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COMPONENTES NO DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS HIDRO-ELETROLÍTICOS1 Introdução O equilíbrio hidro-eletrolítico e ácido-base é mantido basicamente pelos rins, sangue e pulmões, com objetivo de manter a volemia, a composição iônica e o pH dos fluidos corporais, para que as reações do metabolismo possam ocorrer. Para efeitos de discussão costuma-se dividir os componentes do desequilíbrio hidro-eletrolítico do ácido-base, porém é importante mencionar que, na prática, estes desequilíbrios estão inter-relacionados e alterações de um podem afetar o outro. Composição dos fluidos corporais: água e eletrólitos Aproximadamente 60% do peso corporal dos animais é água. Destes, 40% está localizado no compartimento intracelular, conhecido como fluido intracelular (FIC) e 20% fora das células, no fluido extracelular (FEC). O FEC é composto pelo fluido intersticial (15%) e pelo plasma ou fluido intravascular (5%). A água atravessa as membranas biológicas livremente, portanto o volume de cada compartimento é determinado pelos solutos. O endotélio vascular é impermeável a proteínas e células, mas é permeável a solutos iônicos, portanto a concentração de íons no fluido intravascular e intersticial é muito semelhante. O sódio (Na+) é o cátion em maior concentração no FEC e o cloro (Cl-) e o bicarbonato (HCO3-) são os ânions em maior concentração neste compartimento. Já no FIC o potássio (K+) e o magnésio (Mg2+) são os cátions encontrados em maior concentração e o fosfato (HPO42-) e as proteínas são os principais ânions intracelulares. As concentrações de Na+ e K+ são mantidas pela bomba sódio-potássio-ATPase (Na-K-ATPase) das membranas plasmáticas, através de transporte ativo. A maior concentração de K+ no meio intracelular permite a geração e manutenção de um potencial de membrana. O cloreto de sódio contribui para manutenção da pressão osmótica do plasma, enquanto que o cálcio, o magnésio, as proteínas e os fosfatos contribuem para a manutenção da pressão osmótica intracelular. Embora a composição do FEC e do FIC seja diferente, a quantidade total de cátions e ânions é muito semelhante, o que confere ao plasma a eletroneutralidade. 1SCHAEFER, G. C. Componentes no diagnóstico dos distúrbios hidro-eletrolíticos. Seminário apresentado na disciplina Bioquímica do Tecido Animal, Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015. 14 p. 2 Fisiologia renal O rim é o órgão mais importante na regulação do volume e composição dos fluidos corporais. O néfron, unidade funcional do rim (Figura 1), é responsável por três processos: filtração glomerular, reabsorção tubular e secreção tubular. A filtração glomerular ocorre nos capilares glomerulares, que filtra a água e moléculas de baixo peso molecular. Reabsorção seletiva de fluidos e solutos ocorre nos túbulos contorcidos, alça de Henle e ductos coletores; enquanto que a secreção de determinados solutos ocorre nos túbulos contorcidos apenas. A reabsorção do sódio nos túbulos é realizada por três mecanismos: de forma ativa (pela bomba de sódio e potássio); troca de um Na+ por um H+ do interior da célula tubular (transportador de membrana antiport); e ingresso de sódio impulsionado pelos íons cloreto (gradiente eletronegativo). O potássio é secretado nos túbulos distais de forma passiva devido ao gradiente eletronegativo criado pela reabsorção ativa do sódio. Como a hipercalemia é mais grave e potencialmente fatal, quando comparada a hipocalemia, os mecanismos do controle renal de potássio estão mais direcionados para prevenir a hipercalemia. Os ânions também são reabsorvidos pelo gradiente elétrico estabelecido pela reabsorção do sódio e a água é reabsorvida passivamente com o sódio. O restante do ajuste é realizado pelos hormônios vasopressina e aldosterona. Figura 1. Representação esquemática do néfron, unidade funcional do rim. Fonte: http://www.uff.br/fisio6/aulas/aula_13/topico_05.htm http://www.uff.br/fisio6/aulas/aula_13/topico_05.htm 