Buscar

Ilicitude e antijuricidade

Prévia do material em texto

MATERIAL DE CONSULTA E APOIO COM BASE EM CURSO DE DIREITO PENAL DE ROGÉRIO GRECCO. NÃO EXCLUI A NECESSIDADE DE COMPLEMENTO COM A BIBLIOGRAFIA INDICADA E A EXPOSIÇÃO E EXERCÍCIOS REALIZADOS EM AULA.
Antes de iniciar, lembramos o conceito analítico de crime: Crime é toda conduta (ação ou omissão) típica, ilícita e culpável. 
Cada uma das categorias presente no conceito analítico de crime pressupõe a outra. Isso ocorre porque o Brasil adota a teoria da ratio cognoscendi, a qual entende que quando existe um dos elementos do conceito analítico do crime, haverá o próximo elemento (a não ser que haja uma causa de exclusão na ilicitude, o que quebra essa presunção). 
Já vimos a tipicidade e os elementos necessários para que um fato seja típico. Agora veremos a...
ILICITUDE OU ANTIJURIDICIDADE OU CONTRARIEDADE AO DIREITO
É a relação de antagonismo (de contrariedade) entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico e que cause, efetivamente, uma lesão ou exposição à perigo de lesão de determinado bem jurídico, desde que não amparado por alguma causa de justificação. 
A regra é que uma conduta típica, seja contrária ao direito (ILÍCITA), a não ser que o agente tenha agido mediante uma “causa de justificação”.
	
Causas de exclusão de ilicitude (também conhecidas por justificativas ou discriminantes).
	Quando o fato é típico, provavelmente será antijurídico (ilícito), mas antes, devemos ver se não existe alguma das causas de exclusão de ilicitude (antijuridicidade). Se existir alguma delas, o crime está afastado. 
As causas de exclusão afastam a ilicitude da conduta praticada, fazendo com que o fato ocorrido, embora típico, não seja considerado ilícito. Nesse caso, não haverá crime.
As causas de exclusão de ilicitude estão previstas expressamente no artigo 23 do CP e, além dessas, existem as causas supralegais de exclusão de ilicitude (consentimento do ofendido)[footnoteRef:1], que não estão descritas no Código Penal. [1: Exemplos de consentimento do ofendido que constituem causa supralegal de exclusão de ilicitude: lesão leve, como permitir tatuagem. Cárcere privado, quando consente ficar confinado no Big Brother Brasil.
] 
Causas legais de exclusão de ilicitude: 
1- Estado de Necessidade;
2- Legítima defesa;
3- Estrito cumprimento do dever legal;
4- Exercício regular de um direito.
Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 
I - em estado de necessidade; 
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível 
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Causa supralegal de exclusão de ilicitude:
1- Consentimento do ofendido. 
Antes de explicar cada uma dessas causas é importante saber que todas as causas de exclusão de ilicitude devem conter o elemento objetivo e elemento subjetivo. Isso significa que além de atenderem os requisitos dos elementos descritos na lei ou doutrina (elementos objetivos), é indispensável o elemento interno do agente, no caso, o “querer” agir conforme o que determina a causa de exclusão (elemento subjetivo). 
Exemplo: A pessoa que está atuando em legítima defesa, deve ter consciência de que está matando para defender sua vida e querer somente esse objetivo. Isso é diferente daquele que provoca uma situação, para que a vítima a agrida, para depois poder matá-la e alegar a legítima defesa (o que existe é o dolo de matar anterior). Nesse último caso, o elemento subjetivo da exclusão de ilicitude está ausente, e, portanto, o fato continuará contrário ao direito, não podendo ser alegada a exclusão de ilicitude porque a intenção do agente era outra. 
Causas legais de exclusão de ilicitude:
1-ESTADO DE NECESSIDADE: 
Estado de necessidade
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. 
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. 
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. 
Trata-se do caso em que dois bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal estão em conflito e amparados pelo ordenamento jurídico. O conflito de bens é que levará a prevalência de um bem jurídico sobre o outro. 
Imagine a figura de uma balança, na qual colocam-se bens jurídicos como vida, patrimônio, honra, meio ambiente, liberdade pessoal, integridade física, entre outros... 
