, pera, jabuticaba, goiaba, uva, morango, jaca, umbu, pêssego, acerola � Frescas, secas, como parte de refeições, em saladas e sobremesas � Fontes de várias vitaminas � Fontes de vários minerais � Fontes de fibras � Quantidade relativamente pequena de calorias � Antioxidantes Castanhas e nozes � Castanhas de caju, baru, nozes, amêndoas, amendoim � Saladas, molhos, preparações salgadas e doces, em saladas de frutas � Ricos em minerais � Ricos em vitaminas � Ricos em fibras � Gorduras insaturadas � Antioxidantes Leite e queijos � Leite de vaca, de cabra, de búfala, coalhadas e iogurtes naturais, queijos, ricotas, requeijão � Leite: rico em proteínas � Vitaminas (A) � Cálcio � Gorduras saturadas (integral) � Queijos: ricos em proteínas � Vitamina A � Cálcio � Gordura saturada � Alta densidade calórica e de sódio Carnes e ovos � Carnes bovina, suína, aves, peixes, ovos � Grelhados, ensopados, refogados, bifes, churrasco, farofas � Ovos mexidos, omeletes, cozidos � Ricos em proteínas � Vitaminas (B12 – carne; complexo B – ovos) � Minerais � Gorduras saturadas (Continuação) Alimentação e nutrição no Brasil: alimentos saudáveis e refeições18 Ressaltamos também a importância de preferir sempre os alimentos de cada grupo nas suas formas in natura ou minimamente processadas. ANDRADE, L. M.; BOCCA, C. Análise comparativa de guias alimentares: proximidades e distinções entre três países. Demetra: Alimentação, Nutrição & Saúde, Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 1001-1016, 2016. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index. php/demetra/article/view/20414>. Acesso em: 13 set. 2018. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013a. 72 p. Disponível em: <http:// www.redeblh.fiocruz.br/media/10palimsa_guia13.pdf>. Acesso em: 13 set. 2018. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 210 p. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_popu- lacao_brasileira_2008.pdf>. Acesso em: 13 set. 2018. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 156 p. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimen- tar_populacao_brasileira_2ed.pdf>. Acesso em: 13 set. 2018. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de alimentação e nutrição. Brasília: Ministério da Saúde, 2013b. 84 p. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacio- nal_alimentacao_nutricao.pdf>. Acesso em: 13 set. 2018. Leitura recomendada BRASIL. Ministério da Saúde. Desmistificando dúvidas sobre alimentação e nutrição: material de apoio para profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. 164 p. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/desmistificando_du- vidas_sobre_alimenta%C3%A7%C3%A3o_nutricao.pdf>. Acesso em: 13 set. 2018. Conteúdo:
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