3 Água metabólica É uma das fontes de água e provém dos processos de oxidação. Contribui com aproximadamente 10 a 15% da água total consumida por cães e gatos. As gorduras são os compostos que mais geram água metabólica, seguido pelos carboidratos e pelas proteínas. A oxidação total de 1 grama de gordura, carboidrato e proteína gera, 1,07, 0,6 e 0,41 gramas de água metabólica, respectivamente. Além disso, os carboidratos e gorduras poupam a perda de água mais que as proteínas, pois não geram solutos renais (que necessitam de água para sua excreção). Osmolalidade A osmolalidade é determinada pela quantidade de partículas osmoticamente ativas presentes na solução e pode variar de 280 a 310 mOsm/kg em pequenos animais. A osmolalidade pode ser mensurada por meio de um osmômetro ou estimada por meio de cálculos. A osmolalidade calculada pode ser obtida pela seguinte fórmula: 2 ([Na+] + [K+]) + glicose + [BUN] 18 2,8 BUN = nitrogênio uréico sanguíneo. Todos os valores em mmol/L. Alguns autores não consideram a concentração de potássio nem de BUN neste cálculo, pois estas moléculas não são consideradas osmoticamente ativas, já que a maioria das membranas celulares é permeável a elas. A concentração de sódio e potássio é multiplicada por dois como forma de contabilizar também os ânions (cloro e bicarbonato). A glicose e o BUN são divididos pelos seus respectivos pesos moleculares. Perdas hídricas A maior quantidade de perda de água ocorre na urina sob duas formas: obrigatória e não obrigatória (livre). A primeira é a quantidade de água necessária para excretar a carga diária de solutos renais (ureia, sódio, potássio, cálcio, magnésio). Já a perda de água não obrigatória ocorre livre de solutos e é controlada pelo hormônio anti-diurético (ADH). Dietas ricas em proteína resultam em maior produção de ureia e maior concentração de solutos para excreção renal (perda obrigatória). 4 Outras fontes de perda de água são as fezes e a saliva. A evaporação cutânea é restrita aos coxins plantares em pequenos animais e a evaporação respiratória é mais significante em cães do que em gatos, já que estes últimos raramente manifestam respiração ofegante. Situações de estresse térmico, febre e doenças podem acentuar as perdas hídricas. Ingestão hídrica e ação dos hormônios aldosterona e vasopressina A ingestão de água é mediada por dois mecanismos básicos. O primeiro é a desidratação intracelular, que estimula os osmorreceptores do centro da sede localizados no núcleo pré-óptico do hipotálamo. Estes receptores são sensíveis à tonicidade dos fluidos e são estimulados quando os fluidos corporais estão hipertônicos. O outro mecanismo está relacionado à hipovolemia e/ou hipotensão. A hipovolemia é detectada por mecanorreceptores presentes no átrio cardíaco e nos vasos pulmonares, enquanto que a hipotensão é detectada pelos barorreceptores presentes no arco aórtico, seios carotídeos e no aparelho justaglomerular do néfron, estimulando o Sistema Renina-Angiotensina- Aldosterona (SRAA). A renina é liberada pelos rins e estimula a conversão de angiotensinogênio, que é produzido no fígado, em angiotensina I. Esta é convertida em angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina (ECA). As principais ações da angiotensina II são: estimulação do sistema nervoso simpático; reabsorção tubular de sódio e retenção de água pelos rins; secreção de aldosterona pelo córtex das glândulas adrenais, promovendo mais retenção de sódio; vasoconstrição arteriolar e aumento da pressão arterial; secreção de ADH pelo hipotálamo, aumentando a expressão de aquaporinas nos ductos coletores renais, para reabsorção de água livre (Figura 2). 