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PROCESSOS DECISÓRIOS E NEGOCIAÇÃO AULA 1 Prof. Eric Gil Dantas 2 CONVERSA INICIAL Esta aula tratará tanto do que é a decisão e os problemas que as envolvem quanto de métodos de apoio à decisão, apresentando-os e dando exemplos de suas aplicações. Essa é a parte onde o aluno poderá aproveitar melhor a disciplina para a sua função como gestor público, colocando em prática métodos consagrados na área (métodos estes muitas vezes tratados na Administração ou na Engenharia de Produção como Pesquisa Operacional). Por fim, também trataremos sobre o processo de negociação, trabalhando seus principais conceitos. Nesta aula, teremos como objetivo geral explicar o que é um processo decisório e como podemos apreendê-lo cientificamente. Abordaremos, inicialmente o lugar da decisão e do decisor nesse processo, analisando o motivo pelo qual precisamos de um método científico para apoiarmos nossas decisões e o porquê de ele ser imprescindível no contexto organizacional. Posteriormente, veremos o que é um modelo científico, tão caro aos melhores estudos de processo decisório. Por terceiro, veremos como esses modelos científicos se materializam, juntamente com distintos métodos, nesta disciplina. Depois, abordaremos quais são os atores (decisor, especialista, stakeholder, analista e cliente/preposto) envolvidos no processo de decisão com que estamos preocupados e a decisão tomada especificamente no ambiente organizacional. Por fim, veremos os diversos estágios pelos quais passa a tomada de decisão (científica) no processo decisório. TEMA 1 – O LUGAR DA DECISÃO E DO DECISOR Estudar processo decisório parece ser algo extremamente amplo, quase que impossível, pois, afinal de contas, nós, como indivíduos, fazemos escolhas a todo momento, às vezes com mais critérios, outras vezes sem nenhum. No entanto, uma “ciência” da decisão nos obriga a criarmos meios para melhorarmos a decisão tomada cotidianamente. Nosso objetivo nesta aula é fornecer abordagens científicas para o tratamento dos problemas do mundo real, tornando as decisões dos gestores (sejam eles públicos ou privados) mais racionais, replicáveis e menos subjetivas – minimizando as possibilidades de erros. 3 Essa necessidade surge porque os processos decisórios nas organizações envolvem altos valores financeiros – muitas vezes bastante restritos, na realidade pública. Por isso, é necessário evitar processos de decisão desestruturados, totalmente baseados em feeling (um gestor “sentir” que deva fazer uma coisa não é motivo para tomar uma decisão sem utilizar critérios objetivos) e que não envolva as análises adequadas. E para isso, o conhecimento dos especialistas em decisão da organização e os dados de séries históricas, na maioria das situações, precisam ser considerados, qualificando assim o processo decisório. Ou seja, temos que colocar o processo decisório em termos racionais, que pode ser entendido da seguinte forma: que primeiramente, o decisor estabeleça um objetivo a ser alcançado ou defina um problema que precisa ser resolvido. Em seguida, partindo da premissa de que não existe, a priori, apenas um caminho para que o objetivo seja alcançado ou o problema resolvido, o decisor deve estabelecer alternativas; o terceiro passo é avaliar e medir as consequências de cada uma das alternativas, e por fim, escolher a melhor. (Cruz; Barreto; Fontanillas, 2014, p. 154) É por meio do que os especialistas chamam de decisão multicritério que isso é feito. Pode-se dizer que um problema de decisão multicritério consiste numa situação, em que há pelo menos duas alternativas de ação para se escolher, e essa escolha é conduzida pelo desejo de se atender a múltiplos objetivos, muitas vezes conflitantes entre si. Esses objetivos estão associados às consequências da escolha pela alternativa a ser seguida. A esses objetivos são associadas variáveis que os representam e permitem a avaliação de cada alternativa, com base em cada objetivo. Essas variáveis podem ser chamadas de critérios, atributos ou dimensões. (Almeida, 2013, p. 1) Cada decisão é tomada por um decisor, certo? “Ao mencionar executivo, já se observa uma primeira questão associada a um problema de decisão [...]: a presença de um ‘decisor’” (Almeida, 2013, p. 2). Como nos mostra o autor citado, o ato de decidir é o que define um executivo, seja ele público ou privado. Apesar do fato de quem decidir ser o executivo e em um contexto de uma empresa/organização específica, os modelos de processo decisório tratados ao longo desta aula não levam em conta as preferências individuais desses decisores, assim como