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1 Jéssica N. Monte – Turma 106 Neurologia MIASTENIA GRAVIS INTRODUÇÃO A miastenia gravis (MG) é uma doença imunológica mediada por anticor- pos direcionados contra antígenos da porção pós-sináptica do receptor nicotínico de acetilcolina (AChR) na junção neuromuscular (JNM). Se caracteriza por fraqueza e fadigabilidade flutuante da musculatura esquelética estriada. Ainda que possa ter início em qualquer idade, apresenta pico bimodal, acometendo principalmente mulheres entre 20 e 40 anos e homens entre 40 e 60 anos. As mulheres são mais frequentemente acometidas, na razão de 3:2, e a incidência aumenta com a idade. Pacientes com MG frequentemente têm outras doenças imunomedia- das, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, doença de Graves e tireoidite, bem como uma história familiar de doença autoi- mune. Existe grande associação com patologias do timo. 60 a 70% dos paci- entes com MG têm hiperplasia do timo e 10 a 15% têm timoma. FISIOPATOLOGIA A junção neuromuscular é composta pela porção terminal do neurônio motor, a fenda sináptica e a porção pós-juncional do músculo efetor. A acetilcolina, neurotransmissor natural da junção neuromuscular, é sintetizada e armazenada em vesículas na porção terminal do neurônio motor. São liberadas esporádica e irregularmente da membrana sináp- tica em repouso e em flashes após a despolarização do nervo. O neurotransmissor liberado migra e se une a receptores de acetilco- lina localizados na membrana pós sináptica, produzindo aumento tran- sitório na permeabilidade dos canais de sódio e potássio. A região imunogênica principal (RIP) do receptores de acetilcolina é o lugar mais frequentemente atacado pelos autoanticorpos. A patogênese envolve ataque imunológico mediado por anticorpos con- tra o receptor nicotínico de acetilcolina pós-sináptico na junção neuro- muscular. Esses anticorpos induzem disfunção ou mesmo destruição da membrana pós sináptica na placa motora, mediada pelo complexo de ataque C5-C9, com redução numérica ou funcional dos receptores. As células T auxiliares e a célula B são envolvidas na resposta autoi- mune, porém o braço efetor da resposta imune é dado pelos anticor- pos contra o receptor da acetilcolina (AcACHhR). Os AcAChR induzem uma inflamação destrutiva da membrana pós sináptica, com alterações morfoló- gicas da placa terminal e menor profundidade das invaginações, aumen- tando à exposição da acetilcolina à acetilcoli- nesterase. 2 Jéssica N. Monte – Turma 106 Neurologia Outros antígenos da junção neuromuscular, distintos do AcAChR, po- dem sofrer ataques imunológicos na MG, e, em cerca de 10% dos pacientes, não são encontrados AcAChR no soro. Nesses casos, o an- ticorpo mais comum é dirigido contra uma proteína intrínseca da mem- brana da placa terminal (anti-MuSK). QUADRO CLÍNICO Quanto à apresentação clínica, a MG pode ser dividida em forma ocular (acometimento restrito à musculatura extraocular e palpebral) e forma generalizada (fraqueza incluindo outros músculos). Quanto ao perfil de autoanticorpos pode ser dividida em soropositiva (anti-AChR ou anti-MuSK) ou soronegativa. A característica cardinal da MG é a fraqueza flutuante da musculatura esquelética, além da fadigabilidade muscular. A fadiga é manifestada pela piora da força ao longo da contração mus- cular persistente e a apresentação mais comum é a associação de fadiga com déficit de força em grupamentos musculares específicos. Clinicamente, alterações da junção neuromuscular frequentemente cursam com fraqueza muscular bulbar (orofaríngea e respiratória) e muscular proximal dos membros, além de ptose palpebral, oftalmopa- resia e diplopia. A queixa de fadiga isolada sem fraqueza muscular não é consistente com o diagnóstico de MG. A maioria dos pacientes apresenta flutuação dos sintomas, tipicamente oligo ou assintomáticos ao acordar, com piora durante o transcorrer do dia. Essa flutuação é uma característica importante no diagnóstico diferencial entre MG e outras causas de fraqueza muscular, como mi- opatia e doença do neurônio motor. A voz pode ter uma caráter anasalado, de forma espontânea ou de- sencadeada por atividades. Mais de 50% dos miastênicos abrem o quadro com sintomas oculares de ptose e/ou diplopia. A ptose palpebral constitui um dos sinais