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relato de caso equino(1)

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Revista da FZVA 
Uruguaiana, v. 7/8, n.1, p. 51-57. 2000/2001. 
ACIDENTE OFÍDICO EM EQUINO NO SUL DO BRASIL - RELAT O 
DE CASO 
A CASE OF SNAKEBITE IN A HORSE IN SOUTHERN BRAZIL - CASE 
REPORT 
Josiane Bonel Raposo1; Maria del Carmen Méndez2; Carmem Elza Giordano Baialardi3; 
Margarida Buss Raffi4 
RESUMO 
Descreve-se um caso de acidente ofídico em um eqüino de 1 mês de idade, raça 
crioula, no Rio Grande do Sul. O caso ocorreu no mês de outubro de 1997 e foi associado à 
picada por serpente do gênero Bothrops. O animal apresentava edema da região peitoral e dos 
membros anteriores, observando-se, na orelha esquerda, duas perfurações paralelas separadas 
por 1,8 cm. Na necropsia as lesões caracterizaram-se por petéquias e sufusões nas serosas, nos 
intestinos, no estômago, no fígado, no baço, no pulmão e no trato gênito-urinário. 
Observaram-se, também, hemorragias na musculatura adjacente à picada, edema cerebral e 
rins aumentados de volume e congestos. As alterações histopatológicas caracterizaram-se por 
congestão e hemorragia acentuada na maioria dos órgãos; e, observou-se, também, necrose 
muscular. Os rins apresentavam necrose tubular aguda, congestão e hemorragia. 
Palavras-chave: Bothrops sp.; envenenamento botrópico; eqüinos; ofidismo. 
ABSTRACT 
A case of snakebite in a one year old horse from Rio Grande do Sul state, Brazil is 
described. The case occurred in October 1997 and was associated to the site of a snake of 
from the genus Bothrops. The horse presented edema of the pectoral region and forelimbs; 
two paralel perforation, 1,8 cm apart, were observed in the left ear. At necropsy the lesions 
were, petechial and ecchymoses serous membranes, guts, stomach, liver, spleen, lungs and 
 
1 Méd. Vet. Mestre, Prof. Dpto Patologia Animal, UFPel, – Pelotas, RS, E-mail: raposo@pro.via-rs.com.br. 
2 Méd. Vet. Mestre, Prof. Dpto Clínica Veterinária, UFPel, RS. 
3 Méd. Vet. Bolsista CNPq, Dpto de Patologia Animal, UFPel, RS. 
4 Méd. Vet. Mestre, Prof. UFPel, RS. 
 
 
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genital and urinary systems. Hemorrhage in the muscle in the local of the bite, cerebral edema 
and kidney enlarged were also observed. The histopathological findings were severe 
hemorrhage and congestion in many organs, and myonecrosis, the kidneys presented acute 
tubular necrosis, congestion and hemorrhage . 
Key words: Bothrops sp., horse, Snakebite, venoms. 
INTRODUÇÃO 
No Brasil, os ofídios venenosos 
pertencem aos gêneros Bothrops, Crotalus 
e Lachesis (família Viperidae) e Micrurus 
(família Elapidae) (GRUNERT, 1969; 
SOERENSEN, 1990). 
No Rio Grande do Sul ocorrem 
cinco espécies de Bothrops: B. alternatus 
(cruzeira ou urutu), B. jararaca (jararaca), 
B. neuwiedi (jararaca pintada ou jararaca do 
rabo branco), B. cotiara (cotiara ou jararaca 
preta) e B. jararacussu (jararacuçu ou mata 
sapo); duas espécies de Micrurus: M. 
corallinus e M. frontalis (coral, coral 
vermelha ou coral verdadeira), e somente 
uma de Crotalus: C. durissus terrifucus 
(cascavel). Em outras regiões do Brasil 
existem, também, as seguintes espécies de 
Bothrops: B. atrox (jararaca grão de arroz), 
B. bilineatus (jararaca verde), B. 
itapiningae (cotiarinha), B. insulares 
(jararaca ilhoa) e B. moojeni (caiçara) 
(GRUNERT, 1969; BOFF, 1996). 
