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SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 1 3.5 Globalização, Modernidade e Cultura Renato Ortiz Unicamp No debate atual sobre o mundo contemporâneo uma certeza se impõe cada vez mais: vivemos um momento de mudanças aceleradas e profundas. Na esfera da política, a debacle soviética, o fim da Guerra Fria, a constituição da Comunidade Eu- ropeia, a emergência do Japão e dos "tigres" asiáticos, redefinem o desenho geopo- lítico herdado do pós-guerra. Dentro deste contexto, a divisão bipolar entre comu- nismo x liberalismo, União Soviética x Estados Unidos, é ultrapassada por novas relações de forças determinando outra configuração da ordem internacional. No do- mínio econômico, a consolidação de um mercado global traz ainda aberturas e dile- mas para o século XXI. Deslocalização da força de trabalho, controle administrativo transnacional, capitalismo flexível, avanços tecnológicos, fazem com que a lógica da produção tenha cada vez mais uma abrangência planetária. De alguma maneira esse processo de mudanças se traduz pelo acúmulo de termos que surgem para com- preendê-lo: pós-modernidade, globalização, sociedade pós-industrial, sociedade de redes, pós-colonialismo, etc. Por isso as Ciências Sociais, neste início do século XXI, buscam por novos conceitos que consigam apreender este movimento de redefinição das coisas. No fundo, a discussão sobre a "crise paradigmática" exprime a inade- quação do estoque de conceitos do qual dispomos e a realidade que os desafia a todo o momento. A dimensão da cultura não escapa a essas transformações. Aula 23 mailto:claudiobarros0108@gmail.com SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 2 A "revolução" tecnológica (computadores, internet, satélites, fibras óticas, mi- niaturização dos aparelhos eletrônicos etc.) permite uma circulação planetária dos bens culturais numa escala inteiramente nova. Eles já não mais se circunscrevem a esse ou aquele país, transbordando as fronteiras nacionais. A cultura tornou-se ain- da uma esfera da expres- são de conflitos diversos, disputas étnicas, funda- mentalismo religioso, afirmação de gêneros, trazendo a discussão das identidades para um pri- meiro plano. Nesse senti- do, o debate sobre a ordem internacional tornou-se mais complexo, pois, ao lado das contradições anteriores, interesses econômicos, divisão entre países desenvol- vidos e subdesenvolvidos, acrescenta-se outra: a afirmação de identidades culturais diferenciadas e algumas vezes antagônicas. Se as mudanças no panorama mundial são claras resta, no entanto um pro- blema: como qualificá-las? Neste ponto os diagnósticos muitas vezes caminham em direções opostas. O debate se faz hoje sob o signo de uma contradição aparente. Afirmam-se simultaneamente conceitos que muitas vezes parecem ser excludentes: integração, globalização. Alguns analistas de marketing não hesitam em preconizar a existência de um planeta homogêneo, unidimensional, unificado apenas pelos vínculos de uma sociedade de consumo. Em todos os sítios os indivíduos teriam em princípio as mesmas necessidades básicas. Ca- beria ao mercado e aos bens materiais padronizados satisfazê-las. Uma visão antagônica encontra-se entre aqueles que sobrevalorizam os movimentos ét- mailto:claudiobarros0108@gmail.com SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 3 nicos (seja para afirmá-los como elementos de construção de identidades locais, seja para rejeitá-los como uma ameaça a qualquer movimento de unificação). O declínio do Estado-nação teria inaugurado uma era de fragmentação social, salutar ou perigosa, de acordo com as inclinações mais ou menos otimistas. Longe de ser unilinear, o mundo contemporâneo seria constituído por espaços desconexos, por fragmentos (alguns dizem "fractais") diversos, independentes uns dos outros. No contexto da formação dos blocos econômicos, por exemplo, a Comunida- de Europeia, a mesma polaridade analítica se reproduz. No início a ênfase é coloca- da no primeiro termo, a integração. Privilegia-se assim a dimensão da expansão das fronteiras - moeda única europeia, mercado comum, livre circulação das pessoas, intercâmbio entre os países etc. Porém, uma vez considerado este aspec- to integrador, como