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Cuiabá, 2010 Oreste Preti PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO: ORIENTAÇÕES TÉCNICAS E PEDAGÓGICAS Drª Lucia Helena Vendrusculo Possari Drª Onilza Borges Drª Ana Arlinda de Oliveira Dr Carlos Rinaldi Drª Gleyva Maria Simões de Oliveira Drª Maria Lucia Cavalli Neder Martins Comissão Editorial Revisão Diagramação Capa Ilustrações Germano Aleixo Filho Terencio Francisco de Oliveira Marcelo Velasco Marcelo Velasco Cuiabá, 2009 Ficha Catalográfica P928p Preti, Oreste. Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas. / Oreste Preti. Cuiabá: UAB/UFMT, 2010. 210 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 1.Educação à Distância. 2.Texto Didático. 3.Material Didático. I.Título. CDU 37 978-85-61819-98-9 egundo os dados do INEP, no Brasil, em 2007, eram 408 os cursos a distância, atingindo mais de 350 mil estudantes; 3.702 os cursos Sda chamada “educação tecnológica” - cursos com duração de até dois anos -, com quase 350 mil matrículas também. O Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distân- cia (2007) confirma estes dados: 225 Instituições autorizadas pelo MEC para oferecer cursos a distância, atendendo a mais de 770 mil estudantes. Em 1995, a Universidade Federal de Mato Grosso era a primeira instituição a oferecer um curso de graduação a distancia no País (Pedago- gia), por meio de seu Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD), criado em 1992. Em 2000, eram apenas cinco as universidades, abrigan- do menos de 5 mil estudantes matriculados. Esses poucos dados podem nos dar de imediato uma ideia aproxi- mativa do crescimento desta modalidade, aqui no Brasil, pois no mundo, desde a década de 1970, milhões de estudantes frequentam universida- des sem sair de casa ou do local de trabalho. A impulsão da EaD em nosso país pode ser atribuída a pelo menos dois fatores: - o primeiro, como parte do movimento de luta pela democratiza- ção do ensino. Há um grito forte e uma luta contínua para que o COLETÂNEA “EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA” direito constitucional à educação se concretize para milhões de brasileiros excluídos deste bem social historicamente conquis- tado. E a modalidade a distância vem se afirmando como uma das possibilidades para que isto se realize; - o segundo fator pode ser atribuído às novas tecnologias da informação e da comunicação. Essas tecnologias realizaram avanços, e algumas delas, em certo sentido, se “popularizaram”, permitindo às pessoas ultrapassar as distâncias geográficas e se aproximar cada vez mais. Assim, está ocorrendo uma espécie de rompimento do conceito de distância. A educação está mais próxima para uma parcela cada vez maior da sociedade (não está mais distante - “a distância”). As tecnologi- as da comunicação permitem o diálogo e a interação entre pessoas, em tempo real, como o telefone, o bate-papo, a video e a webconferência, tornando sem sentido falar em “distância” no campo da comunicação. Por isso, podemos falar em EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIAS! Não somente porque é possível ser realizada, como por ser bandeira de luta a ser levada adiante para as próximas décadas, por nós, educadores! Quando, em 1996, lançávamos o primeiro livro da coletânea “Educação a Distância”, havíamos pensado nomear esta coletânea de Educação sem Distância. Porém, naquele momento, avaliávamos que isso poderia provo- car mal-entendidos e que, diante da necessidade de divulgar essa modali- dade de ensino e diante da escassez de material sobre o tema em língua portuguesa, retratando nossa realidade educacional, social e cultural, seria mais oportuno recorrer à expressão consagrada mundialmente: Educação a Distância. Hoje, com a expansão quantitativa de cursos a distância e com a necessidade de qualificação de quadros para atuar nesta modalidade, existe produção significativa sobre esta prática educativa. Educadores brasileiros com experiência nesta modalidade se propuseram escrever, expor suas experiências em EaD como maneira de contribuir na consolidação desta modalidade, aqui no Brasil, e na forma- ção dos que atuam na EaD. São dezenas as teses e dissertações, centenas os artigos versando sobre Educação a Distância. A participação e a contribuição da UFMT, no debate sobre EaD, também têm sido significativa, com produção acadêmica, abertura da linha de pesquisa em EaD (2000), no Programa de Mestrado em Educa- ção Pública e a coletânea Educação a Distância. Em 1996, lançávamos o primeiro número da coletânea, com o tema: Inícios e indícios de um percurso, trazendo relatos da experiência do NEAD/UFMT na oferta do primeiro curso de graduação a distância no Brasil (1994). Em 2000, com o segundo número da coletânea, Educação a Distância: construindo significados, ampliávamos a discussão sobre esta modalidade, não se restringindo à experiência do NEAD. Trouxe- mos contribuições valiosas de educadores atuando em instituições de renome e com larga experiência em EaD, como G. Rumble, Neil Mercer e F. J. G. Estepa, da Open University da Inglaterra; Walter Garcia, presi- dente da Associação Brasileira de Tecnologia (ABT); Rosângela S. Rodrigues, da Divisão de Engenharia de Produção, Universidade Fede- ral de Santa Catarina, e do sociólogo Pedro Demo, que também prefaci- ou a obra. Eram relatados percursos diferentes, com experiências e visões diversas sobre EaD, que foram trazidas para o debate e oferece- ram elementos de reflexão para quem estava atuando ou se propondo iniciar nesta modalidade. Em 2005, foram lançados dois volumes. Em Educação a Distân- cia: sobre discursos e práticas, discutia-se a Formação de Professores em cursos a distância, analisando as práticas discursivas sobre a EaD. Na obra Educação a Distância: ressignificando práticas, discutia-se a questão da gestão da EaD e a produção de material didático na EaD. Neste ano de 2009, estamos lançando outros quatro volumes: um sobre os Fundamentos da EaD e três sobre a produção de Material Didático. Esperamos, assim, com estes novos volumes da coletânea, continu- ar participando intensivamente do atual debate sobre a modalidade a dis- tância, num momento em que o governo federal propõe e dirige a expansão do ensino superior por meio da modalidade a distância, com a criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil (2006). Trata-se de política ostensi- va e extensiva para que essa modalidade de ensino se solidifique e se qualifique como parte regular do sistema de ensino superior. Oreste Preti, organizador da coletânea. SUMÁRIO 1 O TEXTO DIDÁTICO NA EaD 1.1 Material didático impresso 1.2 Texto didático 1.3 Fundamentos pedagógicos O ato de ler O ato de aprender 2 POR ONDE CAMINHAR 2.1 Possíveis etapas 2.2 Ponto de partida 3 PROCESSO DE PRODUÇÃO DO TEXTO DIDÁTICO 3.1 Plano de ensino 3.2 Redação 4 ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO TEXTO 4.1 Elementos pré-textuais 4.2 Elementos textuais 4.3 Elementos pós-textuais 5 ORIENTAÇÕES TÉCNICAS 5.1 Aspectos tipográficos 5.2 Ilustrações 5.3 Ícones 5 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 5.1 Finalidade 5.2 Formulação 5.3 Objetivos gerais e específicos 5.4 Verbos 6 ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM 6.1 Finalidade 6.2 Características 6.3 Tipos de atividade 6.4 O que evitar ENFIM ... COMO UMA ONDA NO MAR PALAVRAS DE DESPEDIDA APÊNDICE 1 Guia de estudo 2 Instrumentos de avaliação do material didático impresso 3 Alguns “pecados” dos textos acadêmicos ay un consenso generalizado en considerar que los materiales son la columna vertebral de una enseñanza que pone el énfasis en el trabajo independiente del alumno y transfiere a los materiales parte de las funciones múltiples que los profesores de la enseñanza presencial realizan, non sólo en relación a los alumnos (interesar, facilitar, aclarar, profundizar, retroalimentar...) sino también las que realizan con los materiales (contextualizarlos, conexionarlos con la actualidad, completarlos, adaptarlos, etc.). De esas consideraciones se deduce que la elaboración de materiales didácticos para la EAD se convierte en unatarea compleja y necesitada de todos los auxilios posibles para realizar-se correctamente . O impresso é, certamente, um meio de ensino largamente utilizado na formação a distância e no ensino presencial. É um suporte que permite ao estudante ele mesmo escolher seu lugar de estudo, seu horário e seu ritmo de estudo; além disso, permite grande número de atividades de aprendizagem. Por essas razões, o impresso tem contribuído a individualizar a formação . (BENAVENTE et al., 1994, p. 11-2) (LANDRY, 1985, p. 255) Professor ou professor ?CONTEUDISTA AUTOR o se referirem ao professor que escreve texto didático na EaD, algumas instituições têm utilizado o termo “conteudista”. Assentado na perspectiva de que o professor não é mero produtor de “conteúdo”, cabendo-lhe, mais que tudo, por meio do texto, a função de ensinar, de formar, chamá-lo de “conteudista” é reforçar a ideia de que a ele compete a tarefa de “despejar conteúdo”, reservando ao estudante aquela de “reproduzi-lo”. Não lhe empobreçamos a função. Afinal, a atuação docente vai além, muito além, de transferir conteúdo! Por isso, preferimos nos referir ao professor que escreve texto didático como AUTOR. Em seu sentido etimológico, é aquele que cria, que produz algo seu, que inova e rompe com o estabelecido. Mais que tudo, é aquele que provoca o leitor, que o estimula à reflexão, ao diálogo com o autor, convidando-o para, juntos, atribuírem novos significados, novas feições ao texto. 