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AVALIAÇÃO NA PRÉ-ESCOLA 
Jussara Hoffmann 
 
UM OLHAR SENSÍVEL E REFLEXIVO SOBRE A CRIANÇA 
 
Percebe-se, no processo avaliativo, como é difícil para o professor dar-se conta de que o que ele 
acredita observar da criança é decorrente de suas próprias concepções e posturas de vida. Mesmo que 
persiga uma avali- ação justa, neutra, imparcial, cumprindo uma tarefa que a escola exija, ele se revela ao 
avaliar, pela releitura pró- pria do que vê. (p. 49) 
Nas últimas décadas, a avaliação ficou marcada pelas seguintes características: processo objetivo 
(definição de critérios definidos, claros e observáveis sobre o desempenho de um aluno), padrões uniformes, 
arbitrariedade e juízo imparcial sobre o aluno. (p. 49) 
Na verdade, o que o educador diz do educando é resultante dessa relação que se estabeleceu e ele 
revela, na avaliação, suas concepções teóricas e sua maior ou menor aproximação com a criança. O que se 
diz sobre a criança, as “verdades” enunciadas, precisam ser sempre repensadas, transformando-se em 
hipóteses a serem permanentemente investigadas por meio da observação e diálogo com as crianças, o que 
exige estudo e reflexão teórica. (p. 49-50) 
A avaliação em educação infantil precisa resgatar urgentemente o sentido essencial de 
acompanhamento do desenvolvimento infantil, de reflexão permanente sobre as crianças em seu cotidiano 
como elo da continuida- de da ação pedagógica. (p. 50). 
A avaliação se faz presente no dia a dia da instituição, à medida que ele está analisando as atitudes 
das cri- anças, pensando no que fazer ou como trabalhar com uma atividade. A avaliação acontece mesmo 
antes de ele começar um trabalho com elas, porque escolhe histórias, planeja jogos e atividades prevendo 
certas possibilida- des ou reações das crianças. (...) a curiosidade sobre as reações não esperadas das 
crianças irá possibilitar ao pro- fessor uma maior riqueza, uma maior coerência, uma maior precisão em 
termos do acompanhamento do seu desenvolvimento (Imaginemos um caso em que o professor planeja um 
jogo de boliche para as crianças e, em vez disso, elas batucam com os pinos e jogam futebol com as bolas. 
São ações que contrariam as expectativas dos professores, mas é importante saber que a criança está 
aprendendo do mesmo jeito. Portanto, não há certo ou errado.) (p. 51) 
No processo avaliativo está presente a subjetividade do professor (percepções, sentimentos, interpreta- 
ção), e é importante que o educador esteja consciente dessa subjetividade (o que significa observar mais e 
me- lhor as crianças, conversar com elas, bem como discutir sobre suas reações com os pais, diretores, 
coordenadores pedagógicos, orientadores etc.). (p. 52) 
Para isso, é importante superar as fichas classificatórias da avaliação e os pareceres descritivos 
superficiais e comportamentalistas. Indicam-se os relatórios que contemplem o próprio dinamismo do 
processo de desenvol- vimento infantil. Relatórios que contemplem o dia a dia da criança e do professor, que 
possibilitem acompanhar a história de vida da criança numa instituição (...). Como história individual, devem 
esses registros revelar trajetó- rias individuais numa leitura positiva das crianças: peculiaridades, curiosidades, 
avanços e dificuldades próprias, respeitando e valorizando o seu “ser” diferente dos outros. Diferenças 
entendidas como normais e não como desvantajosas. (p. 52-53) 
Para compreender cada criança, é necessário recorrer às condições concretas de sua existência, uma 
vez que as interações de cada uma como seu meio abrangem significados de caráter biofisiológico, afetivo, 
cognitivo e social. Na vida e na escola a criança se confronta com múltiplas e diferentes vivências (com 
objetos materiais, culturais, religião, dança, folclore, valores de cada sociedade e grupos sociais...). (p. 53) 
(...) a avaliação não tem sentido ao apontar resultados atingidos, pontos de chegada definitivos a cada 
ida- de ou etapa, mas precisa se voltar à investigação séria dos processos evolutivos de pensamento. O 
processo ava- liativo no dia a dia da criança e do professor, assim como os registros de avaliação, ao longo 
de um período de trabalho e ao final deste, serão coerentes aos princípios apontados enquanto respeitarem a 
própria dinâmica da construção do conhecimento, no sentido de projetar-se para o futuro, ao invés de 
simplesmente constatar e/ou apontar etapas percorridas. Um relatório de avaliação delineia um processo 
percorrido pela criança em sua per- manente tentativa de superação, de novas tentativas e conquistas. (p. 54) 
Logo, é possível apontar os três princípios norteadores da avaliação 
mediadora: I – Princípio da investigação docente 
II – Princípio da provisoriedade dos juízos estabelecidos 
III – Princípio de complementaridade 
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PARECERES OU RELATÓRIOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA 
Apesar de importantes e necessários, esses instrumentos (pareceres e relatórios) vêm provocando 
muitas críticas de pais e educadores, porque acabam por revelar muitas falhas no processo avaliativo, tais 
como: a falta de preparação dos professores para enunciar e redigir seus comentários e análises sobre o 
desenvolvimento in- fantil, a ausência de uma proposta pedagógica das instituições e que acaba por se 
retratar nessa forma de regis- tro, ou a falta de acompanhamento consistente das crianças pelos professores 
que acabam por incorrer em cer- tos absurdos registrados sobre elas. (p. 59-60) 
Além disso, há outros equívocos, como: 
- muitos pareceres reduzem-se a apontar aspectos atitudinais das crianças, com julgamentos de valor 
sobre o seu desenvolvimento em termos socioafetivos e cognitivos; 
- alguns pareceres parecem apenas reproduzir, por extenso, fichas de comportamento (...); 
- roteiros elaborados por diretores ou coordenadores uniformizam o relato dos professores e centram-
se muito mais na rotina do professor do que na observação do desenvolvimento da criança; (...) (p. 60) 
Agora, observemos o seguintes item de uma “ficha de avaliação” da pré-
escola: Relacionamento com outras crianças: 
( ) Ótimo ( ) Bom ( )Regular 
 
