Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Profa. Juliana Dominato 1ºsem. 2020 Disciplina: Pesquisa Clínica Aula 01: Introdução à Bioética de Pesquisa Clínica Pesquisa envolvendo seres humanos Todo estudo que envolve o ser humano, de forma direta ou indireta, individual ou coletivamente, incluindo o manejo de informações ou materiais, precisa de diretrizes bioéticas para que o participante da pesquisa clínica seja protegido. O Ministério do Interior da Alemanha, em 1931, estabeleceu regras quanto ao controle de experimentos com seres humanos1; no entanto, durante toda a 2ª Guerra Mundial (1939 - 1945), os pesquisadores não aplicaram essas regras e ciganos, judeus, poloneses e russos foram tratados como cobaias, nos campos de concentração. Porque? A maioria dos estudiosos eram médicos que queriam expandir seus conhecimentos e, não se importavam em sacrificar outro ser humano. Exemplos de experimentos ocorridos na época: 1- Encaminhamento de judeus russos para o Museu da Universidade de Strasbourg, na França - foi encomendada uma coleção de esqueletos para que a evolução da espécie humana pudesse ser exemplificada - 123 pessoas foram sacrificadas. 2- Pesquisas sobre hipotermia: mataram centenas de prisioneiros do campo de Dachau. Os prisioneiros eram deixados em câmara frigorífica até morrer, para analisar o tempo, individual e coletivo. Pesquisa envolvendo seres humanos A maioria dos estudiosos eram médicos que queriam expandir seus conhecimentos e, não se importavam em sacrificar outro ser humano. Exemplos de experimentos ocorridos na época: 3- O professor de medicina Julius Hallervorden coletava e armazenava cérebros de pacientes com transtornos mentais. Sua coleção era composta por 697 cérebros. 4- Injeção de tinta azul em olhos de crianças. 5 - União de veias de gêmeos, 6- Amputação de membros de prisioneiros, 7 - Dissecação de anões. entre outros.3, 4 e 5 Pesquisa envolvendo seres humanos Padronização da Pesquisa: 1. Código de Nuremberg, 1947 Os experimentos que foram exemplificados anteriormente foram julgados na cidade de Nuremberg, situada ao norte da Bavária, Alemanha. O objetivo era para decidir sobre os assassinatos cometidos por médicos do regime nazista “em prol da ciência”. O julgamento teve início em dezembro de 1946 e terminou em julho de 1947. Após o julgamento, foi elaborado o Código de Nuremberg, no qual foram descritos 10 principais pontos que, por lei, teriam que ser seguidos em relação aos experimentos médicos com participantes humanos. Padronização da Pesquisa: Código de Nuremberg, 1947 1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Portanto, as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; 2. O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade. 3. O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em animais e no conhecimento da evolução da doença. 4. O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento físico ou mental desnecessários e danos. 5. Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente. 6. O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância humanitária do problema que o experimento se propõe a resolver. Padronização da Pesquisa: Código de Nuremberg, 1947 7. Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota. 8. O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente qualificadas. 9. O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do experimento 10. O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar, que a continuação do experimento provavelmente resulte em dano, invalidez ou morte. Com o Código de Nuremberg os pesquisadores se viram obrigados a apresentar uma postura de maior responsabilidade frente às novas normas que precisavam ser ainda mais rigorosas, Em 1964, a Associação Médica Mundial (AMM), em sua 18ª reunião, realizada na cidade de Helsinki (Finlândia), elaborou uma declaração que uniu conceitos da Declaração de Genebra (1948), destinada a regulamentar a ética médica. Essa união deu origem a um documento com diretrizes e normas de pesquisa clínica: a Declaração de Helsinki que se tornou referência na área. Padronização da Pesquisa: Declaração de Helsinki, 1964 A Declaração de Helsinki tem como principal fundamento o bem-estar do ser humano, que “deve ter prioridade sobre os interesses da ciência e da sociedade". O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) passou a receber atenção especial após esse período. O TCLE é o documento que leva ao participante da pesquisa informações sobre o projeto de pesquisa incluindo seus riscos e benefícios. É pela assinatura desse documento que o participante consente em participar dos estudos. Padronização da Pesquisa: Declaração de Helsinki, 1964 Em 1974, um comitê se formou para avaliar, especificamente, os riscos/benefícios dos projetos de pesquisa em relação aos seus