5 Figura 2. Representaçãoesquemática do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona. Adaptado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_renina-angiotensina Desidratação É quando a perda de fluido corporal excede sua ingestão. Pode ser causada pelo consumo insuficiente de água, que é menos comum, ou pela perda excessiva de fluidos. A última corresponde a maior parte dos casos de desidratação observada na prática e alguns exemplos são: vômitos, diarreia, sudorese excessiva, poliúria sem polidipsia compensatória, hiperventilação, estresse térmico, hemorragias, perdas para o terceiro espaço, entre outros. A desidratação é avaliada clinicamente pelo histórico e pelos sinais que o animal apresenta. No histórico é importante atentar para o tipo de perda, o tempo de evolução, a magnitude das perdas e o consumo voluntário de água e alimentos. O turgor cutâneo é um dos principais parâmetros utilizados na avaliação clínica da desidratação. O histórico e os sinais clínicos auxiliam no diagnóstico do tipo de distúrbio e na escolha da fluidoterapia. A porcentagem de desidratação pode ser estimada clinicamente (Tabela 1). http://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_renina-angiotensina 6 Tabela 1. Avaliação clínica da desidratação. % Desidratação Sinais clínicos < 5 Histórico de adipsia 5-6 Discreta perda do turgor cutâneo 6-8 Demora evidente no retorno da pele à posição normal; ligeiro prolongamento do TPC; possível retração do globo ocular; possível ressecamento das membranas mucosas 10-12 Permanência da pele em formato de “tenda”; evidente prolongamento do TPC; retração do globo ocular; ressecamento das membranas mucosas; possíveis sinais de choque (taquicardia, extremidades frias; pulso rápido e fraco) 12-15 Sinais evidentes de choque e morte iminente Adaptado de: DiBartola (2007). A avaliação laboratorial da desidratação leva em consideração principalmente o hematócrito e a proteína plasmática total (Tabela 2), que em geral, estão aumentados devido à hemoconcentração. É importante observar a densidade urinária, que em animais desidratados com função renal normal deve estar acima de 1,045. Pode ocorrer também azotemia pré-renal. Tabela 2. Avaliação laboratorial da desidratação. Hematócrito Proteína plasmática Interpretação Aumentado Aumentada Desidratação Aumentado Normal ou aumentada Contração esplênica; policitemia; desidratação com hipoproteinemia preexistente Normal Aumentada Hidratação normal com hiperproteinemia; anemia com desidratação Diminuído Aumentada Anemia com desidratação; anemia com hiperproteinemia preexistente Diminuído Normal Anemia sem hemorragia e hidratação normal Normal Normal Hidratação normal; desidratação com anemia e hipoproteinemia preexistentes; hemorragia aguda Diminuído Diminuída Hemorragias; anemia e hipoproteinemia; hidratação excessiva Adaptado de: DiBartola (2007). Anion Gap Anion Gap (AG) é a diferença entre os cátions (sódio e potássio) e ânions (cloro e bicarbonato) mensuráveis, o que nos dá uma ideia dos ânions não mensuráveis. Na verdade, não existe AG, é apenas um conceito criado para auxiliar no diagnóstico da acidose metabólica, que em geral decorre do aumento de um ânion forte. Os principais ânions não mensuráveis são: 7 proteínas (albumina), ácidos orgânicos (lactato, cetoácidos) e ácidos inorgânicos (fosfato, sulfato). O Anion Gap pode ser dado pela seguinte fórmula: AG = ([Na+] + [K+]) – ([Cl-] + [HCO3-]) O valor de referência do AG é 12-24 mEq/L para cães e 13-27 mEq/L para gatos. O AG dos gatos é maior, pois esta espécie tem mais proteínas e fosfatos que os cães. Um valor de AG menor que o intervalo de referência pode ocorrer em casos de hipoalbuminemia ou hiperglobulinemia (como no mieloma múltiplo). Entretanto, a principal aplicação do AG é quando este valor encontra-se aumentado. O aumento do AG sugere acidose metabólica (exs: cetoacidose diabética, acidose lática, acidose urêmica, intoxicação por salicilatos). É importante ressaltar que o AG pode estar normal em casos de acidose metabólica hiperclorêmica. Distúrbios eletrolíticos Sódio O valor normal de sódio para cães é de 140 a 155 mEq/L e para gatos é de 149 a 162 mEq/L. As mudanças no equilíbrio hídrico são as principais responsáveis pelas mudanças nas concentrações plasmáticas de sódio. A hipernatremia é comum e quando leve pode ser subclínica. De