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www.iesde.com.br Morfossintaxe Morfossintaxe M or fo ss in ta xe Claudio Cezar Henriques Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-2778-1 Claudio Cezar Henriques IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 Morfossintaxe © 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ______________________________________________________________________________ H449m Henriques, Claudio Cezar, 1951- Morfossintaxe / Claudio Cezar Henriques. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 304p. : 24 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-2778-1 1. Língua portuguesa - Morfologia. 2. Língua portuguesa - Sintaxe. 3. Língua portu- guesa - Gramática. 4. Linguagem e línguas. 5. Análise do discurso. I. Título. 12-2492. CDD: 469.5 CDU: 811.134.3’36 18.04.12 26.04.12 034869 ______________________________________________________________________________ Pós-doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Letras pela Uni- versidade Federal Fluminense (UFF). Graduado em Letras pela Universidade Fede- ral do Rio de Janeiro (UFRJ). Claudio Cezar Henriques Sumário Introdução à morfossintaxe ................................................. 11 Nomenclatura gramatical e ensino de português ........................................................ 11 Morfologia: morfemas, palavras e classificação ............................................................. 14 Sintaxe: termos e períodos .................................................................................................... 17 Morfossintaxe: palavras e sintagmas a serviço do texto .................................. 19 Mecanismos sintáticos ........................................................... 31 Sintaxe de concordância: verbos e nomes em sintonia .............................................. 31 Sintaxe de regência: verbos e nomes em hierarquia.................................................... 34 Sintaxe de colocação: palavras em sintonia e hierarquia ........................................... 37 Adequação sintática e adequação semântica ................................................................ 40 Termos essenciais da oração ................................................ 55 O sujeito e o predicado ........................................................................................................... 55 Predicação verbal ...................................................................................................................... 57 Tipologia do sujeito .................................................................................................................. 62 Tipologia do predicado ........................................................................................................... 72 Termos subordinados ao verbo .......................................... 81 Tipologia dos complementos verbais ................................................................................ 81 Regência verbal: casos selecionados ................................................................................. 87 Tipologia dos adjuntos adverbiais ...................................................................................... 94 Palavras denotativas: uma questão à parte ..................................................................... 96 Termos subordinados ao nome ........................................109 Tipologia dos predicativos ...................................................................................................109 Tipologia dos complementos nominais .........................................................................112 Tipologia dos adjuntos adnominais .................................................................................115 Agente da passiva, aposto e vocativo ............................131 Tipologia do agente da passiva .........................................................................................131 Tipologia do aposto ...............................................................................................................135 Vocativo: uma questão à parte ...........................................................................................137 Particularidades morfossintáticas .....................................................................................139 Estrutura do período: a coordenação .............................153 Período simples ........................................................................................................................153 Parataxe e hipotaxe (coordenação e subordinação) ..................................................155 Tipologia das orações coordenadas .................................................................................157 Estrutura do período: a subordinação I ..........................179 Tipologia das orações subordinadas ................................................................................179 Orações substantivas: particularidades ..........................................................................182 Orações desenvolvidas X orações reduzidas .................................................................190 Estrutura do período: a subordinação II .........................203 Orações adjetivas: particularidades ..................................................................................203 Função sintática dos pronomes relativos .......................................................................212 Orações desenvolvidas X orações reduzidas .................................................................214 Estrutura do período: a subordinação III .......................227 Orações adverbiais: particularidades ...............................................................................227 Orações desenvolvidas X orações reduzidas .................................................................238 Combinação de estruturas oracionais ............................255 Coocorrência de parataxe e hipotaxe no âmbito do período .................................255 Relações entre morfossintaxe e estilo .............................................................................266 Da frase ao texto .....................................................................277 Situações contrastivas e progressivas ..............................................................................277 Relações de causa, efeito e finalidade .............................................................................279 Referências temporais ...........................................................................................................285 Morfossintaxe, léxico e semântica ....................................................................................289 Apresentação Este é um livro destinado a estudantes e estudiosos da Língua Portuguesa. A sensibilidade de quem investiga as relações entre a morfologia e a sintaxe ul- trapassa os conteúdos desses dois componentes do campo gramatical e alcança repercussões nas esferas da semântica, da estilística, da pragmática, da análise do discurso – enfim, do texto. O tratamento que damos aqui à morfossintaxe tem a preocupação prioritária com a descrição do português, inserindo as ocorrências selecionadas em situa- ções concretas de uso não apenas na língua literária, mas também na linguagem jornalística, publicitária, nas letras de música, buscando apresentar o assunto como uma parte integrante de nosso cotidiano.Consideramos muito importante investir no saber expressivo, ou seja, na competência discursiva ou textual que permite ao usuário da língua a concretização da capacidade de construir textos em situações determinadas. As explicações sobre palavras, termos, orações e frases têm como intuito al- cançar o texto, numa expansão que se faz mediante o reconhecimento de cada componente dessa imensa rede que começa num pequeno morfema e, prefe- rimos dizer, não termina, pois a língua é um espaço em estado de construção morfossintática. A Morfologia e a Sintaxe – o leitor confirmará – são disciplinas da vida acadê- mica e da vida real, que nos ajudam a alcançar um estágio superior na compreen- são do mundo em que vivemos, pela leitura e pela escrita, pela expressão oral e pela necessidade de ouvir. Optamos, neste livro, por trabalhar progressivamente os conteúdos da morfo- logia e da sintaxe em sintonia, partindo dos componentes menores das microrre- lações das classes de palavras até os capítulos finais, que privilegiam as estruturas mais complexas na esfera do período, do parágrafo e do texto. O estudo da gramática é um instrumento valioso para todo profissional que emprega a língua portuguesa com a responsabilidade que isso representa. Para o futuro professor, em especial, conta-se com sua especial dedicação a esses assun- tos, que o ajudarão na missão de preparar a juventude para o exercício pleno de sua cidadania – essa é a principal lição que se pretende transmitir. O