Esse item é considerado por muitos professores como “descritivo” de uma atitude da criança, sem que 
eles percebam o caráter comparativo/classificatório que ele acaba por absorver. O que significa desrespeitar a 
criança em suas características individuais, uniformizando, padronizando o “relacionamento ótimo” 
arbitrariamente. (p. 61-62) 
O fato mais sério é que ele não descreve como casa criança relaciona-se com outras, é vago, porque 
permi- te interpretações diferenciadas sobre o seu significado. (p. 62) 
A visão comparativa da avaliação é um legado da avaliação tradicional, seletiva e excludente. Quando 
um professor atribui notas a provas e trabalhos dos alunos, muitas vezes, é por comparação entre a 
quantidade ou extensão das respostas de casa um. E as notas registradas não permitem o entendimento das 
dificuldades ou avanços dos alunos. (p. 62) 
Da mesma forma, percebe-se a ausência de significado de muitos aspectos apontados e qualificados 
sobre as crianças em pareceres e fichas de avaliação a partir de um rol de itens genéricos, amplos e vagos. 
(p. 62) 
Quer dizer que, ao invés de analisar se uma criança está se desenvolvendo no mesmo ritmo e jeito das 
ou- tras, é preciso caracterizar o seu próprio ritmo, entender a sua maneira e o seu tempo de fazer as coisas, 
para lhe oportunizar o desenvolvimento infantil exige registros descritivos e reflexivos que ultrapassam em 
muito uma prática de “avaliação em cruzinha”, ou o preenchimento de formulários padronizados. (p. 63 – 64) 
A questão principal referente aos estudos atuais sobre o desenvolvimento infantil é o respeito pelas 
dife- rentes formas de ser de cada criança, decorrentes de suas experiências próprias de mundo, ritmos de 
maturação, contextos sociais e culturais diferenciados. Processos avaliativos embasados na comparação, a 
partir de padrões considerados normais, perseguem a uniformidade de comportamentodas crianças, negando 
a heterogeneidade de comportamento das crianças, negando a heterogeneidade normal dos indivíduos, 
concebendo-o como negati- va e inesperada. (p. 64) 
O que se deve garantir em educação é o respeito às diferenças de cada um. E esse respeito às 
diferenças exige uma permanente observação e reflexão do processo individual de construção do 
conhecimento, que só pode acontecer por meio dos processos descritivos e qualitativos do seu 
desenvolvimento embasados em princí- pios mediadores. (p. 64) 
Registros de avaliação são reveladores da trajetória pedagógica da instituição e do acompanhamento 
feita à criança. Tenha salientado que tais registros constituem a história vivida pelas crianças nas instituições. 
E alguns registros incoerentes, superficiais ou classificatórios são reveladores de um trabalho pedagógico da 
mesma natu- reza. (p. 64) 
 
ELABORANDO RELATÓRIOS INDIVIDUAIS DE AVALIAÇÕES 
 
O registro da criança, no processo avaliativo, não pode significar apenas memória como função 
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bancária, ou seja, há que se pensar no significado desse registro para além da coleta de dados ou 
informações a partir da observação da criança. Nesse sentido, os relatórios de avaliação representam a 
análise e a reconstituição da situ- ação vivida pela criança na interação com outras crianças e com o 
professor. (p. 67) 
O relatório estende-se para além da observação enquanto constatação, como diz Madalena Freire 
(1989, p. 3): “A observação é uma ação estudiosa da realidade. Estudo quando tenho uma pauta, quando eu 
direciono o meu olhar. Quando observo eu ordeno, seleciono, diagnostico significados, classifico questões. É 
uma ação alta- mente reflexiva. É diferente do que registrar mecanicamente tudo o que vê ou estar ali, 
olhando”. (p. 68) 
Dessa forma, a avaliação exige sistematização sob a forma de registros significativos que irão 
reorganizar- se, refazer-se no relatório semestral de avaliação. De onde a criança partiu? Quais foram as suas 
conquistas? E as descobertas? Quais as suas dúvidas, perguntas, comentários? Etc. (p. 69) 
Algumas questões implícitas ao olhar avaliativo do educador: 
 
a) Em que áreas de conhecimento/desenvolvimento a criança apresenta avanços? 
b) Quais fatos que levam o professor a contextualizar tais avanços? (comentários, temas de interesse, 
brin- cadeiras, participação em jogos, atitudes?) 
c) Apresenta alguma área a ser melhor trabalhada? 
d) Como pode o professor intervir nesse sentido? 
e) Qual a contribuição possível da família? 
f) Como as crianças se referem quanto aos próprios avanços e ao trabalho que desenvolvem? 
... (p. 70) 
 