uma forma geral, a principal causa de hipernatremia são os quadros de desidratação, pois ocorre aumento da osmolaridade plasmática. Pode-se dividir as causas em três categorias: perda de fluido hipotônico (vômito, diarreia, insuficiência renal crônica, insuficiência renal aguda poliúrica, diurese osmótica nos quadros de diabetes mellitus ou uso de manitol, administração de diuréticos, diurese pós-obstrutiva, queimaduras, perdas para o terceiro espaço, peritonite ou pancreatite); perda de água pura (diabetes insípida central ou nefrogênica, hipodipsia por doença neurológica, acesso inadequado à água, intermação ou febre); ou excesso na retenção de sódio (hiperaldosteronismo, uso de salina hipertônica ou nutrição parenteral). A administração de grandes quantidades de fluidos isotônicos (como NaCl 0,9%) por mais de 24 horas pode causar hipernatremia, por isso as soluções de manutenção não contém tanto sódio como a solução fisiológica, que é classificada como uma solução de reposição. O excesso de sódio vem acompanhado de retenção de água, provocando sobrehidratação, com possibilidade de ocorrer hipertensão e edema. O risco de hipernatremia iatrogênica pela administração de fluidos pode ser diminuído misturando-se uma solução hipotônica (como glicose 5%) com uma solução isotônica. 8 Os sinais clínicos observados nos quadros de hipernatremia são ocasionados pela desidratação neuronal, já que ocorre perda de fluido do espaço intracelular para tentar compensar a hipertonicidade do plasma. Os principais sinais clínicos observados são: fraqueza, letargia, fasciculações, ataxia, convulsões e coma. Estes sinais podem ser observados quando o sódio encontra-se em concentrações superiores a 170 mEq/L. O tratamento é realizado através da fluidoterapia com soluções que contenham pouco sódio. É importante mencionar que a correção da hipernatremia deve ser feita de forma lenta, em aproximadamente 48 horas. Portanto, em casos de hipernatremia severa deve-se iniciar a fluidoterapia com soluções que contenham sódio em maiores quantidades e ir reduzindo gradativamente. A hiponatremia pode ocorrer associada à hipervolemia (insuficiência hepática avançada, insuficiência renal avançada, síndrome nefrótica ou insuficiência cardíaca congestiva); com normovolemia (polidpsia primática ou administração de fluido hipotônico) ou ainda com hipovolemia (hipoadrenocorticismo, perda de fluido gastrointestinal, perdas para o terceiro espaço, ou administração de diuréticos). É importante mencionar que uma falsa hiponatremia pode ocorrer em quadros de hiperlipidemia e hiperproteinemia, pois lipídeos e proteínas em excesso ocupam uma grande parte do volume plasmático. Da mesma forma, a hiperglicemia pode causar hiponatremia por diluição, já que a glicose induz o deslocamento de água do FIC para o FEC, devido ao aumento da osmolaridade do plasma. Quantificar o sódio na urina pode ser útil para diagnosticar a causa da hiponatremia. Nos casos de perdas de fluidos (vômito, diarreia, perdas para o terceiro espaço) a urina terá uma baixa concentração de sódio, pois a reabsorção renal deste eletrólito é adequada. Casos de hipovolemia com alta concentração de sódio na urina podem indicar insuficiência renal. No hipoadrenocorticismo ocorre redução na reabsorção renal de sódio, culminando em hiponatremia e altas concentrações de sódio na urina. Os sinais clínicos da hiponatremia incluem anorexia, letargia, taquicardia, edema pulmonar convulsões e mioclonias. Se ocorrer de forma abrupta pode ocasionaredema cerebal. Pode ser corrigida com o uso de fluidos contendo Na+ em concentrações semelhantes ao plasma, em uma taxa de infusão lenta, para minimizar o risco de desidratação e lesão cerebral (desmielinização osmótica ou mielinólise). Potássio Os valores normais de potássio em pequenos animais estão entre 3,5 e 5,5 mEq/L. Ao avaliar os níveis séricos deste eletrólito devemos levar em consideração que 95% do potássio é mobilizável e está localizado dentro da célula, portanto os