No Brasil, 88-89% dos acidentes 
ofídicos nos seres humanos são devidos a 
picadas de Bothrops spp. Os ofídios desse 
gênero habitam lugares úmidos, plantações, 
pastagens e lugares não habitados pelo 
homem. Possuem hábitos noturnos, 
alimentam-se principalmente de pequenos 
roedores e atacam subitamente, erguendo o 
terço anterior do corpo sem serem 
percebidos (GRUNERT, 1969; 
SOERENSEN, 1990; BOFF, 1996). A 
freqüência de acidentes com serpentes do 
gênero Crotalus (cascavel) em humanos é 
baixa. Não há dados desses acidentes em 
animais, portanto, supõe-se que também são 
escassos. Esses ofídios preferem locais 
secos e pedregosos e atacam somente 
quando são excitados. Facilmente são 
identificados pela presença de um guizo ou 
chocalho localizado na extremidade da 
cauda, que produz um ruído característico, 
que faz com que os animais percebam sua 
presença (BOFF, 1996). O gênero Lachesis 
(surucucu), encontrado na Floresta 
Amazônica, não ocorre no Rio Grande do 
Sul (SOERENSEN, 1990). 
Os ofídios do gênero Micrurus 
(corais) são responsáveis por apenas 1% 
dos acidentes ofídicos no homem, devido, 
principalmente, ao fato de possuírem 
hábitos subterrâneos, não são agressivos e 
têm boca pequena. Os acidentes com essas 
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serpentes são, também, raros nos animais 
domésticos (BOFF, 1996). 
Dentre as espécies de animais 
domésticos, os caninos são os mais 
freqüentemente picados por ofídios, mas 
outras espécies são afetadas 
ocasionalmente. Os acidentes ocorrem 
geralmente em locais onde existem muitos 
roedores, por acúmulo de lixo ou por 
armazenamento de grãos, onde o ofídio vai 
buscar seu alimento; ou quando os animais 
domésticos invadem o habitat natural das 
serpentes, que ao serem molestadas atacam, 
normalmente em locais de vegetação alta e 
à noite, quando se alimentam. Em campos 
de cultura (arrozais, cafezais, etc.) e locais 
onde há desequilíbrio ecológico, a ausência 
de predadores promove um aumento na 
população ofídica e, consequentemente, um 
aumento de acidentes (BOFF, 1996). 
No Rio Grande do Sul, a maioria 
dos acidentes com serpentes ocorre durante 
a primavera e verão (outubro a março). 
Casos esporádicos ocorrem em bovinos e 
eqüinos, em geral devido a acidentes com 
serpentes do gênero Bothrops. Raramente, 
os casos são remetidos aos laboratórios para 
estabelecer a causa da morte e, em 
conseqüência, há poucos dados sobre o 
quadro clínico e a patologia provocada pelo 
veneno dessas serpentes aos animais 
(GRUNERT, 1969). A suscetibilidade dos 
animais domésticos ao veneno de Bothrops, 
obedece à seguinte ordem decrescente: 
eqüinos, ovinos, bovinos, caprinos, suínos e 
felinos (ARAÚJO, 1960/1962). Os animais 
são picados principalmente na cabeça 
devido ao seu comportamento curioso, mas 
as picadas nos membros também são 
comuns. Grandes animais são mais 
resistentes ao veneno que animais 
pequenos, porque a quantidade de veneno 
necessária para produzir a morte é maior 
(GRUNERT, 1969; RADOSTITS et al., 
1994). 
O veneno dos ofídios do gênero 
Bothrops, contém complexa mistura das 
enzimas, peptídeos e proteínas de pequena 
massa molecular, com atividades 
específicas, químicas e biológicas. Sua 
composição em geral contém: 
hialuronidase, que explica a rapidez da 
absorção, pela dispersão entre os tecidos; 
hemotoxinas e citolisinas, que causam 
inflamação local, necrose e dano ao epitélio 
vascular; fosfolipase A e estearase, que 
alteram a permeabilidade da membrana e 
liberam histaminas e bradicininas. O 
veneno possui, também, ação proteolítica 
ou necrosante; coagulante; hemorrágica e 
nefrotóxica (BOFF, 1996; MÉNDEZ, 
1998). O objetivo deste trabalho foi 
descrever um caso de ofidismo em um 
eqüino, assim como as lesões 
macroscópicas e histológicas observadas. 