objetivo desta aula é conceituar os termos morfologia e sintaxe e de- monstrar como ambos se vinculam a ponto de se agruparem no termo morfossintaxe. Nomenclatura gramatical e ensino de português Toda ciência tem a sua linguagem própria e uma terminologia especí- fica. Não é diferente com os estudos linguísticos, que se valem de palavras de significação especial nesse campo do conhecimento. Saber o significa- do técnico que as palavras têm na área linguístico-gramatical é um com- promisso de todo profissional que atua no ensino e na pesquisa de língua portuguesa. Terminologia gramatical = nomenclatura gramatical Certamente é costume, no âmbito acadêmico, encontrar a expressão nomenclatura gramatical acompanhada do adjetivo brasileira, populari- zada numa sigla que é parte obrigatória da maioria das gramáticas que nossos estudantes já tiveram em suas mãos: a NGB. No entanto, se o profissional de Letras não se informar e não refletir cri- ticamente a respeito das questões nomenclaturais voltadas para o ensino e para a descrição do português, talvez sua prática docente ou científica tenha danos significativos. Em primeiro lugar, será preciso reparar que a palavra nomenclatura é apenas o coletivo de nomes (e não uma camisa de força ou a própria gra- mática). Apesar disso, nos níveis fundamental e médio de ensino, é peda- gogicamente aconselhável que os professores não usem nomenclaturas divergentes e múltiplas em suas aulas (o que se aplica obviamente a toda Introdução à morfossintaxe 11 12 Introdução à morfossintaxe e qualquer disciplina), o que acaba confundindo os alunos e pode até prejudicá- los eventualmente em algum tipo de concurso público. Isso não significa, no entanto, que as preocupações em torno da nomencla- tura a ser utilizada nas escolas sejam mais importantes do que o próprio ensino de Língua Portuguesa. Os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem que, até hoje, a perspectiva dos estudos gramaticais centra-se, em grande parte, “no entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal”, frisando uma das maiores críticas que se fazem ao ensino conservador, pelo qual “descrição e norma se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso, da função e do texto”. O estudo gramatical aparece nos planos curriculares de Português, desde as séries iniciais, sem que os alunos, até as séries finais do Ensino Médio, dominem a nomenclatura. Estaria a falha nos alunos? Será que a gramática que se ensina faz sentido para aqueles que sabem gramática porque são falantes nativos? A confusão entre norma e gramaticalidade é o grande problema da gramática ensinada pela escola. O que deveria ser um exercício para o falar/escrever/ler melhor se transforma em uma camisa de força incompreensível. Essa concepção destaca a natureza social e interativa da linguagem, em contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do uso social. O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. Os conteúdos tradicionais de ensino de língua, ou seja, nomenclatura gramatical e história da literatura, são deslocados para um segundo plano. O estudo da gramática passa a ser uma estratégia para compreensão / interpretação / produção de textos e a literatura integra-se à área de leitura. (BRASIL, 1999, p. 137) Alguns pontos, então, podem ser apresentados ao futuro profissional de Letras em relação ao tema nomenclatura gramatical, entre os quais destacamos: É altamente recomendável a leitura crítica do texto da Portaria n.º 36, pu- � blicada no Diário Oficial de 11 de maio de 1959 (reproduzida nas páginas preliminares de alguns dicionários e do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da ABL, e disponível em páginas da internet como o Portal de Língua Portuguesa (www.portaldalinguaportuguesa.org), inclusive pelo fato de ela, até hoje, não ter sido abolida pelo Ministério da Educação. É necessário lembrar que uma nomenclatura gramatical voltada para o � ensino só é aplicável aos níveis fundamental e médio (não se conceben- do que ela se aplique monocordicamente a estudos superiores praticados por especialistas e universitários), o que justifica plenamente a elaboração de uma proposta para sua atualização e modernização. Introdução à morfossintaxe 13 É discutível a atitude de substituir (nas escolas) termos consagrados nos � estudos linguísticos por novidades nomenclaturais (por exemplo: falar em orações relativas em lugar de orações adjetivas ou em transpositores em vez de conectivos), que devem ser reservadas para o ambiente universitá- rio, onde poderão ser avaliadas do ponto de vista técnico. É fundamental ter em mente que o principal objetivo do ensino de Língua � Portuguesa não é a cobrança gratuita da nomenclatura pela nomenclatu- ra e que esta tem de ser vista não como uma finalidade em si, mas como um instrumento, um meio para se alcançar o aprendizado consciente da língua. Essas preocupações quanto ao ensino não são privilégio desses nossos tempos, e as críticas à gramática são tão antigas quanto ela. O linguista dina- marquês Otto Jespersen (1992) expressou, na conclusão de sua obra clássica The Philosophy of Grammar, a esperança de que “o ensino de gramática no futuro pudesse ser algo mais vivo do que tinha sido até então, com menos preceitos mal-entendidos ou ininteligíveis, menos nãos, menos definições, e infinitamen- te mais observações dos fatos da vida real” (p. 346). Para ele, este seria o único modo pelo qual o ensino de gramática poderia tornar-se um componente útil e interessante no currículo escolar. É óbvio que há necessidade de se resolverem oficialmente muitas questões acerca do ensino de Língua Portuguesa, inclusive o tema da nomenclatura uni- ficada, de preferência comum a brasileiros e portugueses. Porém, enquanto isso não acontece, espera-se que a conduta dos educadores, em sala de aula, não acabe agravando ainda mais a situação, fazendo com que os poucos profissionais bem preparados voltem a conviver com uma torre de Babel terminológica ou passem a coexistir com a progressiva abolição do ensino da gramática como instrumento para a aprendizagem crítica e reflexiva da língua. “Língua e gramá- tica não rimam”, como diz Irandé Antunes (2007, p. 160), “quando se confunde o estudo da nomenclatura com o estudo da gramática”, pois é preciso que se vá além da nomenclatura“para encontrar os sentidos que transparecem nos usos reais, concretizados, efetivados.” Mas [...] a crítica à gramatiquice e ao normativismo não significa, como pensam alguns desavisados, o abandono da reflexão gramatical e do ensino da norma-padrão. Refletir sobre a estrutura da língua e sobre seu funcionamento social é atividade auxiliar indispensável para o domínio da fala e da escrita. E conhecer a norma-padrão é parte integrante do amadurecimento das nossas competências linguístico-culturais. (FARACO, 2006, p. 26) 14 Introdução à morfossintaxe Morfologia: morfemas, palavras e classificação O substantivo morfologia tem origem grega e significa estudo das formas. As primeiras referências ao seu emprego, com esse sentido, nos estudos linguísti- cos remontam ao século XIX. Se tivéssemos de resumir em breves palavras de que cuida a morfologia, diríamos que é o ramo da gramática que trata da estru- tura interna das palavras. Seu estudo propicia a análise dos princípios formais que fazem dos morfemas a unidade básica da primeira articulação da lingua- gem, isto é, a unidade que é dotada de um valor semântico indivisível, tanto no âmbito da estrutura como no da formação. Se definimos morfologia como o estudo das unidades e dos princípios que regem os morfemas e sua ordenação no vocábulo, seja pela formação de novas bases lexicais, seja pela sua flexão, também podemos afirmar que o componente morfológico de uma língua como o português está suficientemente vinculado a outras partes da gramática. Com isso, queremos frisar que nem tudo o que se refere à unidade palavra é competência da morfologia, que nesse sentido serve como importante componente de três campos de estudos: o lexical (por ajudar a organizar as unidades memorizáveis das designações), o sintático (por ajudar a explicitar as relações de articulação entre as unidades lexicais) e o discursivo (por expressar relações como tempo, pessoa, lugar). Como os subsistemas integrantes de um sistema complexo, como o de uma língua, se entrecruzam ou se superpõem de modo também complexo (BOSQUE; DEMONTE, 2000, p. 4.309), cabe à gramática a tarefa de descrever como se inter- relacionam esses subsistemas. No que diz respeito à morfologia, é preciso re- conhecer, por exemplo, que as unidades léxicas têm propriedades fonológicas, semânticas, morfológicas, sintáticas e discursivas que são pertinentes para o funcionamento de seus estatutos. Esses elos, como se vê, mostram que existe uma dinâmica nas manifestações dos componentes morfológicos e, por isso, é necessário destacar que os mais importantes são as noções de morfema, de palavra e de classe. Chamamos de morfema todo e qualquer constituinte de um