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HERMENÊUTICA JURÍDICA P RO F. M O RGANA FERREI RA CURSO DE DI REI TO UNI NASSAU M ARACANAÚ HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO Verbo Grego – hermeneuein – interpretar; Substantivo – hermeneia - interpretação. Remetem à mitologia antiga, evidenciando o Deus-alado Hermes (descobriu a escrita), que era responsável pela mediação entre os Deuses e os homens, ou seja, era um mensageiro unindo os dois mundos. (Destino) Hermeneuein é esse descobrir de qualquer coisa que traz a mensagem, na medida em que o que se mostra pode se tornar mensagem. Hermenêutica e hermenêutico - tornar compreensíveis, especialmente enquanto tal processo envolve a linguagem. HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO O intérprete, nos variados planos da apreensão cognitiva, atua verdadeiramente como um intermediário na relação estabelecida entre o autor de uma obra e a comunidade humana. Tudo o que é apreendido e representado pelo sujeito cognoscente depende de práticas interpretativas. Como o mundo vem à consciência pela palavra, e a linguagem é já a primeira interpretação, a hermenêutica torna-se inseparável da própria vida humana. Palmer (1999, p. 43-44) assinala que o campo da hermenêutica tem sido interpretado como: 1. uma teoria da exegese bíblica; 2. uma metodologia filológica geral; 3. uma ciência de toda a compreensão linguística; 4. uma base metodológica da geisteswissenschaften; 5. uma fenomenologia da existência e da compreensão existencial; 6. sistemas de interpretação, simultaneamente recolectivos e inconoclásticos, utilizados pelo homem para alcançar o significado subjacente aos mitos e símbolos. HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO Hermenêutica - um saber que procura problematizar os pressupostos, a natureza, a metodologia e o escopo da interpretação humana, nos planos artístico, literário e jurídico. Enquanto instrumental para a exegese de textos, o saber hermenêutico é reduzido, nesta perspectiva, a um caleidoscópio intricado de ferramentas teóricas, com vistas à descoberta de uma verdade previamente existente. O horizonte hermenêutico é o da restituição de um texto, mais fundamentalmente de um sentido, considerado como perdido ou obscurecido. TEÓRICOS Friedrich Schleiermacher Considerado o pai da moderna hermenêutica, de tal modo que as teorias hermenêuticas mais importantes na Alemanha do século XIX trazem as suas marcas. A leitura de um texto implica em dialogar com um autor e se esforçar por reencontrar a sua intenção originária *Justificativa de uma lei. *Preâmbulo da CF. Caberia ao intérprete mapear as circunstâncias concretas que influenciaram a elaboração do texto, recriando a mente do autor de acordo com os influxos sociais que marcaram sua existência. Hermenêutica: arte de compreender uma expressão linguística. TEÓRICOS Wilhelm Dilthey Modo de conhecimento da vida humana, especialmente apto para apreender a cultura, irredutível em si mesma aos fenômenos naturais. tarefa interpretativa no plano histórico, propondo a explicação e a compreensão, respectivamente, como modos de cognição da natureza e da realidade sociocultural. O projeto de formular uma metodologia adequada às ciências que se centram na compreensão das expressões humanas – sociais e artísticas – é primeiramente encarado no contexto de abandonar a perspectiva reducionista e mecanicista das ciências naturais, e de encontrar uma abordagem adequada à plenitude dos fenômenos. A compreensão não é um mero ato de pensamento, mas uma transposição e uma nova experiência do mundo tal como o captamos na experiência vivida. Na teoria hermenêutica, o homem é visto na sua dependência relativamente a uma interpretação constante do passado, que se compreende a si próprio, em termos de interpretação de uma herança e de um mundo partilhados, uma herança constantemente presente e ativante em todas as suas ações e decisões. Temporalidade. TEÓRICOS Martin Heidegger - hermenêutica radicada na existência. A hermenêutica não é inserida no quadro gnosiológico, como um problema de metodologia das ciências humanas. Compreender é um modo de estar, antes de configurar-se como um método científico. O ser não somente não pode ser definido, como também nunca se deixa determinar em seu sentido por outra coisa, nem como outra coisa. Pensar é o modo de ser do homem, no sentido da dinâmica de articulação de sua existência. Pensar o sentido do ser é escutar as realizações, deixando-se dizer para si mesmo o que é digno de ser pensado como o outro. O pensamento do ser no tempo das realizações é inseparável das falas