se por receio, retorna-se imedia- tamente a uma premissa anterior: a diferença cultu- ral - a idiossincrasia1 das regiões, a riqueza das culturas locais, a variedade dos povos e das culturas nacionais. O debate oscila desta forma da "totalidade" à "parte", da "integração" à "dife- rença", da "homogeneização" à "pluralidade". Tem-se a impressão de estar diante de um mundo esquizofrênico. Por um la- do pós-moderno, multifacetado ao infi- nito, por outro uniforme, idêntico em todos os lugares. Esta bipolarização ilusória se agra- va quando é rebatida no plano ideológico. Totalidade e parte deixam de ser momen- tos da análise intelectual para se trans- formarem em pares antagônicos de dis- posições políticas. De um lado teríamos o "todo", apressadamente assimilado a totalitarismo, de outro as "diferenças", ingenu- amente celebradas como expressão genuína do espírito democrático. 1 Na religião, idiossincrasia é o comportamento estranho ou diferente do usual das pessoas, diferente do comum. Pode- mos entender o termo nesse sentido como uma aversão à ideia diferente ou oponente. mailto:claudiobarros0108@gmail.com SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 4 Modernidade x pós-modernidade, escolher uma dessas trincheiras torna-se um imperativo de sobrevivência epistemológica.2 Tudo se passa como se vivêsse- mos uma Guerra Fria no plano dos conceitos. Esta seria a única forma de superar- mos a contradição aparente entre "integração" e "diferenciação", encolhendo-se ca- da um em seu universo seguro e compartimentado. Mas seriam as sociedades pas- síveis de serem compreendidas desta forma? Creio que não. É inteiramente falso imaginar o processo de globalização co- mo sendo equivalente ao de homogeneização do planeta. Por isso propus uma dife- renciação entre os conceitos de globalização e de mundialização. Quando falamos de uma economia global, nos referimos a uma estrutura única, subja- cente a toda e qualquer economia. Os economistas podem inclusive mensurar a dinâmica desta ordem globalizada por meio de indicadores variados: as trocas e os investimentos financeiros. Pode-se di- zer o mesmo da tecnologia na medida em que ela é a mesma em todo o planeta. Podemos assim falar em economia e em tecnologia global. No entanto, a esfera da cultura não pode ser considerada da mesma maneira. O processo de mundialização da cultura não implica necessaria- mente o aniquilamento das outras manifestações culturais: ele coabita com elas e delas se alimenta. Nesse sentido, não existe nem existirá uma cultura global única, idêntica em todos os lugares. O que se tem é a consolidação de uma matriz civiliza- tória, a modernidade-mundo, que em cada país se atualiza e se diversifica em fun- ção de sua história particular. 2 A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento, e também é conhecida como teoria do conhecimento e relaciona-se com a metafísica, a lógica e a filosofia da ciência. É uma das principais áreas da filo- sofia, compreende a possibilidade do conhecimento, ou seja, se é possível o ser humano alcançar o conhecimento total e genuíno, e da origem do conhecimento. mailto:claudiobarros0108@gmail.comhttp://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=images&cd=&cad=rja&docid=QaxVciBDNscDWM&tbnid=sV5zDtQu8gLlfM:&ved=0CAUQjRw&url=http://www.editorabrasiliense.com.br/catalogo.php?id=206&ei=UhR9UursK4SUkQfEuIHwDg&bvm=bv.56146854,d.eW0&psig=AFQjCNF4gQXIZbplnSis33LpAvGmI_vW3g&ust=1384015278364647 SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 5 3.5.1 Globalização e mundialização A modernidade-mundo carrega um elemento diferenciador: eis sua natureza. Isso significa que a mundialização é simultaneamente uma e diversa. Uma enquanto matriz civilizatória cujo alcance é planetário. Nesse sentido, parece-me impróprio falar em "modernidade japonesa", "modernidade europeia", "modernidade latino- americana", como se fossem estruturas distintas. Uma matriz não é um modelo econômico no qual as variações se fazem em função dos interesses em jogo ou das oportunidades de mercado. Capitalismo, desterritoriali- zação, formação nacional, racionalização do saber e das condutas, industrialização, urbanização, avanços tecno- lógicos, são elementos partilhados por todas essas "mo- dernidades". Os