também deixam de fora fatores como modelo organizacional e cultura da organização, focando em modelos de decisão objetivos e generalistas, podendo ser aplicados em diversos contextos. Isso é assim para que possamos desenvolver instrumentais que possibilitem os 4 estudantes de Gestão Pública a terem ferramentas para se apoiarem quando precisarem tomar uma decisão, e não modelos já prontos para uma realidade específica. Obviamente, para grandes empresas e órgãos, é natural que se criem modelos específicos, mas o aluno deve ser preparado para atuar em qualquer local, e não em um contexto específico. Tal como Almeida (2013) afirmou: Várias decisões são tomadas diariamente numa organização, com ou sem o uso de métodos formais de apoio a decisão. A preocupação geral está associada com as consequências de tais decisões. Preocupa-se com a forma como estas impactam o futuro da organização. Assim, uma das preocupações naturais envolve a construção de modelos de decisão e a escolha de métodos que embasam tais decisões. (Almeida, 2013, p. 2) Ou seja, a preocupação do nosso aluno deve girar em torno de formalizações e utilizações de modelos já consagrados que servirão para auxiliá- los nas mais diversas tomadas de decisão em suas organizações. O aluno que terminar esta disciplina com a noção de como utilizar as ferramentas consagradas na área que o possibilite otimizar sua forma de decidir terá cumprido o objetivo proposto por nós. TEMA 2 – O QUE É UM MODELO CIENTÍFICO? Tal como disseram Fernando da Silva e Francisco Catelli (2019), em artigo para a Revista Brasileira de Ensino de Física, Ao escutarmos a palavra “modelo” inevitavelmente logo pensamos na multiplicidade de sentidos em que ela pode ser empregada. A palavra ou termo modelo pode ser utilizada no sentido metafísico, estético, ético, epistemológico adquirindo assim diferentes significados. [...] interessa-nos o sentido epistemológico do conceito de modelo, o qual possui uma evolução histórica que nos parece girar em torno de dois sentidos mais usuais: o modelo como uma representação de algo pré-existente de um lado e de um modelo como representação simplificada, abstrata e idealizada da realidade, de outro lado. (Silva; Catelli, 2019, p. 1) Ou seja, modelo é uma grande “abstração da realidade”. Mas não só isso, pois ele abstrai a realidade para conseguir ser capaz de captar os elementos da própria realidade. Os modelos estudados incluem somente algumas interações possíveis e representam o relacionamento da forma mais aproximada da realidade que seja possível. Um exemplo de modelo com que todos já tiveram contato é o mapa (hoje, o Google Maps ou outros aplicativos de GPS). Para que consigamos 5 compreender a geografia de um local, as suas distâncias e onde estão localizados determinados estabelecimentos, lançamos mão de uma abstração da realidade, o mapa. Quanto mais bem feito um mapa, mais o indivíduo que o usar conseguirá ter noção do que existe, na realidade, em um determinado local. No entanto, quanto mais informações tiver lá, e em tamanho real, mais problemático ele será para que as pessoas o utilizem. Mais especificamente sobre modelos de tomada de decisão, Almeida(2013) nos diz que “um modelo de decisão corresponde a uma representação formal e com simplificação do problema enfrentado com suporte de um método multicritério” (Almeida, 2013, p. 2). Além disso, temos que a construção de modelos e a escolha dos métodos, no contexto organizacional, estão diretamente associados aos atores do processo decisório. O processo decisório pode envolver apenas um decisor ou um grupo de decisores. (Almeida, 2013, p. 2) Para os casos que abordaremos aqui, nos limitaremos aos métodos que compreendem um único decisor, mas na administração pública nem sempre a decisão fica limitada a uma única pessoa, tal como os colegiados de universidades aos quais os reitores (seu dirigente máximo) devem se submeter, segundo as normas da instituição. Assim sendo, os modelos científicos são diversos, e eles existem em todas as disciplinas que se reivindicam científicas, como na Física, na Ciência Política, na Economia e nos estudos de processo decisório. Nosso dever é adequá-los à realidade que nós queremos. Este é um dos grandes desafios de quem estuda o tema. TEMA 3 – MODELOS DE DECISÃO E MÉTODOS DE APOIO À DECISÃO Na literatura sobre processos decisórios, é comum esbarrarmos a todo momento em dois conceitos, cujo entendimento é fundamental, mas que pode nos confundir. São eles os conceitos de modelo de decisão e o de método de apoio à decisão. 