Alguns desses bens jurídicos possuem maior valoração que outros. Trata-se do princípio da ponderação de bens. Além disso, é necessária a presença de todos os elementos objetivos previstos no artigo 24 do CP (tudo que o artigo 24 solicita) e mais o elemento de natureza subjetiva[footnoteRef:2] (o agente deve saber ou acreditar que estava na situação que justificava o estado de necessidade, ou seja, que deveria sacrificar um bem em detrimento do outro). [2: Nunca devemos esquecer que, para se falar em estado de necessidade é imprescindível a presença desse elemento subjetivo – teoria finalista. 
] 
A diversidade de valores dos bens jurídicos em jogo, faz surgir o estado de necessidade justificante e o estado de necessidade exculpante. O nosso código penal adota a teoria unitária[footnoteRef:3], não diferenciando o estado de necessidade justificante do exculpante, ou seja, tanto faz se você sacrificou um bem jurídico de valor igual ou menor (nunca de valor maior ao bem jurídico que foi salvo). [3: (Obs: para a teoria diferenciadora – não adotada no nosso CP, apenas ocorre o estado de necessidade se o bem jurídico sacrificado for de valor inferior. Obs2: O Código Penal Militar adotou a teoria diferenciadora em seus artigos 39 à 43).] 
Importante lembrar também, que na forma do parágrafo único do artigo 23, agente sempre responderá pelo excesso doloso ou culposo.
 
Quais são os elementos que caracterizam o estado de necessidade previsto no artigo 24 do CP?
1º - Perigo atual (ou eminente). O perigo atual é o que está prestes a se concretizar em um dano quase certo. (Se o dano já ocorreu não se trata de perigo atual – perde essa característica). Com relação a ser eminente, embora não descrito no artigo 24 do CP, a maioria da doutrina aceita tipo de perigo para justificar o estado de necessidade.
2º A situação não pode ter sido provocada pelo agente a título de dolo, pois estaria ausente o elemento subjetivo e o artigo 24, descreve: “que não provocou por sua vontade”. Obs: Caso o agente tenha provocado o fato por sua vontade e após tentou reverter a situação estaremos diante de uma situação de arrependimento eficaz.
3º Evitabilidade do dano. O agente não pode ter escolha melhor a não ser sacrificar um bem jurídico protegido em detrimento do outro, o qual deve ser o menos danoso possível. Senão responderá pelo excesso.
4º O estado de necessidade deverá ser próprio ou de terceiro. “Direito próprio ou alheio”. Estado de necessidade de terceiro somente se justifica na impossibilidade imediata de atuação do poder de polícia. É necessário, portanto, ter alguns limites na proteção de terceiro, pois nem sempre é possível. Para tanto, o bem jurídico do terceiro não pode ser disponível, cabendo sua defesa somente ao seu titular se for o caso. O terceiro só pode interferir alegando estado de necessidade quando o bem jurídico de outrem for indisponível (como a vida, liberdade sexual...por exemplo). 
5º Razoabilidade do sacrifício do bem jurídico. Embora o CP adote a teoria unitária, o bem sacrificado não poderá ter valor maior que o bem preservado, sob pena de não ser reconhecido o estado de necessidade. Isso por causa da razoabilidade exigida na própria redação do art. 24 do CP. Ex: não é possível, para garantir seu patrimônio, causar a morte de alguém. O agente sempre responderá pelo excesso. Obs: O legislador permite uma redução de pena no parágrafo 2ºdo artigo 24 do CP, caso essa razoabilidade seja extrapolada – nesse caso é a culpabilidade que é diminuída (saímos do âmbito da ilicitude). Ex: causar a morte de alguém para manter sua integridade física – é fato típico e antijurídico. Será punido, porém a culpabilidade é menor. 
6º Dever legal de enfrentar o perigo – trata-se do parágrafo 1º do artigo 24 do CP. É o caso de bombeiros, salva-vidas, policiais, os quais não podem alegar estado de necessidade quando estiverem salvando vidas ou combatendo o crime, para protegerem suas vidas. É apenas o dever legal e não o dever contratual (existe uma pequena divergência doutrinária nesse sentido). Ex: O segurança contratado de um milionário pode disputar com seu patrão o último colete salva vidas, no caso de naufrágio da lancha em que estavam. 
Situações que envolvem estado de necessidade:
Aberratio criminis no caso de estado de necessidade: trata-se da obtenção de resultado diverso do pretendido quando da execução do ato, na forma do artigo 74 do CP. Ex: ao se defender de cão raivoso, atira no animal, mas a bala ricocheteia atingindo outra pessoa. Nesse caso, aceita-se que o agente agiu em estado de necessidade.