11 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Prezado autor e prezada autora: Parabéns por aceitar mais esse desafio em sua vida profissional, o de produzir um texto didático para estudantes matriculados em cursos a distância. Sabendo do pouco tempo de que você dispõe, envolvido com as mais diferentes atividades profissionais e domésticas, elaborei esse texto, uma espécie de guia, que contém orientações básicas para produ- ção de material didático impresso para a Educação a Distância (EaD). Busquei orientá-lo no instigante trabalho de reunir duas artes que fazem parte de seu cotidiano: a de escrever e a de ensinar. Sim, porque a função principal do texto didático é “ensinar” por meio do texto, é possi- bilitar que você esteja “junto do estudante”, não fisicamente, mas por meio de seu texto. Essa presencialidade virtual é algo que a modalidade a distância nos possibilita! Escrever e ensinar são artes muito parecidas com a do escultor que lapida a pedra bruta, vai martelando, retirando pedaços, ora com suavidade, ora com ardor impetuoso, até a figura projetada em sua mente ganhar contornos e se materializar. Ou então, mais parecido com o trabalho do pintor que, com o pincel, vai traçando percursos coloridos, mudando o fundo da tela branca, externando suas ideias, seus sentimentos e realizando seu projeto inicial. Ou, como mais me apetece, a exemplo do jardineiro ou do agri- cultor que, depois de lançar a semente, vai cuidando da pequena muda, adubando, regando, podando, até que se torne árvore viçosa, carregada de vida e de frutos saborosos que agradarão ao paladar e irão satisfazer a quem deles se servir. Ou então.... Você pode escolher a imagem que melhor lhe aprou- ver. O importante é ter a atitude desses artistas: intervir na obra com intencionalidade e com paixão, sabendo que haverá momentos de suor, APRESENTAÇÃO 12 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas de lágrimas, de dor e de alegria. Componentes esses que não se opõem; pelo contrário, se misturam e se completam dando sentido a seu gesto de escrever o texto didático. Espero que esse guia possa apoiá-lo nesse seu desafio, servindo de “alta ajuda”, mais do que de “autoajuda”. Nesse sentido, organizei-o em seis temáticas, não seqüenciais. Assim, você poderá caminhar por ele, como desejar. No primeiro tópico (O texto didático na EaD), faço rápida retros- pectiva sobre o livro didático e justifico por que trato aqui do texto didático impresso e na modalidade a distância. Para isso, apresento resumidamente o que dizem os estudos no campo da pedagogia e da psicologia sobre os processos de ler e de aprender Na unidade 2, ofereço ideia aproximada dos possíveis passos na elaboração de texto didático para, na unidade seguinte, descrever rapidamente o processo de produção, dando ênfase ao plano da discipli- na e à redação. Na unidade 4, descrevo e exemplifico todos os elementos que compõem a estrutura de um texto didático impresso. Em Orientações técnicas (unidade 5), trago um exemplo de projeto gráfico que elaboramos para o Programa Escola Aberta do Brasil (e-Tec Brasil). Finalmente, nas duas últimas temáticas, cuido de dois aspectos que considero de importância fundamental para garantir o processo de ensinar e de aprender: a elaboração de objetivos de aprendizagem e de atividades de aprendizagem. Mais que tudo porque, ao longo de minhas diferentes experiências na produção de material didático na EaD, tenho constatado que os autores encontram certa dificuldade em sua elaboração. No Apêndice, encontrará explicações sobre erros de língua portuguesa que costumamos cometer ao escrever, instrumentos para avaliar material didático impresso e breve explanação sobre o que vem a ser o Guia de estudo. O que está proposto nesse número da coletânea Educação a Distância não são “regrinhas”, nem a sugestão de passos que tenham o poder de fazer com que você elabore material perfeito. O que pretendo é que este guia lhe sirva de “alta ajuda”, mais que “autoajuda”. Comentários, críticas e contribuições serão bem-vindas, pois se trata de “texto em construção”. Saudações amigas, Oreste Preti Cuiabá, MT, em 12-12-09 O TEXTO DIDÁTICO NA EaD O texto didático, provisoriamente entendido como um texto escrito para ser dito, para informar ou para propor algo à compreensão, à análise ou até à memorização de fórmulas, etc., tem na relação pedagógica a função de articular o ensino e a aprendizagem. Para isto, ele neces- sita possuir algumas propriedades específicas, especial- mente hoje, na época em que o saber e o conhecimento científico e a reflexão filosófica ganham novas caracte- rísticas e os meios linguísticos, técnicos e artísticos revolucionaram a comunicação social e a expressão humana (PAVIANI, Jayme. Apresentação - O texto didático no ensino. In: SANTOS, 2001). Ao produzir material didático, você está criando uma tecnologia que irá apoiar (ou não) o processo de aprendi- zagem dos estudantes, dependendo de como você desenvolver essa tecnologia. Já havia pensado sobre isso? (OLIVEIRA, 2006). A modalidade de Educação a Distância (EaD), compreendida a partir de uma abordagem sistêmica ¹, envolve a atuação e a interação de diferentes sujeitos, além da estruturação e da conexão de diversos compo- nentes, para que o processo de ensinar seja objetivado e o processo de aprender se concretize. Entre os diversos componentes do sistema de EaD, sempre foi considerado de importância fundamental o material didático, produzido ¹ Palavras em itálico indicam que encontrará breve explicação em Glossário, ao final deste Guia. EAD – Educação Aberta e a Distância; EaD ou ED – Educação a Distância. 1 especificamente para quem estuda sem contar com o apoio presencial de um professor. Por isso, a equipe de produção de material didático assume papel único e específico no processo de ensinar. Neste Guia, porei em foco o trabalho do autor, produtor de um texto didático, resultante do processo de seleção de determinado conteú- do e de construção de conhecimentos que considera importantes no processo formativo-educativo do estudante. Porém, é importante salientar que, ao falarmos de material didáti- co, estamos nos referindo a uma diversidade de meios tecnológicos que podem ser utilizados no proces- so de ensinar, com o objetivo de propiciar aprendizagem por parte do estudante. Portanto, não se restringe ao texto didáticoimpresso. 1.1 TEXTO DIDÁTICO IMPRESSO Por que, então, tratar do texto didático impresso? Por vários motivos. Vamos mencionar alguns: 1 - Trata-se de tecnologia que não é nova, no entanto ainda tem espaço garantido numa sociedade em que tecnologias novas se tornam cada vez mais populares e sedutoras. Segundo Raquel G. Barreto (2000), “a multimídia interativa deixa muito pouco espaço para a imaginação [...] A palavra escrita, ao contrário, estimula a formação de imagens e evoca metáfo- ras cujo significado depende, sobretudo, da imaginação e da experiência do leitor”. 2 - Tem crescido enormemente a indústria de material impresso, indicando que o “fim do livro” está longe de acontecer. 3 - É a tecnologia que faz parte de nossa formação escolar (e de nossos estudantes), de nosso campo profissional (ainda mais quando os estudantes são professores em exercício), tecnolo- gia que melhor dominamos. 14 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas 15 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas 4 - Na EaD, ainda predomina o uso dessa tecnologia por ser mais acessível. Segundo dados do Censo EAD (ABRAED, 2008), 91% das instituições que participaram da pesquisa e que possu- em Polos de Apoio Presencial, utilizam material impresso. Mas, se considerarmos somente a oferta de cursos de gradua- ção, podemos constatar que praticamente 100% das institui- ções o utilizam. 5 - As Instituições que atuam na EaD estão em processo crescente de produção de material didático específico para os cursos em oferta. Se estimarmos que, num curso de graduação, há uma média de 40 a 50 disciplinas e que são mais de 200 os cursos oferecidos, podemos ter ideia aproximada da quantidade de livros produzidos na EaD. E se multiplicarmos estes livros pelo número de estudantes matriculados (aproximadamente um milhão), logo nos damos conta de que estamos diante de uma “indústria do livro” no campo da EaD. 6 - E caso ainda não tenha se dado conta, observe que, neste exato momento, você está buscando conhecimento em um material didático impresso! A partir daqui nos referiremos ao texto didático com o nome genérico de Material Didático Impresso (MDI) Assim, falar sobre material didático no campo educacional, de maneira geral, é retomar tema antigo, revestido de polêmicas que acom- panham sua produção e seu uso. Aqui, proponho, resumidamente, fazer referência a algumas delas para que, juntos, possamos refletir sobre o momento atual, como atores e autores na modalidade a distância. Antes, é importante pormos um pano de fundo em tudo que vai ser discutido. O livro didático, que nasce no movimento renascentista, do resgate da individualidade, na passagem da Idade Média para a Moderna, está associado ao desenvolvimento do capitalismo, de uma sociedade voltada para o capital, às novas relações de trabalho na manufatura e na nascente indústria, aos avanços técnicos da tipografia e ao aparecimento da profissão docente. Apresenta-se como possibilidade de multiplicar a ação do professor para atingir número cada vez maior de estudantes, em tornar o ensino atraente e a aprendizagem fácil. Em que sentido? 1 - O livro didático foi proposto por Jan Amos Comenius (1592- 1670), em sua Didática Magna (1627-57), como tecnologia 16 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas que possibilitaria superar o ensino artesanal, de natureza individual, entre preceptor e discípulo, para um ensino coletivo: “ensinar tudo a todos”, com certeza, rapidez, solidez e prazer. Nasceu, portanto, com a perspectiva da socialização do conhecimento e da universalização do acesso à escola. Nessa perspectiva, a história dos siste- mas escolares, como redes institucionalizadas de ensino, é paralela à história do material impresso de ensino. 