3.1 O modelo de decisão Segundo Almeida (2013), Um modelo de decisão multicritério corresponde a uma representação formal e com simplificação do problema de decisão com múltiplos 6 objetivos enfrentado pelo decisor. Esse modelo de decisão deve incorporar a estrutura de preferências do decisor para o problema em questão. Geralmente, esse modelo de decisão é desenvolvido com base em algum método de apoio a decisão. (Almeida, 2013, p. 20) Quando o autor fala de decisão multicritério, ele fala basicamente sobre o que nos importa, as decisões que tomamos levando em consideração n critérios. Não nos é um problema quando adotamos apenas um critério (como preço), afinal de contas, para que pensarmos em um modelo científico se a escolha levando em consideração um único critério é óbvia? 3.2 O método de apoio à decisão Já sobre o método de apoio à decisão, o mesmo autor a descreve da seguinte forma. Um método de apoio a decisão multicritério consiste numa formulação metodológica ou numa teoria, com estrutura axiomática bem definida, que pode ser usado para construir um modelo de decisão que vise à solução de um problema de decisão específico. (Almeida, 2013, p. 20) 3.3 Diferenciando ambos Como nos mostra, novamente, Almeida (2013, p. 20) O método de apoio a decisão tem uma característica mais genérica e se aplica a uma classe mais ampla de problemas de decisão, enquanto o modelo de decisão tem uma natureza mais específica, devendo muitas vezes incorporar a estrutura de preferências de um decisor. Agora é possível entendermos que se trata de duas coisas distintas. O modelo é algo mais concreto, para casos específicos. Se estudarmos a situação de uma secretaria específica de um dado ministério, poderemos criar um modelo que otimize as decisões para aquela realidade. Já o método de apoio à decisão é algo mais generalista, podendo inspirar vários tipos de modelos distintos. Os métodos são, em tese, aplicáveis a várias realidades distintas, seja para uma repartição pública, seja para um banco privado. Posteriormente, veremos alguns dos inúmeros métodos de apoio à decisão. Com base nisso, os alunos poderão aplicar em suas profissões e, avançando nessa área, poderão criar os modelos de decisão aplicados (e moldados) às suas próprias realidades e necessidades. 7 TEMA 4 – OS ATORES NO PROCESSO DECISÓRIO Em um ambiente onde se dá o processo decisório, podemos destacar ao menos cinco atores que estão diretamente ligados ao processo: o decisor, o especialista, os stakeholders, o analista e o cliente. Vejamos a descrição de cada um deles. 4.1 Decisor Indivíduo (ou coletivo) que estabelece suas preferências em relação às consequências do problema e é responsabilizado pelo que decorre de cada decisão tomada. 4.2 Especialista Profissional que fornece informações acerca do problema em análise, sendo um conhecedor do objeto e do ambiente em que o problema está inserido. 4.3 Stakeholder Literalmente podendo ser traduzido da língua inglesa como parte interessada, são agentes que tentam influenciar a decisão (por exemplo, acionistas de uma empresa, parlamentares em relação ao Executivo, grupos de pressão de um setor específico em relação a uma agência reguladora, associação de bairro em relação à prefeitura etc.). 4.4 Analista Esse é o especialista em processo decisório. É importante não confundi- lo com o próprio decisor. Esse profissional auxilia metodologicamente o decisor para que ele possa tomar a melhor decisão possível, sendo o especialista na disciplina que estamos estudando. 4.5 Cliente (preposto) Esse costuma ser um assessor próximo do decisor (como um assessor especial de um ministro, ou de um diretor de empresa), fazendo a ponte entre ele e o analista, fornecendo para este último as preferências individuais do 8 decisor para que sejam inseridas nos modelos de decisão. Esse preposto existe no contexto em que o decisor não possui tempo para despender com discussões junto ao especialista que criará os modelos de decisão. Esse meio ambiente (que muitas vezes, academicamente, é chamado por seu termo em inglês, environment) pode ser visto, em síntese, na Figura 1 reproduzida de Almeida (2013). Figura 1 – Interação entre os atores no processo decisório de uma organização Fonte: Almeida, 2013, p. 4. Nesse meio ambiente, todos esses atores mencionados acima interagem a todo o momento. Os modelos e os métodos utilizados para a tomada de decisão devem levar em consideração todos esses atores, não apenas as preferências específicas do decisor, mas também a opinião de stakeholders, especialistas e outros. Mas, obviamente, as preferências do decisor terão um grande peso no desenho final do modelo. TEMA 5 – ESTÁGIOS DO PROCESSO DECISÓRIO Almeida (2013) fala de quatro estágios no processo decisório, acrescida uma revisão em meio ao processo: i. inteligência; ii. desenho; iii. escolha; iv. revisão; e v. implementação. 