vocábulo, en- globando os lexemas (morfemas dotados de significação externa, chamados morfemas lexicais) e os gramemas (morfemas dotados de significação interna, chamados morfemas gramaticais): significação externa � – é a que se refere ao mundo real ou imaginado (ações, sentimentos, coisas); Introdução à morfossintaxe 15 significação interna � – é a que fica restrita ao campo gramatical (gênero, número, conjugação, classe). IE SD E Br as il S. A . Morfema – menor unidade gramatical que se pode identificar e que é dotada de valor semântico indivisível. Outra distinção técnica na terminologia morfológica é a que envolve a pró- pria conceituação de palavra, usada na linguagem comum como sinônimo de vocábulo, mas que nos estudos linguísticos tem uma acepção mais restrita e pode ser compreendida a partir da leitura de uma pequena frase como “José é fluminense, e eu sou carioca”. Não há dúvida de que essa frase contém sete palavras, como também não há dúvida de que a segunda é e a sexta sou são duas formas da mesma palavra, o verbo ser. Por isso, a contabilidade poderia nos informar que a frase não tem sete, mas seis palavras, pois uma delas ocorre duas vezes. Sete seria, então, o número de vocábulos da frase (e não de palavras). Portanto, existe, a rigor, a necessidade de dizer que palavra é o termo que se usa para designar a unidade mínima autônoma (lexical ou gramatical) para a qual se espera, por exemplo, que exista uma entrada própria num dicionário ou que, numa gramática, exista um paradigma que a inclua. Esse paradigma contido numa gramática mostrará as classes das palavras, definidas tradicionalmente conforme suas propriedades morfológicas, sintáticas e semânticas. É por essa razão que se fala em palavras variáveis ou invariáveis 16 Introdução à morfossintaxe (critério morfológico) ou em palavras que modificam outras (critério sintático) ou que designam os seres (critério semântico). Essa forma de classificação apa- rentemente mista é compreensível, pois afinal o universo lexical de uma língua se compõe de elementos heterogêneos que se apresentam a nós sob essa forma a que denominamos palavra. Apresento aqui, com pequena adaptação, uma tabela que incluí no livro Sin- taxe: estudos descritivos da frase para o texto e que mostra de maneira didática as 10 classes de palavras e suas propriedades morfológicas: Classes Gramaticais (10) (H EN RI Q U ES , 2 00 8, p . 4 ) Verbo variável Substantivo variável* Adjetivo variável* Pronome variável* Advérbio invariável** Numeral variável* Artigo variável Conjunção invariável Preposição invariável Interjeição*** ------ * Excepcionalmente, substantivos (lápis, tórax), adjetivos (piegas, simples), pronomes (eu, quem, tudo) e numerais (dois, três) também podem ser invariáveis. ** Excepcionalmente, advérbios (todo, meio) podem se flexionar por atração1. *** A interjeição poderia não fazer parte desse quadro, pois faz parte da função emotiva da linguagem (vinculada à 1.a pessoa do discurso). Há livros que tentam, sem grande sucesso, classificar as palavras de modo menos heterogêneo, mas não nos parece que seja o caso de alterar substancial- mente o que a descrição tradicional consagrou desde as primeiras gramáticas das línguas ocidentais. O que cabe fazer é procurar descrever essas classes de acordo com cada um dos três critérios mencionados, embora isso, ao final, nos faça novamente refletir sobre aquelas conhecidas definições, pois veremos as mesmas classes aparecendo, às vezes, simultaneamente nos três novos grupos. Outra maneira seria distribuir as 10 classes em dois subconjuntos, o das pala- vras lexicais (verbos, substantivos, adjetivos, advérbios) e o das palavras grama- 1 A flexão abonada do advérbio meio é registrada em muitas obras, como por exemplo no Dicionário Aurélio Eletrônico versão 5.0 (Positivo, 2004), que apresenta a seguinte observação (grifos nossos): “Há muitos exemplos, no português antigo como no moderno, desse advérbio flexionado (caso de concordância por atração): a cabeça do Rubião meia inclinada (M. de Assis, Quincas Borba); casou meia defunta (M. de Assis, Várias Histó- rias); a mesma mulher, sempre nua ou meia despida (E. de Queirós, A Cidade e as Serras); Uns caem meios mortos, e outros vão / A ajuda convocando do Alcorão. (L. de Camões, Os Lusíadas, III, 50); cinzeiros com cigarros meios fumados (José Régio, Histórias de Mulheres)”. Introdução à morfossintaxe 17 ticais (artigos, conjunções, preposições). Mas aqui também poderíamos apontar problemas, como por exemplo acontece com a multifacetada situação dos pro- nomes (indefinidos são lexicais; relativos são gramaticais). Sintaxe: termos e períodos O estudo da análise sintática é um dos pontos fundamentais na formação de quem aspira ser um usuário competente de sua língua. Duas das habilidades principais de uma pessoa culta repousam nas atividades de ler e de escrever, ações que podem caracterizar não só nossas carreiras profissionais, mas também nossa vida como cidadãos. Esse tema é um dos que mais deve interessar ao professor de Português, não só por representar um dos assuntos com que mais trabalhará em sua carreira docente como também porque é pelo domínio da sintaxe que se pode começar a conquistar, com plenitude,o texto. Ler ou escrever um texto é muito mais do que apenas compreender ou or- ganizar palavras em frases e parágrafos. É algo que envolve um amplo mecanis- mo a partir do qual o pensamento e as pretensões comunicativas do autor se apresentam para reflexão e avaliação do leitor. Como se constroem esses textos? Com palavras, sintagmas, termos, orações e períodos2 – elementos que mantêm entre si um relacionamento interno de concordância, regência, colocação e atri- buição (HENRIQUES, 2008). IE SD E Br as il S. A . 2 Não incluímos nessa série a palavra cláusula: unidade de significado que pode ter qualquer estruturação interna – diferente de oração, que necessariamente deve apresentar um verbo. A cláusula ocorre no estrato funcional correspondente às funções “comentário” e “comentado”, como em “Com toda certeza, o professor virá” (o comentário é “com toda certeza”; o comentado é “o professor virá”). Nesse trecho, há duas cláusulas, mas apenas uma oração, pois só há um verbo. Entendemos que essa palavra interessa mais como um contraponto nomenclatural do que como um conceito útil no âmbito do ensino e da descrição gramatical. 18 Introdução à morfossintaxe A análise sintática é a análise das relações. Por exemplo: na estrutura da oração, estudamos as relações que as palavras mantêm entre si na frase. Essas relações são binárias: sujeito e verbo; verbo e complemento; núcleo e adjunto; etc. Por esse motivo, quando pensamos na tradicional prática de exercícios vol- tados para o reconhecimento da função sintática de um termo, vemos que ela nem sempre alcança o real objetivo de sua aplicação. Não se pode dizer qual é a função sintática de um termo se não se encontrar o outro termo com o qual ele se relaciona, ou seja, não se pode encontrar o sujeito de uma oração sem que se confirme sua relação de concordância com o seu par (o verbo); não se pode reconhecer que existe um objeto direto sem apresentar a prova (o verbo transitivo direto); não se pode afirmar que determinado termo é o agente da passiva sem que seu parceiro sintático seja revelado (o verbo na voz passiva). E assim sucessivamente com todos os termos da oração, pois cada um deles só tem a classificação que tem porque possui uma relação com outro termo – e cada uma dessas relações é única, sendo 10 os termos da oração (11, se contarmos com o vocativo). Um texto coeso e coerente organiza-se a partir de princípios lógicos, entre os quais se incluem os processos relacionais, que, partindo de uma relação-micro, como a existente entre o núcleo de um termo e seu adjunto adnominal, passam por uma relação-midi, como a que nos mostra que uma oração é principal porque outra é sua subordinada, e se encerram numa relação-macro, confirmando, por exemplo, que uma notícia de jornal ou uma crônica literária teve começo, meio e fim – e isso só acontecerá de fato se tiverem sido seguidas as regras elementa- res de adição, oposição, reiteração, substituição e conclusão, entre tantas outras regras que se baseiam em ampliações dos mecanismos primários expressos pelos conectivos, conjunções, pronomes relativos e pessoais. Nesse percurso que começa no mundo-micro (da oração), passa pelo mundo- -midi (do período) e alcança o mundo-macro (do parágrafo e do texto), é bom notar que cada um deles nada mais é do que a repetição dos outros, apenas em tamanhos e graus diferentes. Nesse sentido, a complexidade e a expressividade de um texto se medem a partir de vários parâmetros. Um deles repousa certamente na observação da es- trutura sintática de seus períodos e parágrafos. Por isso, o estudo da sintaxe é um dos caminhos para desvendar os mecanismos composicionais escolhidos pelo autor de um texto, sendo a nomenclatura e a fixação das regras básicas do rela- cionamento sintático