2 - Por outro lado, em seu nascimen- to, traz com ele a possibilidade da desqualificação do professor, daquele que “organiza aulas“ para determinadas classes de estudan- tes, que “professa” conhecimen- tos próprios, acumulados ao longo de anos de estudo e de experiência, congregando as condições técnicas e intelectuais para ensinar. Por quê? Para Comenius, “tratava-se de simplificar e objetivar o traba- lho didático, de tal forma que qualquer homem mediano pudesse ensinar” (ALVES, 2005, p. 67). Assim, o livro didáti- co credenciou à função docente qualquer pessoa com domínio básico da tecnologia da leitura, pois basta seguir o que está proposto e sequenciado no livro didático. Até livro com res- postas elaboradas as editoras disponibilizam ao professor. Como consequência, o professor perde a centralidade no processo de ensinar para o livro didático. Este passa a dominar e dar a tônica à atividade de ensino. 3 -O livro didático contribuiu tam- bém na concretização do projeto capitalista de manter o trabalhador disciplinado, ordenado, sob seu controle, no trabalho fabril. Nesse sentido, o livro didático pode ser percebido como estratégia de disciplinamento, de treinamento à submissão, ao que está predeterminado, pré-escrito. O profes- sor se torna, assim, um “maestro”, isto é, em seu sentido etimo- lógico, um “adestrador”, um “amansador”. E o estudante, como 17 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas sujeito passivo, levado a copiar, a reproduzir e a decorar o que está exposto (imposto) no livro didático. 4 -Aqui no Brasil, durante a ditadura militar, a indústria do livro didático atuou também como instrumento de controle ideológico, de dissemina- ção de determinada visão de mundo e de sociedade brasileira amoldada ao sistema imposto. Assim, o livro didático foi marcado por abordagem positivista e por peda- gogia tecnicista. O livro didático, portanto, é marcado por um passado que não o qualifica para uma educação libertadora, de questionamento reconstruti- vo, embora, ao longo da história da educação, houvesse e haja propostas pedagógicas que buscam fazer dele instrumento de libertação. Portanto, não há como negar a importância histórica dessa tecno- logia nos sistemas de ensino, sobretudo na educação básica. Podemos afirmar que a historia dos sistemas escolares como redes institucionaizadas de ensino é paralela à história do material impresso de ensino. Mas como compreender o uso do livro didático na modalidade a distância, em cursos superiores e de pós-graduação lato sensu, que, historicamente, em seus cursos presenciais, utilizam textos literários e científicos? Que práticas são desenvolvidas na produção deste material didático e que avaliação podemos fazer de sua produção e de seu uso, hoje, na EaD? São questões amplas e complexas que deman- daria maior tempo para conversarmos sobre isso. Indico a leitura de um texto de minha autoria - Materi- al didático impresso na EaD: experiências e lições apre(e)ndidas - disponível em www.uab.ufmt.br (artigos científicos) - a ser publicado pela editora da UFSC, em 2010. Neste texto proponho reflexões à produção do texto didático em cursos a distância e analiso algumas experiências de produção de MDI. 18 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Os textos-fonte (literários, filosóficos, científicos, considerados “originais clássicos”) ainda continuam servindo (e devem servir!) como “fonte” para o professor em sua atividade de ensino, para “fundamentar, completar, contrapor, referendar os conhecimentos, objeto de estudo, ou ampliar-lhes o universo de abrangência” (SANTOS, 2001, p. 19). Porém, os textos-fonte foram elaborados para diversas finalida- des e atendendo a público diversificado de leitores. Certamente, não foram escritos pelos autores para uso no ensino, mas podem ser agrega- dos posteriormente ao ensino, pelo professor. Por quê? Na maioria dos textos-fonte, a preocupação é a transmissão de conteúdo, veicular determinadas informações, defender uma tese, divul- gar resultados de pesquisa ou apresentarum tipo de abordagem, de ideologia, etc. Por isso, tende a centrar-se no conteúdo, e não no processo de ensino e aprendizagem. O conteúdo é fim em si mesmo. Não há preocupação sobre o processo de leitura, como o leitor irá se posicionar diante do texto, o que o livro poderá provocar no estudante ou que este deverá realizar ao longo ou ao final da leitura. As publicações científicas e pedagógicas se dirigem a públicos específicos que os autores pretendem atingir por razões específicas. Modificar depois as intenções de comunicação de um autor ou a natureza do público que quer alcançar, pode levar a distorções importantes [...] A necessidade de adaptar textos originais ao nível de conhecimento dos estudantes, e ao contexto da formação a distância, pode impedir o uso de textos já publicados (LANDRY, 1985, p. 221). Temos que reconhecer, porém, que há textos-fonte que conseguem estabelecer “rapport” com o leitor, de afinidade emocional mútua, envol- vendo o leitor melhor que alguns textos didáticos desenvolvidos na EaD. Neste sentido, há instituições de EaD que também utilizam o texto-fonte como material didático de base, como texto-base. O profes- sor da disciplina, então, elabora um Guia de Estudo em que orienta o estudante sobre o processo de leitura do texto ou dos textos-fonte esco- Você deve estar se perguntando: “Há diferença, então, entre um livro utilizado pelo professor na sala de aula, o texto- referência (que costumamos chamar de texto-fonte) e um livro produzido para cursos a distância (nomeado de texto didático, texto pedagógico, texto autossuficiente, ou texto-base)? 19 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Sobre Guia de Estudo, leia breve texto, em Apêndice. Existem também manuais de cursos para o ensino presencial que, no entanto, foram concebidos para uso em sala de aula. Embora, muitas vezes, bem-estruturados e acessíveis à leitura do estudante, deixam ao professor a tarefa de elaborar atividades e estabelecer interação com o estudante. Além dessa discussão em relação ao uso ou não do texto-fonte ou do texto-base, o que importa ter presente no debate é que, ao fazer uma opção por este ou aquele tipo de livro ou texto, se está fazendo uma opção epistemológica e ideológica. Pois, qualquer tipo de texto está impregna- do de concepção política e ideológica e, por isso, pode se constituir em instrumento de apoio, ou não ao desenvolvimento da criticidade, da politização, da transformação ou da manutenção de preconceitos, intole- rância, limitação do pensamento crítico e politizado, entre outros. Portanto, você, como autor e professor, ao pensar o processo de ensino e aprendizagem e propor realizar este processo por meio de seu texto didático, necessita ter claras não somente as bases epistemológicas do que vai ensinar, como qual sua ideologia, qual conceito tem de homem, de educação e de sociedade. Pois seu ato é e sempre será políti- co, muito distante da possibilidade de neutralidade. Conforme nos adverte o filósofo e epistemólogo francês Georges Gusdorf (1912-2000), em sua obra “Professores: para quê?“ (1970, p. 18), “o ensino é sempre mais que ensino”. Além da dimensão pedagógi- ca, implica a epistemológica e a política. A especificidade do MDI para a EaD, portanto, não está apenas no design, em seu aspecto didático, mas também no papel político do grupo que assume a empreitada da produção deste material, tendo em vista sua proposta de formação de determinado profissional. Por isso, é possível encontrarmos material considerado bem- formatado e formativo, e material com pouca ou quase nenhuma qualida- de técnica, científica e política. Se o grupo que conduz o processo de produção do MDI possuir clareza quanto ao projeto pedagógico e à fun- lhidos, sobre as atividades a serem realizadas. O Guia de Estudo remete a fontes bibliográficas de leitura obrigatória e de leitura complementar. 20 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas ção do texto didático, muito provavelmente terá êxito na elaboração. Caso contrário, o desgaste do próprio grupo, o gasto de recursos, a má utilização das técnicas sobressaltarão aos olhos do leitor e, inevitavel- mente, isso será motivo de formação desqualificada dos estudantes. Gostaria de chamar sua atenção para outro aspecto a ser considerado por você ao escrever seu texto. O livro didático contém a informação básica, fundamental, a ser aprendida pelo estudante. Por isso é nomeado de texto-base, que serve de ponto de partida para a formação do estu- dante. Nele, não se pretende esgotar o assunto. O autor, então, indi- cará ao estudante a leitura e o estudo de outros textos, alguns obriga- tórios (como os textos-fonte), outros complementares ou opcionais (livros, artigos, filmes). Em fim, o texto didático se diferencia fundamentalmente do texto-fonte, porque é produzido com a intenção de ensinar, num contexto formal de ensino, visando ao processo formativo e educativo dos leito- res-estudantes. Portanto, o material didático impresso na EaD necessita propici- ar não somente ensino, mas, sobretudo, interação do autor com o estu- dante, por meio do texto. O que realmente é importante é o que o estu- dante irá fazer diante do texto, pois a aprendizagem somente ocorrerá por ação do estudante. Daí, escrever um texto didático significa comu- nicar, socializar conhecimentos, estabelecer interação com o leitor/estudante, ainda mais na EaD, em que os interlocutores estão distantes no tempo e no espaço. É comum verificarmos a utilização de MDI para a EaD em cursos presenciais. Professores e estudantes justificam tal utilização afirmando que a leitura é mais leve e esclarecedora. Ou seja, este tipo de mate- rial tem colaborado com a difusão de conhecimento independente- mente da modalidade educacional. 