cardinais da MG. Em geral, é observada pelo paciente como de início súbito em um olho, mas logo se torna bilateral ou al- ternante, predominando em um dos olhos, com flutuação durante o dia e nítida piora no final dele. A ptose geralmente é assimétrica, podendo variar de lado a lado, e inclusive ser unilateral, ainda que seja uma apresentação incomum. Pode ser exacerbada ao tentar manter o olhar sustentado para cima, ou ao elevar passivamente a pálpebra opostas. Os músculos extraoculares estão frequentemente envolvidos, produ- zindo diplopia binocular que desaparece quando o paciente fecha um olho. Músculos faciais são acometidos com frequência e fazem o paciente parecer sem expressão. Pode ocorrer ainda fraqueza nos músculos cervicais extensores e/ou flexores. Ao exame físico, os reflexos miotáticos usualmente são normais, assim como a sensibilidade e a coordenação. 3 Jéssica N. Monte – Turma 106 Neurologia Alguns fatores de piora do quadro incluem exercício, calor, infecções sistêmicas, menstruação sistêmica, ansiedade, estresse, gestação e medicações MIASTENIA GRAVIS SORONEGATIVA A MGSN, também chamada de MG anticorpo negativa, se refere aos 6 a 12% de pacientes miastênicos que possuem pesquisa negativa para anticorpo contra AChR e MuSK. Pacientes com MGSN têm maior probabilidade de apresentar a forma puramente ocular. Também há tendência de melhor prognóstico após o tratamento. CLASSIFICAÇÃO DE OSSERMAN Grupo 1 (15 a 20%): sintomas somente oculares. Grupo 2A – generalizada leve (30%): sintomas generalizados leves. Grupo 2B – generalizada moderada/grave (20%): sintomas mais exu- berantes e marcado envolvimento bulbar. Grupo 3 – aguda ou fulminante (11%): sintomas generalizados graves rapidamente progressivos e acometimento respiratório frequente. Grupo 4 – grave tardia (9%): sintomas leves nos primeiros 2 anos e em seguida progressão para forma grave. DIAGNÓSTICO O AcAChR está presente em 80 a 90% dos pacientes afetados. A correlação entre a ligação AcAChR e MG não é absoluta, e os níveis plasmáticos de anticorpos não se relacionam com a gravidade da do- ença. A maioria dos pacientes com miastenia gravis soropositiva tem anor- malidades tímicas, sendo descritas como hiperplasia tímica em 60 a 70% e timoma em 10 a 12%. Diante do diagnóstico de MG, TC de mediastino pode revelar displasia, hiperplasia ou tumor de timo. TESTE DO GELO Consiste na aplicação de um bloco do gelo na pálpebra acometida pela ptose pelo período de 2 minutos, observando-se, em seguida, melhora da ptose por períodos de 15 minutos. Apresenta sensi- bilidade de 89% e especificidade de 100% para uso no diagnóstico à beira do leito. ELETROMIOGRAFIA DE FIBRA ÚNICA A eletromiografia de fibra única (ENMG-FU) é o método mais sensível para o diagnóstico de MG. É útil principalmente nos casos oculares e leves. 4 Jéssica N. Monte – Turma 106 Neurologia Uma ENMG-FU normal em músculo clinicamente afetado exclui o diag- nóstico de miastenia gravis. O resultado não é afetado pelo uso de drogas anticolinesterásicas. EXAMES LABORATORIAIS O teste imunológico utilizado é a determinação de anticorpos, principal- mente contra o AChR. Idealmente, o teste sorológico para pesquisa do anticorpo anti-AChR deve ser realizado antes de se iniciar o tratamento imunossupressor para a MG. Como regra geral, uma concentração elevada de anticorpo contra AChR em um paciente com características clínicas compatíveis con- firma essencialmente o diagnóstico de MG. Entretanto, concentrações normais não excluem o diagnóstico. Quase todos os pacientes (98 a 100%) com MG + timoma sãosoropo- sitivos para o anti-AChR. Anticorpos contra o receptor da MuSK são relatados em cerca de 50% dos pacientes com AcAChR negativo. Esses apresentam menor resposta aos inibidores de colinesterase e Azatioprina, boa resposta à plasmaférese, menor associação à patologia tímica, e incerteza sobre o papel da timectomia. CRISE MIASTÊNICA A exacerbação dos sintomas pode levar ao quadro de crise miastênica, que ocorre em até 40% dos indivíduos com MG nos 2 primeiros anos de doença. Caracteriza-se por fraqueza de predomínio em musculatura bulbar com disfagia, disartria, seguida por dispneia com diminuição da capaci- dade vital, atelectasia e microaspirações, evoluindo em alguns casos para insuficiência respiratória necessitando de