e das línguas da linguagem. O horizonte da compreensão é a apreensão e o esclarecimento de uma dimensão primordial, que precede a distinção sujeito/objeto: a do ser-no-mundo. O homem só se realiza imerso numa realidade que o envolve e do qual ele faz parte. Rompe o dualismo sujeito-objeto em favor de um fenômeno unitário capaz de contemplar o eu e o mundo, conciliando as diversas dimensões da temporalidade humana – passado (sido), presente (sendo) e futuro (será) – como momentos que integram a própria experiência hermenêutica. TEÓRICOS Hans Georg Gadamer A interpretação é a expressão de uma situação do homem. O hermeneuta, ao interpretar um objeto, está já situado no horizonte aberto pela obra, o que ele denomina círculo hermenêutico. O significado não aguarda ser desvendado pelo intérprete, mas é produzido no diálogo estabelecido entre o hermeneuta e a obra. A compreensão encerra sempre um momento de aplicação e todo esse processo é um processo linguístico. O horizonte do intérprete é determinante para a compreensão do texto. A fusão de horizontes pode ser compreendida como a forma de realização da conversação. A consciência que compreende pode deslocar e ampliar seu horizonte, enriquecendo seu próprio mundo com toda uma nova dimensão de profundidade. TEÓRICOS Paul Ricoeur – Fenômeno humano como intermédio simultaneamente estruturante (o intencional e o possível) e estruturado (o involuntário e o explicável), articulando a pertença ontológica e a distanciação metodológica. Procura-se consolidar um modelo dialético que enlace a verdade como desvelamento (ontologia da compreensão) e a exigência crítica representada pelos métodos rigorosos das ciências humanas (necessidade de uma explicação). O escopo da interpretação será reconstruir o duplo trabalho do texto através do círculo ou arco hermenêutico: no âmbito da dinâmica interna que preside à estruturação da obra (sentido) e no plano do poder que tem esta obra para se projetar fora de si mesma, gerando um mundo (a referência). O desafio hermenêutico seria tematizar reflexivamente a realidade que está por detrás da linguagem humana. Ideias como a recusa à literalidade textual, a historicidade, a abertura aos valores, a dialogicidade e o horizonte linguístico estão umbilicalmente ligadas à hermenêutica jurídica e ao exercício da interpretação do direito. TEÓRICOS Jürgen Habermas – A desconfiança que pesa sobre as reivindicações de verdade contidas na obra de um autor ou na tradição adotada por uma determinada pessoa é a marca da hermenêutica crítica deste autor, procurando as causas da compreensão e da comunicação distorcidas que atuam a coberto de uma interação aparentemente normal. Ligar a objetividade dos processos históricos aos motivos dos que neles atuam. Habermas recorre à psicanálise como modelo de uma ciência social dialético-hermenêutica com intuito libertário. ◦ Fusão de horizontes; ◦ Preconceitos iniciais; ◦ Compreensão dialética da verdade. Uma compreensão exclusivamente instrumental ou estratégica da racionalidade é, de algum modo, inadequada. TEÓRICOS Emilio Betti - O processo interpretativo é uma tríade: ◦ O espírito vivente e pensante do intérprete; ◦ Uma espiritualidade que se encontra objetivada em uma forma representativa; ◦ Forma representativa. Histórica: trata de integrar coerentemente a forma representativa com o pensamento que expressa; Jurídica: a norma não se esgota em sua primeira formulação, tem vigor atual em relação com oordenamento de que forma parte integrante e está destinada a permanecer e a transformar a vida social. *O jurista deve considerar o ordenamento jurídico dinamicamente, como uma viva e operante concatenação produtiva, como um organismo em perene movimento que, imerso no mundo atual, é capaz de autointegrar-se, segundo um desenho atual de coerência, de acordo com as mutáveis circunstâncias da sociedade. Existiriam três funções no processo interpretativo.: Uma primeira, a qual denominou histórica – com função meramente cognoscitiva, já que apenas supervisiona o pensamento pertencente ao passado (interpretação filológica e histórica) –; Uma segunda, a normativa – visa extrair máximas orientadoras para uma decisão (jurídica, teológica, psicotípica) – Uma reprodutiva ou representativa, que procura substituir uma forma representativa equivalente, como ocorre na tradução ou dicção de outra língua (interpretação dramática e musical). *A interpretação jurídica se põe em relação, de um lado, com a interpretação do jurista com finalidade teórica, histórica ou comparativa *E, de outro, a interpretação com finalidade prática em função normativa da conduta