1.2 TEXTO DIDÁTICO O que você vai produzir é um “texto”, isto é, como revela sua etimolo- Locutor, do latino locus (lugar), alguém que fala de algum lugar, de uma posição (ideológica, social, política, conceitual). 21 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas gia (textum, particípio passado do verbo latino texo: tecer), um “tecido”, uma “rede”, Daí a palavra “textura”: ato ou efeito de tecer; união das partes que formam como que um tecido; contextu- ra, rede, organização. Portanto, texto implica algo que deve ser costurado, alinhavado, interligado, dando sentido e intenciona- lidade ao gesto de escrever, algo que compõe uma unidade comunicativa, e não simplesmente um meio para transmitir informações. E esse texto pode ser tecido por meio de palavras, imagens, gráfi- cos, ícones, tabelas, etc. Texto são todas as formas ( unidades de significação) que utilizamos para interagir com o outro: a pintura, a música, a charge, o gibi, o texto poético, a dissertação, a música, a fotografia, o vídeo, o cinema, a escultura, etc. (NEDER, 2009). Há mais uma característica a ser observada. Trata-se de texto “didático”, isto é, produzido com a intenção de ensinar. A função do material didático, para quem o elabora para cursos a distância, é ensinar, mas tendo como objetivo central a aprendizagem de quem estuda em casa, no trabalho, sem a presença física do professor. Portanto, além de apresentar uma seleção e organização de conte- údo (com rigor científico, claridade, profundidade, atualização e perti- nência, em função dos objetivos propostos), o texto didático desempenha diferentes funções, em relação ao estudante, entre as quais destacamos: - favorecer o desenvolvimento de habilidades, competências e atitudes; - antecipar possíveis dificuldades, dúvidas, equívocos e erros; - relacionar conhecimentos novos com os anteriores; - integrar a teoria com a prática; - provocar questionamento reconstrutivo e a capacidade de estu- do autônomo; - indicar pistas para novas fontes e ulteriores informações; - proporcionar conexão com outros meios didáticos para ampliare aprofundar o conteúdo; - exemplificar diversas aplicações do conhecimento; - propor analogias, problemas, questões; - propor experiências e apresentar atividades de aprendizagem, 22 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas questões ou problemas de autoavaliação; - possibilitar ao estudante avaliação de sua aprendizagem; - estabelecer recomendações oportunas para conduzir a leitura do texto e as atividades de aprendizagem; - orientar o estudante; - propiciar leitura agradável e compreensiva; - manter diálogo com o estudante; - motivar; - servir de material de consulta permanente. Leia com atenção o quadro seguinte e procure identificar, nas características do texto didático, de que estratégias você, como autor, pode fazer recurso para que seu texto se torne didático e comunicativo. Conteúdo É elaborado a partir de demandas, necessidades de grupos específi- cos, a partir de orientações da equipe pedagógica e multidisciplinar responsável pelo curso e pela produção do material didático. É avaliado constantemente. Assim, a cada nova oferta é revisto, atualizado e adaptado para melhor servir ao estudante, ao perfil do profissional a ser formado. Relação autor-leitor O conteúdo é importante, mas sua preocupação central está na possibilidade da aprendizagem, isto é, o que o estudante faz do conteúdo proposto e de que maneira. Pois o conteúdo não fala por si só, mas por meio da mediação e da interação que devem ocorrer entre os sujeitos envolvidos no processo educacional. Por isso, na EaD, a interação do leitor com o autor se dá com a participação do tutor, do professor formador. Tom e estilo Faz uso de linguagem menos formal e mais coloquial - sem perder a precisão científica e técnica -, procurando envolver o estudante. Como fazer isso? 23 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Objetivos São redigidos para indicar ao estudante o que ele irá aprender. Isso lhe permite avaliar sua progressão no estudo. Perguntas / Questionamentos Há quebras no texto para provocar o leitor à reflexão, a se posici- onar. Espaços em branco Pode-se recorrer a esta estratégia para que o estudante escreva, responda ao questionamento, complete um exercício, preencha um diagrama, etc. Atividades Propõem-se atividades para que o estudante atue ativamente na leitura e possa realizar autoavaliação de sua aprendizagem, tendo o cuidado para que estas atividades não sejam excessivas, mas pro- postas no texto no momento adequado. Resumos / Revisões Ao final de cada unidade temática, o autor faz breve retomada do que desenvolveu ao longo dela. Ou pode solicitar ao estudante que faça isso. Nesse caso, oferece pistas sobre o conteúdo deste resumo na abertura da unidade seguinte ou ao final do texto didático. Suposições / Erros O autor, a partir de sua experiência docente, antecipa possíveis equívocos, preconceitos, erros por parte do estudante. A respeito deles, desenvolve algum tipo de discussão ou de atividade para que o estudante tome consciência de seus "enganos". Autoavaliação Ao propor questionamento, exercícios ou atividades, no próprio texto e/ou ao final, o autor dá pistas para que o estudante avalie sua compreensão, seus acertos e erros. 24 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Orientações São oferecidos conselhos sobre a leitura do texto, sobre as atividades a serem realizadas, sugeridos procedimentos ou passos a serem seguidos para obter sucesso em determinada tarefa de estudo ou na vida profissional. Ilustrações Imagens, fotos, diagramas, tabelas, etc. são utilizados ativamente, como recurso didático para melhor explicar determinado conteúdo ou para propor ao estudante atividades de reflexão, de análise, de comparação, de interpretação. Projeto gráfico É concebido pedagogicamente para que ajude positivamente o estu- dante no processo de leitura. A divisão em unidades temáticas é para favorecer a atenção do estudante e para que ele possa manejar o conteúdo de acordo com seus interesses e necessidades. Na composição do MDI, respeitam-se questões ergonômicas e orga- nizam-se os elementos textuais e os imagéticos para dar beleza e leveza ao texto, além de dar "identidade" ao material do mesmo curso e/ou programa. Retroalimentação Por meio de questionários ou entrevistas, o texto didático é avaliado por especialistas da área, por professores que utilizaram o material, pelos tutores e estudantes que o leram. Assim, o autor poderá fazer, para uma próxima edição, as adequações para garantir qualidade no material e melhor apoiar o estudante no processo de leitura. Apoio humano Na EaD, o autor sabe que o estudante pode contar, presencialmente e/ou virtualmente, com a figura do tutor. Conseguiu identificar aspectos novos ou sobre os quais você pouco havia refletido? Certamente você se deu conta de que um autor, ao elaborar o texto 25 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Nos sistemas de EaD, a mediação pedagógica está suportada em textos didáticos e em outros materiais disponibilizados ao estudante. Isso supõe que esses textos são pedagogicamente diferentes do material utilizado no ensino presencial e, por conse- guinte, muito mais em relação a textos científicos. (GUTIÉRREZ PÉREZ, Francisco; PRIETO CASTILLO, Daniel. Media- ción Pedagógica,1991). Portanto, esse “tecido” que você estará “costurando” tem de possibilitar ao seu interlocutor (estudante/leitor) que, antes de tudo, compreenda sua mensagem (a que você quer “ensinar”) e que também possa (res)significar, dar novos sentidos aos que já foram embutidos por você no texto. Procure levar o estudante ao questionamento e à atitude reflexiva, e não somente lhe propor a simples retenção de determinadas informações, de repetir o que está dito (imposto) no texto. Assim, por meio do texto impresso, haverá comunicação, intera- ção entre quem escreveu (nesse caso, você, professor-autor) e quem está lendo (o estudante-leitor, que se torna coautor, ao ressignificar o texto). Como estabelecer essa interação autor-leitor? Não há “regrinhas” nem receitas. Certamente, você já desenvolve essa habilidade quando está em sala de aula ou nos textos que você escre- didático, precisa estar atento a uma diversidade de aspectos que pouco nos preocupam quando escrevemos relatórios ou artigos científicos. Mais que tudo, a função principal do texto didático é motivar o estudante (por meio de linguagem comunicativa), é ser portador de conteúdo com rigor científico; é orientar o processo de (auto)aprendizagem. Assim, o texto didático se torna elemento dinamizador do processo ensino-aprendizagem, possibilitando ao autor estabelecer mediação pedagógica com o estudante. É isso que faz a diferença entre o livro de um autor, que você usa em sala de aula, ou um livro que você escreveu (resultante de suas pesquisas, reflexões) e o texto didático utilizado na EaD. Este é produzido especificamente para “ensinar” a determinado estudante, para um curso específico e não para qualquer leitor interessado no assunto. (auto)aprendizagem: é redundância, pois a aprendizagem não ocorre sem a participação ativa do aprendente. 26 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas ve. Agora, na modalidade a distância, poderá desenvolver ainda mais essa habilidade, ao escrever e reescrever o texto, pois poderá contar com o apoio de profissionais no campo da comunicação, da pedagogia, da psicologia. A produção de seu texto que, em média, dura de quatro a seis meses, será um momento rico de troca de experiências e de conhecimen- tos. Caso seja essa sua primeira experiência em escrever texto didático, não fique receoso. Aprenda com eles! Vamos, agora, tentar compreender como se fundamenta a possibi- lidade de estabelecer a interação autor-leitor, mediatizada pelo texto? 