sociólogos podem considerá-las parte de um tronco comum revelando seus nexos constituti- vos. Mas, a modernidade é simultaneamente diversa. Ela atravessa de forma dife- renciada cada país ou formação social específica. Sua realização ocorre segundo as histórias dos lugares. As nações são diversas porque cada uma atualiza de maneira diferenciada os elementos de uma mesma matriz. A modernidade varia, portanto, de acordo com as situações históricas (possui uma especificidade na América Latina, outra no Japão ou nos Estados Unidos). Talvez pudéssemos qualificar o processo de globalização como uma "situação" que reordena os elementos que a constituem. Não se trata, pois de um "novo" paradigma que torna o "velho" obsoleto, mas de um contexto histórico no qual o todo e as partes adquirem outro significado. Mas quais seriam as implicações dessas mudanças recentes? A primeira de- las diz respeito ao Estado-nação. Desde a Revolução Industrial a nação afirmou-se como um elemento de aglutinação social. Sua totalidade integrava a economia, a vida social e política dos povos. Cada nação definia assim uma territorialidade e uma centralidade próprias, no seu bojo, pelo menos em princípio, se realizariam os so- Aula 24 mailto:claudiobarros0108@gmail.com http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=images&cd=&cad=rja&docid=wkwOJ_le-FfMYM&tbnid=dc0H8s_G6iBW2M:&ved=0CAUQjRw&url=http://agendacultural-bmqs.blogspot.com/2009/12/no-dia-03-de-dezembro-atividade-com-o.html&ei=xhV9Up7jDYHUkQftgIGIDg&bvm=bv.56146854,d.eW0&psig=AFQjCNF4gQXIZbplnSis33LpAvGmI_vW3g&ust=1384015278364647 SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 6 nhos de emancipação, de democracia e de liberdade. Cada território, cada país, en- volvia seus cidadãos dentro de uma identidade particular, distinta da de outros paí- ses. A nação se apresentava assim como um espaço dotado de autonomia capaz de ordenar a sociedade nacional de acordo com sua historicidade, suas forças eco- nômico-sociais, enfim, suas contradições internas. O processo de globalização rede- fine este quadro de equilíbrio. A modernidade-mundo é uma tendência que extrapola as fronteiras nacionais. Isso não significa que o Estado-nação esteja prestes a de- saparecer. Apenas uma visão ideológica pode alimentar este tipo de ilusão. Entre- tanto, a globalização retira muito de sua autonomia anterior. Primeiro a autonomia política (o que é um dilema crucial do século XXI). Parte substantiva do poder já não mais se en- contra circunscrita ao território do Esta- do-nação. Ele se situa no interstício das forças transnacionais (corporações, ban- cos, G-7, FMI etc.). Neste sentido, a ideia de "projeto nacional", que durante todo o século XX prevaleceu particularmente na América Latina (desenvolvimentismo, varguismo - de Getúlio Vargas, no Brasil, peronismo - de Peron, na Argentina), torna-se cada vez mais uma proposta política irrealizável. Isso significa que o destino da nação já não pode mais ser equacionado em termos preponderantemente endógenos. Segundo, autonomia cultural. Sabemos que durante os séculos XIX e XX o destino das nações é diferenciado. No entanto, pode-se dizer que cada uma delas se configura em um núcleo de irradiação cultural. A nação define um espaço geográ- fico no interior do qual se realizam as aspirações políticas e os projetos pessoais. O Estado-nação não é apenas uma entidade político-administrativa, ele é uma instân- cia de produção de sentido. A identidade nacional galvaniza as inquietações que se exprimem em sua territorialidade. Certamente, sua afirmação não se faz sem pro- blemas, afinal a sociedade moderna é clivada pelo antagonismo de classes. Por ou- tro lado, para se constituir enquanto tal, a nação deve acomodar os interesses dos mailto:claudiobarros0108@gmail.com SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 7 grupos diversificados - as nacionalidades, os povos indígenas, as populações de origem negra. Até mesmo a língua, um de seus elementos unificadores, tem de con- quistar sua legitimidade, isto é, demarcar sua autoridade diante da diversidade lin- guística e dos dialetos locais. Entretanto, mesmo assim, o Estado-nação consegue equacionar minimamen- te o conjunto dessas contradições. Diante de outras