estratégias didáticas – e não o motivo principal do estudo. Introdução à morfossintaxe 19 Morfossintaxe: palavras e sintagmas a serviço do texto Dependendo dos objetivos e dos métodos adotados na explicação dos fatos da língua, as classes gramaticais e as funções sintáticas, como vimos, podem ser estudadas em separado (respectivamente, pela morfologia e pela sintaxe). Na teoria e na prática, porém, essas duas partes da gramática se encontram em muitos pontos, pois os valores associativos (morfológicos) se inserem em enun- ciações lineares (sintáticas), o que comprova a existência de um vínculo inegável entre elas. Isso nos lembra o que Flávia Carone (1995, p. 13) aponta como uma das condições para que se chegue ao efetivo conhecimento de um objeto: [...] é necessário que as partes obtidas pelo corte analítico não se dispersem, de tal maneira que o todo mantenha sua integridade na consciência de quem o observa – pois analisar é observar em uma ordem sucessiva as qualidades de um objeto, a fim de dar-lhes no espírito a ordem simultânea em que elas existem. Tanto material como idealmente, faz-se essa composição e essa decompo- sição harmonizando-se as relações existentes entre as coisas – como explica André Lalande (1960), também citado por Carone. A sintaxe tem duas parceiras especiais. Uma é a semântica, a ciência do sig- nificado. Afinal, o entendimento de uma frase depende da sua estrutura e das sutilezas que envolvem a construção do sentido. Outra é a estilística (a ciência da expressividade), pois compete ao autor da frase fazer as escolhas sobre como será sua organização, a partir do repertório que a língua lhe oferece. Entretanto, para se obter êxito no estudo da sintaxe do português, há um pré-requisito, pois a sintaxe e morfologia são assuntos interligados. Ter um bom conhecimento acerca das classes de palavras é fundamental para entender a es- trutura de uma oração e de um período. Recordemos, por exemplo, nosso estudo de verbos, substantivos, adjetivos e advérbios nos livros e aulas de morfologia – suas flexões, significações e particularidades. Depois, a atenção sobre o verbo como elemento central da oração, o substantivo como núcleo de um termo, o adjetivo como um elemento periférico ou atributivo de outro, o advérbio como um determinante, sobretudo dos verbos. Morfologia estudo dos valores associativos das formas linguísticas. 20 Introdução à morfossintaxe Sintaxe estudo da inserção das formas linguísticas em enunciações lineares. Morfologia Sintaxe Morfossintaxe = Com isso, queremos enfatizar que um sólido estudo de morfologia é funda- mental para o que se coloca diante do estudo de sintaxe, confirmando de algum modo a advertência de Mattoso Câmara Jr. (2004, p. 57), quanto ao fato de que “a distinção entre morfologia e sintaxe tem sido muitas vezes criticada, tanto de um ponto de vista didático quanto teórico”. Sua argumentação, no entanto, jus- tifica a procedência da distinção entre ambas, pois a unidade de cada uma pre- valece por conta de suas relações, respectivamente, associativa (paradigmática) e sintagmática. É uma opinião que não invalida o que Louis Hjelmslev (1991, p. 162) escreveu em 1939, num artigo em que comentava que, “malgrado todos os esforços, nunca se conseguiu separar completamente a morfologia e a sintaxe”. Talvez por isso, T. Givón (2001) , no prefácio de seu livro Syntax, fale em estruturas morfossintáticas concretas e suas correlações semânticas e pragmáticas. É o que mostra uma das questões incluídas no Exame Nacional dos Cursos de Letras, realizado em 2002, cujo enunciado propunha: Budista e japonês são palavras que podem ser categorizadas como substantivos e como adjetivos, o que é comprovável em sintagmas como o japonês budista e o budista japonês. Considerando apenas três possíveis critérios de classificação morfológica – o formal (ou flexional), o semântico e o sintático –, aponte o critério mais decisivo para determinar a classe gramatical desse tipo de palavras, justificando por que você o escolheu e excluiu os demais. A grade oficial admitiu, entre as respostas, posicionamentos diferentes, com- binados a justificativas pertinentes, mas considerouque o critério “mais decisivo” para determinar a classe gramatical desse tipo de vocábulo é morfossintático. Para terminar, lembremos que um texto deve ter uma adequação gramati- cal compatível com as pretensões e intuitos de seu autor, que – se assim julgar pertinente – procurará atingir o nível de exigência da linguagem-padrão pra- ticada por escrito pela comunidade culta em que se insere. Tudo entrelaçado, interligado, no âmbito da palavra e da oração ou da frase (morfossintaticamen- te) para permitir que alcancemos a competência discursiva ou textual, caracteri- zando o que Eugenio Coseriu (1992) chama de saber expressivo, ou seja, a com- petência discursiva ou textual, a capacidade de construir textos em situações determinadas. Introdução à morfossintaxe 21 Texto complementar Nomenclatura Gramatical Brasileira: um necessário passo à frente (BECHARA, 1999) Hugo Schuchardt dizia, com muito acerto, que a nomenclatura estava para o cientista assim como o farol para o marinheiro: aplaina-lhe a estrada e o conduz a bom porto. Em muito boa hora, na época em que o Ministério da Educação se preo- cupava com as medidas substantivas ao aperfeiçoamento do ensino e, por consequência, o aprimoramento da cultura, reuniu o ministro as autoridades que mais estavam debaixo de sua jurisdição – os competentes catedráticos do Colégio Pedro II – para, sob a presidência do decano e emérito Antenor Nascentes, apresentar proposta de unificação da nomenclatura gramatical reinante nos livros didáticos e científicos (mormente nos primeiros), nas es- colas e entre professores de Língua Portuguesa. Para tal tarefa, começaram a trabalhar os professores catedráticos em exercício no Externato e no Internato do Colégio Pedro II: Cândido Jucá (filho), Carlos Henrique da Rocha Lima, Celso Cunha e Clóvis Monteiro, aos quais, depois vieram associar-se, como consultores, Antônio José Chediak, Serafim da Silva Neto e Sílvio Elia, todos também pertencentes ao quadro de magistério do Colégio Pedro II. Se a iniciativa era inédita em língua portuguesa, não o era em outras partes do mundo, pois a Inglaterra e a França já tinham dado os primeiros passos neste sentido da unificação dos termos constantes e correntes na no- menclatura gramatical de seus idiomas, para fins escolares. Para orgulho dos brasileiros, saída a proposta (não era uma imposição!) da NGB, a iniciativa estimula a que filólogos e linguistas portugueses, espe- cialmente de Coimbra e Lisboa, com Manuel de Paiva Boléo na secretaria da comissão, passassem a trabalhar para consecução dos mesmos objetivos, orientando-se no esquema traçado pelos catedráticos do Pedro II, mas guar- dando a orientação tradicional da sua terminologia que, diga-se de passa- gem, pouco difere da praticada entre nós. 22 Introdução à morfossintaxe É fácil perceber a floresta, quase selva selvaggia, reinante nos livros di- dáticos e entre o magistério de língua portuguesa: sem ainda Faculdades ou Institutos de Letras (que só começaram nos últimos anos da década de 30); com as mais díspares orientações da gramaticografia nascente no século XIX; com a influência das gramáticas filosóficas, lógicas, puristas, ao lado de outras sem nenhuma orientação de valor científico; com o privilegiamento de nomenclaturas próprias da gramática clássica, especialmente latina (fa- lava-se tranquilamente em nominativo, dativo, acusativo, ablativo, genitivo, consecutio temporum, etc.), ao lado das modernas novidades trazidas pelos livros que divulgaram os métodos histórico-comparativos (Brachet, Egger, Brunot, entre outros) ou da gramaticografia alemã e, principalmente, inglesa (Becker, Bain, Holmes, Mason e Whitney). Diante desta multiplicidade de fontes e correntes doutrinárias, é claro que não haveria unanimidade terminológica e conceitual entre os autores que, a partir da reforma do ensino de línguas promovida por Fausto Barreto, em 1887, maxime do português, começaram a escrever seus compêndios de gramáticas escolares. É bem verdade que tivemos autores que, desde cedo, se preocuparam em apresentar, para os diversos domínios da gramática, uma racionalização da nomenclatura. Entre esses, cabe menção especial aos esforços de Júlio Ribei- ro, Maximino Maciel e, posteriormente, de José Oiticica, Martinz de Aguiar e Antenor Nascentes. A pluralidade terminológica chegou a tal exagero, que Antônio José Che- diak arrolou dezenas de denominações para o que hoje chamamos adjunto adnominal. Daí, em boa hora, veio a ideia da organização de proposta para escolha de um rótulo oficial para cada fato de língua que ostentava uma ri- queza perturbadora – e inútil – de classificações. Saída a NGB em 1959, nenhum dos seus signatários concordaria total- mente com ela (Cândido Jucá, no mesmo ano, lançou um livro intitulado 132 restrições à NGB). Ainda assim, os compêndios gramaticais vindos