1.3 FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS Para poderescrever, expor por escrito algo, você deve ter “domí- nio” sobre o assunto. Quanto a isto, não há questionamento. É ponto de partida para produção de texto didáti- co. Porém, esse domínio não garante que você consiga transmiti-lo no Se você quiser expandir seu conhecimento sobre os fundamentos comunicacionais, por meio do texto didático, sugerimos a leitura dos textos-base e Saber+, publicados em: POSSARI, Lucia Helena Vendrúsculo; NEDER, Maria Lucia Cavalli. Educação a Distância. Material Didático para a EaD: pro- cesso de produção. Cuiabá: EdUFMT, 2009. Disponível em: www.uab.ufmt.br (Produção Científica / Coletânea EaD, n. 6). As autoras, além de propiciarem, no campo da semiótica, rica discussão sobre o processo de produção textual, apontam caminhos para quem confecciona o material didático na EaD. Ao final desta unidade encontrará um trecho retirado da obra do educador sueco Borge Holmberg (Educación a distancia, 1985), que aponta alguns aspectos relevantes do texto didático, apresentando-o como uma conversação didática guiada. Será que é possível dialogar a distancia e em tempos diferidos, em tempos diferenciados? 27 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas texto escrito, com clareza, simplicidade, e que estabeleça “contato” com o leitor estimulando seu desejo de ler e, assim, possibilitar sua compreen- são e aprendizagem. Para que possa realizar competentemente sua ação de ensinar, você precisa conhecer um pouco sobre o que acontece do outro lado, com o seu leitor, para poder se comunicar com ele. É importante que você, além de dominar a arte de ensinar (didática), estude e se aprofunde sobre o processo de aprender, isto é, como seu leitor aprende. Por isso, o texto didático é também chamado, por algumas institu- ições como a Télé-université du Québec (TÉLUQ / Canadá), de texto pedagógico, de texto preparado especificamente com fins educativos, trazendo, portanto, em seu cerne uma proposta de ensino. Não sei qual sua formação acadêmica, mas se você está se pro- pondo escrever um texto que tem como preocupação central que o estu- dante aprenda determinado “conteúdo”, o qual será lido por um estudan- te (aliás, por centenas de estudantes!), com o objetivo que aprenda o que você propõe ensinar-lhe, é importante ter presentes alguns fundamentos da ação pedagógica, para que você possa saber: - como ocorre o processo de aprender; - como o autor pode apoiar o leitor nesse processo. Você sabe como lê e como aprende o leitor? Não pretendemos aqui tratar amplamente de questões relaciona- das com o ato de aprender por meio do texto escrito, objeto de estudo por parte da psicologia, da educação, da psicopedagogia, da comunicação, da linguística. Você encontra exímias obras nas livrarias e nas bibliote- cas. Contudo, pretendemos chamar sua atenção para alguns aspectos úteis e importantes a serem considerados no momento em que você estiver redigindo seu texto didático. Antes de tudo, quero lhe dizer que a psicologia, além de ser uma ciência jovem, tem se dedicado a estudar experimentalmente como se dá o processo de aprender no ser humano, desde a tenra idade até à maturi- dade. Todavia, devo confessar que são poucos e recentes os estudos que procuram compreender como um adulto aprende. A Andragogia vem realizando esforços neste sentido. Porém, há estudos mais consolidados sobre como se dá o processo de ler. 28 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas A- O ATO DE LER ² Não acredito na morte dos livros em papel. Simplesmen- te porque o ato da leitura não é o mesmo, quando feito em leitores digitais. Ler um livro em papel requer uma habilidade especial. A começar porque se leva, pelo menos, meia hora para entender minimamente um contexto. Além disso, há uma forte conexão física entre o leitor e o livro (Juergen Boos, diretor da Feira de Frank- furt. Veja, 31 de março, 2010, p. 102). Ler pode ser uma experiência inacessível ou decepci- onante quando alguém não aprendeu a ler [...] a leitura numa situação de aprendizagem é também uma atividade intelectual complexa que necessita muito dos conhecimentos prévios do leitor (LANDRY, 1985, p. 216). Ler é muito mais do que a simples capacidade de o estudante decifrar sinais, de “decodificar”. É a capacidade de “dar sentido” ao que está lendo, pois está ligada à sua experiência pessoal, à sua vivência, aos seus conhecimentos e aos do autor. É nessa relação do estudante com você autor, mediatizada pelo texto e envolvendo as dimensões cognitiva, meta- cognitiva, histórica, cultural e afetiva, que ele dá sentido ao que está lendo. O ato de aprender, também por meio de texto escrito, é carregado de simbologia, de sentidos, de significados, provocados ou despertados pela capacidade de simbo- lização do leitor, de suas representações mentais, sociais, de suas experiências, entre outros elementos implicados nos processos de aprendizagem. Esses sentidos dependem do que o estudante já conhece sobre o assunto, de seus objetivos, interesses, motivação, das questões que se põem diante do texto, do contexto em que se encontra. Portanto, um texto pode ser lido e compreendido de diversas maneiras. É um ato pessoal, depende de cada leitor. Cada estudante lê diferentemente, por isso a leitura é um ato individual antes de ser também um ato coletivo, social. ²Parte deste tópico foi retirado de PRETI, Oreste. Estudar a Distância: uma aventura acadê- mica. 3 ed. Cuiabá: EdUFMT, 2009. Parte II – Leitura de textos acadêmicos. 29Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Aprendizagem significativa se dá quando o conteúdo a ser aprendido está relacionado ao que o estudante já sabe (D. Ausubel). A estrutura de textos expositivos é diferente da dos narrativos. Mas, afinal, como se dá o processo de ler? As mais recentes teorias no campo da psicologia cognitiva, da inteligência artificial, da psicolingüística, da comunicação e da lingua- gem põem em evidência como é complexo o processo de compreensão de um texto. Não é nosso objetivo, aqui, ingressar nessa discussão. Con- tudo, propomo-nos oferecer-lhe, como ponto de partida, uma visão sobre o processo de leitura, para que você, ao produzir seu texto, possibilite ao estudante realizar a leitura de maneira compreensiva. Colocarei resumidamente o processo de leitura, não a partir de um “método”, de um “modelo”, mas a partir de visão interativa, pois a maioria dos projetos peda- gógicos dos cursos de graduação a distância se funda- mentam em abordagens interacionistas que compreendem dialetica- mente a relação autor-leitor-texto-contexto. A leitura é concebida como processo de relações entre o texto (com sua estrutura textual), o leitor (com suas estruturas mentais e relaci- onais) e o contexto em que se situam o autor e o leitor. Trata-se de processo dinâmico, que se dá “antes, durante e depois” da leitura, envolvendo, de maneira interativa leitor-texto-contexto: - o leitor: com os esquemas de conhecer que possui: estruturas cognitivas (de conhecimentos sobre a língua e sobre o mundo) e afetivas; com uma diver- sidade de processos de leitura mediante os quais o sistema cognitivo interatua com o meio (tex- to/contexto - desde o reconhecimento da sílaba, palavra, frase, até o estabelecimento de relações, indo além do texto); com diferentes estratégias; componentes que o leitor constrói no processo de aprender ao longo de sua vida, com aquilo que ele é; - o texto: com sua estrutura, seu conteúdo e forma (que variam conforme o tipo de texto); como produ- to do autor com suas marcas, significados, inten- ções, história de vida; com sua microestrutura (que é a base do texto e o objeto da análise sintática: rela- ções gramaticais e estruturais) e sua macroestrutura (objeto da 30 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas análise semântica: relações com o significado do conjuntodo texto); com suas ajudas intertextuais (temática, sequência, ordenamento numérico ou alfabético, palavras indicado- ras/sinalizadoras (por ex.: “Em síntese”, “A ideia principal”, “Por isso”, “Ao contrário”, “Quero sublinhar”, etc.) e ajudas extratextuais: o autor apresenta para o leitor seus objetivos, levanta questões a que pretende responder, títulos e subtítulos, sumário, etc. - o contexto: em que leitor e autor se situam diferentemente (no tempo, no espaço) e se implicam, oferecendo pistas para com- preender como se tornaram o que são, e os sentidos que dão ao que está escrito. Observe, na figura abaixo, como isso pode ser representado: Figura 1 O processo dinâmico do ato de ler Fonte: GIASSON, Jocelyne, 1990, p. 35 (adaptação) A compreensão de um texto se dá, então, no movimento desse processo dinâmico e interativo, entre os diferentes componentes (leitor-texto-contexto) e no interior de cada um em parti- cular. Eles não atuam se- quencialmente, mas conco- mitantemente, paralelamen- te, influenciando-se de mo- do recíproco. Trata-se, por- tanto, de perspectiva focada nos processos, e não nas estruturas ou em etapas se- quenciais de processamento de informações. Mas como esse processo ocorre? Como saber se seu texto será compreendido pelo leitor? Para responder, é importante antes saber: o que você entende por “compreensão”? Nesses últimos trinta anos, muitos estudos foram realizados e teorias produzidas sobre a compreensão do discurso e, em particular, sobre a compreensão de textos. 31Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Eis o pensar de Sônia Kramer (2004): Toda palavra tem intenções, significados; para entender o discurso (o texto falado ou escrito), o contexto precisa ser entendido. A compreensão implica não só a identifi- cação da linguagem formal e dos sinais normativos da língua, mas também os subtextos, as intenções que não se encontram explicitadas (p. 498). Para que haja compreensão, então, é necessária a construção de um “modelo mental e situacional” que dê conta do que está escrito no texto, numa integração entre o “conteúdo” do texto, o contexto, os conhecimentos e os sentidos do leitor. O texto está carregado de um conteúdo, de significados e de vivências, do autor e do leitor. Nessa vertente, o entendimento do crítico literário soviético Bakhin (apud KRAMER, 2004, p. 500): O texto só vive em contato com outro texto (contexto). [...] Por trás desse contato, há contato de pessoas e não de coisas. Linda frase, não acha? E profunda! Por isso, não há como o estudante realizar leitura passiva. Falar em leitura ativa, interativa, então, é redundância. Ao ler, o estudante é convidado a participar na construção do texto que você escreveu, atribu- indo-lhe significados e colocando nele sua vida, suas experiências, suas emoções. Quantas vezes terminamos a leitura de um texto e nos encon- tramos com os olhos cheios de lágrimas ou decididos a mudar de vida, mudar nossa maneira de pensar e de agir! Ler é compreender [...] Compreender é sobretudo um processo de construção de significados sobre o texto que pretendemos compreender (SOLÉ, 1998, p. 44). Portanto, ler não é uma questão tão só racional, antes envolve também o emocional. Compreender é também sentir, deixar-se seduzir pelo texto. Por isso, você, como autor, deve propiciar isso ao leitor. Precisa buscar estratégias didáticas e desenvolver estilo de escrita e de comunicação (a propalada “dialogicidade” na EaD, sobre a qual fala- remos oportunamente) que provoque esse elo, essa relação, entre autor e leitor. Para que você entenda melhor como seu estudante irá ler seu texto, apresento, esquematicamente, alguns elementos que participam no processo de tornar a leitura compreensiva: 32 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas a- os olhos realizam um movimento chamado “sacádico”, isto é, pulando: a gente não lê linearmente, palavra por palavra, mas fixando os olhos num lugar e pulando mais adiante (movimen- to progressivo) e retornando (movimento regressivo). Quanto mais eficiente for o leitor, dará maiores pulos e fará menos regressões – portanto gastará menos tempo na leitura; b- habilidades linguísticas: sabemos decodificar uma frase, pois conhecemos as letras e as palavras e somos possuidores de uma gramática implícita, apreendida no cotidiano, e de uma gramática aprendida na escola; c- os objetivos: a compreensão de um texto depende muito dos objetivos com que realizamos determinada leitura, dos objeti- vos do autor ao escrever o texto, dos objetivos do professor formador que irá orientar o estudo daquele tema, daquela área do conhecimento; d- motivação: o leitor tem que fazer sua parte. Tem que estar disponível, com disposição favorável à leitura do texto, dando “sentido” ao que está lendo, sabendo o porquê e o para quê a leitura daquele texto; e- conhecimentos prévios sobre o tema do texto: ao longo da vida, quantas informações cada um de nós colhe (ouvindo, obser- vando, lendo) e que podem estar relacionadas com o texto que estamos prestes a ler. Se os conhecimentos prévios do estudan- te não são suficientes para o tema em estudo (por ser totalmen- te novo), ou for muito complexo, dificilmente haverá compre- ensão, ou exigirá do estudante mais tempo para o estudo; f- previsões: os conhecimentos prévios fazem com que o leitor possa “adivinhar”, antecipar o que há no texto, faça suas hipó- teses, pois se nossos olhos não lêem palavra por palavra, as que não são lidas, terão que ser adivinhadas. Curioso, não acha? Você já tinha pensado sobre isso? O leitor, então, imagina o que pode acontecer, que letras ou palavras seguirão. Na leitura do texto, tenta antecipar a informa- ção seguinte. Caso contrário, não conseguirá fazer leitura efici- ente e compreensiva, perdendo tempo para ler palavra por pala- vra, vagarosamente. Assim, quando chegar ao final do terceiro ou quarto parágrafo, por exemplo, terá retido pouco do primeiro; g- inferências: ao ler, o estudante poderá estar indo além das informações contidas em seu texto, por seus conhecimentos prévios e por sua capacidade de inferir, isto é, de deduzir, de A gente vê o que a gente sabe. Ler é um jogo de adivinhações. “ler entre linhas” 33Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas tirar conclusões. Ele capta o que não está explícito no texto, o que não está escrito; h- avaliação das previsões: à medida que o leitor vai lendo, vai confirmando ou rejeitando suas previsões, suas adivinhações. Isso torna possível o controle da eficácia, ou não, das estraté- gias de leitura por ele utilizadas; i- coerência e clareza no texto: são qualidades que se espera encontrar em seu texto, pois um texto mal-estruturado (por exemplo, sem encadeamento de ideias, ou colocadas de mane- ira não sequencial) dificultará enormemente a compreensão do estudante; j- o contexto: o contexto do leitor contribui de maneira decisiva em suas inferências, em seus conhecimentos prévios, no esta- belecimento de seus objetivos, na interpretação do texto. O conhecimento do contexto do autor e do tema contribui para tornar a leitura mais eficiente e compreensiva. Por isso, é importante que na abertura de sua disciplina, ou em sua apresentação, fale sobre você, sobre sua experiência como especialista naquela área do conhecimento. Quando for tratar de um tema, de uma teoria, situe no tempo e no espaço a temática, os autores referenciados (no próprio texto ou em caixa-texto). Percebeu quantos elementos participam do ato de ler? E, aparen- temente, parece algo tão simples e mecânico. A leitura é processo complexo de verificação, de constru- ção de interpretação, de compreensão e de construir significados, o que nos leva a aprender. Aprendemos a ler e lemos para aprender, isto é, aprendemos com a leitura! Aprendemos quando reorganizamos nossos conhecimentos ou construímos novos conhecimentos,quando desconstruímos conceitos e identificamos preconceitos, quando damos sentido e significado ao que fazemos, ao que estudamos. Por isso, a aprendizagem e a leitura são, antes de tudo, atos individuais. Dependendo do envolvimento, da “dis- ponibilidade” do leitor, não são atos solitários, pois se realizam na intera- ção com o outro, com o autor, com os colegas de curso, com o tutor, com o professor formador! 34 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas O mesmo se dá no ato de escrever. Você escreve pensando em seu leitor, no estudante daquele curso específico que irá ler o texto de sua disciplina. A leitura é processo de interações, de influên- cias recíprocas, entre leitor-texto-contexto-escritor, que não se limita ao momento da leitura, ocorrendo também antes e depois desta. É processo interno, porque precisa de mecanismos mentais e, nesse sentido, é diferente para cada leitor. Então, na realidade, sobre determinado texto, há leituras diferentes, porque os sujeitos (autor, leitor) são diferentes e os objetivos, motivos, momentos e lugares são diferentes. Por isso, insistimos novamente: a leitura de um texto escrito é, antes de tudo, atividade individual, pessoal, particular! Com isso não queremos dizer que não se possa fazer leitura coletiva, ou “leitura dirigida” pelo tutor ou pelo professor formador. Somente tem sentido se for precedida pela leitura individual, pela preparação pessoal. Mas veja bem! Os conhecimentos acerca da leitura e da aprendizagem não foram tratados aqui com exaustão. Portanto, se desejar aprofundar seus conhecimentos sobre esta temática, é neces- sário que realize leituras específicas de obras consagradas. Meu propósito aqui foi fundamentar e dar sentido ao uso de estratégias e técnicas de leitura que poderão auxiliar o estudante na leitura do material didático do curso a distância, na revisão bibliográfica para o trabalho de pesquisa e na construção de sua autonomia como leitor. KLEIMAN, Ângela Del Carmen Bustos Romero de. Oficina de leitura: teoria & prática. 7 ed. Campinas, SP.: Pontes, 2000. A autora, professora de Linguística Aplicada da UNICAMP, pesquisadora da temática “Leitura e Letramento”, com foco no letra- mento do professor, ensino-aprendizagem da escrita na formação de profissionais de nível universitário. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6 ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998. 35Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas A autora, professora do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação na Universidade de Barcelona, dedica-se há anos à pesqui- sa sobre o ensino e a aprendizagem da leitura, os processos envolvi- dos na compreensão leitora e sua vinculação com a aprendizagem. O texto escrito, de maneira especial na modalidade a distância, apresenta-se como um dos elementos de que faz uso o professor para mediar sua relação com o leitor, com o estudante. Este, no entanto, o entender do educador Francisco Gutierrez Perez: “Não se pode compre- ender o que é mediar se antes não se perguntar – O que é aprender?” (1995, p. 12). B- O ATO DE APRENDER Talvez você esteja se perguntando: “Por que não discutirmos como se dá o processo de ensinar? Que teorias de ensino poderiam dar sua contribuição à prática docente?”