níveis séricos podem estar alterados em decorrência de uma movimentação do potássio para dentro ou para fora da célula. Também é 9 importante cuidado adicional no momento da coleta da amostra, pois a hemólise pode aumentar falsamente os níveis séricos de potássio. Hipercalemia é um distúrbio eletrolítico importante e níveis de potássio sérico acima de 6 mEq/L são potencialmente fatais. As causas de hipercalemia podem ser divididas em três categorias: translocação de potássio entre espaços (acidose metabólica ou cetoacidose diabética); comprometimento da função renal (insuficiência renal aguda oligúrica ou anúrica, doença renal crônica terminal, hipoadrenocorticismo, obstrução uretral ou ruptura de bexiga com uroabdomen) ou comprometimento muscular (necrose tecidual ou exercício exagerado). Ainda, pode ocorrer hipercalemia iatrogênica devido à suplementação inadequada de potássio. Na acidose metabólica, ocorre troca de H+ do FEC para dentro da célula, por um K+ de dentro para fora da célula, e consequente hipercalemia. Os principais sinais clínicos observados são arritmias cardíacas, bradicardia e fraqueza muscular. O eletrocardiograma pode ser útil no diagnóstico, sendo os principais achados: aumento da amplitude da onda “T”, prolongamento do intervalo “PR”, alargamento do complexo “QRS” e ausência de onda “P”. Em casos de suspeita de hipercalemia indica-se iniciar imediatamente a fluidoterapia com soluções isotônicas balanceadas associada ao tratamento da causa de base. A expansão plasmática, mesmo que com soluções balanceadas contendo K+, é benéfica devido à diluição da concentração de K+ sérico. Além disso, o efeito alcalinizante relativo dessas soluções promove a troca de K+ por H+ conforme o pH aumenta. Ainda, a concentração de K+ na maioria das soluções eletrolíticas balanceadas é baixa e não seria suficiente para piorar o quadro de hipercalemia. Nos casos de acidose metabólica com hipercalemia recomenda-se o tratamento com bicarbonato de sódio pela via intravenosa na dose calculada a partir da hemogasometria. Em casos de obstrução urinária recomenda-se a aplicação de insulina (0,5 UI/kg) associada à glicose 50% em bolus ou solução de glicose 5%, favorecendo a entrada do K+ para dentro da célula. O uso de gluconato de cálcio é benéfico nestes casos devido a sua ação cardioprotetora, estabilizando o potencial de membrana celular. A hipocalemia tende a se desenvolver em pacientes que recebem soluções de manutenção por longos períodos, principalmente se estiverem anoréticos ou apresentando vômitos e diarréia. Além da perda de potássio ocorrer nestes casos, os rins não conservam bem o potássio nos casos de fluidoterapia intensa ou insuficiência renal. Estes pacientes também tendem a desenvolver hipernatremia, pois a maioria das soluções de manutenção contém mais sódio que potássio, porém, em pacientes com a função renal normal, o rim consegue excretar o excesso de sódio. Hipocalemia também pode ocorrer em quadros de alcalose metabólica, pelo movimento do potássio para dentro da célula em troca de H+; no hipoadrenocorticismo, pela deficiência de 10 mineralocorticoides; no uso excessivo de diuréticos ou nos quadros de doença renal crônica, principalmente em gatos. O principal sinal clínico observado na hipocalemia é a fraqueza e debilidade muscular devido ao bloqueio da hiperpolarização das membranas, impedindo a despolarização e contração muscular. Em gatos, a fraqueza muscular é demonstrada principalmente pela ventroflexão cervical. Também pode ocorrer poliúria e polidipsia pela incapacidade de concentração urinária. Em casos de acidose, o H+ tende a entrar na célula e o K+ é mobilizado para o espaço extracelular, podendo mascarar a hipocalemia. Quando o distúrbio ácido-básico é corrigido o K+ tende a entrar novamente na célula e os níveis séricos de K+ diminuem. A taxa de suplementação de potássio não deve exceder 0,5 mEq/kg/hora, para evitar arritmias cardíacas. A Tabela 3 mostra a quantidade de potássio que pode ser adicionada no