à luz na década de 60 tiveram de, bem ou mal, agasalhar os nomes propostos e, pas- sados 40 anos, pode-se dizer que a proposta ministerial, com essa ou aquela exceção, trouxe remédio para o carnaval terminológico a que se assistia nos Introdução à morfossintaxe 23 livros, em aula, entre professores e, especialmente, nos exames de admissão, apesar dos defeitos e omissões que se podem imputar à NGB, e de algumas incursões a medo no campo conceitual, decorrentes de certas opções termi- nológicas facilmente detectáveis na leitura do seu texto. Sendo hoje totalmente diferente o panorama dos estudos linguísticos, filológicos e gramaticais, cremos que uma reedição pura e simples dos pri- mitivos propósitos da NGB dos anos 50, ainda que acrescidas de nomes es- quecidos à época (núcleo, por exemplo) e de outros trazidos pelo progresso das disciplinas, terá resultados insignificantes, se não inócuos, dada a relativa uniformização da nomenclatura promovida pela NGB. Passados tantos anos desde que a Linguística foi introduzida entre nós, alcançamos maturidade para dar um passo à frente, que é a elaboração de um Glossário ou Dicionário da Terminologia Gramatical, em que não só se le- vanta uma nomenclatura específica, mas também se propõe uma conceitu- ação de cada termo, acompanhada de exemplificação adequada. Está claro que será uma proposta (não uma imposição), no domínio da escola de nível fundamental e médio. Para tanto, a comissão que venha a ser designada ou escolhida para tal empreendimento já conta com excelentes subsídios que vai haurir dos di- versos dicionários e léxicos gramaticais elaborados por Antenor Nascentes, Sílvio Elia, J. Mattoso Câmara Jr., Zélio dos Santos Jota, Pedro Luft, sem contar as obras estrangeiras de David Crystal, André Martinet, Mário Pei, Theodor Lewandowiski, Werner Abraham, Hadumod Bussmann, last but not least, Lázaro Carreter. Um bom modelo, aperfeiçoado, é o Glosario de la terminología gramati- cal, sob a direção de Antonio Alonso Marcos (pela Editora Magistério, Madrid, 1986), com base no documento elaborado por uma Comissão de cinco mem- bros, entre os quais figuram Rafael Lapesa Melgar e Fernando Lázaro Carreter. Aperfeiçoemos o plano primitivo da NGB, sem nos esquecermos de que se trata de um nomenclator para o nível de 10 e 20 graus, com leve projeção para os cursos universitários. Só assim, em nosso parecer, estaremos contribuindo para o progresso dos estudos gramaticais e o aperfeiçoamento de seu ensino entre nós. 24 Introdução à morfossintaxe Dicas de estudo AZEREDO, José Carlos de. “Para que serve o ensino da análise gramatical?”, apên- dice do livro Fundamentos de Gramática do Português. O autor expõe opiniões importantes a respeito das possibilidades de se ensi- nar a análise gramatical de um modo isento dos vícios e defeitos que a tornaram desinteressante. HENRIQUES, Claudio Cezar. “Conceitos básicos”, capítulo do livro Morfologia: es- tudos lexicais em perspectiva sincrônica. O capítulo trata das definições de termos como sincronia e diacronia; sintag- ma e paradigma; palavra e vocábulo; morfema lexical emorfema gramatical – todos fundamentais para o desenvolvimento dos estudos de morfossintaxe. Estudos linguísticos 1. Comente a seguinte afirmação de Irandé Antunes (2007, p. 160): Língua e gramática podem ser uma solução: se damos à gramática a função que de fato ela tem; nem mais nem menos; se reconhecemos seus limites; se a enquadramos na sua justa valoração, nas suas justas medidas e aceitamos sua insuficiência frente à necessidade de outros saberes e de outras competências. Introdução à morfossintaxe 25 2. A existência de uma nomenclatura gramatical unificada no ensino de Língua Portuguesa dos níveis Fundamental e Médio é uma questão relevante para os professores e para os alunos? 3. Explique de que modo os estudos de morfologia e de sintaxe estão interli- gados. 26 Introdução à morfossintaxe Referências ALI, M. Dificuldades da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1966. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Ática, 1996. ANTUNES, Irandé. Muito Além da Gramática. São Paulo: Parábola, 2007. AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. 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A expectativa é que o aluno defenda a existência de uma nomenclatura uniforme e aponte para a necessidade de uma atualização da que está em vigor desde 1959. 3. Os estudos estão interligados em virtude de as unidades linguísticas (os itens lexicais) fazerem parte dos objetivos de ambas as disciplinas, seja por seus valores associativos, seja por sua inserção em enunciações lineares. Introdução à morfossintaxe 29 Toda frase manifesta um pensamento que se constrói por meio de pa- lavras – organizadas e combinadas segundo princípios que a caracterizam como uma estrutura. FRASE (palavras organizadas de modo a comunicar algo) = ESTRUTURA Essa pequena explicação nos serve para introduzir o objetivo desta aula: apresentar os conceitos de concordância, regência e colocação – os mecanismos sintáticos – como conteúdos fundamentais para o estudo da morfossintaxe, pois são eles que atuam na organização da frase – nosso foco de atenção neste momento. Sintaxe de concordância: verbos e nomes em sintonia A concordância é um dos mecanismos sintáticos fundamentais do por- tuguês, pois é o processo que registra um tipo de harmonia gramatical existente entre dois componentes da frase. 1. Ela compramos aquele vestidos branca. Esta frase não está construída segundo os princípios normais de con- cordância de nossa língua e, portanto, parece inusitada. Porém, se fizer- mos os ajustes de pessoa, número e gênero, teremos uma frase estrutura- da adequadamente: 2. Ela comprou (ou nós compramos) aqueles vestidos brancos. Nas duas relações sintáticas existentes na frase, faltava sintonia, ou seja: o sujeito e o verbo precisavam estar na mesma pessoa e número (3. � a pessoa do singular ou 1.ª pessoa do plural, conforme quem tenha feito a compra) – esse princípio caracteriza a concordância verbal. Mecanismos sintáticos 31 32 Mecanismos sintáticos o demonstrativo e o adjetivo precisavam estar no mesmo gênero e núme- � ro do substantivo (masculino plural) – esse princípio caracteriza a concor- dância nominal. A relação que há entre verbo e sujeito é única, pois acontece na fronteira existente entre os dois termos essenciais da oração prototípica do português, o sujeito e o predicado. Diferentemente, a relação que há entre substantivos e adjetivos pode ser de duas naturezas: a intrassintagmática e a intersintagmática. 3. Seu comentário amargo pode ter sido sincero. Nessa frase há três palavras que concordam com o substantivo comentário: o possessivo seu e o adjetivo amargo concordam com o núcleo do termo ao qual pertencem (no caso, o sujeito “seu comentário amargo”) e são seus adjuntos ad- nominais; já o adjetivo “sincero” concorda com o núcleo de um outro termo e é seu predicativo. Os adjuntos adnominais são exemplos de concordância intras- sintagmática; o predicativo é exemplo de concordância intersintagmática. Sintetizando: CONCORDÂNCIAVERBAL O verbo concorda com o sujeito em número e pessoa. CONCORDÂNCIA NOMINAL O adjetivo concorda com o subjetivo em gênero e número. Cabe aqui um lembrete importante quanto à pontuação: numa frase escrita em ordem direta, nunca separamos sujeito e verbo ou verbo e predicativo por vírgula. 4. Os maiores jogadores do futebol brasileiro são grandes astros do esporte mundial. SUJEITO VERBO PREDICATIVO Mecanismos sintáticos 33 5. Exagerado, eu sou sempre exagerado. PREDICATIVO SUJEITO PREDICATIVO repetido para confirmar o exagero?COM VÍRGULA VERBO Como se viu pelos exemplos, a concordância é um mecanismo sintático que se concretiza a partir de elementos tipicamente morfológicos: as flexões de pessoa, de gênero e de número. Devemos reparar que, em nenhum momento se falou em modo e tempo (para os verbos) e em grau (para os nomes). O motivo é simples: modo e tempo são componentes exclusivos dos verbos (e não há como estabelecer esse tipo de identidade entre o verbo e seu sujei- to, que é um termo representado por substantivos ou seus equivalentes – logo, sem marca de modo e de tempo); grau é um componente comum a substantivos e a adjetivos, mas com atribuições distintas (nos substantivos, o grau expressa aumentativo ou diminutivo; nos adjetivos, expressa comparativo ou superlativo – logo, não é possível fazer a sintonia de grau entre eles). O gênero e o número estão entre os processos flexionais (e obrigatórios) de nossa língua, o que inegavelmente não é o caso do grau, que se faz de manei- ra opcional, por um acréscimo derivacional (livr + inho = livrinho, moderno + íssimo = moderníssimo) ou lexical (livro pequeno, muito moderno), excludentes mutuamente, se assim preferir o usuário da língua, como vemos nas possibilida- des abaixo transcritas: 6. Comprei um livrinho (ou um pequeno livro) moderno grau só no subs- tantivo. 