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Por uma outra globalização

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Por uma outra globalização 
1. Introdução 
 
Um dos aspectos mais discutidos, problematizados e polêmicos da atualidade refere -se a fase atual da 
expansão capitalista chamada de globalização. As visões sobre esse processo são tão profundas e diversas 
que alguns autores chegam, inclusive, a afirmar que a globalização não existe, ou seja, que esse momento 
seria apenas a reprodução do mesmo processo de acumulação capitalista, porém ocorrendo num outro formato, fomentado pelo intenso uso de recursos tecnológicos, que proporcionam um aumento incomensurável na circulação de capitais, produtos, serviços e pessoas. 
 Milton Santos, em “Por uma outra globalização – do pensamento único a consciência universal”, faz uma profunda dissecação da globalização, revelando as entranhas dessa fase de internacionalização do capitalismo sem precedentes na história da humanidade. Em seu texto, Santos faz uma análise sistêmica e orgânica da globalização e, diferente da ideia de “globalidade” proposta por Daniel Yergin e Joseph Stanislaw, cria de forma inédita a terminologia globalitarismo, com o intuito de caracterizar esse processo como algo que carrega o tom do massacre, da perversidade e do abandono de objetivos sociais e de cidadania 
em nome das metas da reprodução do capital a qualquer custo. 
 Nesse texto, a globalização é apresentada a partir de três perspectivas: a globalização como fábula, como perversidade e como ela pode ser, ou seja, uma outra globalização que, segunda a visão até certo ponto otimista do autor, é possível de ser construída. 
 Nessas três perspectivas, Milton Santos destaca, respectivamente, a sustentação da ilusão da ideia da existência de uma aldeia global que encurta as distâncias, informa as pessoas, criando, assim, “um único mundo sem fronteiras”; a multiplicação de problemas socioeconômicos (fome, desemprego, deseducação formal, etc.) que tornam-se estruturais e crônicos e não somente residuais e a identificação das fragilidades da estrutura da globalização, que seriam dados significativos que indicariam a possibilidade de recriação desse modelo numa outra ótica. 
 Esse texto objetiva desenvolver ideias em torno dessas três perspectivas de globalização trabalhadas por Milton Santos, acrescentado de leituras que complementem os pensamentos ou então que sirvam como contraponto às ideias defendidas pelo autor. 
 