Erro com relação à situação de estado de necessidade: Trata-se do artigo 20, §1º - descriminante putativa. Ex: Imaginou ser atacado por um cão, mas era apenas uma simulação. Aceita-se que o agente agiu em estado de necessidade, porém, verifica-se sempre se ocorreu o excesso. 
Observações:
Furto miserável versus estado de necessidade: tribunais tem entendido que para o furto de comida em caso de fome e miséria, deverá ser aplicado o princípio da insignificância e não o estado de necessidade. (Boa parte da doutrina entende que pode sim ser considerado estado de necessidade e essa é a interpretação mais correta perante a doutrina). 
Terminologia: Estado de necessidade defensivo – aquele no qual o indivíduo utiliza a defesa para concretizá-lo (ex: diante do ataque de cão raivoso ele dispara arma). Estado de necessidade agressivo – quando o indivíduo toma certa atitude diante da situação de necessidade (dirigindo o carro, para não atingir uma pessoa, direciona o carro para uma casa).
2 - LEGÍTIMA DEFESA: 
O Estado (Poder de Polícia) não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, por isso permite aos cidadãos se defenderem. A legítima defesa é a possibilidade imediata de reação direta do agredido agir em defesa de um interesse dada a impossibilidade da intervenção tempestiva do Estado. Está explicada no artigo 25 do CP.
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Cabe legítima defesa de todos os bens jurídicos, exceto aqueles comunitários (administração pública, por exemplo);
Não existe legitima defesa de mal futuro. 
Espécies de legítima defesa: 
1 – Legítima defesa autêntica (real) – quando realmente está ocorrendo uma situação de legítima defesa;
2 – Legítima defesa putativa (imaginária) – também nominada de culpa imprópria. Aqui a situação de agressão só existe na mente do agente que acredita estar se defendendo de uma agressão injusta. Nesse caso, trata-se de erro de tipo permissivo. É o caso clássico das descriminantes putativas, previstas no parágrafo 1º do artigo 20 do CP. Nesse caso deverá ser verificado se estamos diante de erro escusável (não tinha como prever – será isento de pena) ou inescusável (não observou adequadamente a situação – o excesso será punível a título de culpa).
A injusta agressão a que se refere o artigo 25 do CP é a agressão proferida por um ser humano[footnoteRef:4], a interesses vitais juridicamente protegidos. Essa agressão deve ser injusta, ou seja, não está amparada no ordenamento jurídico. [4: Se for uma agressão proferida por um animal, estaremos diante, em tese, de estado de necessidade.] 
Agressão é diferente de provocação. A provocação não dá direito à vítima de atuar mediante a excludente de ilicitude da legítima defesa. Aquele que reage a uma provocação responderá por seu dolo e não ocorrerá a exclusão da ilicitude por legítima defesa.
Obs: Se a pessoa provoca o agressor (dolo anterior), para que esse a ataque e ela possa alegar legítima defesa, essa não será aceita. Pois existe um dolo anterior de provocar a situação e estará ausente o elemento subjetivo. 
O artigo que descreve a legítima defesa, ainda refere a questão dos meios necessários: São aqueles meios eficazes e suficientes à repulsa da agressão que está sendo praticada ou prestes a ocorrer, desde que haja proporcionalidade e razoabilidade. Senão ocorrerá o excesso na causa e o agente responderá por isso, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 23 do CP.
Ex: Matar criança que está roubando frutas no quintal com uma espingarda pode ser considerado como a utilização de um meio desproporcional.
O agente deve optar pelo meio menos gravoso.
Além disso, deve ter moderação no uso dos meios necessários, senão incorrerá no excesso, ou seja, tudo a mais que fizer após cessar a agressão é considerado excesso. 
Atualidade e iminência da agressão: Atual é aquilo que está acontecendo. Iminente é o que está prestes a acontecer. 
Defesa de direito próprio ou de terceiro: Com relação a defesa de direito de terceiro, somente poderá ocorrer no caso de bens não disponíveis. Lembrando que, aquele que age em legítima defesa, deve ter o elemento subjetivo no sentido defender a vida de outrem (animus defendendi), senão não ocorre a legítima defesa de terceiro. Ex: Se o sujeito aproveita o momento de defender terceiro, para matar o inimigo, estará ausente o elemento subjetivo e poderá ser responsabilizado, pois há dolo (animus necandi) de matar.