7. Comprei um livro moderníssimo (ou muito moderno) grau só no adjetivo. A conhecida expressão Concordo com você em gênero, número e grau é, por- tanto, inaplicável no mundo da gramática, onde só é possível concordar em gênero e número ou em número e pessoa. Acrescente-se a lembrança de que o grau é um processo que também ocorre com os advérbios, também manifestando relação intensificadora (comparativo ou superlativo): 8. Ela canta melhor (= mais bem) e mais alto (do) que nosso vizinho. 34 Mecanismos sintáticos 9. Ela canta altíssimo (ou muito alto), mas emociona muito pouco (ou pou- quíssimo). Por fim, resta ainda dizer sobre o grau que os sufixos que se juntam a radi- cais para expressar ideias de aumento, diminuição e intensificação têm um uso bastante expandido no português, sendo possível encontrá-los de modo muito expressivo em formações que subvertem seus valores iniciais, seja na linguagem jornalística, publicitária e coloquial, com grande produtividade. 10. Quem gosta de música tem todíssimos os motivos para não arredar pé do Rio este fim de semana. (Danuza. Jornal do Brasil: 16 out. 1998) 11. Aplicar corretamente o condicionador: passá-lo somente nas pontas, massagear levemente, desembaraçar com um pente de dentes largos e enxaguar bastantão, até sair tudo. (Revista Atrevida: fev. 1996) O recurso (que serve como exemplo de gramaticalização) também é comum em nossa literatura, como atestam os casos de “cunhados e cunhadíssimos” (Ma- chado de Assis em Esaú e Jacó), “eles passarão, eu passarinho” (Mário Quintana, no “Poeminha do Contra”), “o velho era antigão” (Stanislaw Ponte Preta, em “A Vontade do Falecido”) ou “ele está dormindinho” (José de Alencar, no Posfácio de Iracema). Sintaxe de regência: verbos e nomes em hierarquia A regência é outro dos mecanismos sintáticos fundamentais do português, pois é o processo que marca uma relação de hierarquia existente entre dois com- ponentes da frase, isto é, se um termo tem ou não algum tipo de complemento ou circunstância que o acompanha em sua significação. As palavras regentes de termos são os verbos e os nomes. Os termos que são regidos são chamados de complementos verbais e nominais. Na nomenclatura gramatical, regência, em sentido amplo, equivale a subor- dinação em geral. Em sentido restrito, e mais habitual, designa a subordinação peculiar de certas estruturas a palavras que as requerem ou preveem na sua significação ou em seus traços semânticos. Essas estruturas compõem, com as palavras que as requerem (isto é, regem), um complexo significativo – estruturas regidas completam com os núcleos regentes um todo semântico, motivo pelo Mecanismos sintáticos 35 qual que se denominam complementos. Regência é, então, exigência ou previ- são de complementação (LUFT, 1987). REGÊNCIA VERBAL O verbo prevê uma complementação mediante o uso ou não de preposição. REGÊNCIA NOMINAL O nome (substantivo ou adjetivo) prevê uma completação mediante o uso de preposição. Cabe aqui outro lembrete importante quanto à pontuação: numa frase es- crita em ordem direta, nunca separamos o verbo e o seu complemento ou cir- cunstância (até a 2.ª delas) por vírgula, e também não se separa o nome de seu complemento por vírgula. 12. Encontraremos as explicações no dicionário. VERBO (regente) COMPLEMENTO (o quê?) CIRCUNSTÂNCIA (em que lugar?) 13. Os comerciantes entregaram os documentos aos fiscais. VERBO (regente) COMPLEMENTO (o quê?) COMPLEMENTO (a quem?) 14. O caso foi comunicado à imprensa pelos detetives com discrição. VERBO (na voz passiva) (regente) COMPLEMENTO (a quem?) COMPLEMENTO (por quem?) CIRCUNSTÂNCIA (de que modo?) 36 Mecanismos sintáticos 15. Seu envolvimento com os estudos mostrou-se benéfico a todos. SUBSTANTIVO ABSTRATO (regente) COMPLEMENTO (com o quê?) ADJETIVO (regente) COMPLEMENTO (a quem?) 16. Os professores almoçam aos sábados neste restaurante, desde 1995. COM VÍRGULACIRCUNSTÂNCIA (em que dia?) CIRCUNSTÂNCIA (em que lugar?) CIRCUNSTÂNCIA (desde que ano?) Assim como a concordância, a regência é um mecanismo sintático que se con- cretiza a partir de elementos tipicamente morfológicos, destacando-se nesse caso as relações com ou sem preposições. Também foi possível deduzir pelos exemplos que os complementos e as cir- cunstâncias são elementos previstos por verbos ou por nomes. Isso significa que nem todo verbo e nem todo nome tem, compulsoriamente, de estar acompa- nhado de termos regidos, os quais devem ser entendidos como potenciais no âmbito do discurso, pois atuam em função das pretensões do falante. 17. Na semana passada eu almocei. 18. Na semana passada eu almocei com minha prima. 19. Na semana passada eu almocei feijoada. As frases acima empregaram o mesmo verbo, mas observa-se que suas pre- tensões comunicativas são distintas, o que justifica a existência de um comple- mento (feijoada: almocei o quê?), de uma circunstância (com minha prima: na companhia de quem?) ou de nada (Ø: pratiquei a ação de almoçar). Mecanismos sintáticos 37 Sintaxe de colocação: palavras em sintonia e hierarquia A colocação é mais um dos mecanismos sintáticos fundamentais do portu- guês, pois é o processo que marca as possibilidades permitidas de combinação ao se construir uma frase. Todas as línguas faladas pelo homem têm uma carac- terística em comum: são feitas de palavras que se organizam segundo determi- nadas características e relações. COLOCAÇÃO As palavras e as orações são organizadas na frase segundo regras próprias. Ao falarmos em ordenar (pôr em ordem), precisamos explicar o que se chama ordem direta (ou lógica): a sequência em que o sujeito vem à esquerda do verbo, este precede os complementos e os circunstanciadores (o direto tem preferên- cia sobre o indireto, e os objetos têm preferência sobre os adjuntos adverbiais), os determinantes vêm depois dos determinados, os termos acessórios se posi- cionam à direita dos seus pares, os conectores e transpositores encabeçam os sintagmas ou orações por eles interligados. Veja o exemplo: 20. “O arrulhar destes dois corações virgens durava até oitohoras da noite, quando uma senhora de certa idade chegava a uma das janelas da casa, já então iluminada” (ALENCAR, 1975, p. 2). O trecho de Alencar exemplifica bem a ordem direta do português: a frase se inicia pelo sujeito ( � o arrulhar destes dois corações virgens) de durava; o núcleo do sujeito ( � o arrulhar) precede seu determinante (destes dois co- rações virgens); o determinante de � durava (até oito horas da noite) está à direita do verbo; a conjunção � quando encabeça a oração subordinada adverbial, que está posicionada depois da oração principal; 38 Mecanismos sintáticos o sujeito da segunda oração ( � uma senhora de certa idade) precede o verbo que com ele concorda (chegava); o determinante de � chegava (a uma das janelas da casa) está à direita do verbo; o determinado � casa precede seu determinante (já então iluminada). Esses são apenas alguns comprovantes de que o trecho de Alencar está cons- truído rigorosamente em ordem direta, o que não significa que se trata de uma ordem obrigatória no português. O mesmo trecho poderia ter sido escrito de outra maneira, sem nenhum prejuízo para sua estrutura, como vemos nos exem- plos abaixo, exatamente com as mesmas palavras: 21. Até oito horas da noite durava o arrulhar destes dois corações virgens, quando a uma das janelas da casa, já então iluminada, chegava uma se- nhora de certa idade. 22. Durava até oito horas da noite o arrulhar destes dois virgens corações, quando chegava uma senhora de certa idade a uma das janelas da casa, já então iluminada. Não há diferença sintática entre as frases, mas elas não são iguais. Qual das três representa de modo mais adequado a expressividade pretendida pelo autor? Já se vê por essas três maneiras de se construir a mesma frase que, diferentemente dos mecanismos de concordância e de regência, há muito mais maleabilidade no estudo da colocação. Em (20) a frase começa com o sujeito; em (21) inicia com a circunstância de tempo; em (22) a primeira palavra é o verbo durar. Os deslocamentos feitos em (21) e (22) (sua topicalização) são justificáveis? Em cada opção, teríamos um ele- mento destacado: o próprio acalanto dos jovens, em (20), a marcação do tempo; em (21), a noção de prolongamento que o verbo transmite – plenamente justifi- cáveis, conforme o desejasse o escritor. TOPICALIZAÇÃO Termo usado para indicar o deslocamento de um sintagma de sua posição normal na frase para o início dela – o que geralmente se dá por razões de natureza discursivo-textual. Mecanismos sintáticos 39 Façamos agora uma exemplificação ao contrário, tomando outro trecho do próprio Alencar, extraído do mesmo romance A Viuvinha. 