orientações alternativas, a iden- tidade nacional se afirma como hegemônica, ou para utilizar uma expressão weberi- ana, o referente nação detém o monopólio da definição do sentido do que seria a "autêntica" identidade nacional. Ele é o princípio dominante de orientação das práti- cas sociais. As outras identidades possíveis estão a ele subsumidas. Isso ocorre desde que as contradições existentes sejam contidas no interior das fronteiras do Estado-nação. No entanto, no momento em que a modernidade-mundo se radicali- za, acelerando as forças de descentramento e de individuação, os limites anteriores tornam-se exíguos. A "unidade moral, mental e cultural" nacional (para falarmos como Marcel Mauss) é implodida. Se até então a nação era a fonte privilegiada da produção de sentido coletivo, temos agora ao seu lado outras instâncias identitárias (etnias, cultu- ras populares, civilizações). Cada uma delas é produtora de sentido afirmando suas idiossincrasias de maneira concorrente ou complementar. Dentre as implicações da globalização um último aspecto merece ainda ser apontado, trata-se de uma dimensão que afeta diretamente o universo da cultura. O processo de mundialização incide sobre a própria noção de espaço. Na história das sociedades humanas a cultura sempre esteve, de alguma maneira, enraizada no meio físico que a envolvia. A tribo, a cidade-estado, a civilização, a nação, são áreas geográficas com fronteiras bem delimitadas. Dentro delas se exprimem as identida- des culturais de cada povo. mailto:claudiobarros0108@gmail.com SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 8 1) Sobre a ideia de mundialização de Renato Ortiz é CORRETO afirmar que: a) Tal ideia refere-se a uma forma mais avançada de internacionalização com aumento da integração funcional das atividades econômicas e serviços e, con- sequentemente, refere-se à organização de um mercado de consumo mundial. É um conceito contemporâneo que permite, inclusive, tratar da questão do con- sumo cultural. b) É uma expressão correlata ao conceito de “sociedade global” e complementar ao conceito de globalização. Tal como o conceito de “sociedadeglobal”, a ideia de mundialização permite refletir sobre a homogeneização cultural que engloba todas as culturas e visões de mundo. c) Substitui o conceito de globalização com vantagens, pois o amplia levando em conta a diversidade de culturas e de mundos. Mas, a constatação de que há uma tendência à uniformidade é inerente tanto ao conceito de mundialização como ao de globalização. d) O processo de mundialização da cultura não implica necessariamente o aniqui- lamento das outras manifestações culturais: ele coabita com elas e delas se alimenta. Nesse sentido, não existe nem existirá uma cultura global única, idên- tica em todos os lugares. 2) O processo atual de globalização gera cada vez mais uma “cultura internacio- nal-popular”. Analise as afirmações retiradas da obra Mundialização e Cultura de Renato Ortiz (1994): mailto:claudiobarros0108@gmail.com SOCIOANTROPOLOGIA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 9 I. A língua oficial, a escola, a administração pública, a invenção de símbolos naci- onais (bandeiras, comemorações de independência, heróis etc.) são elementos culturais que geram valores partilhados pelos cidadãos de um mesmo país. II. Nos pontos mais distantes, Nova York, Paris, Zona Franca de Manaus, na Ásia ou na América Latina nos deparamos com nomes de marcas em objetos cultu- rais conhecidos – Sony, Ford, Mitsubishi, Phillips, Renault, Volkswagen. III. Uma região já não se define apenas pela presença de um número limitado de alimentos cultivados ou fabricados em suas áreas. Os alimentos descolam de suas territorialidades para serem distribuídos em escala mundial (cervejas, chocolates, biscoitos, refrigerantes, fast-food etc.) IV. O culto dos mortos no México estabelece um vínculo entre os homens e seus ancestrais. Uma forma de se vivificar as relações sociais e o presente. As afirmações que apontam para a tendência de globalização e padronização de uma cultura internacional popular são apenas: assinale a alternativa CORRETA. a) I e II. b) I e III. c) II e III. d) II e IV. mailto:claudiobarros0108@gmail.com
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