ventilação mecânica. Os fatores que contribuem para a insuficiência respiratória nesses pacientes são comprometimento das vias aéreas superiores, da mus- culatura inspiratória, da musculatura expiratória e complicações pulmo- nares secundárias. A paresia da musculatura fácil, orofaríngea e laríngea interfere na deglutição, dificultando a eliminação de secreções das vias aéreas su- periores. Já a paresia da musculatura lingual e retrofaríngea leva à queda da base da língua e à obstrução mecânica parcial das vias aéreas. Entre os fatores precipitantes da crise, os mais comumente identifi- cados são as infecções (30 a 40% dos casos), a mudança nas medi- cações ou as cirurgias (pós-parto imediato ou pós-operatório). Entre as infecções, predominam as traqueobronquites, infecções de vias aéreas superiores e pneumonia aspirativa. A crise miastênica de- sencadeada por mudança no padrão de medicações, como retirada ou início abrupto de corticosteroides ou anticolinesterásicos, além do início de outras medicações que podem precipitar a crise. Em cerca de 30% dos pacientes não se identifica a causa da descom- pensação. 5 Jéssica N. Monte – Turma 106 Neurologia TRATAMENTO O objetivo maior da terapêutica é induzir e manter a remissão clínica, envolvendo a combinação de terapêutica sintomática e imunossupres- sora. Existem 4 modalidades básicas de tratamento: sintomático (anticolines- terásicos), imunomodulatório rápido (imunoglobulina/plasmaférese), imu- nomodulatório crônico (corticosteroide/imunossupressor) e cirúrgico (timectomia). A maioria dos pacientes acaba necessitando de alguma forma de imu- noterapia. TERAPIA SINTOMÁTICA Objetiva a melhora da condução na junção neuromuscular pelo uso de anticolinesterásicos. Inibem a hidrólise da acetilcolina pela acetilcolinesterase. O brometo de Piridostigmina (Mestinon 60 mg) é a medicação de esco- lha. Mesmo quando a terapia imunomodulatória for utilizada, é comum que se mantenha o uso da Piridostigmina com o intuito de reduzir sintomas e consequentemente a dosagem dos imunossupressores e os efeitos adversos. Doses mais altas raramente são benéficas e costumam ser limitadas pelos efeitos colaterais colinérgicos. Diante de excesso de dose, com efeitos muscarínicos (diarreia, cólicas intestinais, sialorreia e bradicardia) e nicotínicos (cãibras e fascicula- ções), deve-se reduzir imediatamente ou suspender a medicação. A administração da medicação junto às refeições pode reduzir os efei- tos adversos gastrintestinais. É comum ocorrer melhora mista. Geralmente, sintomas bulbares e de extremidades respondem melhor aos anticolinesterásicos do que as manifestações oculares. A diplopia é particularmente resistente a es- sas medicações em vários pacientes. Quando um paciente apresenta fraqueza persistente apesar do uso de Piridostigmina em doses terapêuticas, ou os efeitos adversos impe- dem a dose efetiva, geralmente utiliza-se a imunoterapia. TERAPIA IMUNOSSUPRESSORA Visa à redução do fenômeno imunológico da MG. O método utilizado é a imunossupressão não específica, com corticos- teroides, anti-metabólitos, plasmaférese e timectomia. Na crise miastênica, a plasmaférese e a imunoglobulina mostram efi- cácia similar e devem ser usadas o mais precocemente possível. A terapêutica imunossupressora utilizada em larga escala aumenta a suscetibilidade à infecção e a neoplasias. Tratamento prolongado é frequentemente requerido e recrudescên- cias clínicas quase sempre ocorre quando da suspensão da terapia imu- nossupressora. Deve-se começar com baixas doses de corticosteroides e aumentar de modo lento e progressivo até obter a remissão clínica. Mantêm-se do- ses elevadas por 1 a 2 meses e, em seguida, inicia-se a redução lenta até a obtenção de uma dose mínima ideal para o controle da doença. Nos doentes com necessidade de manutenção de doses modera- das/elevadas de corticosteroide, pode ser indicada a associação com 6 Jéssica N. Monte – Turma 106 Neurologia agentes imunossupressores com o objetivo de redução da dosagem dos corticosteroides. Pode ocorrer pior com qualquer corticosteroide nos primeiros dias, principalmente se início abrupto. Os corticosteroides, quando aplicados apropriadamente, induzem à re- missão em 50% a 80% dos pacientes. O efeito benéfico se inicia a partir de 2 a 3 semanas. Os efeitos cola- terais