23. “Pouco depois desapareceram os adornos da cerimônia, e na sala ficaram apenas algumas pessoas que festejavam em uma reunião de amigos e de família a felicidade dos dois corações” (ALENCAR, 1975, p. 38). Aqui, não há a rigorosa obediência à ordem lógica do português. Alencar pri- vilegiou a ordem inversa, como destacamos nas seguintes passagens: o sujeito dos verbos � desaparecer (os adornos da cerimônia) e de ficaram (algumas pessoas) está posposto; os determinantes de � desapareceram (pouco depois) e de ficaram (na sala) estão antes dos verbos; o complemento do verbo � festejar (a felicidade dos dois corações) está dis- tanciado dele pela antecipação do adjunto adverbial em uma reunião de amigos e de família. Porém, como ficaria essa opção sintática de Alencar se fosse reescrita na ordem direta? 24. Os adornos da cerimônia desapareceram pouco depois, e apenas algu- mas pessoas que festejavam, em uma reunião de amigos e de família, a felicidade dos dois corações ficaram na sala. Observa-se que o sujeito “apenas algumas pessoas”, ao ser posicionado à es- querda de seu verbo (ficaram) teve de trazer consigo toda a oração subordinada que o secundava, pois, afinal, essa oração do verbo festejar é adjetiva, isto é, de- terminante de pessoas e se posiciona depois desse substantivo. Novamente cabe perguntar qual das maneiras se presta de modo mais ade- quado à expressividade pretendida pelo autor. De todo modo, uma conclusão se pode alcançar desde logo: a ordem direta ou lógica nem sempre é a mais reco- mendável ou a melhor. Cada situação discursiva, textual, é que dirá se a escolha mais apropriada é uma, outra ou mesmo um misto de ambas. 40 Mecanismos sintáticos Adequação sintática e adequação semântica Chamamos de adequação sintática a construção coerente de períodos e orações, observadas as relações existentes entre seus termos e a sua organização. A inadequa- ção sintática pode gerar desde dificuldades localizadas de compreensão até a com- pleta ausência de sentido. A esse vício de linguagem dá-se o nome de obscuridade. A adequação semântica ocorre quando um texto demonstra competência na argumentação (na descrição, na narração ou na interpretação), evidenciada por seu autor a partir de uma seleção de opiniões, dados e fatos fundamentados no seu conhecimento de mundo. Mas é sempre oportuno lembrar que, embora re- comendáveis para as situações referenciais da vida comum, os paralelismos se- mântico e sintático podem ser quebrados com arte e criatividade. É o que Thaís Nicoleti de Camargo (2002) comenta no artigo “Falta de paralelismo semântico cria efeito de estilo”. Preservar o paralelismo semântico é tão importante quanto preservar o pa- ralelismo sintático. Mas, na pena de um bom escritor, a quebra da simetria se- mântica pode resultar em curiosos efeitos de estilo. Não foi outra coisa o que fez Machado de Assis no conhecido trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que, irônica e amargamente, o narrador diz: “Marcela amou-me durante 15 meses e 11 contos de réis”. No mesmo livro: “antes cair das nuvens que de um terceiro andar”. O uso desse artifício parece ser uma das marcas estilísticas do autor. Na aber- tura de Dom Casmurro, o narrador diz: “encontrei um rapaz, que eu conheço de vista e de chapéu”. No conto “O enfermeiro”, ao anunciar que vai relatar um episódio, o narrador ad- verte que poderia contar sua vida inteira, “mas para isso era preciso tempo, ânimo e papel”. O elemento papel, disposto nessa sequência, surpreende o leitor e instala o discurso irônico. Ter ou não papel para escrever é algo prosaico. A falta de ânimo, um problema pessoal, está em outro patamar semântico (CAMARGO, 2002). Não foi o que aconteceu com a manchete de jornal ou com a placa do salão de beleza que estão reproduzidas a seguir. Ambas esbarram na falta de parale- lismo, pois a escolha sintática não representa a intenção comunicativa, que só é compreendida porque o leitor reinterpreta o que vê para constituir a adequação inexistente no enunciado. Mecanismos sintáticos 41 M ar ce lo M or ae s. Pintos cortados? ou Corto e pinto cabelos? D iv ul ga çã o Fo lh a de S ão P au lo . Missa pela febre? ou Papa tem febre e cancela missa? No livro Sintaxe: estudos descritivos da frase para o texto (HENRIQUES, 2008, p. 17-19) exemplifico os problemas de inadequação a partir do trecho de um anún- cio publicado na Folha de S. Paulo em 17 de junho de 1998: Inadequação sintática e semântica. JOSÉ DA PENHA SANTOS, depois de ter ultrapassado o pórtico de um século de idade, no próximo dia 18 de junho, 98, a partir das 18h30, na LIVRARIA CULTURA, Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacion- al, a quem o honrar com a sua presença, dará au- tógrafos da 4.ª edição de CONHECIMENTO E VEN- TURA, muito ampliada, pois se a 3.ª edição tinha 526 páginas, tem esta 860 e 4.278 pensamen- tos dos maiores homens de todos os tempos. Propagar esta obra, não é por vaidade do autor, mas cumpre o sagrado dever de levar a desencantados co- rações o encanto de viver, conforme afirma o eminente economis- ta HENRY MAKSOUD: “O livro Conhecimen- to e Ventura está entre aqueles que se deve ter à mão como recurso nos momentos em que falta a esperança e os proble- mas parecem intrans- poníveis. José da Penha Santos nosoferece a ponte sólida e amiga”. IE SD E Br as il S. A . 42 Mecanismos sintáticos É claro que o objetivo principal do anúncio é o aviso sobre o lançamento de um livro. No entanto, suas múltiplas inadequações sintáticas, ainda que não im- peçam a compreensão dos dados objetivos sobre local, data, horário, poderão comprometer o comparecimento do público ao evento e até mesmo a venda- gem do livro anunciado. Afinal, se o anúncio tem tantos problemas textuais, não será de estranhar que o livro citado (substituíram-se os nomes do livro e do autor) esteja no mesmo nível. Vejamos alguns dos problemas sintáticos do texto: Há quase 40 palavras entre o sujeito “José da P. Santos” e o predicado “dará � autógrafos”. Esse distanciamento tira a objetividade do trecho e prejudica a compreensão da mensagem. A sequência antecipada de expressões entre vírgulas nesse mesmo trecho � é inadequada, pois mistura elementos de função diferente, a saber: “depois de ter ultrapassado o pórtico de um século de idade” refere-se � ao sujeito, mas a data que vem a seguir não é a do seu aniversário; a cadeia “no próximo dia 18 de junho, 98”, “a partir das 18h30” e “na � LIVRARIA CULTURA” refere-se circunstancialmente ao sintagma “dará autógrafos”, e o número 98 entre vírgulas é supérfluo pois o texto já usara “próximo dia 18 de junho”; “Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional” identifica uma circunstância de � “Livraria Cultura”, por meio da ideia implícita de localização; “a quem o honrar com a sua presença” complementa o verbo “dar”. � A expressão causal “pois se a edição [...] de todos os tempos”, que encerra � o primeiro parágrafo, é mal construída porque: o sujeito (com a palavra � edição subentendida) está depois do verbo e há dois numerais seguidos (o primeiro com a palavra páginas suben- tendida); entre a palavra � pois e o restante da expressão causal foi inserida uma ora- ção condicional com apenas a vírgula da direita (toda inversão de oração circunstancial deve ser marcada por duas vírgulas). O segundo parágrafo começa com três erros graves, a saber: � a vírgula entre o sujeito “propagar esta obra” e o seu predicado “não é”; � Mecanismos sintáticos 43 o emprego desnecessário da preposição “por” (o correto seria: “propa- � gar esta obra não é vaidade do autor”); a oração adversativa “mas cumpre o sagrado dever...” não dá sequência � ao trecho anterior (ou seja: propagar esta obra não é vaidade – verbo de ligação + substantivo –, mas cumpre – verbo transitivo?) = a coesão se daria se estivesse assim: “propagar esta obra não é vaidade do autor, mas é o cumprimento do sagrado dever de”. Ora, se o redator do anúncio tivesse observado a ordem das palavras nas frases e considerado a hierarquização das informações, teria produzido um texto mais objetivo e claro. Um dos resultados, procurando, ao máximo, respeitar as escolhas lexicais do original, poderia ser: Versão adequada sintática e semanticamente. Depois de ter ultra- passado o pórtico de um século de idade, JOSÉ DA PENHA SANTOS dará au- tógrafos da 4.ª edição de CONHECIMENTO E VEN- TURA a partir das 18h30 do próximo dia 18 de junho, na LIVRARIA CUL- TURA (Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional), a quem o honrar com a sua presença. Muito am- pliada, tem esta edição 860 páginas e 4.278 pensamentos dos maio- res homens de todos os tempos, enquanto a 3.ª tinha 526 páginas. Propagar esta obra não é vaidade do autor, mas o cumprimento do sagrado dever de levar a desencantados corações o encanto de viver, con- forme afirma o eminen- te economista HENRY MAKSOUD: “O livro Co- nhecimento e Ventura está entre aqueles que se deve ter à mão como recurso nos momentos em que falta a esperança e os problemas parecem intransponíveis. José da Penha Santos nos oferece a ponte sólida e amiga”. IE SD E Br as il S. A . 