participantes. Essa comissão tinha como objetivo: identificar e assegurar que os princípios éticos básicos para procedimentos nas pesquisas com seres humanos. O Relatório de Belmont (1978), formulado por essa comissão que se reuniu na cidade com o mesmo nome, concluiu serem três os princípios éticos fundamentais: Padronização da Pesquisa: Relatório de Belmont, 1978 RESPEITO PELAS PESSOAS O “respeito pelas pessoas” incorpora, pelo menos, duas convicções éticas: a, as pessoas devem ter autonomia; b. pessoas com autonomia diminuída devem ser protegidas. O “respeito pelas pessoas” significa reconhecer a capacidade e os direitos de todos os indivíduos de fazer suas escolhas e tomar suas decisões. Padronização da Pesquisa: Relatório de Belmont, 1978 BENEFICÊNCIA em linhas gerais, quer dizer “não fazer o mal”: a. não causar dano (não maleficência); b. maximizar os benefícios e minimizar os riscos de eventuais prejuízos. Por esse princípio o pesquisador é responsável pelo bem-estar físico, mental e social do participante. Proteger e assegurar seu bem-estar é mais importante do que a busca de novos conhecimentos. Padronização da Pesquisa: Relatório de Belmont, 1978 JUSTIÇA O último princípio que consta do Relatório de Belmont é o da “justiça”, que estabelece como condição fundamental a busca da equidade, ou seja, os riscos e benefícios devem estar igualmente distribuídos no que diz respeito à participação na pesquisa. Na prática quer dizer que, durante o recrutamento e seleção dos participantes, nenhum grupo deve ser colocado em risco em benefício de outrem. Padronização da Pesquisa: Relatório de Belmont, 1978 Em 1978, Tom Beauchamp e James Chidress vinculados ao Kennedy Institute of Ethics, publicaram o livro “Principles of Biomedical Ethics”, esse livro consagrou o uso dos princípios na abordagem de dilemas e problemas bioéticos. Na publicação, foram considerados quatro princípios: 1. Autonomia: respeito às pessoas 2. Beneficência: fazer o bem 3. Justiça: equidade dos indivíduos 4. Não Maleficência: evitar sofrimentos desnecessários Diretrizes éticas para pesquisa com seres humanos Conselho Internacional de Harmonização (ICH), antigamente conhecida por Conferência Internacional de Harmonização - Conferência Internacional de Harmonização das Técnicas Requeridas para Registros Farmacêuticos de Uso Humano (ICHTR). Durante os anos 60 e 70 muitos países aprovavam leis e regulamentos para avaliar a segurança, qualidade e eficácia de novos produtos médicos. Cada país possuía um sistema diferente: não havia uniformização entre eles. ICH – Conselho Internacional de Harmonização ICH – Conselho Internacional de Harmonização 1990 - representantesde agências regulatórias e de associações de indústrias dos Estados Unidos, Japão e Europa se reuniram e criam o ICH, com o objetivo de padronizar o processo de produção, dos testes e da comercialização de novas drogas. 1996 - O ICH finaliza as Diretrizes para Boas Práticas Clínicas (BPC ou GCP do inglês “Good Clinical Practice”) - padrão internacional de qualidade ética e científica para o planejamento, condução, registro e informação sobre os experimentos envolvendo seres humanos. 2007 - O sucesso do ICH provou que a harmonização era possível. Nesse ano, foram incluídos novos representantes de órgãos reguladores da Austrália, Brasil, China, Taiwan, Índia, Coréia, Rússia e Cingapura. TFDA (Food and Drug Administration, Taipei China) ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil) Health Canada (Canadá) Swissmedic (Suiça) HSA – Health Sciences Authority (Singapura) IGBA - International Generic and Biosimilar Medicines Association Bio - Biotechnology Industry Organization (EUA) PhRMA – Pharmaceutical Research and Manufacturers of America JPMA – Japan Pharmaceutical Manufacturers Association (Japão) EC - European Comission (Europa) WSMI - World Self-Medicati on Industry MFDS - Ministry of Food and Drug Safety (Coreia) FDA - Food and Drug Adminstratio n (EUA) MHLW/PMDA - Ministry of Health, Labour and Welfare/Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (Japão) CFDA - China Food and Drug Administration (China) EFPIA – European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (Europa) ICH Membros ICH – Conselho Internacional de Harmonização Estruturação atual da pesquisa clínica mundial O crescente número de novos produtos investigacionais e, por conseguinte, o aumento do número de estudos clínicos proporciona o desenvolvimento das indústrias farmacêuticas nacionais e multinacionais, assim como de todos os setores necessários para sua realização: agências regulatórias, centros de pesquisa, entre outros. Estruturação atual da pesquisa clínica mundial A globalização da pesquisa clínica, ou seja, a realização de estudos multicêntricos e multinacionais, permitiu a unificação de regulamentos que foram traduzidos