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MATERIAL E MÉTODOS 
As alterações clínicas e relatos de 
anamnese foram fornecidos pelo 
proprietário. O acidente ofídico ocorreu no 
município de Pelotas, no mês de outubro de 
1997, com um eqüino de 1 mês de idade, 
macho, da raça Crioula. Esse eqüino 
permanecia em um potreiro que apresentava 
carência de forragem em conseqüência da 
estiagem. Nas áreas vizinhas ao potreiro 
havia vegetação densa e com áreas de mato. 
Para estudo da patologia, foi realizada a 
necropsia do eqüino. Fragmentos dos 
órgãos da cavidadeabdominal, torácica, 
sistema nervoso central e músculos foram 
fixados em formol a 10%, incluídos em 
parafina, cortados em 5µ e corados por 
hematoxilina-eosina para estudo 
histológico. 
RESULTADOS E DISCUSSÃO 
O animal foi picado na orelha 
esquerda, e aproximadamente 24 horas após 
apresentou edema no local da picada 
estendendo para o peito até os membros 
anteriores e porção anterior do abdômen, 
sendo que no peito e membros o edema era 
mais evidente. Logo em seguida, observou-
se, também, urina sangüinolenta, fezes com 
sangue e hemorragia na orelha esquerda no 
local da picada. 
Na inspeção macroscópica do 
animal, observou-se edema mais acentuado 
na região peitoral e membros anteriores. Na 
orelha esquerda observaram-se duas 
perfurações paralelas com a distância de 1,8 
cm. Ao corte da região edematosa, 
observou-se edema gelatinoso amarelo 
misturado com sangue vermelho escuro. 
Petéquias e sufusões foram observadas nas 
serosas, nos intestinos, no estômago, no 
fígado, no baço, no pulmão e no trato 
gênito-urinário. Os rins estavam 
aumentados de volume e congestos, havia 
edema cerebral e o tecido muscular da 
região da picada apresentava hemorragias. 
As lesões histológicas 
caracterizaram-se por congestão e 
hemorragia severa na musculatura, timo, 
intestino, baço, rim, fígado e no cérebro. 
Áreas de necrose foram observadas na 
musculatura próxima a área da picada e 
baço. A lesão renal caracterizou-se por 
necrose tubular aguda, congestão e 
hemorragia. 
Os sinais clínicos, alterações 
macroscópicas e histológicas observadas no 
eqüino deste trabalho, são similares às 
observadas em acidente ofídicos do gênero 
Bothrops (GRUNERT, 1969). A maioria 
dos acidentes ofídicos, no Rio Grande do 
Sul, ocorre durante a primavera e verão 
(outubro a março). Ofidismo em ovinos, 
com alta mortalidade (8,1%), tem sido 
descrito no Estado. Em um estabelecimento 
do município de Arroio Grande, no mês de 
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janeiro de 1989, de um total de 135 ovinos, 
adoeceram 22 e morreram 11em 
conseqüencia de ofidismo, época de severa 
estiagem na região, e consequentemente 
acentuada carência de forragem. Neste 
caso, as condições epidemiológicas foram 
fatores determinantes, fazendo com que os 
ovinos ao se alimentarem nas áreas com 
mais pastagens, fossem atingidos pelos 
ofídios (MÉNDEZ, 1995). Neste relato de 
caso, as condições ambientais, assim como 
a época do ano, foram, também, similares, 
pois o eqüino pastava em um potreiro com 
carência de forragem e nas áreas vizinhas 
havia vegetação densa e áreas de mato. O 
eqüino, foi atingido pelo ofídio na orelha, 
provavelmente, quando procurava alimento 
nas áreas com vegetação mais alta, lugar 
apropriado para o habitat de serpentes do 
gênero Bothrops. Os animais domésticos 
são picados, principalmente, na cabeça 
devido ao seu comportamento curioso ou 
quando estão se alimentando (GRUNERT, 
1969; RADOSTITS et al., 1994). Os ofídios 
do gênero Bothrops habitam lugares 
úmidos, plantações, pastagens e lugares não 
habitados pelo homem, possuem hábitos 
noturnos e se alimentam de pequenos 
roedores. (GRUNERT, 1969; 
SOERENSEN, 1990; BOFF, 1996). 