2. A Globalização como Fábula 
 
A fábula da globalização, apresentada no texto de Milton Santos, representa um momento em que, principalmente a mídia internacional e local, procura caracterizar o planeta como um grande espaço marcado pela homogeneização técnica, que pro cura fazer com que uma parcela considerável da população mundial acredite que participa de “um único mundo”. Daí podemos imaginar que a extensão desse processo significa algo próximo de uma padronização cultural, onde as pessoas são atraídas pelas mesmas coisas, adotam 
hábitos de consumo muito similares, cristalizam ou incorporam as mesmas marcas e compartilham da mesma rede – a rede mundial de computadores (Internet), uma das grandes responsáveis pela criação da ideia de separação entre a realidade e a virtualidade, tão apregoada por vários autores e pela imprensa em geral. 
Assim, vivemos uma atmosfera de pensamento que nos faz crer que tudo transformou -se em algo virtual, até mesmo o conceito de tempo e espaço parece agora desvinculado da realidade, onde inclusive u m grupo de pensadores apregoam o “fim da geografia”, como se o espaço real ainda não fosse delineador d e disputas,
estratagemas, movimentações de músculos e tropas ou construção de muros em torno de fronteiras reais.
Porém, esse trabalho não tem por objetivo se aprofundar nessa questão da conceituação do espaço ou do Santos, segundo a qual podemos entender, por extensão de raciocínio, que as pessoas vivem uma miopia
crônica sem precedentes na história da humanidade, faz-se necessário levantarmos vários questionamentos pertinentes - qual discurso “magico” é esse que seria capaz de criar uma nova sociedade? Em relação ao nosso trabalho em educação, por mais preparado, objetivado e bem intencionado que seja, consegue realmente ser um fio condutor dessa nova sociedade? Não estamos frente a uma situação limite, onde nos inserimos num processo de reconhecimento de que nosso discurso é incapaz de produzir um cidadão libertado consumo e da competitividade mesquinhas? Como, por exemplo, a universidade pode contribuir para o desenvolvimento desse novo discurso (esse novo tesouro), sendo que boa parte da produção científica está
movimentando seus músculos ao encontro das necessidades do mundo globalizado? O próprio autor afirma que, muitas vezes, fazemos ciência com o objetivo de que nossas pesquisas levem a um aumento de produtividade nas empresas.
É fundamental salientar que os questionamentos inseridos no parágrafo anterior não significam que o autor desse trabalho “abandonou o barco”, “entregou a alma ao diabo” ou coisa parecida, mas sim o reconhecimento de que a via educacional produz mudanças sociais inegáveis, no entanto essas experiências são isoladas, ilhadas e ocorrem num cenário da sociedade mundial com for te fragmentação de pens amento e
de ideias sobre sua própria condição e, portanto, não conseguem acompanhar o ritmo da produção da crise social. É lamentável afirmar, mas a prática de se construir um outro mundo a partir das possíveis “brechas”
proporcionadas pela própria estrutura da globalização, tem cada vez mais gosto amargo da utopia, pois as internacionalizações produtiva, financeira e cultural, síntese do alcance prático da globalização, fragmentam o discernimento do que é ser cidadão em escala mundial. E, sem cidadania, uma sociedade “presta” para muitas coisas, mas, infelizmente, deixa de “prestar” para muitas outras coisas. Daí fica muito difícil entender
como a humanidade chegará ao tal estágio da “consciência universal”.
Milton Santos, em seu texto, afirma que existe um sentimento de cansaço por parte das populações sem todo mundo, que acreditaram que “as técnicas contemporâneas pudessem melhorar a existência de todos”. Porém, o cansaço ou o descontentamento não são suficientes para a ocorrência de mudanças
significativas, pois a mídia, como já foi mencionado anteriormente pelo autor ao referir-se obre a tirania da
informação, é a maior responsável por criar uma ideia de mundo que seja interessante ao jogo do capital. Na verdade, o contraponto em relação a globalização possível de Milton Santos é a globalização como fábula, que inicia o texto do próprio autor, onde a tirania da informação é mostrada como algo que acoberta o mundo real, ou seja, constrói o mundo que ela quer ou que sirva a determinados interesses e não à coletividade.
Na finalização deste trabalho é importante fazermos uma reflexão sobre a essência do capitalismo, matriz, base ou terreno onde está sedimentada a atual fase da globalização. Assim, quando observamos a história da evolução do sistema capitalista, nos damos conta de que o mesmo sempre teve grande poder de adaptação. Portanto, qualquer alteração provocada na forma como a atual estrutura da globalização está disposta, mesmo que seja motivada pelo clamor dos deserdados como afirma Milton Santos, acaba sendo u m
novo processo de adaptação. Aliás, não existe nenhum impedimento para que isso aconteça, mesmo porque pode ser que estejamos entrando numa nova fase de questionamento das bases do próprio sistema. Ora, desde
que a reprodução do capital e o lucro continuem existindo ou sejam garantidos, nenhuma barreira será erguida contra supostas modificações no sistema. Agora, a questão que se coloca e que abre espaço para uma outra discussão é que o capitalismo, em nenhum momento da sua história, conseguiu cumprir seu papel de reproduzir capital sem gerar crises, afinal de contas, esse sistema é seletivo na sua própria essência e, como já
disse o historiador Paul Johnson, o capitalismo não é humano,mas apenas se apropria do ser humano como um produto descartável. Mais do que isso, o capitalismo é um sistema altamente pervertido, pois se permite, nos dias de hoje, obter lucro vendendo exemplares até mesmo do Manifesto Comunista...
Bibliografia de referência:
BUARQUE, Cristovam. A desordem do progresso – o fim da era dos economistas e a construção do futuro. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1990.
CASTELLS, Manuel. Fim de milênio – a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo, Editora Paz e Terra,1996 – Vol. 3.
FIORI, José Luís. Os moedeiros falsos. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1997.
HOBSBAWM, Eric. “O Novo Século – entrevista a Antônio Polito”. São Paulo, Companhia das Letras, 1999.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. São P aulo, Editora Record,
2001.
O espaço do cidadão. São Paulo, Editora Nobel, 1998.
SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas – a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1993.
Vários autores. Visões da crise. Rio de Janeiro, Editora Contraponto, 1998.
(*) Obs: Adaptação do trabalho apresentado ao professor Marcos Bernardino de Carvalho em novembro de 2002, como peça de conclusão das atividades relativas à disciplina “Dinâmica da
População”, constante do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino de Geografia / PUC-SP.
Luiz Carlos Ramalho (luizspgeo@yahoo. com.br) é pós-graduado em Ensino de Geografia pela PUC /SP e Professor de Geografia da Prefeitura do Município de São Paulo e do Colégio Neolatino.

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