em diretrizes com padrão internacional de qualidade ética e científica para: ● delineamento, ● condução e desempenho, ● monitorização, ● auditoria, ● registro dos dados, ● análise e relatório de estudos clínicos, para assegurar a credibilidade e a precisão dos dados e dos resultados obtidos, bem como a proteção do direito, integridade e confidencialidade dos participantes do estudo: Boas Práticas Clínicas (BPC ou GCP, do inglês Good Clinical Practice). Em 2005, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), redigiu a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, que abordou a normatização dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs). De acordo com essa declaração, os CEPs deveriam ser independentes, multidisciplinares e pluralistas e, com o propósito de avaliar questões éticas, legais, científicas e sociais relevantes, que estejam relacionadas aos projetos de pesquisa. No mesmo ano de 2005 foi elaborado o Documento das Américas critérios de Boas Práticas Clínicas (BPC), mais específicos para o nosso continente e, que passaram a servir como base tanto para as agências regulatórias, como para os pesquisadores, Comitês de Ética, universidades e empresas. Diretrizes éticas para pesquisa com seres humanos No Brasil, o marco para pesquisa clínica foi a resolução 196/96 elaborada em 1996 A resolução foi publicada pelo CNS (Conselho Nacional de Saúde) foi a primeira resolução nacional sobre a regulamentação e normatização da condução de pesquisa clínica em nosso País. A resolução estabelece a existência do sistema CEP/CONEP e torna obrigatório o TCLE. Essa resolução foi revogada em 2012 pela 466/12. Contexto da pesquisa clínica no âmbito nacional Desde então, uma série de regulamentações foram apresentadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) com o intuito de regulamentar a pesquisa e o registro de medicamentos no país, em conformidade com os melhores padrões de qualidade técnica e científica disponíveis. 2003 - ANVISA publica a RDC 136 - normatiza o modo como os novos medicamentos deveriam ser registrados. A partir de então, novos fármacos só poderiam ser registrados após passar por estudos controlados e terem a comprovação de sua eficácia e segurança. 2007 - ANVISA expandiu o controle e o rigor para registro dos novos fármacos. Passaram a ser exigidos estudos controlados também para renovação e registro de medicamentos similares (RDC17/07) e genéricos (RDC16/07). Contexto da pesquisa clínica no âmbito nacional Depois de 2007, para que os fármacos similares pudessem ser registrados, estudos referenciados e comparativos ao medicamento de referência, com testes de equivalência farmacêutica e bioequivalência comprovados passaram a ser exigidos. Desde então, a pesquisa clínica no Brasil tem crescido e buscado atingir padrões internacionais de qualidade e desempenho para atender às necessidades regulatórias nacionais (registro e desenvolvimento tecnológico brasileiro) e internacionais. Apesar do crescimento da pesquisa clínica nacional, o número de pesquisas clínicas realizadas no País ainda é muito inferior ao dos países da Europa (mesmo alguns de população bem menor que a do estado de São Paulo), Ásia, Pacífico e dos Estados Unidos. Contexto da pesquisa clínica no âmbito nacional Contexto da pesquisa clínica no âmbito nacional dados de 2019 O Brasil, apesar de ser um país com mais de 120 milhões de habitantes e de ter uma diversidade populacional, apresenta a grande maioria dos estudos concentrada em 7 estados: São Paulo é o estado brasileiro que conduz mais estudos clínicos (74%), seguido por Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará, Bahia, Paraná e Minas Gerais. Contexto da pesquisa clínica no âmbito nacional ● Fase 1 – 8% ● Fase 2 – 23% ● Fase 3 – 50% ● Fase 4 – 2% Dados do ClinicalTrials.gov apontam que a maior parte das pesquisas realizadas no Brasil são de fase 3, poucas pesquisas de fase 2 e menos ainda pesquisas de fase 1. A maioria dos estudos clínicos (58,4%) é financiada pela indústria farmacêutica e 37,9% tem incentivo das Universidades, principalmente as federais e estaduais. Contexto da pesquisa clínica no âmbito nacional INCENTIVO DAS UNIVERSIDADES 37,9% INDÚSTRIA FARMACÊUTICA 58,4% A indústria farmacêutica é a principal financiadora de projetos de pesquisa relacionados ao desenvolvimento de novos medicamentos. Entretanto, são escolhidas áreas de interesse com potencial retorno financeiro, o que acaba excluindo, consequentemente, pesquisas de determinadas áreas, como no caso de doenças negligenciadas (malária, tuberculose, etc). O governo, assim como as universidades e as agências de fomento à pesquisa, possuem um reserva financeira para custear projetos de pesquisa em áreas de interesse de saúde pública. Contexto da pesquisa clínica no âmbito nacional fim
Compartilhar