Excesso na legítima defesa: Cabe analisar o excesso em todas as causas excludentes de ilicitude e não somente na legítima defesa.
No caso do excesso quando da legítima defesa, o agente inicia amparado pela causa excludente de ilicitude, porém, quando a agressão injusta da qual ele está se defendendo cessa e ele continua a exercer sua defesa e ocorre o excesso. 
O excesso na legítima defesa pode ser:
Doloso: Após cessar a agressão injusta, ele continua o ataque.
Culposo: Quando aquele que está exercendo a legítima defesa age com erro de proibição indireto (erro sobre os limites da causa de justificação), acreditando que pode seguir até o fim, podendo inclusive matar aquele que o agrediu injustamente (o erro somente é avaliado quando se está diante de uma pessoa com baixo grau de instrução); Ou ainda, quando aquele que exerce a legítima defesa imagina que a vítima ainda pode vir a atacá-la novamente. Ele não percebe que a situação de ataque se encerrou, não verifica bem a situação.
O excesso ainda pode ser nominado como: 
Excesso intensivo: Quando o agente por medo excede. 
Excesso extensivo: Quando o agente continua a atacar deliberadamente.
Excesso na causa: Significa a desproporção entre o bem jurídico defendido e o bem sacrificado. Aquele que exercer esse excesso responderá pelo delito não afastando a ilicitude.
Obs: Caso durante o exercício da legítima defesa o agente venha a atingir outra pessoa, ocorrerá a “aberratio ictus”. Nesse caso, mantém-se a exclusão da ilicitude por legítima defesa. 
Ofendículas: São aparelhos ou aparatos dispostos para a defesa da propriedade, como arame farpado ou cacos de vidros em muros. Alguns autores entendem como sendo “legítima defesa pré-ordenada”. Outros autores entendem que se trata de exercício regular de um direito. Cuidado: Não pode haver abusos na utilização das ofendículas. Ex: Cerca elétrica muito baixa ou com voltagem elevada.
OBS: No passado, alguns julgamentos absolveram maridos que mataram suas esposas devido a adultério. A alegação era “legítima defesa da honra”. Não existe mais! 
ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
Está previsto no artigo 23, III do CP, primeira parte.
O Código Penal não definiu o conceito de estrito cumprimento do dever legal. 
Essa excludente também exige elementos objetivos e subjetivos para que possa ser caracterizadacomo excludente de ilicitude.
Requisitos objetivos: Deve haver um dever legal imposto ao agente;
O dever legal é dirigido àqueles que fazem parte da administração pública (para coagir, restringir a liberdade, invadir domicílio);
O cumprimento desse dever, será nos exatos termos da lei. 
Ex: Oficial de justiça cumprindo uma ordem de prisão ou de busca e apreensão. Cuidado: Ele não pode ultrapassar os limites da ordem imposta senão responderá criminalmente por isso.
EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO:
Está previsto na segunda parte do artigo 23, III do CP. 
Esse conceito também é definido pela doutrina e não pelo legislador.
O exercício regular de um direito advém de várias situações permitidas pela lei. Ex: O direito do proprietário sobre seu imóvel, como ouvir som durante o horário não reservado ao descanso noturno.
No passado, os maridos entendiam que manter relação sexual forçada com a esposa era “exercício regular de um direito”. Esse entendimento não existe mais!
CONSENTIMENTO DO OFENDIDO:
Pode ser considerado como excludente de ilicitude, quando o ofendido (vítima) autoriza anteriormente a lesão ao bem jurídico protegido. Além disso, deve o ofendido ter capacidade de autorização (maior de 18 anos e capaz); o bem jurídico deve ser passível de ser disponibilizado (ex: lesão leve para realizar tatuagem).
Obs: em alguns casos, o consentimento do ofendido afasta a própria tipicidade. Ex: No caso do crime de estupro, quando a relação sexual é previamente consentida por ambas as partes, não ocorre a figura típica. Isto porque o tipo previsto no artigo 213 do CP descreve “constranger alguém”...
Em outros momentos, o consentimento do ofendido exclui a ilicitude. Ex: Autorização para realizar uma tatuagem. Participar de uma competição de luta. No entanto, existe alguma controvérsia no que se refere a autorização do ofendido no que se refere a disponibilidade de sua integridade física. Não cabem exageros.

Continue navegando