são limitantes para o uso crônico. TERAPÊUTICA DE CURTO PRAZO A plasmaférese e a imunoglobulina IV são imunoterapias de ação rápida, mas que possuem curta duração (3 a 4 semanas). São habitualmente reservadas para situações específicas, como na crise miastênica, no pré-operatório de timectomia ou como uma terapia adjuvante a outra medicação em pacientes com MG refratária. Pacientes com doença grave ou rapidamente progressiva devem ser tratados como aqueles em crise miastênica. PLASMAFÉRESE A justificativa da plasmaférese é a de que a remoção dos AcAChR reduz o ataque imune à junção neuromuscular. Em geral, o efeito dura aproximadamente1 mês. As complicações relatadas são principalmente ao cateter venoso cen- tral (infecção, trombose ou pneumotórax). IMUNOGLOBULINA INTRAVENOSA A imunoglobulina intravenosa (IVIG) tem efeito similar e igual eficácia em relação à plasmaférese., mas tem custo menor e efeitos colaterais menos graves. A associação de corticosteroides e/ou, menos frequentemente, imu- nossupressores, prolonga a resposta clínica. TERAPÊUTICA DE LONGO PRAZO TIMECTOMIA Em torno de 10 a 12% dos pacientes com MG têm timoma subjacente. Não se observa resposta à timectomia no primeiro ano. A resposta aumenta a partir do terceiro ano e atinge o ápice no quinto ano após a cirurgia. No grupo de miastênicos com hiperplasia tímica, a indicação da timec- tomia deverá ser feita aos pacientes com quadros clínicos acentuados ou bulbares e graves. A indicação dessa terapêutica é eletiva, de preferência com o paciente em remissão clínica ou com mínimos sintomas obtidos às custas de preparo com Prednisona associada a inibidores da colinesterase. A timectomia é a o único tratamento no qual a taxa de custo/benefício diminui com a evolução e o passar do tempo. Embora a indicação da timectomia possa ser feita a qualquer momento da evolução da doença, em geral, não é indicada no primeiro ano. A dosagem de corticosteroides e inibidores da colinesterase é signifi- cativamente menor em pacientes timectomizados. 7 Jéssica N. Monte – Turma 106 Neurologia AZATIOPRINA Habitualmente é empregada com o objetivo de reduzir a dose necessá- ria de corticosteroides. Na maioria dos doentes ocorre melhora significativa dos sintomas, mas qualquer benefício clínico costuma ser visto somente após 6 a 12 me- ses, com efeito máximo geralmente não antes de 1 a 2 anos de trata- mento. O objetivo é reduzir lentamente a dose de corticosteroides, até sus- pendê-lo totalmente. Os efeitos adversos mais comuns são vômitos, diarreias, disfunção he- pática, leucopenia e trombocitopenia. É esperado que ocorra aumento do VCM ou até macrocitose. O uso crônico pode estar relacionado a maior risco de malignidade. CICLOFOSFAMIDA É reservada para a minoria dos casos de MG, refratários à terapia imunossupressora padrão.É utilizada associada a corticosteroides. Os efeitos colaterais mais temíveis são supressão da medula óssea e aumento do risco de neoplasias, além de anorexia, náuseas, vômitos e alopecia. CICLOSPORINA É empregada em casos mais resistentes à terapêutica, como droga de segunda ou terceira linha devido ao perfil dos efeitos colaterais: hiper- tensão arterial e nefrotoxicidade dose-dependente. A maioria dos efeitos adversos se correlaciona com a dose e o tempo de tratamento. Pode ser usada como poupadora de corticoides. Inicia o efeito terapêutico de forma mais rápida que os outros imunos- supressores. Já se pode notar algum benefício clínico com 3 meses de tratamento. Pode ocorrer risco aumentado de malignidade com o uso em longo prazo. MICOFELONATO É um agente de primeira linha no tratamento da MG, como poupador de corticosteroides. Os principais efeitos colaterais são náuseas, diarreia e leucopenia. Necessita monitorização laboratorial. Ainda não há experiência de longo prazo desse agente na MG. METOTREXATO Pode ser utilizado como poupador de corticosteroide de segunda linha na MG. Os eventos adversos incluem alopecia, mucosite, intolerância gastrin- testinal, hepatotoxicidade, supressão da medula óssea e pneumonite. RITUXIMABE É um anticorpo monoclonal com utilidade e eficácia em casos refratá- rios de MG, inclusive em casos com anti-MuSK positivo. Os principais efeitos adversos são neutropenia e infecções oportunis- tas.
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