que se espera frente a um direito em vigor. Confronto entre o texto normativo e a realidade normada; *O significado da norma é produzido pelo intérprete. As normas jurídicas nada dizem, somente passando a dizer algo quando são exprimidas pelo hermeneuta. TEÓRICOS Lenio Streck (2001, p. 255), o intérprete perceberá o “objeto” (jurídico) como (enquanto) algo, que, somente é apropriável linguisticamente. Já a compreensão deste “objeto” somente pode ser feita mediante as condições proporcionadas pelo seu horizonte de sentido, ou seja, esse algo somente pode ser compreendido como linguagem, a qual ele já tem e nela está mergulhado. A semiótica geral e jurídica pretende, inicialmente, abordar a dialética entre a linguagem corrente (onomasiologia) e a linguagem técnico-científica (semasiologia). A linguagem pode ser natural ou corrente, quando formada espontaneamente pela evolução social, bem como, artificial ou técnico-científica, quando formalizada para a sistematização dos saberes humanos. TEÓRICOS Tércio Sampaio (1994, p. 282) a hermenêutica identifica o sentido da norma, dizendo como ele deve ser (dever-ser ideal). Ao fazê-lo cria uma reformulação de um texto cujo resultado é um substituto mais persuasivo, pois exarado em termos mais convenientes. Como a ordem jurídica não fala por si só, o hermeneuta exterioriza os seus significados, através de uma atividade compreensiva e, pois, aberta aos valores comunitários. Persuasão da comunidade jurídica; Decidibilidade dos conflitos sociais. Interpretar é, do ponto de vista semiótico, descobrir o sentido e o alcance dos signos normativos, procurando a significação dos signos jurídicos. O operador do direito, ao aplicar a norma ao caso sub judice, a interpreta, pesquisando o seu significante. Isto porque, a letra da norma permanece, mas seu sentido se adapta a mudanças operadas na vida social. TEÓRICOS Considerando os postulados da Semiótica, a Ciência Jurídica encontra na linguagem sua possibilidade de existir, devido a várias razões: a) não pode produzir o seu objeto numa dimensão exterior à linguagem; b) onde não há rigor linguístico, não há ciência; c) sua linguagem fala sobre algo que já é linguagem anteriormente a esta fala, por ter por objeto as proposições normativas (prescritivas), que, do ângulo linguístico, são enunciados expressos na linguagem do legislador; d) o elemento linguístico entra em questão como elemento de interpretação, porquanto as normas jurídicas são mensagens que devem ser decodificadas pelo hermeneuta; e) se a linguagem legal for incompleta, deverá o jurista indicar os meios para completá-la, mediante o estudo dos mecanismos de integração; f) o elemento linguístico pode ser considerado como instrumento de construção científica, visto que se a linguagem não é ordenada, o jurista deve reduzi-la a um sistema. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO Tradicionalmente, a doutrina vem elencando as seguintes técnicas interpretativas: a gramatical, a lógico-sistemática, a histórica, a sociológica e a teleológica. ◦ Gramatical ou filológica: o hermeneuta se debruça sobre as expressões normativas, investigando a origem etimológica dos vocábulos e aplicando as regras estruturais de concordância ou regência, verbal e nominal; ◦ Lógico-sistemática: referir o dispositivo normativo ao contexto normativo mais amplo do qual faz parte, (direito comparado); ◦ Histórica: o intérprete perquire os antecedentes imediatos (v.g., declaração de motivos, debates parlamentares, projetos e anteprojetos) e remotos (e.g., institutos antigos) do modelo normativo. ◦ Sociológica: objetiva conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram origem; elastecer o sentido da norma a relações novas, inéditas ao momento de sua criação; e temperar o alcance do preceito normativo a fim de fazê-lo espelhar as necessidades atuais da comunidade jurídica. ◦ Teleológica: procura delimitar o fim, vale dizer, a ratio essendi do preceito normativo, para a partir dele determinar o seu real significado; captação dos fins para os quais se elaborou a norma jurídica. CORRENTES A corrente subjetivista pondera que o escopo da interpretação é estudar a vontade histórico- psicológica do legislador expressa na norma. A interpretação deve verificar, de modo retrospectivo, o pensamento do legislador estampado no modelo normativo. A vertente objetivista preconiza que, na interpretação do direito, deve ser vislumbrada a vontade da lei, que, enquanto sentido objetivo, independe do querer subjetivo do legislador. A norma jurídica seria a vontade transformada em palavras, uma força objetivada independente do seu autor.