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Disciplina: Perícia Forense - Medicina Legal Aula 9: Sexologia Forense II – aborto e infanticídio Apresentação Prezado aluno, você vai estudar os crimes de aborto e infanticídio à luz penal e processual, reconhecendo a legitimidade do médico no procedimento de aborto com fins terapêuticos. Serão apresentadas as formas clínicas de perturbação mental que levam ao crime de infanticídio, considerado pelo Direito Penal como um crime privilegiado. Dentro do contexto pericial, você vai entender os exames clínicos e necroscópicos para a elucidação dos citados crimes. Objetivos Diferenciar aborto de infanticídio; Reconhecer o crime de aborto e o crime de infanticídio à luz penal e processual; Traçar elementos periciais de aborto e infanticídio. Premissa Aborto vem do latim abortus, referente a aboriri (perecer), em que ab significa “distanciamento” e oriri expressa “de nascer”, ou seja, contrário de nascer. Fonte: Pixabay Aborto, criminalmente, é a interrupção dolosa da vida do feto independentemente da fase da gestação e do abortamento, o mecanismo de interrupção da gestação. A morte do concepto pode se dar espontaneamente ou ser provocada. Infanticídio é um crime privilegiado em que a mãe, sob a influência do estado puerperal, mata o próprio filho durante ou logo após o parto. No antigo Egito, o aborto era permitido, entretanto o infanticídio era punido com crueldade. A atual legislação penal tipifica sete formas de aborto: 01 Autoaborto; 02 Aborto consentido; 03 Aborto provocado por terceiro com ou; 04 Sem consentimento da gestante. 05 Aborto qualificado; 06 Aborto necessário; 07 Aborto sentimental (tabela 9.1). Tabela 9.1 Formas de aborto Formas de aborto Artigo Autoaborto Art. 124 Aborto consentido Art. 124 Aborto provocado por terceiro • Sem consentimento da gestante: art. 125; • Com consentimento da gestante: art.126. Aborto qualificado • Hipóstases intensas e precoces; Aborto necessário Art. 128 I Aborto sentimental Art. 128 II (Fonte: FRANKLIN) Métodos de aborto Os métodos de abortamento mais comuns são: Envenenamento salino: Muito comumente se utiliza do misoprostol como um abortivo químico. No envenenamento salino, se punciona o saco amniótico, que é esvaziado, para em seguida ser injetada uma solução salina concentrada. A solução salina queima a pele do feto: devido à alteração eletrolítica em favor da hipernatremia, evolui com espasmo, alteração na coagulação sanguínea e morte. Sucção: A sucção ou curetagem a vácuo é realizada com a introdução de uma sonda que aspira o conteúdo uterino em intensidade. Curetagem: Na curetagem simples, é introduzido um instrumento cortante denominado cureta que, através de movimentos de raspagem, retira o feto em pedaços. Dilatação e extração, além de cirurgia: Esses métodos de dilatação e através de cirurgia são mais complexos e com maior possibilidade de complicação. Perícia da gravidez A perícia é fundamentada nos sinais clínicos, radiológicos e laboratoriais em obstetrícia. Observe as tabelas 9.2 e 9.3, que apresentam de forma resumida os pormenores do diagnóstico de gravidez. Tabela 9.2 Relação entre o sinal obstétrico e a idade gestacional Sinal obstétrico Parâmetro Idade gestacional Clínico Movimentos fetais 18 semana Batimento cardíaco fetal 20 semana Rechaço fetal (sinal de Puzos) 16 a 18 semana Imagem Radiografia (pontos de ossificação da clavícula) 7 semana Ultrassonografia Saco gestacional 5 semana Comprimento cabeça-nádegas 7 a 12 semana Identificação do polo cefálico 13 a 14 semana Laboratorial Testes biológicos, citológicos e imunológicos Diagnóstico Fonte: (FRANKLIN) Fonte: Pixabay Tabela 9.3 Relação entre os sinais e o grau de certeza da gravidez. Local anatômico Presunção Probabilidade Certeza a a a a a a a a a a Pele Linha alba pigmentada Estrias – 4 mês Lanugem (sinal de Halban) Hipertricose Cloasma – 3 mês - - Mamas Congestão – 2 mês Rede venosa superficial (rede de Haller) Tubérculos de Montgomery hipertrofiados Aumento do volume Mamilos reduzidos Aréola pigmentada - Genitália externa - Cianose da vulva (sinal de Kluge) – 2 mês - Genitália interna - Forma uterina alterada (sinal de Piskacek) Depressibilidade do istmo (sinal de Reil- Hegar) Flexibilidade do istmo uterino (sinal de McDonald) Cianose da