. Por um motivo muito simples: ainda não foram elaboradas teori- as que almejem descrever estratégias de “como ensinar”. Porém, por meio das teorias da aprendizagem, é possível pensar em projetos, em programas, em metodologias, em estratégias de ensino. Por isso, vamos tratar da aprendizagem. Mas não é somente por isso. Se seu objetivo, como professor e autor, é que o estudante aprenda, você precisa conhecer como ele aprende para que possa melhor ensinar, não é verdade? Em adendo, é impossível pensar na aprendizagem sem pensar no ensino, ou pensar no ensino sem pensar na aprendizagem. Se pensar- mos na aprendizagem sem o ensino, estaremos considerando-a algo automático (apriorismo). Se pensarmos no ensino sem a aprendizagem, estamos privilegiando o modelo copista, fundado no mecanismo da memorização (empirismo). A aprendizagem requer o ensino e o ensino requer a aprendizagem, pois o processo ensino-aprendizagem requer a prática dialética. Por outro lado, também não é nosso objetivo apresentar as princi- pais teorias da aprendizagem, mas, de maneira breve e simples, apontar alguns aspectos do processo de aprender do estudante. Aspectos que consideramos importantes, e sobre os quais você deveria prestar atenção ao escrever. Aprendizagem é uma atividade que envolve o sujeito aprendente de maneira integral e particular. Sobretudo porque exige que o estudante realize mecanismos a exemplos destes: 36 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas - realizar abstração, reflexão, interiorização, formação de ima- gens mentais; - buscar e processar ou refutar informações, dados; - analisar, organizar, comparar e integrar a informação; - fixar e utilizar o aprendido em novas situações; - controlar e comprovar o aprendido; - valorar situações e assumir diante delas posição pessoal e fundamentada. Tudo isso em processos mentais dinâmicos que provocam, no aprendente, conflito cognitivo, estados de desequilibração mediante a ação deste sujeito sobre o objeto de aprendizagem, até que seja possível acomo- dar, assimilar o objeto às suas estruturas mentais, num processo de eleva- ção de um nível de desenvolvimento cognitivo a outro nível mais elevado. Isso fornece ao sujeito condição de equilibração e adaptação ao meio. Portanto, não se limita à clássica compreensão de aprendizagem como algo que se dá por associação (memorização, repetição). Implica que o aprendido seja significativo, que tenha “sentido” para o aprenden- te, isto é, o novo conteúdo seja incorporado de maneira substantiva. Em que sentido? A tradução das oportunidades ampliadas de educação em desenvolvimento efetivo – para o indivíduo ou para a sociedade - dependerá, em última instância, de, em razão dessas mesmas oportunidades, as pessoas aprenderem de fato, ou seja, apreenderem conhecimentos úteis, habilidades de raciocínio, aptidões e valores. (Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Art. 4 – Concentrar a atenção na aprendizagem). Aqui se descortina outro desafio para você, como docente e autor. Os leitores têm trajetória de vida diferente. Eles se apresentarão diante do texto com interesses, sentidos e capacidades também diferentes. Você estará escrevendo para leitores que, por suas diferenças individuais, have- rão de revelar também capacidades leitoras diferenciadas. O que fazer? Pois bem. Os estudos no campo da psicologia procuram o que há em comum no ser humano que aprende e dizem que uma pessoa aprende com maior facilidade quando: a - Estabelece associação e dá sentido ao que está estudando. Ler uma palavra, um parágrafo, ou um texto sem entender e continuar lendo é irracional, ou seja, é não pensar e não tomar consciên- cia daquilo que se está fazendo, não acha? 37Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Em acréscimo, as pesquisas afirmam que a pessoa aprende aquilo que tem alguma relação com o que já conhece (fatos, lugares, situações vividas, conhecimentos) e o que tem sentido e importância para ela. Se tivesse que reduzir toda psicologia educa- tiva a um único princípio, enunciaria este: o fator mais importante que tem influência na aprendizagem é o que o estudante já sabe (David Paul Ausubel). É por isso que formulamos hipóteses, até mesmo sobre aquilo que ainda não conhecemos. Por exemplo, uma criança ainda não letrada pode considerar que, onde está escrito “vaca”, está escrito “for- miga” e vice-versa, levando-se em consideração que, se a vaca é um animal maior que a formiga, então a palavra que denomina o animal deve corresponder ao seu tamanho. Por exemplo, para você é mais fácil lembrar que 1 hecta- 2re correspondea 10.000m ou que 1 ha é, aproximadamente, o tamanho máximo de um campo de futebol? É mais fácil para o leitor compreender o que é capitalis- mo, por exemplo, com uma série de definições, citações de autores clássicos ou por meio de uma pequena história do cotidiano e, com ela, ir apresentando e discutindo o que é capitalismo? Você conhece o filme brasileiro de curta-metragem A ilha das flores (1989,13 min.)? Se puder, assista e compreen- derá como é possível ensinar conceitos complexos por meio de uma história: um tomate é plantado, colhido, vendido e termina no lixo da Ilha das Flores, entre porcos, mulheres e crianças. Você não pode desconhecer os conhecimentos anteriores do estudante, acerca do tema que lhe propõe estudar. É importante, em algumas situações, antes de iniciar um novo tema, propor atividades de aprendizagem sobre o que ele pode (ou deveria) ter estudado em época anterior ou na disciplina que precederá à sua. Assim, o estudante poderá avaliar seus conhecimentos prévios e identificar possíveis lacunas a sanar para poder iniciar o estudo da nova temática. Isso servirá também de ponto de referência para o tutor/orientador e para o professor forma- dor, buscando conhecer o nível cognitivo do estudante. b - Descobre o que aprender Antes de iniciar a leitura de um texto, ou o desenvolvimento de uma atividade acadêmica, é relevante que o estudante identifique os objetivos de aprendizagem propostos. Ausubel (1918-) psicólogo estadunidense. Elaborador da teoria da Aprendizagem Significativa (teoria da assimilação) Campo de futebol: medida oficial, máxima permitida: 210.800 m ; media 2mínima, 4.050 m . www.youtube.com dirigido pelo cineasta Jorge Furtado. 38 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Daí a importância de você, na apresentação da disciplina e de cada unidade temática, mencionar o que você, como professor-autor, espera que o estudante consiga alcançar ao final do estudo daquela disci- plina (objetivo geral), da unidade temática que está iniciando a ler (obje- tivos específicos), por que está sendo proposta aquela atividade de aprendizagem, que conceitos, competências, habilidades deverá ele desenvolver e apresentar, etc. Na educação de adultos, a única aprendizagem que faz sentido [...] é aquela na qual podem reconhecer diretamente a finalidade e a relevância para sua situação pessoal (GARCIA LLAMAS, 1986). c - Sente-se motivado a ler o texto, deixando-se seduzir pela leitura, se envolvendo-se com o tema. Nesse sentido, ao iniciar o texto de sua disciplina, é aconselhável que você dirija ao estudante palavras de estímulo, dizendo da importân- cia daquela disciplina em sua formação profissional, bem assim que traga para o texto metáforas, contos, fatos, ilustrando o texto com ima- gens atrativas e comunicativas, com gráficos, tabelas, organogramas, quadros sinóticos, etc. Você pode, então, contribuir para que o estudante se sinta motiva- do a ler seu texto quando: - oferecer ao estudante apresentação clara, amena, fazendo uso de recursos facilitadores da compreensão (exemplos, analogias, ilustrações); - organizar e sequenciar o conteúdo de maneira gradual, em relação à complexidade dos temas/conceitos, a possíveis difi- culdades do estudante; - oferecer atividades e exercícios que ofereçam desafios ao estudante e favoreçam a aprendizagem. Segundo os estudos da psicologia, a motivação é, fundamental- mente, algo interno, que vem do próprio sujeito, um movimento de dentro para fora, que tem capacidade de se mover (em seu sentido etimo- lógico). Porém, ela pode ser incrementada, impulsionada externamente, no que diz respeito ao processo de aprendizagem, quando o estudante: - se dá conta que domina os conhecimentos iniciais necessários para ter sucesso em sua disciplina; 39Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas - aprende conteúdo que tem sentido para ele, relacionado com sua experiência, com seus interesses e percebe nele alguma utilidade; - consegue resolver atividades menos complexas, de dificuldade regular; - percebe, de maneira clara e específica, os objetivos da discipli- na, do que ele precisa aprender; - recebe retroalimentação dos sucessos alcançados, por meio de atividades de autoavaliação; - participa ativamente no alcance dos objetivos propostos. Portanto, cabe a você, como autor, propiciar este incremento. d - É convidado a intervir no texto, a se posicionar como leitor “ativo”. O texto didático não pode ser um monólogo: o autor falando consi- go mesmo. Ao escrever, deve procurar fazer rupturas, abrir fendas, provo- car pausas reflexivas e questionamentos reconstrutivos, como também sair um pouco do texto, ir para situações concretas ou imaginativas para que o leitor pense, dê sua opinião, se posicione, para que desperte nele o desejo de buscar, em outras fontes, mais informações, outras respostas. e - Participa ativamente no processo de aprendizagem. Aprender, em seu sentido conceitual, significa “tomar para si, apoderar-se do conhecimento, agarrá-lo”, e isso envolve ação do sujeito. Ela jamais será passiva, sempre implicará participação do sujeito que aprende. Daí, falar em “aprendizagem ativa“ e em “auto-aprendizagem” é redundância. Caso contrário, trata-se de “domesticação”, de submis- são, de o estudante ficar repetindo, reproduzindo, simplesmente “deco- rando” o que está no texto (e que será esquecido num piscar de olhos). Aprender, para o adulto, implica atuar frente aos problemas e estes se apresentam a partir da realidade. Assim, pois, o estudante dialogará mais com a realida- de do que com o docente. A realidade e não o docente é quem proporciona os problemas, dá sentido aos saberes e validade às experiências (GARCIA LLAMAS, 1986). Em palavras simples, aprende-se fazendo. Por isso, é fundamen- tal que, ao longo do texto, você proponha atividades de aprendizagem: 40 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas exercícios a resolver sobre o conteúdo trabalhado, desafios, estudo de casos, situações-problemas, pesquisas (bibliográficas, de campo, de laboratório), etc. As atividades de aprendizagem, no texto didático, não podem ser percebidas como algo a ser pensado depois de o texto estar escrito, ou como algo complementar, periférico ao texto. Nem mesmo como forma para avaliar o estudante, no sentido de “dar nota”. Isso é competência do professor formador, da instituição que tem seu sistema de avaliação. As atividades são o cerne do texto e do processo de aprender. Ao redor delas, a partir delas, ou alicerçado nelas, você poderá construir o texto de sua disciplina. Elas são o ponto de encontro do autor com o leitor, do docente com o discente, do ato de ensinar com a ação de aprender. É por meio das atividades que o estudante toma consciência de que compreendeu, ou não, o que está lendo e estudando. Com a ajuda do próprio texto (nas explicações que você dará às atividades propostas -- no meio do texto ou ao final), poderá identificar o que impediu sua com- preensão e definir estratégias para que ele possa superar o “não saber ainda” aquele tema, ou determinado conceito ou operação ... E você, como autor, em que bases vai assentar sua intervenção, no construir seu texto escrito? O que você deve ter sempre presente, inde- pendentemente de sua opção epistemológica e ideológica? O psicólogo americano Joseph D. Novak, professor da Universidade de Cornell (Estados Unidos) e colaborador do psicólogo americano David P. Ausuebel (1918), oferece uma pista simples e clara: [... os seres humanos fazem três coisas: pensam, sentem e atuam (fazem). [...] qualquer evento educativo é [...] uma ação para trocar significados (pensar) e sentimentos, entre o aprendiz e o professor (MOREIRA, 1999, p. 168). Elaboradores de teoria da aprendizagem significativa. Em síntese, no processo de aprender, o sujeito, ao pôr em movimento o processocognitivo, ele pen- sa, sente e atua. Trata-se de atividade que afeta o homem em sua totalidade (pensamento, sentimento, vontade), devendo provocar nele mudanças. Portan- to, ao escrever, você não pode perder de vista esta orientação da teoria da aprendizagem significativa, propondo um percurso didático, mediante o texto, que envolva o estudante-leitor por inteiro. 41Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Finalizando Espero que tenha ficado claro o que tentamos expor aqui, de maneira simples e resumida: o processo de ensinar está radicalmente associado e interligado ao ato de aprender. Seu ato de ensinar se realiza e tem sentido quando o estudante aprende. Se ensinar é função do profes- sor, esse ensinar não significa transmitir, repassar conteúdo. É muito mais. Significa mediar o processo de aprendizagem. Podemos dizer que tudo o que escrevemos até aqui, em relação a seu trabalho como autor e ao do leitor como estudante, pode ser conden- sado numa simples regra: a regra dos 3 P. Que regra é essa? Muito simples a ser seguida. Vejamos. A regra dos 3 P O trabalho seu (o de escrever, de ensinar) e o do leitor (o de estudar e de realizar as atividades propostas no texto) necessita ser: Proveitoso – isto é, deve ser útil. Temos que encontrar ser- ventia nele, pelo que estamos fazendo, para nossa profissão e nossa vida. Por meio dele externamos algo que é nosso, que temos dentro de nós e que socializamos, pomos à disposição do outro. Possível - o que produzimos foi o melhor resultado que pude- mos apresentar; exigiu de nós esforços, tempo, dedicação, mas con- seguimos realizar algo, nos sentimos capazes de. O trabalho que nos propusemos não foi além de nossas capacidades e possibilidades. Nele encontramos nossa identidade, na obra concluída está parte de nós. Isso nos proporciona satisfação e nossa autoestima cresce. Prazeroso – realizar algo sem prazer é frustrante, tira o brilho do trabalho realizado, nossa obra fica sem alma, sem vida. Estamos nisso porque queremos, assim desejamos. Sentimos prazer ao longo da produção e ao concluir o texto didático. Quando estiver escrevendo seu texto, evoque estes 3 P. Pense em proporcionar um texto proveitoso, possível de ser lido e prazeroso, também para seu leitor. Uma última consideração: Quando estiver escrevendo seu texto, não esqueça que está escrevendo um texto para um leitor potencial que irá ler esse texto em outro momento, estando em outro lugar. Você e o estudante/leitor estarão separados no tempo e no espaço, mas deverão estar “conectados”, interligados, “em rede”, por meio do texto. 42 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Isso não é instigante e maravilhoso? Você poder se comunicar com milhares de leitores sem sair de sua casa, de sua instituição? Finalizando, uma sugestão. Quando estiver elaborando seu texto, imagine que está escrevendo para alguém e que esse alguém está aí a seu lado, conversando com você. Você ensinando, com linguagem coloquial, clara, simples, mas sem perder a precisão e o conteúdo, e ele buscando compreender sua mensagem, perguntando, tirando dúvidas... Talvez, isso o ajude nesse exercício de se tornar autor de um texto didático num curso a distância. Se você quiser expandir seus conhecimentos sobre o processo de aprender, sugerimos a leitura do texto de: OLIVEIRA, Gleyva Maria Simões de. Contribuições das teorias da cognição e da aprendizagem para a EaD. Cuiabá: NEAD/UFMT, 2007. Mimeografado. Disponível em: www.uab.ufmt.br (Produção Científica / Artigos). Texto escrito para professores formadores e orientadores/ tutores de EaD, para que compreendam o que significa mediação, a partir da abordagem sociointeracionista, e que estratégias podem ser desenvolvidas para realizar essa mediação. LEITURAS COMPLEMENTARES 1. ALUNO OU ESTUDANTE? Você percebeu que, ao longo do texto, nós nos referimos ao leitor de seu texto como estudante, e não como aluno. Por quê? Há diferenças de sentido ou as duas terminologias são sinônimas? Aluno O termo proveio do latim alumnus, antigo particípio médio- passivo do verbo alere (leia-se álere): alimentar, nutrir, fazer crescer, desenvolver, fomentar, criar, produzir, fortalecer, etc. Daí, o subs- tantivo alumnus (criança de peito, lactente, menino, aluno, discípu- lo) e “almus” (o que nutre). Palavra em uso antes de Cristo, teria sido introduzida no português, no ano de 1572. No campo educacional, então, aluno é tomado no sentido de alguém que foi nutrido “intelec- tualmente”. 43Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas Nessa vertente, aluno não significa “sem luz”, como se lê ou se ouve por aí, acreditando ser formada pelo prefixo a (negação) e lun (adulteração do substantivo lumen – luz). Grande equívoco, sem base etimológica. Estudante Do latim studere (leia-se studére), significa examinar, anali- sar, trabalhar em, dedicar-se a, ter afeição a, desejar, comprazer-se em, interessar-se por. Em sua etimologia, abarca as dimensões da reflexão e da emoção, da razão e da paixão, da ponderação e do envolvimento, integrando palavra, ação, sentimento, compreendendo o ser em sua unidade e totalidade. No estudar, há envolvimento reflexivo e pra- zer: o lado sisudo, duro, que exige sacrifício, disciplina, renúncia, e o lado prazeroso do conhecimento novo que faz descortinar horizon- tes mais amplos e paisagens com novas cores. Há idiomas que utilizam o termo aluno para se referir a quem já foi estudante (ex-aluno), e estudante a quem está matriculado em curso ou instituição educacional. Exemplo: “Ele foi meu aluno, em 1990, quando lecionava no curso de direito”. “Sou estudante de um curso a distância da Universidade Federal de Mato Grosso.” Minha opção pela palavra estudante se assenta no sentido dinâmico e ativo atribuído ao sujeito (reflexão, razão, paixão, ação). O conceito de nutrir, presente na origem latina de aluno, me remete à ideia de passar, de transmitir algo, pronto e acabado, ao sujeito da aprendizagem. O processo de nutrição independe do sujeito, é algo biológico apenas. 2. CARACTERÍSTICAS DO ESTUDANTE ADULTO 1. Os adultos buscam experiências de aprendizagem que sejam úteis para alcançar sucessos específicos de mudanças em sua vida (ex.: casamento, novo trabalho, emprego, promoção, aposentadoria, etc.). 2. Quanto mais sucessos e mudanças o adulto encontra, mais oportu- nidades de aprender buscará. 3. As experiências de aprendizagem que os adultos buscam por eles mesmos, se relacionam diretamente, na percepção deles, com as mudanças que originaram a busca. 4. Uma vez que se convencem da certeza da mudança, iniciarão qual- quer tipo de aprendizagem que prometa ajudá-los nessa transição. 44 Produção de Material Didático Impresso: Orientações Técnicas e Pedagógicas 5. Embora a motivação obedeça a razões múltiplas, é certo que, para a maioria, a aprendizagem em si mesma não é gratificante. Aque- les que buscam a experiência de aprendizagem fazem-no princi- palmente porque já têm a possibilidade de aplicar o conhecimento e a habilidade perseguida [...] 6. O adulto necessita mais tempo para estabelecer conexão entre o novo conteúdo a aprender e o aprendido, para estabelecer relações complementares com as experiências acumuladas e para proces- sar, passo a passo, o novo conteúdo. Neste sentido, fracassa antes que os jovens quando está submetido a pressões temporais e, sobretudo, quando tem que aprender demasiadas coisas novas ao mesmo tempo. 7. Nessa mesma linha de raciocínio, também é explicável que, quan- do o adulto conta com o tempo necessário para processar e inte- grar comparativamente novas experiências, sua aprendizagem seja mais sólida e definida que a dos jovens. Por isso, deve conce- der-se o tempo que requer o ritmo pessoal de assimilação e proces- samento da informação. GARCÍA LLAMAS, José Luis. Educación a Distancia. El aprendizaje adulto en un
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