A autora delineia ainda as seguintes questões no sentido de um encaminhamento a uma prática de 
elabo- ração de relatórios de avaliação numa perspectiva mediadora: 
 
1. Os objetivos norteadores da análise do desenvolvimento da criança transparecem nos relatórios? 
2. Evidencia-se a interrelação entre objetivos (socioafetivos e cognitivos) a serem alcançados, áreas 
temáti- cas trabalhadas e realização de atividades pela criança? 
3. Percebe-se o caráter mediador do processo avaliativo? 
4. Privilegia-se, ao longo do relatório, o caráter evolutivo do processo de desenvolvimento da criança? 
5. Percebe-se o caráter individualizado no acompanhamento da criança? 
 
Vejamos exemplos de relatórios que não se resumem ao mecanicismo da mera constatação. 
1. Os objetivos norteadores da análise do desenvolvimento da criança transparecem nos relatórios? 
Nas atividades artísticas, Marina vem procurando criar desenhos com maior movimento e em quantidade. Faz 
movimentos mais amplos e ocupa melhor a folha, quando usa caneta hicrocolor. Com giz de cera ainda 
apresenta dificuldade para isso. Na pintura, observo que experimenta diferentes misturas de cores, surpresa 
com as cores que cria (...) (criança de dois anos e meio). 
Esta tem sido uma das atividades que parece desafiar. Márcio, provocando alguns ensaios de participação e 
curio- sidade, pois quando quer acompanhar os colegas na escrita de algumas palavras, chega a perguntar-
lhes algumas letras (criança de cinco anos e meio). 
 
2. Evidencia-se a interrelação entre objetivos (socioafetivos e cognitivos) a serem alcançados, áreas 
temáti- cas trabalhadas e realização de atividades pela criança? 
No trabalho sobre o lixo, que contou com a participação da família, Cláudio foi fundo com os seus 
questio- namentos e dúvidas, querendo saber mais sobre a reciclagem do lixo e preservação da natureza. 
Trouxe para a nossa rodinha materiais para leitura e cobrou diretamente a releitura desses materiais 
querendo outras explica- ções. (criança de cinco anos). 
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Nos jogos em grupo, Cristina costumava escolher para brincar algum brinquedo que já estivesse sendo 
utili- zado pelos colegas, juntando-se a eles e seguindo seus passos nos jogos de encaixe e construção. 
Agora já escolhe os seus jogos e convida os colegas para participar das brincadeiras (Crianças de três anos e 
meio). 
 
3. Percebe-se o caráter mediador do processo avaliativo? 
 
Paulo vem se manifestando cada vez mais nas brincadeiras, contando-me novidades e conversando 
com os colegas. No início, era muito encabulado e quase não falava ou falava baixinho. Sempre o estimulava 
a falar, con- versando muito com ele e procurando não forçá-lo ou constrangê-lo. (criança de quatro anos). 
 
4. Privilegia-se, ao longo do relatório, o caráter evolutivo do processo de desenvolvimento da criança? 
O avanço de Rodrigo em relação às hipóteses de leitura e escrita vieram acontecendo ao longo do 
semestre e ele auxiliou várias vezes os colegas, dizendo-lhes as letras das palavras e querendo corrigi-los em 
algumas situa- ções (sempre a partir de sua concepção de escrita). (criança de seis anos). 
De início, as atividades de desenvolvimento motor (correr, pular, saltar, ultrapassar obstáculos) eram 
mais observadas do que praticadas por Ticiana. Logo que se sentiu segura, com um espaço conquistado no 
grupo, pas- sou a realizá-las. (criança de dois anos). 
 
5. Percebe-se o caráter individualizado no acompanhamento da criança? 
Na biblioteca, os contos de fadas estavam sempre em suas mãos. Bruna pedia, frequentemente, que 
eu lhe contasse as histórias e procurava respeitar a ordem dos livros nas estantes, demonstrando já ter 
adquirido uma postura de leitora. (criança de quatro anos e meio). 
Carol já percebeu que não gosto quando puxa os cabelos dos amigos ou empurra os menores e, agora, 
quando faz isso, olha logo para mim e balança a cabeça dizendo não. (criança de um ano). 
 
Tais relatos revelam particularidades das crianças, dando colorido e vivacidade às suas histórias e 
tornando possível o compartilhar com os pais e outros educadores, momentos únicos e ilustrativos da sua 
trajetória de construção do conhecimento. (p. 82) 
 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 
 
HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação na pré-escola: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. – 
Porto Alegre: Mediação, 2009.

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