vagina (sinal de Jacquemier) – 2 mês Hipertrofia do útero (sinal de Noble) Rechaço vaginal (sinal de Puzos) – 4 mês Nas tubas uterinas, a partir da 6 semana, ocorre hipertrofia (sinal de Catuneau) - Fisiologia Taquicardia, sonolência Polaciúria, sialorreia Tontura, lipotimia Vômitos, náuseas Desejos Pulsação vaginal (Osiander) – 4 mês Amenorreia Movimento fetal Batimento cardíaco fetal Rechaço uterino (sinal de Puzos) (Fonte: FRANKLIN) o o o o o o a o A regra de Fabre permite se estimar a idade gestacional com base na altura uterina (tabela 9.4). Tabela 9.4 Regra de Fabre Relação entre a altura do útero (em centímetros) e a idade gestacional (em meses): altura do útero + 4 ÷ 4. Altura do útero (cm) Idade gestacional (meses) 3 8 4 12 5 18 6 20 7 24 8 28 9 32 Fonte: (FRANKLIN) Fonte: Pixabay O hormônio glicoproteico gonadotrofinacariônico é secretado pelas células do sinciciotrofoblasto. Esse hormônio mantém o corpo lúteo gravídico funcionante no primeiro trimestre de gestação, produzindo progesterona e estrógeno. As concentrações plasmáticas da gonadotrofina se elevam nos três primeiros meses de gestação. Após esse tempo, começam a cair, quando então a placenta assume a função de produzir progesterona. Perícia de aborto A perícia de aborto é realizada no produto da concepção e na mulher que abortou, viva ou morta. Procura-se identificar o instrumento utilizado e sua eficiência no abortamento. Os exames realizados são: Necropsia do feto e da grávida que abortou. Exame de lesão corporal na grávida que abortou. Exame sobre a natureza. Eficiência do instrumento e exame do local do crime. O que se procura na perícia de aborto é confirmar o diagnóstico de gravidez atual ou pregressa, além da prática abortiva. A morte fetal intrauterina pode ser estimada segundo o aspecto do feto pelo que mostra a tabela 9.5. Tabela 9.5 Estimativa do tempo de morte fetal intraútero Grau Características Tempo de morte 0 Pele com aspecto bolhoso Menos de 8h 1 Início de descolamento da epiderme 8 a 24h 2 Grandes áreas de descolamento epidérmico Cavidades serosas com derrames serossanguinolentos Mais de 24h 3 Derrames das cavidades serosas tornam-se turvos Fígado com coloração amarelo-marrom Cerca de 48h Fonte: (FRANKLIN) No exame da mulher viva que abortou, apuram-se: a. Sinais clínicos específicos, laboratoriais e ecográficos de gravidez recente ou pregressa; b. Exame clínico geral que consiste em avaliação do estado psíquico, da condição de hidratação, da coloração da pele e das mucosas, da mancha, atitude, postura e sinais vitais; c. Lesões no corpo, sobretudo aquelas presentes no colo uterino, tais como ferimento puntiforme nas laterais do colo, provenientes da utilização de uma pinça Pozzi para apreensão e tração do colo uterino; d. Exame laboratorial dos lóquios; e. Gravidade das lesões corporais. Fonte: Shutterstock Ao exame de necropsia da mulher que abortou, buscam-se: a. Vestígios externos e da genitália interna quanto ao estado de gravidez recente e pregressa; b. Lesões externas e internas, sobretudo as lesões no útero; c. Coleta de sangue e urina para pesquisa toxicológica e histopatológica, sobretudo do útero. Infanticídio Infanticídio está elencado no artigo 123 do Código Penal como um delito privilegiado (com atenuação da pena) em que a mãe mata o próprio filho durante ou logo após a morte sob a influência do estado puerperal. As perícias constam dos seguintes exames: • Necropsia, de parto recente ou antigo; • Sobre a natureza; • Eficiência do instrumento; • psiquiátrico (exame de sanidade mental). No infanticídio, se apuram os aspectosfísicos e psíquicos da autora e as condições do nascido. Sobre o nível endometrial, deve-se ficar atento quanto às alterações difusas no local de implantação do zigoto, com modificações morfofuncionais das glândulas endometriais. Os sinais de parto recente ou antigo são apresentados na tabela 9.6. Tabela 9.6 diferenças entre parto recente e antigo. Parto Periciada viva Periciada morta Recente Edema dos grandes e pequenos lábios Útero com ou sem feto Linha alba pigmentada Aréola pigmentada Descarga papilar positiva Montgomery hipertróficos Cloasma regride Involução uterina: fundo do útero em relação à cicatriz umbilical (quadro de De Paul) 1 dia: fundo do útero – um dedo acima 2 dia: sobre a