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Para fazer ciência é fundamental ler.i John Fontenele Araujoii Parece óbvio o título deste texto, porém, este é um problema muito sério e pouco discutido no meio acadêmico, principalmente na pós-graduação. É claro que continuamente se fala para os jovens pesquisadores que eles precisam ler mais, principalmente para aprenderem a escrever, tarefa que o ensino médio não cumpriu. Mas aqui estou me referindo a leitura de textos científicos. Alguns podem me questionar se o que eu estou escrevendo tem sentido. Mas o que estou querendo dizer é que os jovens e, também alguns velhos pesquisadores, estão lendo pouco sobre o que se está publicando em ciência. Uma primeira observação que eu gostaria de fazer é que a comunidade científica reflete a sociedade, e que o jovem pesquisador pensa como um cidadão comum. E o que é fazer ciência para o senso comum? Ainda predomina na sociedade a idéia de que fazer ciência é inventar algo ou descobrir algo novo. É comum em uma conversa em que dizemos que somos cientistas, sermos perguntado sobre o que “inventamos” ou “descobrimos”. E por outro lado, há a idéia do cientista como um ser especial que “milagrosamente” descobre algo. Imagem esta, tanto divulgada nos filmes de Hollywood e muito difundida pela personalidade do Einstein. Por isso os jovens pesquisadores ficam perplexos quando lêem Thomas Kuhn e descobrem que estão apenas confirmando um paradigma, fazendo ciência normal, e não algo revolucionário. No fundo, o sonho do jovem pesquisador é ser um Einstein, é descobrir algo novo e muito relevante. E como se descobre algo novo e relevante? Novamente, o jovem pesquisador tem a mesma idéia que o senso comum, que o novo está no laboratório, que o novo é encontrado nos resultados de experimentos complicados e utilizando máquinas especiais. Por isso o jovem pesquisador trabalha tanto, vive o laboratório todas as horas do dia. Todavia, falta ao jovem pesquisador a compreensão dialética de que o novo conhecimento surge de um velho conhecimento, através de um processo de acumulação quantitativa, em que novos elementos são acrescentados, até que o velho sofra uma transformação qualitativa, surgindo assim o novo conhecimento. Temos que ensinar aos jovens pesquisadores que a termodinâmica vale também para a produção do conhecimento, ou seja, nada surge do nada (o reseultado final é sempre uma transformação). O trabalho no laboratório é tão valorizado que existe até uma frase especial para isto: ”Uma descoberta representa 95 % de transpiração (trabalho braçal) e 5 % de inspiração (trabalho mental)”. Por isso dizemos que é fundamental que os jovens pesquisadores leiam. Afinal, o que já está produzido e conhecido, o velho conhecimento, está publicado, e por isso, para dominarmos o velho conhecimento e nos capacitarmos para descobrir o novo, é necessário ter ciência do conhecido. Uma forma de se alcançar isto é lendo. Fico cada vez mais preocupado com este fato devido ao grande crescimento no número de informações que são publicadas atualmente, e isto faz com que pareça impossível acompanhar a leitura do que está sendo publicado em uma área específica. E com toda razão, podemos afirmar que é impossível ler tudo, todavia, isto não pode ser uma justificativa para que não leiamos o que está sendo publicado na nossa área. Atualmente, com a Internet, o número de publicações aumentou, porém o acesso às publicações ficou mais fácil, além disso, é possível ter acesso as informações que antes não eram conhecidas, como relatórios técnicos em que podemos conhecer detalhes de um experimento realizado. Tenho defendido que o fundamental em ciência é ter o domínio das informações, tanto as velhas – o que já é conhecido – quanto as novas – adquiridas através de experimentos. Isto fica cada vez mais claro, e é por isso que chamo a atenção dos jovens pesquisadores que não fiquem iludidos com a “tecnologia do laboratório”, mas busquem sempre ter o domínio das informações. Por isso, é necessário o trabalho no laboratório (ou campo), mas é fundamental a leitura para que possamos dominar o conhecimento. Todavia, esta leitura deve ser crítica e por isso é preciso que os jovens pesquisadores aprendam a ler os artigos científicos. Ler, e ler muito, é a principal tarefa dos jovens pesquisadores do terceiro mundo, pois não dispomos da alta “tecnologia de laboratório”, e a leitura é uma tarefa que dependente de nós mesmos. Além disso, a leitura crítica do que já está sendo feito nos permitirá criar novas idéias, afinal a definição de ler nos dicionários é “decifrar ou interpretar bem o sentido de”. Fazemos ciência com os nossos cérebros e não com os equipamentos. Aos jovens pesquisadores eu os convido a mais trabalho mental e menos trabalho braçal. i Ó - Este texto pode ser divulgado livremente por qualquer meio, sempre referindo ao autor. ii Doutor em neurociências – Professor de Fisiologia – UFRN. Pesquisador do CNPq. * - Comentários e sugestões para araujo@cb.ufrn.br.