fluido e a taxa de infusão para evitar efeitos colaterais, a partir da dosagem de K+ sérico. Tabela 3. Escala para suplementação de potássio. Potássio sérico (mEq/L) mEq de KCl para adicionar a 250 mL de fluido Taxa máxima de infusão de fluido em mL/kg/hora (para não exceder 0,5 mEq/kg/hora <2 20 6 2,1-2,5 15 8 2,6-3 10 12 3,1-3,5 7 16 3,6-5,0 5 25 Adaptado de DiBartola (2007). Cloro Em cães o cloro varia de 107-113 mEq/L e em gatos de 117-123 mEq/L. Ao avaliar os níveis séricos de cloro, sempre correlacionar com os níveis de sódio. Hipercloremia associada à hipernatremia pode ocorrer nos quadros de desidratação, enquanto que hipocloremia associada com hiponatremia pode ocorrer por diluição (ex: fluidoterapia intensa). É importante ressaltar que a concentração de cloro varia inversamente a concentração de bicarbonato, já que estes dois são os principais ânions do FEC. Hipercloremia pode ocorrer nos quadros de acidose metabólica hiperclorêmica (ou alcalose respiratória compensada), já que a diminuição da concentração sérica de bicarbonato induz a reabsorção renal de Cl- de forma compensatória. Da mesma forma, a hipocloremia pode estar associada à alcalose metabólica (ou acidose respiratória compensada), já que o aumento do bicarbonato se relaciona com diminuição do Cl-. Hipocloremia também pode ocorrer em 11 quadros de vômito de conteúdo estomacal com perda de ácido clorídrico, ou ainda no uso de diuréticos de alça ou tiazidas. Hipercloremia iatrogênica pode ocorrer em pacientes recebendo fluidoterapia com solução fisiológica. Cálcio Em cães os níveis normais de cálcio ionizado estão entre 5-6 mg/dL e em gatos entre 4,5-5,5 mg/dL. Existem três frações de cálcio no organismo: o cálcio ionizado (iCa) que corresponde a 55% do total de cálcio do organismo; o cálcio complexado (ao citrato, fosfato, lactato e bicarbonato) que corresponde a 10%; e o cálcio ligado a proteína que corresponde a 35%. O cálcio ionizado é a fração biologicamente ativa, portanto é mais interessante para efeitos de diagnóstico. O controle da concentração sérica de cálcio depende da ação do paratormônio (PTH), vitamina D e calcitonina. O PTH é secretado quando os níveis séricos de cálcio estão diminuídos e o seu principal efeito é aumentar a concentração de cálcio no FEC, por meio de ressorção óssea, reabsorção renal e indiretamente aumentando a absorção intestinal, através do calcitriol. Já a calcitonina atua no aumento da excreção renal de cálcio e na mineralização óssea, quando o cálcio sérico encontra-se aumentado (Figura 3). Hipercalcemia é pouco comum em cães e gatos. Pode ocorrer em quadros de tumores (principalmente linfoma), na doença renal crônica, no hiperparatireoidismo, no hipoadrenocorticismo, ou mesmo ser idiopática (em gatos). Os sinais clínicos incluem mineralização metastática, vômitos e convulsões. Gatos com hipercalcemia podem apresentar formação de urolitíase de oxalato de cálcio. A hipocalcemia pode ocorrer nos casos de eclampsia, doença renal crônica, pancreatite aguda, hipoparatireoidismo e síndrome de má absorção intestinal. Os sinais clínicos observados são convulsões, contrações musculares e tetania. O tratamento da hipocalcemia aguda é através da suplementação intravenosa lenta com gluconato de cálcio, que deve ser monitorada com eletrocardiograma devido aorisco de arritmias cardíacas. Fósforo O fosfato é o principal ânion intracelular, sendo que pode ocorrer transferência do mesmo do FIC para o FEC, alterando rapidamente a concentração sérica de fósforo. Aproximadamente 80 a 85% do total de fosfato do organismo estão nos ossos, enquanto que 15% são encontrados nos tecidos moles, como os músculos. A hemólise pode influenciar os resultados da análise laboratorial, pois os eritrócitos contém fósforo. 