44 Mecanismos sintáticos Assim, falar em adequação sintática significa falar em “bom-senso e critério nas escolhas sintáticas”, tanto no âmbito da frase como no âmbito do parágrafo e do texto. Fica evidente que a chamada adequação sintática é um instrumento em favor da adequação semântica, que outra coisa não é senão a realização coerente do que se pretende dizer. Por isso, concordamos com Carlos Franchi (2006, p. 102) quando afirma que “a teoria gramatical visa estabelecer a relação entre a forma das expressões e sua significação”, ou seja, que é necessário “mostrar as correla- ções entre a estrutura sintática e a estrutura semântica”. Texto complementar Organização da frase (CARONE, 1995) É esse o nome que Tesnière dá àquela energia que imanta as palavras e as faz organizarem-se em sintagmas, e estes em orações. Usamos as palavras energia e imantar, pouco usuais num contexto gramatical, para salientar o caráter abstrato das relações sintáticas, que é algo que se instala indepen- dentemente de concretizações de qualquer natureza. Em “João sai” não há apenas dois elementos sintáticos, mas três: “João”, “sai” e a conexão sintática, que articula os dois e inaugura uma unidade de nível superior: a oração. A conexão é uma relação de dependência que se estabelece entre dois ele- mentos; desses, um é o central, o outro é o marginal. O marginal pressupõe o central, mas o inverso não é verdadeiro. Na sílaba a consoante pressupõe a vogal; no vocábulo, afixos pressupõem um radical; no sintagma nominal, artigo e adje- tivo pressupõem um substantivo. Na oração, o pressuposto é o verbo, elemento central com que se articulam os demais, imediata ou mediatamente. Muitas de nossas gramáticas, certamente orientadas pela NGB, que é um roteiro oficial, não aproximam as noções de regência e subordinação, só mencionando esta última palavra quando vão tratar do período composto. Ora, quando as palavras se organizam em sintagmas, e estes em orações, fazem-no graças à conexão entre um termo central (regente, subordinante) Mecanismos sintáticos 45 e um termo marginal (regido, subordinado). O dirrema (frase nominal bi- membre) e a frase verbal (oração) organizam-se por subordinação. Nenhuma frase se formaliza unicamente pela coordenação de seus termos; na verdade, coordenam-se termos em uma frase já estruturada por subordinação. Se- quências de nomes coordenados não constituem uma estrutura frasal: cada um deles é, por si, uma frase nominal unimembre. Quando o falante de uma língua depara com um conjunto de duas pala- vras, intuitivamente é levado a sentir entre elas uma relação sintática, mesmo que estejam fora de um contexto mais esclarecedor. Se for o conjunto fala viva, por exemplo, ele poderá interpretá-la como: uma fala (expressão) viva (vivaz, fluente); � alguém fala (diz) a palavra viva; � fala (imperativo: tu) a palavra viva; � ela fala estando viva; � que a fala (substantivo) viva (subjuntivo, optativo). � Assim, além de captar o sentido básico das duas palavras, o receptor atribui-lhes uma gramática – formas e conexões. Isso acontece porque ele traz registrada em sua mente toda a sintaxe, todos os padrões conexionais possíveis em sua língua, o que o torna capaz de reconhecê-los e identificá- -los. As duas palavras não estão, para ele, apenas dispostas em ordem linear: estão organizadas em uma ordem estrutural. A diferença entre ordem estrutural e ordem linear torna-se clara se elas não coincidem, como nesta frase que um aluno criou em aula de redação, quando todos deviam compor um texto para outdoor, sobre uma fotografia da célebre cabra de Picasso: “Beba leite de cabra em pó!” Como todos rissem, o autor da frase emendou: “Beba leite em pó de cabra!” Pior a emenda que o soneto. Mas a frase foi ótima para perceberem o constrangimento (às vezes insolúvel) que a ordem linear impõe, visto que nem sempre é possível seguir, palavra por palavra, os caminhos da ordem estrutural. Todos, porém, com a intuição de falantes nativos, haviam captado a ordem estrutural, a sintaxe da frase: 46 Mecanismos sintáticos beba (você) leite de cabra empó Num processo de comunicação verbal, quando o emissor produz uma frase, faz uma dupla escolha: a dos conceitos que quer transmitir, e a do arranjo gramatical que dará forma a seu pensamento. Ao formular concre- tamente sua frase, porém, tem de submeter-se à dimensão do tempo, que transcorre numa linha única; por esse motivo, a ordem estrutural, que é toda uma armação abstrata, mas pluridimensional, deverá conformar-se à lineari- dade da frase realizada. Inversamente, ao ouvir uma frase – que lhe chega linearmente, palavra após palavra, som após som –, o receptor capta e reconhece as conexões sintáticas que a estruturam, e reconstitui em sua mente a rede de relações que seu interlocutor escolheu para compor a mensagem. Para que essa miraculosa transferência de mente a mente se opere, é ne- cessário que ambos os interlocutores possuam os registros das combinações sintáticas possíveis na língua em questão. Quando se trata da língua materna, a sintaxe é haurida à medida que a criança ouve o que lhe dizem, ou o que se diz a sua volta; e, num espaço de tempo espantosamente pequeno para a grandeza do mistério, estará apta a criar frases diferentes das que ouviu, realizando combinações novas com os padrões sintáticos que já fixou. Dicas de estudo BECHARA, Evanildo. “Sintaxe: noções gerais”, lição I do livro Lições de Português pela Análise Sintática. O autor define oração e focaliza temas como a entoação oracional, a impor- tância da situação e do contexto, como se constituem as orações e quais os seus tipos, entre outros assuntos relevantes para o estudo da sintaxe. Mecanismos sintáticos 47 KURY, Adriano da Gama. “Noções básicas preliminares”, primeiro capítulo do livro Novas Lições de Análise Sintática. O capítulo explica o que é análise sintática e qual sua finalidade, além de apresentar as noções de termos como frase, oração e período. Estudos linguísticos Concordo com você em gênero, número e grau GRAU? IE SD E Br as il S. A . 1. Comente, do ponto de vista gramatical, a possível incoerência existente na frase usada na charge, que repete o conhecido chavão “Concordo com você em gênero, número e grau”. 48 Mecanismos sintáticos 2. Construa duas frases com o verbo implicar, de modo a explicar seus traços de regência quando significa aborrecer e quando significa incluir, determinar. Mecanismos sintáticos 49 3. Escreva a seguinte frase na ordem direta: “Finalmente, chegaram ontem de Londres os dois passageiros do ônibus espacial brasileiro.” 50 Mecanismos sintáticos Referências ALENCAR, José de. A Viuvinha. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1975. ALI, M. Dificuldades da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1966. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Ática, 1996. AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. 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As frases devem reproduzir os seguintes modelos: “Você sempre implica com seu irmão” (pede complemento com preposição com quando significa abor- recer) e “O pacote econômico implica novas despesas” (pede complemento sem preposição quando significa incluir). 3. Os dois passageiros do ônibus espacial brasileiro chegaram ontem de Lon- dres, finalmente. Mecanismos sintáticos 53 O objetivo desta aula é descrever a estrutura oracional do português, a partir da dicotomia sujeito-predicado. Além de discutir a questão da essencialidade desses termos, trataremos também de sua classificação e tipologia. O sujeito e o predicado Em português uma oração apresenta normalmente uma estrutura dual, obrigatoriamente centrada em um verbo (SV = sintagma verbal), que fun- ciona como eixo relacionado a um sujeito (SN = sintagma nominal). Os autores normalmente afirmam que a estrutura básica da oração tem esse caráter bimembre. É o que dizem, por exemplo, Celso Cunha e L. Cintra (2007, p. 136): “São termos essenciais da oração o sujeito e o pre- dicado. O sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração; o predica- do é tudo aquilo que se diz do sujeito.” Explicação semelhante se vê em Rocha Lima (1992, p. 234): “Em sua estrutura básica, a oração consta de dois termos, o sujeito (o ser de quem se diz algo); e o predicado (aquilo que se diz do sujeito).” Um dos comentários a fazer sobre essas definições tradicionais reco- menda que relativizemos o entendimento das palavras ser e essencial. Nem sempre o sujeito é um ser no sentido dicionarizado; nem sempre o sujeito está concretamente presente na frase. Agindo assim, não deverão nos pre- ocupar algumas indagações de ordem lógica (e não sintática) do tipo: Se o sujeito é um termo essencial, como existe oração sem sujeito? � (Choveu muito ontem) Se o sujeito é um ser, como existe sujeito que não é um ser? (A com- � pra foi um sucesso) Termos essenciais da oração 55 56 Termos essenciais da oração Resolve-se a primeira pergunta com um silogismo: se o sujeito não fosse um termo essencial, por que teríamos de reconhecer que, em determinadas frases, ele não existe? Fala-se em oração sem sujeito, mas não se fala em oração sem objeto direto, oração sem predicativo. Isso deixa implícito que o sujeito
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