cicatriz 5 ao 6 dia: dois dedos abaixo 9 dia: três dedos acima do púbis 12 dia: na altura da sínfise pubiana Episiotomia Leite ou colostro Lóquios Sinais extragenitais Verificar decídua Examinar corpo lúteo Lóquios Vermelhos até o 5 dia Amarelos do 5 ao 10 dia Brancos do 10 ao 20 dia Colpocitologia (crise vaginal pós- parto) Atrófico até a 2 semana Antigo Flacidez vulvar Episiotomia cicatrizada Carúnculas himenais Mamilos pigmentados Linha alba pigmentada Víbices Orifício do colo Circular nas nulíparas Labiado nas primíparas Várias fendas nas multíparas Útero Virgem Peso: 40 a 50g Comprimento: 5,5 a 7cm o o o o o o o o o o o a Concebido Peso: 50 a 75g Comprimento: 8 a 9 cm Fonte: adaptada de (FÁVERO, 1991) Com o desenvolvimento do feto, é possível estimar a idade gestacional (tabela 9.7). Tabela 9.7 Características físicas que apontam a idade do recém-nascido 1 dia 2 dia 3 dia 4 e 5 dias 6 e 7 dias 8 dia Involução do tumor do parto Tumor do parto reduzido Tumor do parto pequeno Tumor do parto ausente Tumor do parto ausente Tumor do parto ausente Induto sebáceo Descamação epidérmica Descamação epidérmica Descamação epidérmica Descamação epidérmica Descamação epidérmica Coto umbilical achatado Coto umbilical dessecado Coto umbilical coriáceo Queda do coto umbilical Cicatriz umbilical Vasos obliterados Expulsão de mecônio Presença de mecônio Presença de mecônio Presença de mecônio Presença de mecônio Presença de mecônio Início de mielinização do nervo óptico Prossegue a mielinização do nervo óptico Prossegue a eliminação Mielinização total do nervo óptico Mielinização total do nervo óptico Mielinização total do nervo óptico Fonte: adaptada de (FRANÇA, 2004, p. 284- 285) o o o o o o o o Fonte: Pixabay Para saber se o feto apresentou respiração autônoma extrauterina, se aplica a docimasia hidrostática de Galeno, que segue os seguintes passos: a. Após a incisão toracoabdominal, passar uma ligadura dupla no segmento cervical da traqueia e no segmento abdominal do esôfago; b. Seccionar entre as duplas ligaduras e imergir o bloco torácico em água (fase I); c. Flutuando o bloco, dá-se por positiva a prova na fase I, concluindo-se por intensa respiração extrauterina; d. Não flutuando o monobloco, devem-se seccionar os pulmões na altura do hilo e observar (fase II); e. Flutuando os pulmões, a prova é positiva; em caso contrário, passar para a fase III; f. Na fase III, fragmentar os pulmões. Flutuando alguns fragmentos, considera-se a prova positiva (figura 8.22). Não flutuando, passar para a fase IV. Nessa fase, deve-se comprimir alguns desses fragmentos contra a parede do recipiente. Observando desprendimento de finas bolhas gasosas, presume-se positividade quanto à respiração. Atividade 1. A regra de Fabre é utilizada para: a) Estimar a idade gestacional com base na altura uterina. b) Diagnosticar a espécie de aborto. c) Datar o momento da morte do feto. d) Diagnosticar a perturbação do infanticida. e) Apontar o método abortivo. 2. Qual o limite médico-legal entre o aborto e o infanticídio? a) A fecundação b) A nidação c) A metade da gestação d) O parto e) O nascimento 3. Em qual condição o médico está autorizado a realizar o aborto como excludente de crime? a) Quando a gestante em função da gravidez tiver risco iminente de vida. b) Quando a gravidez decorrer de violência sexual. c) Diante do desejo único e exclusivo da gestante. d) Quando a gestante não tiver condição de criar o bebê. e) As alternativas “a” e “b” estão corretas. Referências FÁVERO, F. Medicina legal. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991. p. 700-704. FRANÇA, G. V. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. FRANKLIN, R. Medicina legal aplicada. Rio de Janeiro: Rúbio. Em lançamento. KOOGAN; HOUAISS. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Seifer, 1999. VANRELL, JP. Sexologia forense. São Paulo: Mizuno, 2008. p. 318. Próximos Passos Conceituar imputabilidade e diferenciar de capacidade e personalidade; Estudar os modificadores médico-legais da imputabilidade penal; Analisar a embriaguez. Explore mais Infanticídio: considerações médico-legais acerca da configuração do crime <https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=14003> . Acesso em: 10 ago. 2018.
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