12 Figura 3. Representação esquemática da ação do PTH e calcitonina na manutenção da calcemia. Fonte: http://www.uff.br/WebQuest/pdf/potassio.htm Em pequenos animais os níveis séricos de fósforo podem variar de 2,5 a 6,0 mg/dL. As concentrações séricas de fósforo são mais elevadas em filhotes de cães com idade inferior a oito semanas, devido ao desenvolvimento ósseo e maior reabsorção renal mediada pelo hormônio do crescimento. A causa mais comum de hiperfosfatemia é a doença renal crônica, já que o rim é responsável pela excreção deste eletrólito. Também pode ocorrer hiperfosfatemia nos casos de obstrução uretral, uroabdomen, insuficiência renal aguda, hipertireoidismo, acidose metabólica e síndrome da lise tumoral. A hiperfosfatemia pode causar hiperparatireoidismo secundário renal, osteodistrofia e calcificação metastática. O tratamento inclui a fluidoterapia, dietas com baixo teor de fósforo ou uso de quelantes de fósforo, como o hidróxido de alumínio. A hipofosfatemia é pouco comum e pode ocorrer em quadros de cetoacidose diabética, pois o fósforo tende a entrar na célula após instituição da terapia. A hipofosfatemia tende a reduzir a http://www.uff.br/WebQuest/pdf/potassio.htm 13 concentração de ATP (adenosina trifosfato) no eritrócito, causando fragilidade da membrana e anemia hemolítica. Magnésio Aproximadamente 99% do magnésio do organismo está armazenado dentro da célula, onde participa de atividades metabólicas vitais. O magnésio extracelular se apresenta sob três formas: ionizado ou livre (55%), ligado à proteína (20 a 30%) e complexado (15 a 25%). O magnésio ionizado é o que é biologicamente ativo. As principais causas de hipomagnesemia em pequenos animais são: perda gastrointestinal (menor ingestão, diarreia, síndrome da má absorção), perda renal (insuficiência renal aguda, cetoacidose diabética, diurese osmótica, uso de diuréticos não poupadores de potássio) e perda na lactação. A deficiência de magnésio pode causar arritmias cardíacas e distúrbios neuromusculares e pode estar relacionada com outros desequilíbrios eletrolíticos, como a hipocalemia e a hipocalcemia. Hipermagnesemia pode ocorrer devido à doença renal crônica ou pela suplementação de magnésio de forma exagerada (iatrogênica). Em geral, apresenta-se de forma subclínica, mas pode ocasionar arritmias cardíacas e hipotensão. Balanço catiônico-aniônico da dieta O balanço catiônico-aniônico da dieta (BCAD) pode ser definido como a diferença entre os cátions e ânions fixos totais presentes na dieta e sua principal aplicação é atuar na regulação do equilíbrio ácido-base do organismo. Dietas catiônicas provocam relativa alcalose metabólica, enquanto que as aniônicas provocam acidose metabólica. Os mais importantes cátions da dieta são o sódio, potássio, cálcio, magnésio e os ânions são o cloro, enxofre e fósforo. Dietas aniônicas têm sido utilizadas em vacas leiteiras no final da gestação com o objetivo de aumentar a produção de leite e evitar a hipocalcemia. Como é uma dieta acidificante, o organismo tende a liberar mais bicarbonato dos ossos para manter a eletroneutralidade do plasma. Com isso, o cálcio também passa a ser liberado na circulação, disponibilizando-o para a glândula mamária. Outro fator observado é que ao se fornecer dietas aniônicas para vacas no pós-parto, o consumo de matéria seca aumenta, favorecendo também maior produção de leite. Este conceito também pode ser utilizado na formulação de dietas para felinos na tentativa de prevenir a formação de urólitos, visto que a formação dos mesmos é influenciada pelo pH urinário. Os urólitos de estruvita tendem a se formar em pH urinário mais alcalino, enquanto 14 que os de oxalato de cálcio em pH mais ácido. Portanto, a manutenção do pH urinário em uma faixa ideal (6,2 a 6,8) pode auxiliar na prevenção da formação de ambos os tipos urólitos citados. Referências BATEMAN, S. Distúrbios Relacionados ao Magnésio: Déficit e Excesso. In: DIBARTOLA, S. P. Anormalidades de Fluidos, Eletrólitos e Equilíbrio Ácido-Básico na Clínica de Pequenos Animais. São Paulo: Roca, 2007. Cap. 8, p. 198-216. CORRÊA, M. N.; GONZÁLEZ, F. H. D.; SILVA, S. C. Transtornos Metabólicos nos Animais Domésticos. 1.ed. Pelotas: Ed. 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