Os sinais clínicos, descritos neste 
trabalho, são semelhantes aos descritos por 
GRUNERT (1969) e BOFF (1996). As 
lesões observadas na inspeção 
macroscópica do animal, com edema no 
peito, membros anteriores e porção anterior 
do abdômen; urina sanguinolenta; fezes 
com sangue; hemorragia no local da picada; 
além de hemorragias petequiais e sufusões 
nas serosas, intestinos, estômago, fígado, 
baço, pulmão e trato genito-urinário, são 
consistentes com a ação proteolítica e 
hemorrágica descritas também por BOFF 
(1996) e MÉNDEZ (1998). O edema local, 
característico do envenenamento por 
Bothrops é devido a ação direta dos 
componentes do veneno na 
microvasculatura, aumentando a 
permeabilidade dos capilares e vênulas; e 
ao efeito dos mediadores endógenos do 
veneno. A hemorragia no local da picada, é 
conseqüência da ação de determinadas 
proteínas de peso molecular relativamente 
alto que agem direto nos capilares 
induzindo extravasamento (GUTIÉRREZ, 
1989). Lesões macroscópicas e 
histológicas, caracterizadas por congestão e 
hemorragia severas localizadas 
principalmente no rim, são consideradas 
características do envenenamento por 
Bothrops (BOFF, 1996). As lesões renais 
observadas na histopatologia são similares 
as descritas por outros autores, e parecem 
ser devidas à ação direta do veneno sobre o 
endotélio vascular renal ou pela ação 
coagulante do veneno que provoca 
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microcoágulos capazes de causar isquemia 
renal por obstrução da microcirculação 
(BOFF, 1996; MÉNDEZ, 1998). A 
mionecrose observada na musculatura da 
região adjacente ao local da picada, é 
devida a ação de miotoxinas presentes no 
veneno de Bothrops, que agem diretamente 
na membrana plasmática das células 
musculares, e indiretamente através do 
desenvolvimento de isquemia resultando 
em lesões graves na microvasculatura e 
artérias intramusculares (GUTIÉRREZ, 
1989). 
CONCLUSÕES 
Há poucos dados sobre acidentes 
com ofídios em animais domésticos, mas é 
importante realizar o diagnóstico com 
segurança para avaliar as perdas 
econômicas. Devem ser considerados no 
diagnóstico os sinais clínicos como 
transtornos gerais dos animais e, 
principalmente, tumefação edematosa e 
dolorida, em geral na cabeça ou em um dos 
membros, assim como a presença de 
hemorragias, sendo importante, também, 
para o diagnóstico a observação da presença 
da marca dos dentes no local da picada. 
Outros edemas de condição alérgica ou 
tóxica e outros acidentes produzidos por 
outros ofídios venenosos, como cascavel e 
coral, que não provocam reações locais, 
devem ser considerados no diagnóstico 
diferencial. 
REFERÊNCIAS 
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Sensibilidade específica de animais 
domésticos e de laboratório. Mem. Inst. 
Butantan, v. 30, p. 143-156, 1960-62. 
BOFF, G. J., MARQUES, M. G. Animais 
Peçonhentos. Módulo 7. Curso de 
especialização por tutoria à distância. 
Brasilia-DF Associação Brasileira de 
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Med. Vet. v. 3, p. 213-227. 1969. 
 
GUTIÉRREZ, J.M., LOMONTE, B. Local 
tissue damaged by Bothrops snake venoms. 
A review. Mem. Inst. Butantan. V. 51, n. 4, 
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MÉNDEZ, M.C., RIET-CORREA, F. 
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dos ruminantes e eqüinos da região sul do 
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Universidade de Pelotas , Cap. 8. p. 451-
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RADOSTITS O.M., BLOOD D.C., GAY 
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SOERENSEN B. Animais Peçonhentos. 
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