9 Vejamos o que cada um destes estágios significa. O primeiro estágio é o de inteligência, que, segundo Almeida (2013, p. 7), “monitora a organização e seu ambiente em busca de situações que requerem uma decisão (um problema de decisão)”; o segundo é o desenho, que “desenvolve a construção do modelo de decisão para resolver o problema, incluindo a geração de alternativas” (Almeida, 2013, p. 7); por terceiro, a escolha, que “avalia as alternativas e resolve o problema conforme seja a problemática (seleção, ordenação, classificação etc.)” (Almeida, 2013, p. 7); posteriormente uma revisão, que “consiste em uma revisão nas etapas anteriores, implicando também processo de aprendizagem para a organização” (Almeida, 2013, p. 7); e, por fim, a quarta etapa, a implementação, que “aplica na organização ou em seu ambiente a solução recomendada” (Almeida, 2013, p. 7). A inteligência pode ser desenvolvida pensando em como a organização se encontra no momento e como ela quer estar em um momento posterior, “ou seja, o buscador de problemas vai comparar o status presente com o status desejado em cada processo da organização. Se diferenças são identificadas, avalia-se se há indícios de problemas” (Almeida, 2013, p. 8). No desenho, destaca todo o processo de geração de alternativas, envolvendo invenção, desenvolvimento de um conjunto de alternativas, pré-análise para averiguar viabilidade, dentre outros fatores relacionados à construção do espaço de alternativas para solução deum problema. (Almeida, 2013, p. 8) Aqui o especialista em análise de decisão deve atuar com as ferramentas desenvolvidas nesse campo, utilizando sua expertise para decidir quais critérios utilizar. Na fase da escolha, deve haver uma análise de quais critérios foram criados na fase anterior e será feita a opção por uma das alternativas possíveis. Antes de ser efetivada a escolha pela alternativa deve haver uma avaliação, podendo a organização aprender com eventuais falhas que foram percebidas com base nisso, e, se necessário, voltar atrás. Por fim, há o estágio de implementação, quando a escolha feita com o apoio de um determinado método já é comunicada e encontra-se em vigor. Podemos ver a síntese do processo na Figura 2: 10 Figura 2 – O processo decisório em quatro estágios Fonte: Almeida, 2013, p. 7. NA PRÁTICA Todo gestor público é um tomador de decisão, e com isso vêm muitas responsabilidades juntas. Estudar o processo decisório é pensar cientificamente como um decisor pode melhorar a sua tomada de decisão, com métodos e análises científicas. Assim como o executivo do mundo privado precisa otimizar os recursos para gerar lucro em uma empresa, e por isso deve adotar critérios que façam sentido em sua decisão, o gestor público deve fazer o mesmo visando maximizar o bem-estar da população que ele serve. O estudante de Gestão Pública dessa disciplina pode pensar como o método científico, que é mais difundindo em outras áreas (principalmente das exatas) pode contribuir para isso, lendo materiais sobre o método científico aplicado às diversas áreas. FINALIZANDO Nesta aula, iniciamos a discussão sobre o processo decisório, refletindo sobre o papel da decisão e do decisor e o porquê de precisarmos de um método científico para tomar decisões. Como vimos, o próprio nome de executivo (público ou privado) contém em seu significado a referência a quem toma Inteligência Desenho Escolha Revisão Implementação 11 decisão. Posteriormente vimos o que é o método científico, pois como em toda ciência, estamos pensando aqui a decisão nestes termos. Também vimos os conceitos iniciais sobre modelo de tomada de decisão e de métodos de apoio à decisão, todos baseados no conceito de modelo científico abordado. Vimos que a decisão ocorre em um meio ambiente, povoado por inúmeros atores interagindo entre si (decisor, stakeholder, analista etc.). E, por fim, também vimos que o processo decisório é feito baseado numa série de estágios entre a concepção do problema e sua implementação. 12 REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. T. Processo de decisão nas organizações: construindo modelos de decisão multicritérios. São Paulo: Atlas, 2013. CRUZ, E. P.; BARRETO, C. R.; FONTANILLAS, C. N. O processo decisório nas organizações. Curitiba: InterSaberes, 2014. SILVA, F. S. da; CATELLI, F. Os modelos na ciência: traços da evolução histórico-epistemológica. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 41, n. 4, 2019.